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8.5.07

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Altair Malacarne...

... A criar confusões de prosódia e um profusão de paródias que encurtem dores...


E criem sabores. Sabores capixabas. Sabores de Altair, o nosso Alta. Altair tem verve. Altair tem verbo. E por tê-lo, tem orações exatas e pias. Altair escreve bem como ninguém. Altair é alegria dos amigos. E delicioso de ler e ouvir. Altair é histórias. Altair acarinha a língua como quem possui uma mulher. Mais do que língua-mãe, faz dela esposa, irmã, filha e concubina.

Num gesto da mais desavergonhada tietagem, criei uma comunidade para o Altair no orkut. Altair e suas "romildas" surgiu da necessidade de render homenagem a esse malabarista das palavras. As suas "romildas" (mais do que a puta Romilda que o desvirginou) nada mais são do que isso: as suas histórias. As histórias que o penetraram, o atravessaram e, de certa forma, o desvirginaram também quotidianamente. Filho de agricultores capixabas, resultado da cruza de italianos com portugueses, negros e índios, esse grande homem muito nos tem a contar. De São Domingos do Norte a São Gabriel da Palha, da entrada no seminário ao acidente vascular cerebral, tudo parece ter impregnado de profunda e triste beleza essa alma de muitas vivências e outras tantas querências.

Altair e sua língua é irreverência. Altair dá língua para a língua. Altair lambe a língua. Feito gata e sua cria. Altair fala de "paus" e "bucetas" como se de conectivos lingüísticos falasse. Elos que são. Mais que "paus" e "bucetas" são anafóricos que pegam de trás. Catafóricos que lançam à frente. Altair é usuário e abusário da língua. Altair tem a língua da mata, dos bichos, dos homens... Poderia passar horas falando de Altair. E não conseguiria dizer nada. Altair não cabe nas minhas palavras. Quisera um dia eu encontrasse Altair e pudesse abraçá-lo. Só isso: abraçá-lo. Sem mediação de palavaras. Que nessa hora palavara dita de certo atrapalha. Seria melhor palavra tátil. Gustativa. E eu ia gostar de sentir a minha língua roçar na língua malacarniana.

Hoje Altair escreveu. Li. Gostei.


Quando cheguei no seminário, fui brincar com os ostros meninos no pátio. No corre-corre, gritei: "PEGA ÊLI!"
Todo mundo me olhou e riu.
-Que qui foi?
-Ocê tá falan'u errad'u. O cert'u é PEGA-O.
Foi terrível. Senti saudade de casa. Senti saudade de minha mãe. Ela me ensinou as primeiras palavras do Português, a língua que seria meu espelho do mundo. Era tão gostoso: "Minin'u, vai drumi. Lembra di rezá".
Desde aquele dia, tenho que manejar duas Línguas Portuguesas. Uma na rua, outra no banco. Uma na sala, outra na cozinha. Sei que as duas são irmâs uterinas. Mas são irmãs preconceituosas. Uma exclui o espaço da outra. A que serve pra andar na mata não serve pra requerer aposentadoria. Embora as duas irmãs usem o mesmo sutiâ. A mesma calcinha. As mesmas "intimidades".

Será que não poderíamos ter uma só para todos no Brasil?

(Altair Malacarne)


Língua
(Caetano Veloso)

Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homen
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e Maria da
Fé e Arrigo Barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corísco
Hollyood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Lívros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem


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