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24.7.11

Amy Winehouse era o que era... She said 'no, no, no'


Recentemente, lendo a biografia do Lobão, pensei e comentei com uma amiga que no cenário atual da música mundial faltavam mais loucos como o roqueiro brasileiro, havia uma escassez de gênios que vivessem a vida de forma brutal e intensa, que simplesmente cagassem para os paradigmas de uma sociedade escrota. Eu e essa minha amiga chegamos, porém, à conclusão que talvez Amy Winehouse fosse a única remanescente desse seleto grupo de pessoas consideradas loucas, mas expoentes incontestáveis de uma genialidade ímpar. O cenário atual da música (nacional ou internacional) está saturado de uma corja cada vez mais certinha, mais bonitinha e politicamente correta. Alguns até fazem um som de qualidade. Mas a grande maioria... bom, melhor deixar pra lá.


E hoje, 23 de julho de 2011, o mundo inteiro recebeu a notícia da morte dessa última remanescente da loucura criativa. Em meio ao choque pela perda de um talento insubstituível, deparei-me com comentários que iam do torpe ao desumano nas redes sociais e fóruns na internet. Poucas foram as demonstrações de pesar pela perda do potencial artístico; muitas foram as piadinhas, os trocadilhos e os julgamentos morais do tipo “ela fez por merecer”, “isso já era esperado”, “ele teve o fim que pediu”, etc. A maioria desses julgamentos morais era acompanhada de um “coitada”: a compaixão dos moralistas... Coitados, na verdade, são eles – esses moralistas.


O fato é que as pessoas são como elas são. Isso independe do que você pensa delas e de como você gostaria que elas fossem. Sei que há pessoas que adorariam que Amy Winehouse fosse uma pessoa centrada, focada na carreira, sóbria e lúcida o suficiente para fazer shows impecáveis. Mas isso é problema dessas pessoas, não era dela; porque ela simplesmente não era assim e sequer sabia que essas pessoas existem. Amy era como ela era, não como eu ou qualquer outra pessoa gostaria que ela fosse ou como eu ou qualquer outra pessoa ache que ela poderia ter sido. E pronto! Ela era, antes de tudo, uma compositora fantástica e original, uma intérprete do caralho, dona de uma voz incrível e de um estilo marcante e autêntico. Mas ela também era alcoólatra, anoréxica, bulímica, bipolar, desconfortável com o sucesso, insegura, desequilibrada, autodestrutiva e usuária compulsiva de maconha, cocaína, heroína e crack. E pronto!


Assisti ao show que Amy Winehouse fez na Arena HSBC do Rio de Janeiro, em 11 de janeiro deste ano. E foi uma das melhores experiências que já tive.


É fato: Amy não mostrou qualquer domínio de palco. Mas caramba, ela não tinha nem domínio sobre si mesma! Atravessou o ritmo várias vezes, mas isso sempre fez parte do seu estilo de interpretação ao vivo. Errou a entrada de algumas músicas? Sim. Mas isso não destoava em nada de sua personalidade e foi proposital em certos momentos; até porque shows de soul music permitem esse tipo de coisa, o que é sempre uma oportunidade para a banda mostrar sua competência. Sim, ela esqueceu trechos de algumas letras, mas isso não é nada para alguém nas precárias condições físicas e psíquicas dela. Fato é também que o show durou só 1 hora e 20 minutos, mas teve quase 20 músicas... Putz! Bom demais para uma artista que só lançou dois discos – e o show esteve perfeitamente estruturado em início, meio, apresentação da banda, fim e bis. Para mim, foi uma experiência muito especial ver Amy Winehouse ao vivo, pelo tanto que eu admiro seu talento, ainda que com uma parca discografia.


Não foi pela imprensa, mas por ela mesma, através de suas músicas, de suas letras, que eu soube que ela era autodestrutiva, vulgar, descontrolada, triste, difícil, encrenqueira. Portanto, quando me encantei por Amy, ela já era desse jeito. Para mim, a única surpresa do show foi o fato de ela ter vindo. E já que ela veio, tudo mais era previsível. Eu estava ali para viver uma experiência improvável e há muito tempo desejada. Fui sem ilusões e, portanto, voltei sem decepções. E não fui o único a sair de lá plenamente satisfeito, a julgar pela calorosa reação de grande parte da plateia. Amy nunca enganou ninguém, nem conseguiria se quisesse. Quem saiu daquele show decepcionado provavelmente entrou lá iludido ou desinformado.


Para mim foi um enorme prazer ver de perto aquela figura caricata e autêntica, talentosa e frágil, digna de admiração e pena. Ela deixou o palco várias vezes, bebia repetidamente um líquido qualquer de uma xícara, líquido esse que decididamente não era chá nem café. No meio do show, Amy ausentou-se de cena por longos minutos, tanto que seu backing vocal Zalon teve que cantar duas canções que ele havia gravado para um álbum solo, como forma de ocupar o palco. Depois disso, ela voltou, mas seus pés e o chão já não falavam a mesma língua, tão zonza que estava. Mas a partir desse momento, parafraseando Chico, ela jamais cantou tão lindo assim os hits “Rehab”, “Valerie” e “You know I’m no good”. A banda (incrível também, diga-se de passagem) foi apresentada em longa exibição de seus ótimos talentos individuais. E o bis fechou o espetáculo com “Love is a losing game” e “Me and Mr. Jones”. Mais do que isso seria impossível. Da mesma forma que seria impossível Bono não interagir com a plateia, Madonna não desafinar, Britney não usar playback e Jagger não requebrar. Era Amy Winehouse toda ali, ora bolas! Todo mundo sabia disso. Ou, pelo menos, deveria.


E assim Amy Winehouse foi em sua curta vida. Era ela toda ali!! Todo mundo que “ouvia” suas músicas sabia disso... Ou, pelo menos, deveria.


Mensagem válida para moralistas de plantão, normalistas, manicures, mães zelosas e demais pessoas de bem.



“They tried to make me go to rehab
But I said 'no, no, no'
Yes, I've been black, but when I come back
You'll know-know-know
I ain't got the time
And if my daddy thinks I'm fine
He's tried to make me go to rehab
But I won't go-go-go”





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