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28.12.06

Alone



Numa conversa com um novo amigo de orkut discorríamos sobre a solidão. Amigo de nome diferente - Daniel Sulzbach Szmidt - gaúcho, também professor. Fomos de Milan Kundera a Edgar Allan Poe, passando por Barthes. Falamos da solidão inata e da incompatibilidade de almas. Num dado momento da conversa ele me mostrou um poema do Poe. Foi amor à primeira leitura. Não conhecia tal poema. Meu amigo de nome diferente foi dormir. Fiquei aqui sozinho a me embriagar nas palavras da minha mais nova paixão... “Tudo o que amei, amei sozinho”... Essas palavras não paravam de ribombar na minha cabeça... Fui lá nas minhas reminiscências buscar eco para elas. Me vi garoto, tal como Poe, trilhando caminhos diferentes, falando línguas outras que ninguém compreendia... criador da minha própria filologia... Hoje, homem feito, pareço ainda seguir esse desenho que meus passos traçaram desde muito cedo. É algo de que não tento mais escapar há tempos. Moldou-se em mim essa tendência para o caminhar vazio, como a máscara da Tabacaria que, quando a quis tirar, “estava colada à cara”... Mas ao menos meu linguajar me é próprio, e disso me orgulho... Posso prescindir de meus irmãos, posso prescindir dos amores todos, posso prescindir de toda vã companhia... só não posso prescindir de mim mesmo... De mim não abro mão... Da criança que fui ao homem feito que me tornei pouco restou senão essa profunda e dolorosa lucidez... Fiz-me homem na dor do ver mais do que os outros viam... E na ofuscante beleza dessa dor, ceguei-me para toda e qualquer possibilidade outra que não o caminhar sozinho...


SOZINHO

Não fui na infância como os outros
e nunca vi como outros viam.

Minhas paixões eu não podia

tirar de fonte igual à deles;

e era outra a origem da tristeza,

e era outro o canto que acordava

o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.

Assim na minha infância, na alva

da tormentosa vida, ergueu-se,

no bem, no mal, de cada abismo,

a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,

da rubra escarpa da montanha,

do sol que todo me envolvia

em outonais clarões dourados;

e dos relâmpagos vermelhos

que o céu inteiro incendiavam;

e do trovão, da tempestade,

daquela nuvem que se alteava,

só, no amplo azul do céu puríssimo

como um demônio, ante meus olhos.


(Edgar Allan Poe)




FILOLOGIA ROMÂNTICA

Tenho cá comigo
minha própria gramática
meus próprios adjetivos
minha própria regência
Trago na língua
o sabor controvertido
das conotações diversas
Sujeito oculto
E oculto devo me manter
Sob pena de ser feito
inexistente
pela chacota dos puristas
Quem sabe um novo tempo
uma nova sintaxe das relações
novos paradigmas...
A coordenação anulando
ancestrais processos
de subordinação...
Os amores todos
no mesmo campo semântico
Nenhuma regra ou exceção
E as gentes no seu
linguajar gostoso
espontâneo
prosivivendo paixões
da maneira
que as satisfaz.

(Edmilson BORRET)


UM HOMEM FEITO

Se algum dia num banquete patriarcal
dignarem-se a erguer um brinde em minha homenagem,
largo o garfo, espreito meu pai na cabeceira, subo na cadeira
e para que ninguém duvide de minha sanidade:
— É realmente o dia mais feliz da minha vida!
Comovido, agradeço os sinceros aplausos,
papai disfarça uma lágrima
e volto a destroçar o peru,
certo de que não foi ainda dessa vez
que sucedeu um escândalo em família.

(Edmilson BORRET)



Lembro-me de quando era criança e via,
Como hoje não posso ver,
A manhã raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim
Mas para a vida.
Porque então eu, (não sendo consciente)
Eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria.
Hoje vejo a manhã e tenho alegria.
E fico triste.
Eu vejo como via, mas por trás dos olhos, vejo-me vendo.
E só com isso, se obscurece o sol,
O verde das árvores é velho,
E as flores murcham antes de aparecidas.

(Fernando Pessoa)
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