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17.10.10

Alguma coisa está fora da ordem...

Pedofilia, sorvete Kibon, Illuminatis e o Dispensacionalismo




Hoje recebi um e-mail da minha amiga Isabel Goulart, a Bel que já até cantei aqui mesmo neste blog num dos poemas que mais gostei de ter escrito. O e-mail alertava para os prováveis símbolos da pedofilia, símbolos esses que um relatório do FBI teria levantado em 2007. Segundo tal relatório, os "boylovers" (eufemismo anglófono para "pedófilo") se fazem (re)conhecer e identificar através de três símbolos que denotariam suas predileções: se preferirem meninos, usam um pequeno triângulo, envolto por um triângulo maior. O triângulo grande significa um homem adulto; o triângulo menor, um garoto. Se o boylover quiser enfatizar a pequenez dos garotos que ele cobiça, o pedófilo usa então a logo do “pequeno boylover”, que é mais arredondado e mais fino que símbolo do boylover, como se representasse “ter sido desenhado por uma criança”. Se, por outro lado, os pedófilos preferem meninas, se identificam com um coração menor envolto por um maior. Já os pedófilos sem preferência sexual indicam seu bizarro entusiasmo com um símbolo de uma borboleta composta por dois corações grandes e dois pequenos. Segundo o relatório do FBI, tais símbolos estariam sendo utilizados em websites, roupas, jóias e até mesmo em moedas. Vejam a seguir, cópia do documento do FBI:






O e-mail repassado pela minha querida amiga Bel alerta ainda para o fato de que "eles" poderiam estar entre nós e que se, por caso, virmos alguém usando algum desses símbolos em anéis, cordões, pulseiras, broches, etc, devemos avisar imediatamente as autoridades. Fico aqui imaginando o quanto de patrulhamento isso poderia gerar. Fui até mesmo verificar meu novo anel de prata para me certificar que nenhuma das inscrições nele possa ser confundida com símbolos ou logos pedófilos. (pausa para respirar aliviado)

Mas então fui à busca de mais informações sobre esses tais símbolos. A internet, atualmente, é um terreno fértil para alarmismos de toda sorte. Se, a cada vez que recebemos e-mails desse tipo, não formos verificar a autenticidade das informações, corremos o risco de estarmos propagando mentiras sob pretexto de "boas intenções". Afinal, até mesmo um ateu convicto como eu sabe que de boas intenções o inferno está mais lotado que trem da Central às 5 da tarde. Realmente, numa pesquisa rápida pelo Google, descobre-se que o FBI publicou tal relatório. Não havendo mais tantos subversivos mundo afora, notadamente na América Latina, os caras agora têm tempo de sobra para ficarem catalogando símbolos e logos por aí. Tudo muito útil e relevante! Sinceramente, não sei como a UNESCO ainda não conferiu ao FBI o status de patrimônio cultural da humanidade...

Entretanto, numa das entradas propostas pelo Google na tal pesquisa que fiz, deparei-me com um site chamado Ecocídio. A princípio, até parece um site legal, com matérias bem esclarecedoras sobre meio ambiente, sobre alternativas naturais para a sustentabilidade, sobre o monopólio e o lobby de algumas empresas não comprometidas o desenvolvimento sustentável do planeta, etc. A princípio... Porque, quando a gente começa a se aprofundar na leitura dos artigos do site, imediatamente a gente percebe o verdadeiro propósito do mesmo: mais um dos milhares de sites preocupados em abrir os olhos da humanidade para o perigo iminente que paira sobre nós e nossos filhos... a ascensão do Anticristo preparada pelos Illuminatis. Ai, ai, ai.... sim, de novo eles! Seria apenas mais um site, se o autor do texto não chegasse ao absurdo de associar a pedofilia aos Illuminatis na figura de William Hesketh Lever, presidente da Unilever. Isso mesmo!! O presidente da maior corporação mundial seria não só um pedófilo mas também um illuminati e isso ficaria claro pela escolha que a Kibon, uma das empresas do conglomerado Unilever, passou a adotar a partir do ano de 2000: o logo dos corações concêntricos. Mijei de rir! E para vocês mijarem de rir também, eis aqui o tal logo. Clicando nele, vocês poderão ler essa "maravilha" de texto:




Bom, já mijaram bastante? Então esqueçamos as mijadas e passemos às cagadas! Porque é assim que encaro toda essa história de illuminatis: uma grande cagada! Tem um pessoal aí vendo teoria da conspiração em tudo, notadamente alguns setores do Cristianismo. Segundo esse bando de acéfalos, há um grupo de pessoas agindo nos bastidores da História desde o século XVIII, influenciando governos e nações, a fim de proclamar o reino do Anticristo na Terra. Numa rápida pesquisa no YouTube, podemos achar inúmeros vídeos que "provam" a ação dos illuminatis em vários eventos recentes ou não da história da humanidade. Até a gripe suína seria obra desses satânicos!!!

Modernamente, essa ameaça atende pelo nome de Illuminatis, numa referência clara aos Illuminati da Baviera (uma sociedade secreta da era do Iluminismo fundada em 1 de maio de 1776); mas ela já teve outros nomes em outras épocas, indo desde a Maçonaria até os Templários. No fundo, tanto illuminatis, quanto maçons, rosa-cruzes, templários e tantos outros seriam apenas as várias faces de um mesmo monstro chamado "o Priorado de Sião". Pesquisas já levadas a cabo por Baigent, Leigh e Lincoln em seu O santo graal e a linhagem sagrada, apoiadas sobretudo nos "Manuscritos do Mar Morto" de Qumran mas também em vários outros documentos, apontam sim para uma sociedade secreta que remontaria aos primeiros cristãos e à cisão que se deu, àquela época, entre o cristianismo paulino e aquele desenvolvido pelo núcelo do qual Madalena teria feito parte. Esse segundo grupo (o de Madalena) é que estaria por trás do Priorado do Sião, seria a linhagem sagrada merovíngia, os descendentes de Jesus que lutam desde então para reassumir o trono de Israel: a tal da "serpent rouge" que teria, até os dias de hoje, descendentes vivos ainda na França reclamando o trono. Foram considerados, desde sempre, como satânicos e hereges pelo Cristianismo, justamente por pregarem que Jesus não teria divindade alguma; mas que teria casado e tido filhos como qualquer judeu normal da sua época. Durante muito tempo fez-se de tudo para que se acreditasse que toda essa documentação do Priorado de Sião era ultra secreta e que a Igreja de Roma fez de tudo para escondê-la, inclusive com a pena capital da fogueira para os hereges templários, cátaros ou albigenses. Mas, de uma hora para outra, sobretudo depois da publicação do livro de Baigent, Leigh e Lincoln, essa história virou moda. Aí surgiu um tal de Dan Brown que popularizou de vez a babaquice toda com o seu O código da Vinci. Dizem as más línguas, inclusive, que Dan Brown nada mais seria que um "ghost writer" do Vaticano para ridicularizar toda essa teoria do Priorado do Sião. Se foi essa intenção ou não da Igreja, eu, particularmente, acho que ele conseguiu.

Obviamente que, para fazer frente à grandiosidade de toda essa história que poderia abalar uma fé de mais de 2000 anos, setores mais conservadores e fundamentalistas do Cristianismo (leia-se evangélicos neopentecostais) precisariam criar toda essa teoria da conspiração. E é aí que entram os dispensacionalistas. O dispensacionalismo é uma doutrina teológica e escatológica cristã que afirma que a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, envolvendo o arrebatamento e um período de sete anos de tribulação, após o qual ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de deus na Terra. E que essa batalha do Armagedon acontecerá quando o Anticristo surgir. Sim, aquele mesmo Anticristo para o qual os illuminatis (face moderna do Priorado) estariam preparando o terreno há muito tempo. A palavra "dispensação" deriva-se de um termo latino que significa "administração" ou "gerência", ou seja, se refere ao modo como deus interage com a humanidade e administra sua verdade em diferentes períodos de tempo. Segundo essa doutrina, seriam sete dispensações ao todo e nós já estaríamos no sexta: a última seria a do reino milenar, do qual só poderiam usufruir os que, não tendo sido arrebatados, sobrevivessem ao Armagedon do Apocalipse 20. O dispensacionalismo prega uma interpretação consistentemente literal das Escrituras, em particular da profecia bíblica. E isso é interessante justamente para mostrar como essa teologia acredita que o próprio Jesus vai caminhar de novo sobre a Terra para reclamar seu trono. Isso vai de encontro ao que teoricamente pregariam os satânicos illuminatis adoradores de Baphomet que insistem que eles sim vão reconduzir o verdadeiro rei de Israel ao trono que lhe é de direito.

O mais curioso, no entanto, é que para esses partidários da teoria da conspiração, os EUA seriam a nação do Anticristo. Quase todos os presidentes americanos seriam illuminatis e estariam conspirando para a tal Nova Ordem Mundial. Esses loucos tentam provar por A+B que há símbolos illuminatis por toda a parte na cultura americana. O mais conhecido desses símbolos seria o "olho que tudo vê", que aparece no grande selo dos EUA e na nota de 1 dólar. Afirmam que sociedades secretas como a "Skull and Bones", cujo símbolo é uma caveira com ossos em forma de cruz, seriam o ramo dos illuminatis nos EUA que pretendem, em última instância, estabelecer um governo mundial por meio de assassinatos, corrupção, chantagem, controle dos bancos e outras entidades financeiras, infiltração nos governos, e causando guerras e revoluções, com a finalidade de colocar seus próprios membros em posições cada vez mais altas da hierarquia política e de substituir todas as religiões e nações com o humanismo e um governo mundial único. Chegam ao ponto de afirmar que esses mesmos presidentes seriam aliados de outros líderes mundiais igualmente satânicos, como Saddam Hussein e Hitler. Afirmam que os EUA teriam apoiado o holocausto, por exemplo. Não percebem, esses imbecis, a incoerência de tal afirmação! Se, como expus acima, os illuminatis nada mais são que a versão moderna do Priorado, que estaria tentando regressar uma linhagem diretamente descendente da casa de Davi ao trono de Israel, como eles poderiam estar de acordo com a matança de milhares de judeus? Ou será que eu perdi alguma coisa nesse emaranhado todo de conspirações e lutas pelo poder????


Símbolo da Skull and Bones (Caveira e Ossos). Teorias conspiratórias
afirmam que a Skull And Bones seja o ramo americano dos Illuminatis.




A pirâmide com "o olho que tudo vê" e o lema Novus Ordo Seclorum
no Grande Selo dos Estados Unidos, é considerado um símbolo dos Illuminatis.




Enfim, é uma bobajada só tanto de um lado quanto de outro. O que só demonstra o mal que religiões e crenças podem fazer às pessoas. Enquanto mitologia, é tudo muito fascinante: nem Homero conseguiria criar um universo de mitos, símbolos, heróis e deuses de tal envergadura. O grande problema, porém, é que para os teístas isso não é mitologia. E pessoas têm morrido através dos séculos por conta disso. E tantas outras, acredito eu, morrerão nesse embate infindável entre as forças do bem e do mal.

Embate, aliás, que já se faz notar no próprio seio da crença evangélica. As denominações várias que pululam por aí se engalfinham e se acusam mutuamente de estarem ligadas ao satanismo e aos illuminatis. Li recentemente, no blog de um cristão reformado conservador, uma matéria hilária que ele escreve sobre o fato da "burrice gospel" (sic) estar atualmente inclusive acusando o craque Kaká de pertencer aos illuminatis e pregar o satanismo. Embora discordando de muita besteira que esse tal cristão reformado conservador escreve, gostei do jeito irônico e sarcástico como ele se refere aos seus "irmãos de fé" mais fundamentalistas e até mesmo dei boas risadas. Para quem quiser dar boas risadas também, só clicar AQUI.

9.10.10

O Baile... e ainda ontem eu tinha 20 anos (reload)*




O ano era 1989, eu tinha 22 anos. Na faculdade, a professora de francês passou um filme que nenhum de nós tinha visto ainda: O Baile, do diretor italiano Ettore Scola, um filme de 1983. Embasbacamento geral! Todos os alunos mudos, exatamente com os personagens do filme... Embora as bocas permanecessem fechadas, os queixos estavam caídos: mais do que uma figura de retórica, esse paradoxo da expressão facial revelava os dois opostos numa mesma reação de estupefação e deslumbre diante das imagens que invadiam nossas retinas. Nenhuma palavra, nenhum diálogo e 50 anos de história da França e do mundo se passavam em pouco menos de 2 horas de filme. Eu tinha que escrever alguma coisa depois daquilo. Sempre foi assim: quando algo me toca profundamente, eu tenho que escrever sobre.

Por isso, caros leitores, o texto que segue é um texto de juventude (e nesse caso aqui, traduzido – o que é pior). Queiram, portanto, perdoar o que pode haver de ingenuidade nele. Trata-se, no fundo, do ardor típico dos jovens. Ao arrumar velhos papéis, resolvi remexer nos sótãos da memória. E eis que esse texto meio que pulou entre vários outros. Mas... atenção, caros leitores! Não se invade impunemente o reino das memórias. Lágrimas sempre me vêm aos olhos lendo esses meus textos de outrora. Tantas coisas vividas... Ça voulait dire on a vingt ans... On était jeunes, on était fous...





O Baile


Bem, bem... aqui estou mais uma vez ! Tudo recomeça. O salão já foi limpo, arrumado, iluminado. As filas de mesas pacientemente dispostas dos dois lados do salão. Agora fazer o mesmo com os copos, as garrafas... A vida, a alma, o mundo, nada está rigorosamente em ordem, mas o salão, pelo menos o salão, ele tem que estar. Arrumar o exterior para se ter a impressão de haver arrumado o interior. Quem disse que devemos nos ater a isso? Não sei. Mas é realmente uma responsabilidade essa minha, quase um poder! Dar-lhes essa frágil e débil aparência de organização. Quanto isso me custa entretanto! Cabe a mim a realização ou o fracasso de suas esperanças. Pois no baile, como na vida, nunca deve haver meio-termo: é tudo ou nada. E eu bem no meio. O que eles esperam de mim? Já estou farto de lhes preencher os espaços entre o desejado e o vivido. Nem consigo me lembrar do meu primeiro baile. Posso, contudo, assegurar a quem quiser crer que desde aquele momento eu já sabia o que eu viria a ser para sempre: o sujeito que organiza e ordena os sonhos alheios. O que esperam essas pessoas? E eu, o que eu espero? Ah sim... elas chegaram. Elas sempre chegam primeiro, as mulheres. Pelo menos aqui no baile – é importante observar. Sempre a mesma cena. A descida das escadas, elegante, segura. Um desfile até o fundo do salão para verificar no espelho se o exterior está em ordem. Retocada a máscara, a armadura resplandecente, à batalha! Allons les dames de la Patrie! Marchons, marchons! Elas esperam no compasso da música, sempre a mesma... “J’attendrai le jour et la nuit” – berra o toca-discos. Todas esperam. Olhando-se, se comparando talvez. Qual a mais bonita? Se cada uma pudesse adivinhar o interior umas das outras, seriam certamente todas a mesma e uma só. Elas seriam eu. E eu seria elas. Ou talvez eles, que acabam de chegar... os homens. O mesmo ritual: a descida, o desfile. Dá-se início ao espetáculo. As mulheres sentadas às mesas. Os homens ao balcão. Essas posições marcadas como num quadro ou num palco não são absolutamente por acaso. Dessa forma, pode-se observar o que é oferta e o que é demanda nas particularidades de cada um dos lados. Exatamente como um jogo. Um jogo de trocas. Um jogo de encaixe. De um lado, a presa; do outro, o caçador. Sem que se saiba muito bem quem faz qual papel. De qualquer maneira, é preciso se lançar ao jogo. Mas quem começa? Et maintenant que vais-je faire? A gente se pergunta sem esperar uma resposta que seja. De tout ce temps que sera ma vie? De todo esse pouco espaço de tempo que é o baile. De toda essa imensidão de tempo que é minha vida. De tous ces gens qui m’indiffèrent... Toda essa gente que me ignora e que me atrai o olhar ao mesmo tempo. Senhorita, há um bom tempo que a observo. Poderíamos abrir a dança, que tal? Senhoritas, há quase meio século que as observo. Senhores, há quase meio século que rio de vocês. Em todo caso, dansons joue contre joue! Eu já guardei suas fitas vermelhas por ocasião de suas primeiras férias remuneradas. Já lhes servi ein Bier ou einen Wein. Já colhi flores de uma primavera não muito calma, ainda que por todos os lugares se cantasse que tudo aquilo de que precisávamos era o amor – você se lembra, Michelle? Já vi tanta coisa nesse salão que eu não teria por que me desculpar se me colocasse acima de tudo isso, acima de todos vocês. Vocês são os mesmos há muito tempo. Apenas suas músicas e seus passos é que mudaram. Valsa, tango, twist, bebop, biguine, blues, boston, cakewalk, charleston, fox-trot, java, jerk, marcha, mambo, one-step, paso doble, rock, rumba, samba, slow fox, swing, discoteca – já vi todos, já dansei todos. E ainda assim não me sinto de forma alguma velho. Não fui eu que envelheci. Foram os ritmos que mudaram. Foi o deus do tempo que envelheceu. E eu, eu aqui rindo disso tudo. Não fosse assim, vocês não existiriam. Sou eu que lhes forneço o seus exteriores, damas e cavaleiros. As guerras, as ondas, as danças, elas passam. Eu, meu salão, minhas bebidas – seu whisky, senhora – eu continuo. Enquanto vocês desenrolam esse grotesco acasalamento, eu espero. Aliás, como sempre esperei. E esperarei. J’attendrai...

(Edmilson BORRET - num mês qualquer de 1989)












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* Para quem domina a língua francesa, confira AQUI a postagem original desse texto em francês feita em junho de 2007.


Quem quiser saber mais sobre o filme O Baile e sobre o diretor Ettore Scola, basta clicar AQUI.

1.10.10

Diagnóstico

(Autoria da foto: Edmilson Borret - 03/06/2010)


Ai essa febre
essa dor no peito
essa falta de ar
esse amargor na boca
essa vontade de chorar
essa tristeza sem fim

- É grave, doutor?
- Tens o pulmão esquerdo
perfurado
morto
necrosado.
- E o coração, doutor,
o coração, o coração?...
- Ir-re-me-di-a-vel-men-te
perdido, meu rapaz...
Também
quem mandou abusar?
Quem mandou
não lhe saber os limites?

Quem mandou amar tanto?

(Edmilson BORRET)

Sobre homens e corações (reload)

(Título da foto: "Maior idade..." - Autoria: Edmilson Borret - 27/09/2009)



"Eu tenho um coração maior que o mundo
tu, formosa Marília, bem o sabes;

um coração, e basta,

onde tu mesma cabes"


(Tomás Antônio Gonzaga)





Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.

Nele não cabem nem as minhas dores.

Por isso gosto tanto de me contar.

Por isso me dispo,

por isso me grito,

por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:

preciso de todos.


Sim, meu coração é muito pequeno.

Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.

A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.

Mas também a rua não cabe todos os homens.

A rua é menor que o mundo.

O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.

Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.

Viste as diferentes cores dos homens,

as diferentes dores dos homens,

sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso

num só peito de homem... sem que ele estale.


(...)

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.

Só agora descubro

como é triste ignorar certas coisas.

(Na solidão de indivíduo

desaprendi a linguagem

com que homens se comunicam.)


(Carlos Drummond de Andrade)




Grandezas & Misérias

Nada foi dito.
Pensa-se muito
mas nada é dito.
E teu futuro não espelha
grandeza nenhuma.
No meu coração
sei que a fábula é única.
O tempo passa
a história o enfrenta.
No fundo do meu coração
percebo a miséria de se estar.
No meu coração sei que nada foi dito.
No meu coração - e eu o tenho.

Tu bem sabes, Marília -
eu quase tenho um coração
maior que o mundo.

(Edmilson BORRET)
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