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25.6.07

De casamento, de separação & de solidão


Pois é, minha amiga. Outro dia falávamos sobre solidão e nos magoávamos. Entretanto, eu podia perceber que você me compreendia ainda assim. Ah, as impossibilidades de algumas relações!!! A gente se mascara, não?! Depois, você me perguntou: "Na sua opinião, o casamento pode dar certo?" Não lhe respondi de imediato... Eis-me aqui então.

Já que vamos falar de solidão, devo lhe dizer que não entendo nada do assunto. Eu a trago em mim, sinto-a em mim, mas dela não entendo nada... da mesma forma que nada entendo de casamento. O que eu poderia falar? Você desdenhou e riu de mim por nunca tê-lo vivenciado. Mas será realmente necessário tê-lo vivido para falar disso? – fico aqui me perguntando... Ok, então. Falemos de relação antes de tudo! O casamento sendo apenas umas dessas possíveis relações, e não "A Relação".

O que é uma relação entre duas pessoas? Eu costumo chamá-la de "um desvio". Uma forma de se fazer um desvio para escapar ao caminho inequívoco da solidão. Somos todos seres solitários, isso é uma verdade inescapável. Faz parte da natureza humana. Portamos em nós uma solidão inata. Aliás, nos dois momentos limites de nossa terrena existência, estamos total e completamente sós: ao nascer, nascemos sós; ao morrer, morremos sós. Entre esses dois momentos, o que fazemos nada mais é do que disfarçar essa condição natural do homem. O casal, a tal cara-metade, é o disfarce por excelência de toda essa porra. Com freqüência, esperamos que o outro preencha o vazio de nossa existência. A gente diz "eu te amo" e isso já é uma puta responsabilidade para o outro. Puta que pariu! Que carga de responsabilidade jogamos nas costas do outro quando lhe dizemos um simples (porém necessário, veja bem!) "eu te amo"!!!! E vice-versa... Assumimos responsabilidades para com o outro que, no fundo, seriam responsabilidades para com nós mesmos. "Tudo bem, eu te acolho, eu te abrigo" – dizemos com freqüência. Quando na verdade, gostaríamos de dizer:"Acolha-me, abriga-me!"

É preciso ter muito colhão para aceitarmos nossa solidão, minha amiga! É preciso saber que o casal não é uma solução, um fim – mas um meio. O tal do amor sempiterno não existe, ok? Ah sim, e aquele e-foram-felizes-para-sempre também não existe, ok? Sinto informar que não lhe contaram toda a estória. Que parte do "era uma vez" que você não entendeu? Voltando, porém, à sua pergunta: sim, sem dúvida alguma o casamento pode ser algo que dê certo. Se assim não fosse, ele não teria razão de existir, oras! O que as pessoas insistem em fazer, no entanto, é tentar conferir ao casamento esse status de mutualidade tanto da felicidade quanto da infelicidade. Pela mãe do guarda, minha querida! Não quero ser um estraga prazeres, mas felicidade ou infelicidade são estados d’alma próprios ao indivíduo (a própria etimologia da palavra já dá conta disso: "indivíduo" = indivisível, único, só). Só dele, de mais ninguém. Como compartilhar esses sentimentos? A gente compartilha cama, escovas de dentes, dívidas, momentos, sensações e uma pá de outras coisas numa relação. Mas não venha me dizer que sentimentos são compartilhados... na boa. No casal, no casamento como queira enfim, temos quando muito duas liberdades que vão assumir o compromisso de se descobrirem, se enfrentarem, se respeitarem e talvez se ampliarem. E também (calma! não me voe no meu pescoço ainda não, minha amiga!) o desejo!!! É... às vezes o desejo também se volta para um objeto fora do casal... E aí? E aí que o casal não dá conta disso. Que pretensão querer achar que pode dar!!!! Como eu falei, o objeto do desejo instalou-se fora do casal. A parte envolvida e interessada do casal que vá lá e resolva. E volte ou não. E pronto!

Se aceitarmos a idéia de casal como passagem, como meio, como conhecimento do outro (no fundo, conhecimento de nós mesmos, já que não conhecemos ninguém além de nós mesmos... às vezes nem isso), e não como complementação um do outro, como compartilhamento - é bem possível que o casamento torne-se algo mais cool, mais leve. Além do mais, a gente se caga de medo mesmo não é do fracasso do casamento, mas da possível solidão que disso possa advir. Mas porra, se nos reconhecermos como seres solitários por excelência, se não considerarmos o casamento, o casal, como a solução para essa solidão... caramba! por que pirar tanto nessa batatinha???!!!! É muito mais fácil suportar a solidão depois de uma separação quando a gente se dá conta de que ela sempre esteve presente. Ela nunca se foi. Que dor e que maravilha quando a gente percebe isso! A gente se sente frágil, mas estranhamente forte ao mesmo tempo. A gente sabe que perdeu algo, mas em contrapartida, sabe também que ganhou. A gente ganhou. O quê? A paz. E isso é tudo. A paz que advém do entendimento das coisas, do entendimento de si próprio. "Gnoti seautón", conhece-te a ti mesmo: está lá no pórtico do templo a Apolo, em Delfos. Conhecimento é poder, minha querida! Se você conhece o seu mal, se você lhe retira a máscara, você o domina.

Se o casamento pode dar certo, você me pergunta? É óbvio que pode. Da mesma forma que a separação também pode. Cabe a nós possibilitar isso. Vamos para a vida, minha amiga, vamos para a vida!


Cada aeroporto
É um nome num papel
Um mesmo rosto
Atrás do mesmo véu
Alguém me espera
E adivinha no céu
Que meu novo nome é
Um estranho que me quer
E eu quero tudo
No próximo hotel
Por mar, por terra
Ou via Embratel
Ela é um satélite
E só quer me amar
Mas não há promessas, não
É só um novo lugar

Viver é bom
Nas curvas da estrada
Solidão, que nada
Viver é bom
Partida e chegada
Solidão, que nada

Ela é um satélite
E só quer me amar
Mas não há promessas, não
É só um novo lugar

(Cazuza)

18.6.07

Le Bal... et hier encore j'avais vingt ans



C'était l'an 1989, j'allais sur mes 22 ans. À la fac des Lettres, le prof de français nous avait fait voir le film pour la première fois. C'était Le Bal, d'Ettore Scola, de 1983. Étonnement général! Tous les étudiants muets, comme les personnages du film. Lèvres cousues ou bouches béantes, voilà les deux opposés d'une même réaction de stupéfaction et d'émerveillement face aux images qui défilaient devant nos yeux. Aucun mot, aucun dialogue, et 50 ans de l'histoire de France se déroulaient dans presque deux heures de film. Il me fallait écrire quelque chose après la séance. Ça a toujours été comme ça: quand quelque chose me touche, il faut que j'écrive.
Alors, les amis, le texte suivant est un texte de jeunesse. Veuillez excuser ce qu'il puisse avoir de niais. En effet, il s'agit de l'ardeur propre aux jeunes. En rangeant mes anciens papiers, j'ai décidé de fouiller les caves de mes mémoires. Et voilà que ce texte en est sorti. Mais attention, les amis! On parcourt pas impunément le terrain des mémoires. Les larmes sont venues à mes yeux en lisant ces textes d'auparavant. Tant de choses vécues... Ça voulait dire on a vingt ans... On était jeunes, on était fous...



Le Bal

Eh bien, me voilà de nouveau! Ça recommence. Le salon est déjà nettoyé, rangé, éclairé. Les rangs des tables patiemment disposées des deux côtés du salon. Il faut faire le même avec les verres, les bouteilles... La vie, l’âme, le monde, rien n’est forcément en ordre mais, le salon, au moins le salon, il faut qu’il le soit. Ranger le dehors pour avoir l’impression d’avoir rangé le dedans. D’où vient qu’on doit s’y attacher ? Je sais pas. C’est tout de même une vraie responsabilité la mienne, voire un pouvoir ! Leur donner cette frêle et débile apparence d’organisation. Combien ça me coûte toutefois ! C’est à moi la réussite aussi bien que l’échec de leurs espoirs. Car au bal, comme dans la vie, il n’y a jamais de demi-mesures : c’est tout ou rien. Et moi au beau milieu. Qu’espèrent-ils de moi ? J’en ai déjà assez de remplir leurs espaces entre le souhaité et le vécu. Je n’arrive même pas à me souvenir de mon premier bal. Je peux cependant assurer à qui veut le croire que dès ce moment-là je savais déjà ce que je serais à jamais : le ménager des rêves d’autrui. Qu’est-ce qu’ils attendent, ces gens ? Qu’est-ce que j’attends, moi ? Et voilà qu’elles arrivent. Elles arrivent toujours le premier, les femmes. Au moins là, au bal – il faut le ramarquer ! Toujours la même scène. La descente des escaliers, droite, assurée. Un défilé jusqu’au fond du salon pour vérifier dans le miroir si le dehors est en ordre. Le masque retouché, l’armure étincelante, à la bataille ! Allons les dames de la Patrie ! Marchons, marchons ! Elles attendent en harmonie avec la musique, toujours la même... J’attendrai le jour et la nuit, le tourne-disque crie. Elles attendent toutes. En se regardant, en se comparant peut-être. Laquelle est la plus belle ? Si chacune pouvait deviner le dedans les unes des autres, elles en seraient sûrement toutes la même et une seule. Elles seraient moi. Moi, je serais elles. Ou peut-être eux qui viennent d’arriver, les hommes. Le même rituel : la descente, le défilé. La comédie commence. Les femmes assises aux tables. Les hommes debout au comptoir. Elles ne se font pas du tout par hasard ces positions marquées comme dans un tableau ou dans une mise en scène. Comme ça on peut remarquer ce qui est offert et demandé dans les particularités de chaque côté. C’est tout comme un jeu. Un jeu d’échanges. Un jeu d’encaissement. D’un côté la proie ; de l’autre, le chasseur. Sans qu’on sache assez bien qui joue quel rôle. De toute façon, il faut participer au jeu. Mais qui commence ? Et maintenant, que vais-je faire? On se demande sans attendre une réponse quelconque. De tout ce temps que sera ma vie ? De tout ce petit bout de temps qu’est le bal. De toute cette immensité de temps qu’est ma vie. De tous ces gens qui m’indiffèrent et qui m’attirent le regard à la fois. Mademoiselle, il y a longtemps que je vous regarde. Pourrions-nous peut-être ouvrir la danse ? Qu’en pensez-vous ? Mesdemoiselles, il y a déjà bien un demi-siècle que je vous regarde. Messieurs, il y a déjà bien un demi-siècle que je me moque de vous. En tous cas, dansons joue contre joue. J’ai déjà gardé vos rubans rouges lors de vos premiers congés payés. Je vous ai déjà servi ein Bier ou einen Wein. Je vous ai déjà cueilli des fleurs d’un printemps pas tellement calme, bien que partout on dise que tout ce dont on avait besoin c’était l’amour – tu te rappelles, Michelle ? J’ai déjà vu tant de choses dans ce salon que je ne m’excuserais pas de me placer au-dessus de tout cela, de vous tous. Vous êtes les mêmes depuis longtemps. Il ne change que votre musique et vos pas. Valse, tango, twist, bebop, biguine, blues, boston, cakewalk, charleston, fox-trot, java, jerk, marche, mambo, one-step, paso doble, rock, rumba, samba, slow fox, swing, disco – je les ai vus tous, dansés tous. Et je ne me sens pas du tout vieux quand même. C’est pas moi qui vieillis. Ce sont les rythmes qui changent. C’est le dieu du temps qui vieillit. Moi, je m’en moque. Autrement vous n’existeriez pas. C’est moi qui vous donne vos dehors, messieurs-dames. Les guerres, les vagues, les danses s’en vont. Moi, mon salon, mes boissons – votre scotch, madame – moi, je continue. Pendant que vous accomplissez votre drôle d’accouplement, j’attends. Comme d’ailleurs j’ai toujours attendu. Et j’attendrai...

(Edmilson BORRET - 1989)











Pour apprendre davantage sur le film, cliquez ici.

15.6.07

Sobre meninos, peraltagens e poesia... Manoel de Barros


Nascido em 1916, em Cuiabá, Mato Grosso, e depois de cursar Direito na capital do Rio de Janeiro, publicar alguns livros e já receber prêmios por eles, a partir de 1960 Manoel de Barros recolhe-se em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, para trabalhar como fazendeiro e criador de gado. Mas não abandonou o seu fazer poético a partir daí. Ele é, sem dúvida alguma, um dos principais poetas contemporâneos do Brasil. Em sua obra, segundo a crítica Berta Waldman, "a eleição da pobreza, dos objetos que não têm valor de troca, dos homens desligados da produção (loucos, andarilhos, vagabundos, idiotas de estrada), formam um conjunto residual que é a sobra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta incorpora, trocando os sinais".
Manoel de Barros, num dos seus poemas mais conhecido, nos fala do ato fazer poesia como se fosse o mesmo que carregar água em uma peneira. Para ele a poesia é uma criação que, no parco entender dos mais desavisados e menos sensíveis, não teria uma finalidade prática e objetiva, algo sem valor palpável ou mensurável. Entretanto, fazer poesia, para ele, seria também “montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos”, ou seja, seria trabalhar com uma lógica que, não raro, estaria para além do rotineiro e do previsível; seria olhar a realidade do mundo por uma ótica nem sempre objetiva. Fazer poesia é fazer “peraltagens” com as palavras, arrumá-las como quem cria um mundo particular capaz de produzir inexplicáveis efeitos em que lê. A poesia, aliás como toda a literatura, é a arte da palavra – sua essência sendo necessariamente um trabalho com a linguagem esteticamente organizada de forma a buscar a expressão e a comunicação universais.



O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos

(Manoel de Barros)

7.6.07

Nós, os poetas, erramos...

Sim, nós, os poetas, erramos... Isso é uma verdade mais do que sabida desde a antigüidade até os dias atuais. Falseamos a realidade, tombamos a beleza lá das Idéias aqui para as sombras, já dizia Platão, tentando escapar da caverna... Fingimos tão completamente que chegamos a fingir ser dor a dor verdadeira, cantava Pessoa... E, por sermos poetas, não aprendemos a amar, arremataria Cazuza em suprema clarividência...

Mas gosto muito da explicação de Lamartine Babo para o nosso erro... por rimarmos "os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem"... E a isso, eufemisticamente, passamos a chamar de licença poética... Mas tudo bem. Segundo o próprio Lamartine, "Jesus não castiga o poeta que erra"... Menos mal... Esse Jesus deve ser um camarada legal... Com toda certeza, deve ter sido poeta também... Aliás, eu prefiro acreditar que sim. Pois isso faz dele um sujeito bem mais interessante, passível de erros, de carne e osso como eu, chapa mesmo... Assim como Pessoa, "estou farto de semi-deuses"... ou de deuses...

Mas voltando à música do Lamartine, ela tem uma história bem interessante mesmo. A história é meio sui generis e dá conta dos erros e enganos próprios dos poetas. Não sei quanto de mito vai aí, mas diz-se que lá pelos idos dos anos 30, o teatrólogo e escritor Carlos Alves Neto quis formar um álbum , colecionando fotos de artistas do rádio, já que a maior diversão da época era ouvi-los. Passou, então, a escrever para os cantores, pedindo-lhes fotografias para sua coleção, sendo algumas vezes atendido e outras não. Percebendo que a maioria dos artistas que não respondia a suas cartas eram os homens, resolveu a adotar um nome de mulher para, enfim, alcançar seu objetivo. Passou, então, a usar o nome de Nair, sua pequena sobrinha, nas correspondências; inclusive nas enviadas para Lamartine Babo, pois daquela forma esperava conseguir a foto do artista, que despontava como ídolo no cenário nacional. Contam que Lamartine Babo sentia-se um homem solitário e tinha um enorme complexo de feiúra e, talvez por isso, ao invés de mandar a foto pedida, limitava-se em responder às cartas enviadas por Nair, sempre com pedido de que continuasse a escrever-lhe para suprir-lhe a solidão. Demonstrava, a cada dia, mais e mais afeição pela admiradora. Carlos Alves Neto até pensava em contar-lhe a verdade, mas isso só poderia acontecer se a foto fosse enviada. E finalmente, o tão sonhado presente para a sua coleção chegou. Deveria, então, acabar com a brincadeira que tomava proporções cada vez maiores. A idéia foi escrever relatando que Nair havia se casado. Porém, foi o próprio Carlos Alves Neto quem convidou o famoso "Lalá" para visitar a cidade, quando estaria lançando "Os Tangarás" , grupo musical que mostrou talento por vários anos. Imaginava que, naquela ocasião, pudesse contar-lhe toda a verdade sobre a história de Nair. Lamartine aceitou o convite e ansioso para conhecer a "sua Nair", foi recebido pelo grupo de rapazes liderados por Carlos Alves Neto, mas com a promessa de que seria-lhe apresentada a admiradora no baile. Naquela oportunidade, tudo seria esclarecido. No entanto durante a festa, uma moça que dançava com Lamartine adiantou-se e contou-lhe toda a história. A decepção, falam, mostrava-se evidente na fisionomia do compositor. Mas não tão grande a ponto de ficar zangado com Carlos Alves Neto, amigo que o recebeu outras tantas vezes em Boa Esperança. O que importa mesmo é a bela canção que nasceu desse equívoco. Uma das suas mais belas composições, gravada por diversos intérpretes e até hoje tocada pelos modernos, o inspiradíssimo samba-canção "Serra da Boa Esperança" mostrou-se propício a interpretações que vão do clássico (Orlando Silva, Sílvio Caldas, Altemar Dutra, Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim, etc) ao inovador; especialmente com criativas mudanças harmônicas, como a versão instrumental que lhe deram César Camargo Mariano e Wagner Tiso, em 1983, e a vocal de Eduardo Dusek, em 1984, num reverente e belo resgate.

Com letra e música de Lamartine, "Serra da Boa Esperança" é um exemplo bem expressivo de sua arte, em que o poeta e o compositor se igualam em competência e bom gosto... apesar do equívoco original... Mas tudo bem, Jesus-poeta perdoa...


(Cidade de Boa Esperança, sul de Minas Gerais... a serra lá ao fundo)


Serra da Boa Esperança
(Lamartine Babo)

Serra da Boa Esperança esperança que encerra
No coração do Brasil um punhado de terra
No coração de quem vai, no coração de quem vem
Serra da Boa Esperança meu último bem
Parto levando saudades, saudades deixando
Murchas caídas na serra lá perto de Deus
Oh minha serra eis a hora do adeus vou me embora
Deixo a luz do olhar no teu luar
Adeus

Levo na minha cantiga a imagem da serra
Sei que Jesus não castiga o poeta que erra
Nós os poetas erramos, porque rimamos também
Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem
Serra da Boa Esperança não tenhas receio
Hei de guardar tua imagem com a graça de Deus
Oh minha serra eis a hora do adeus vou me embora
Deixo a luz do olhar no teu luar
Adeus

5.6.07

Acionar o "foda-se" exige bem menos do que imaginamos



Aqueles que me conhecem bem sabem que, há muito tempo, acionei o botão "liga o foda-se e seja feliz". Revoltadinho eu? Iconoclasta? Irresponsável? Talvez sim, talvez não... De qualquer maneira, acionar o "foda-se" tem sido um puta exercício de sobrevivência...

Um belo dia você acorda e se dá conta de que nem todos aqueles sonhos faziam sentido, que a porta emperrou, que a porra do telefone não vai tocar. E fica aí, na expectativa de que as coisas mudem, mas nada acontece. E daí? Foda-se!
Um belo dia você acorda e não sabe mais qual o seu papel nesse mondo cane. Aí você sai do trabalho, senta a bunda numa cadeira de bar e decide resolver o mundo. E acredita piamente que vai conseguir... tsc tsc tsc tsc tsc... Desista, amigo! O mundo tem suas próprias engrenagens... E posso jurar que uma ou mais de uma dessas engrenagens produz um som repetido e sarcástico, como um mantra bem sacana a ecoar: "Foda-se... foda-se... foda-se..."
E no final do dia, ainda atônito, você ajeita o travesseiro, sente seus pés formigando, fecha os olhos para tentar entender o propósito disso tudo...até que o novo dia venha e você perceba que suas dores, dúvidas e dívidas continuam ali... Desistir de tudo? Lógico que não. Liga o "foda-se", amigo!

Sabe aquelas pequenas coisas que te irritam, tiram você do prumo e você, muito dificilmente, tem como evitar? Foda-se pra elas!
Comportamento inesperado e injusto das pessoas que te rodeiam? Fossa por conta dos acontecimentos infelizes da vida? Preocupações demasiadas? Puto por ter levado a culpa por algo que não fez, papagaiao comeu milho e você levou a fama? O leite ferveu e entornou? O pneu furou? O chuveiro queimou? A mulher fugiu com outro? O pau broxou justo naquele momento em que não poderia de maneira nenhuma?
Pois bem...pra isso tudo eu ando dizendo: "Foda-se!!!"

Tentei explicar repetidas vezes, a pessoa não se deu ao trabalho de querer entender? Foda-se!
Pensei que o filho-da-puta era meu amigo, mas me passou a perna? Foda-se!
Os merdinhas que me cercam são um bandinho de hipócritas? Foda-se!
Há coisas que nós, sinceramente, não podemos modificar. Então, ficar batendo cabeça pra quê?! Sofrer pra quê?!

Por essas e por outras que eu ando acionando o "foda-se" sempre que possível! É um maravilhoso exercício mental! Experimente você também!


Mundo Cruel
(José Miguel Wisnik)

Desce desse galho em que te escondes
Sai desse céu sem ninguém
Onde não vês luz nem horizontes
Onde não vês nada além
Pára de ficar rolando tempo
Lamentando e alimentando dentro
A ferida do tormento
Também sei a dor de que te poupas
Sim, o mundo é cruel
Mas eu te pergunto, com que roupas
Vais contracenar o teu papel?
Pára de ficar rolando o tempo...
Da cilada má, da trama e a rede
Que o destino armou pra ti
Tu fizeste a cama, o colchão e a parede
Do teu próprio quarto de dormir
Pára de ficar rolando o tempo...
Já não há o que, de que, com que
Que te resguarde
Joga a tua carta, enfim
Antes do acaso arder, antes que tarde
Antes do verão ter fim
Não vou prosseguir nesta toada
Não vou insistir, dizer mais nada
Deixe que te diga o vento
Pára de ficar rolando o tempo...


Em tempo: Se chiar resolvesse, sal de fruta não morria afogado.
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