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28.12.07

Benazir Butho




Este ano de 2007 termina com a morte de Benazir Butho, após ataque suicida, enquanto a ex-premier paquistanesa discursava num comício. Benazir vingou a morte do pai ao assumir o cargo de primeira ministra na década de 90. Quem se atreve a tentar pacificar o oriente médio morre.

Se você não sabe quem foi Benazir Butho, aí vai uma breve descrição:

Butho foi a primeira mulher a liderar um estado muçulmano. Herdeira de um enorme legado político, deixado por seu pai, depois de presa por cinco anos e de estudar em Oxford, foi Primeira Ministra do Paquistão em 88 e em 93. Por duas vezes, também, foi tirada do poder. Em 98, Benazir Buttho se auto-exilou em Dubai, até seu retorno em outubro deste ano, com a garantia de anistia e que todas as acusações de corrupção seriam retiradas pelo General Musharraf. Após sobreviver a diversas tentativas de assassinato, ontem, Butho foi vítima do um ataque coordenado de atiradores e de um homem-bomba. Butho foi uma das grandes personalidades políticas deste século. Foi a precursora da tentativa de estabelecer no Paquistão um estado democrático, mas apesar de sua popularidade e do avanço que Benazir Butho representou para a Palestina, as acusações de corrupção durante seus governos foram amplamente documentadas por diversos países, como França, Polônia, Espanha e Suíça. Uma das maiores acusações foi a de que Butho e seu marido venderam a exclusividade dos caças paquistaneses para a francesa Dassault Aviation.

Era mulher, bonita e corajosa... morreu ontem por causa disso tudo.

Em tempo: Voltou ao Paquistão porque Musharraf lhe havia garantido segurança.



Benazir


não aponte o dedo
para benazir butho
seu puto
ela está de luto
pela morte do pai
não aponte o dedo
para benazir
esse dedo em riste
esse medo triste
é você
benazir resiste
o olho que existe
é o que vê

(Chico César)

16.12.07

Vídeo-poema para a Cel





Ainsi céleste


Petite fille venue du ciel, aérienne, cosmique...
La voûte elle-même qui nous recouvre...
Couleur bleu céleste, azur...
Demeure céleste, paradis...
Manne céleste, nourriture de l'âme...
Voix céleste, chant pour nos oreilles...
Armée céleste, ange, angellus
messagère divine à caractères humains...
C'est l'est
c'est l'ouest
c'est le nord
c'est le sud...
Voilà mon amie Céleste!

(Edmilson BORRET)


8.12.07

Vídeo-poema para a Val

VALÉRIA NÃO GOSTA DE CHÁ DE PANELA


a Val Olivier

Valéria não gosta
de chá de panela
nem chá de cadeira,
nem chá de cidreira
Valéria quer mesmo
é despedida de solteira
com gatos em sua soleira
Paus de cenoura, tomate e bombril
é coisa de Amélia
não é de Valéria
Não se é puta porque pariu
Não se é santa porque não abriu
Entre a puta e a santa
de norte a sul do Brasil
há alma de Valérias tanta
e homem sem alma não ver fingiu
Mas Valéria ainda canta
e leciona e cozinha e desenha
no tecido de materna manta
rosas vermelhas e girassóis
E palavra doce empenha
no linguajar de seus lençóis
Valéria amou, namorou, casou
e em filosofia de biscoito
Valéria um dia se perguntou
do nada no meio do coito
se mais deu porque recebeu
(mulher perguntando desmonta a gente)
ou só recebeu porque enfim deu
Resposta não tendo
ou a tendo de meia-sola
Valéria deu mais linha à pipa
Pouco não quer
que é mulher de escola
E cara a cara com a fera
Valéria se fez mais bela
De boazinha fez-se boa
e não gosta mais de chá de panela.

(Edmilson BORRET)



26.11.07

O dia em que Deus surtou, desceu à terra, rodou a baiana e me mandou à merda...





Ed
fala para Todos: Pareço viver como quem caminha sobre um pântano, tudo se move à medida que arrisco um passo. Nada é verdadeiro, tudo é irreal. A realidade é inacessível e vivo num mundo de máscaras. Tudo falso. Talvez o mar, a montanha, as pedras, o sol e a lua, talvez isso tudo seja verdadeiro. Mas o homem não, o homem é falso. Sempre mascarado, mesmo sem querer, mesmo sem saber. Talvez chegará à velhice delirando de febre sem se dar conta. E a mim, grande otário que sou, a descoberta não me consola. Sou como Prometeu que descobre que o Deus que me pune e me atormenta é somente a projeção ampliada da sombra do meu próprio corpo. Será que a punição cessaria se eu apagasse esse fogo da tocha em minha mão?... ou, pelo menos, o meu fogo no rabo?

Chaplin fala para Ed: O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser. E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma. Tudo depende só de mim.

Ed fala para Chaplin: Porra, meu camarada, não mete essa! Pirandello já disse que a forma é uma morte.

Nietzsche entra na sala...

O Príncipe de Verona fala para Todos: Melancólica paz nos traz esta manhã. O sol, de luto, não se mostrará. Embora daqui vão, e conversem mais sobre esses tristes fatos.

Ed fala para O Príncipe de Verona: Mais, porra??!!!!

Chaplin sai da sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Alguém afim de tc?

Ed fala para Nietzsche: Fala aí, cara! Blz?

O Príncipe de Verona sai da sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Falar muito sobre si mesmo pode também ser um meio de esconder-se.

Ed fala para Nietzsche: Tá bom, então sobre o quê vamos falar, hein?

Menina Quebequense entra na sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: É difícil o suficiente lembrar minhas opiniões, sem também lembrar minhas razões para tê-las!

Ed fala para Nietzsche: Isso é porque vc tá mortinho da silva, cara! Aliás, como tudo nessa vida. O homem tá morto, Deus tá morto. Vivemos na Matrix, nada é verdadeiro.

Menina Quebequense fala para Ed: Como assim Deus tá morto? Onde? Como? Qdo foi? Por que ninguém me avisou? Isso é uma grande discriminação.

Ed fala para Menina Quebequense: Hã? Vc tá falando sério, minha pequena??!!!

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos.

Fausto Silva entra na sala...

Menina Quebequense fala para Ed: Não gosto que me chamem de “minha pequena”! Isso é discriminação!

Ed fala para Nietzsche: Pô, cara! papinho mais tatibitati!!! Fala algo que eu já não saiba!

Ed fala para Menina Quebequense: Putz, guria! Vc comeu merda quando criança, foi? Muda o disco, vai!

Tati Quebra-Barraco entra na sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Quanto mais me elevo, menor fico aos olhos de quem não sabe voar.

Ed fala para Nietzsche: Cara, vc se acha, não? Já percebeu como as pessoas citam vc como se vc fosse a fonte suprema da verdade?

Menina Quebequense fala para Ed: Estou me sentindo censurada. Você é um grosso.

Ed fala para Menina Quebequense: Ah, minha filha, grosso é o meu cacete!

Tati Quebra-Barraco fala para Ed: Obaaaa!! Entaum meti, meti, meti ateh gozá, qui eu tow pegandu fogo, quero ver tu apagá... Tah ligado neh?

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Faltam ao céu todas as pessoas interessantes.

Ed fala para Tati Quebra-Barraco: Sai pra lá, ô baranga!

Menina Quebequense sai da sala...

Ed fala para Nietzsche: Pois é, cara, mas vc continua aí queimando no fogo do inferno...

De Tarso entra na sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Às vezes se permanece fiel a uma causa apenas porque seus oponentes não cessam de ser insípidos.

De Tarso fala para Todos: Boa noite a todos! Estou acordado e todos dormem.

Ed fala para Nietzsche: Poxa, cara! Por falar em insípido, isso me lembrou algo que li de um professor de química não sei onde. Ele dizia que Deus é incolor, inodoro e insípido. Será que isso faz da água uma substância onisciente também?!

De Tarso fala para Ed: Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.

Ed fala para De Tarso: Ah, meu camarada, sem essa, vai! Vc foi um dos grandes culpados de toda essa merda. Vc foi o grande vira-casaca da história, na boa!

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: A insanidade em indivíduos é algo raro, mas em grupos, partidos, nações e épocas, é a regra.

Ed fala para Nietzsche: Regra é o mesmo que norma, cara. E norma é o mesmo que forma, só muda a primeira letra. Aliás, vc já notou como as pessoas dão uma puta importância às primeiras letras? Na verdade, elas nem são tão importantes assim. São apenas o hall de entrada de uma palavra, a recepção. A primeira letra diz o quando eu nasci, por exemplo: “a letra A tem meu nome”. Mas é o resto da palavra que vai afirmar que, afinal, seria uma rima, não uma solução. Mundo mundo, vasto mundo, mais vasto é o meu coração.

De Tarso fala para Ed: Quando eu era menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.

Ed fala para De Tarso: Aí, cara, quando vc era um menininho judeu vc acreditava em Papai Noel?

De Tarso fala para Ed: Tudo é permitido, mas nem tudo é oportuno. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica...

Ed fala para De Tarso: Sei qual é, mas pensa bem: Papai Noel é tão falso quanto o seu Deus. E é um grande filho da puta ainda por cima, muito embora o seu povo (pois é, era o "seu povo" antes da virada de casaca) e os americanos digam que são os outros. Barbudo, cabeludo e roupa toda vermelha:comunista!(é a cara do Karl Marx). Gordo, barrigudo, bota preta tipo militar: nazista! Adora agarrar criancinhas e colocar no colo: pedófilo! (antigamente os capitalistas diziam que os comunistas comiam criancinhas). Gorro e roupão de lã de manga comprida num clima tropical: só pode estar doente! E aquela risada resultante de algum distúrbio mental: talvez esclerose! Será que tem alguma bomba naquele saco? Terrorista! Aquele cinto tão largo deve ser para segurar alguma hérnia pelo esforço de carregar aquele sacão. O Papai Noel não passa de um dos maiores símbolos da exploração selvagem dos países ricos sobre o resto do Mundo. Quem deu presentes a uma criança pobre nascida em Belém, chamada Jesus, foi um grupo de astrônomos, astrólogos, bruxos, alquimistas, feiticeiros, curandeiros, estudiosos ou sábios. Hoje seriam chamados cientistas. De qualquer maneira, eram fortes, saudáveis (para viajar de camelo, longas distâncias, através de regiões inóspitas, tinham que ser) e se vestiam de forma adequada à região em que viviam. E eram árabes, pele morena, bem diferente da configuração atual do presenteador vermelho.

Tati Quebra-Barraco fala para Todos: algum tigrão afim de tc? vow fazê vc dançá, vem zuá na minha teta pra gente podê quebrá... Só nas tchutchucas!!!!!!

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Perguntemo-nos quem é propriamente "mau", no sentido da moral do ressentimento. A resposta, com todo o rigor: precisamente o “bom” da outra moral.

Ed fala para Nietzsche: Papinho pra boi dormir, cara! Tô falando de um outro lance, saca? De um tempo em que árabes e judeus viviam em paz, 3 reis árabes comparecem ao baby shower do nascimento de Jesus, filho de José e Maria. E isso foi um puta evento social: além Belquior, Baltazar, e Gaspar, compareceram Buda, Iemanjá, Tloque Nahuaque, Astarté, Ogum, Zeus, Tupã e Afrodite (afinal não é em todo século que nasce um deus e, no nascimento de mais um, não poderiam faltar outros deuses para prestigiar a efeméride), e também duas vacas, dois burros, dois bodes, dois carneiros, dois porcos, um lhama e quatro galinhas. O feliz natal foi destaque em todas as colunas sociais daqui e do além. Os jornais “A Palavra Celestial”, “O Onipresente” e “Paradise News” circularam até com caderno especial. Por outro lado, nos jornais “Atualidades Infernais” e “Inferno Hoje” registraram-se apenas notas depreciativas em canto de página. Que babaquice esse negócio de Natal com neve e pinheiro, né não? Aí, na boa, a última vez que nevou no Oriente Médio foi durante a última Era Glacial e a última folhagem que se viu naquele deserto foi a tal da sarsa ardente, um arbusto pegando fogo que falou com o Moisés... e o pior é que ele respondeu. Na boa, se o JC tentasse entrar nos EUA hoje, cabeludo, barbudo, pardo, com aquele narigão adunco, de roupão e vindo da Palestina, iria parar nos calabouços do FBI. Tava fudido!

Tony entra na sala...

Fausto Silva grita para Todos: Ô LOUCO, MEU!

Coro fala para Todos: Oh, nobre Édipo! Perdido na escuridão de sua cegueira!

Fausto Silva sai da sala...

Ed grita para Coro: VAI TOMAR NO CU, PORRA!

Tony canta para Todos: Tonight! Tonight! It all began tonight, I saw you and the world went away...

Comandante do Zepelim Gigante entra na sala...

Nietzsche (reservadamente) fala para Todos: Não se podem inverter todos os valores? E o bem é talvez o mal? E Deus nada mais é que uma invenção e uma astúcia do diabo? Talvez em última análise, tudo esteja errado? E se nós nos enganamos, não somos por isso mesmo também enganadores? Não temos de ser igualmente enganadores? Esses pensamentos que o guiam e que o extraviam, sempre mais avante, sempre mais longe. A solidão o cerca e o envolve, sempre mais ameaçadora, mais estranguladora, mais pungente. Essa temível deusa é “mater saeva cupidinum” (mãe cruel das paixões) – mas quem sabe hoje o que é a solidão?…

Tony canta para Todos: Today, all day I had the feeling a miracle would happen. I know now I was right. For here you are, and what was just a world is a star...Tonight!

Ed fala para Nietzsche: Putz! Finalmente acho que estamos começando a falar a mesma língua!!! Esse papo de enganação aí tem tudo a ver. Pensa só: Jesus e Bin Laden. Um mandava os outros rezarem de joelhos, o outro se ajoelha com a testa no chão para rezar. Um tem barba e cabelos compridos, o outro só a barba. Um usa túnica branca; o outro, túnica branca e turbante. Um contrariou os interesses de suas próprias elites religiosas e dos romanos, o outro contrariou os interesses dos yankies. Um tem 2000 anos de marketing pessoal, fama e propaganda; o outro quase 10 anos. Um (dizem) se dizia filho de seu próprio deus, o outro se diz (dizem) apenas um fiel de seu deus. Um usava palavras, ramos e (dizem) milagres como armas; o outro usa palavras, TV, internet e armas mesmo como armas. Um é retratado hoje como branco, loiro e olhos azuis (??!!); o outro tem pele trigueira. Um estudou o Torá; o outro, o Alcorão. Um (dizem alguns) foi orientado pelos Essênios; o outro (pasmem!), pelos próprios yankies. Um, como judeu que era, rezava balançando a cabeça contra as ruínas de uma parede de pedras; o outro, encostando a testa no chão. Um não tinha dinheiro; o outro tem muito, corrigido (juros) pelos próprios yankies. Um era filho de um homem de ofícios (uma espécie de quebra galhos, faz-tudo, até carpintaria, um artífice), o outro é filho de um construtor (engenharia). Um era solteiro e não tinha filhos (pelo menos, não reconhecidos), o outro tem uma porrada de esposas e uma porrada de filhos. Um (dizem) queria salvar o mundo, dos pecados; o outro quer salvar os mulçumanos, dos ocidentais (cruzados e yankies). Caráio, veio! Algumas diferenças, mas muitas semelhanças também, não? Seria o novo messias???!!!!

De Tarso grita para Ed: BLASFÊMIA!

Comandante do Zepelim Gigante fala para Todos: Quando vi, nesta cidade, tanto horror, iniqüidade, resolvi tudo explodir.

Ed fala para De Tarso: Ah, liga não, cara! Vou preparar um currículo para o Céu e um para o Inferno. Se for recusado num, apresento para o outro, vlw? Em algum canto a gente vai se encontrar...

Comandante do Zepelim Gigante fala para Tati Quebra-Barraco: Mas posso evitar o drama se essa formosa dama essa noite me servir.

Ed fala para Comandante do Zepelim Gigante: Manda ver, cara! Ela vai nos redimir... hahahahahaha

Tati Quebra-Barraco fala para Comandante do Zepelim Gigante: Eta lelê, eta lelê! Sou feia mais tow na moda, tow podendo pagá hotel pros homens, isso é que mais importante. Quebra meu meu barracooo!

Ed fala para Comandante do Zepelim Gigante: É isso aí, cara! Adão trocou todas as maravilhas do Éden pela mulher, absolutamente todas. Na boa, eu acho que o tal fruto proibido era a própria; depois que o Adão provou, pegou o presente divino, botou debaixo do braço, largou tudo e caiu no mundo, literalmente, deixando o Criador no ora veja... quem diria! hahahahahahaha

Deus entra na sala...

Ed fala para Todos: Ops...

Nietzsche sai da sala...

Tati Quebra-Barraco sai da sala...

Comandante do Zepelim Gigante sai da sala...

Deus fala para Ed: Amarás a Deus sobre todas as coisas!

Tony canta para Deus: The most beautiful sound I ever heard... All the beautiful sounds of the world in a single word .

Ed fala para Deus: Eu ME amo e é recíproco...

Deus fala para Ed: Mulher, tu não usarás roupas de homem (calça comprida, paletó ou simulacro), não te portarás de maneira masculina e não adorarás outro Deus (dinheiro, imagens humanas ou de outros animais)!

Ed fala para Deus: Mulher é o cacete, porra! Qual é? E sem essa de “não adorarás”! A partir de quantos ou quando uma seita vira religião? O Cristianismo era uma seita obscura praticada por um povo nômade que vagava pelos desertos da Arábia até que foi dar com os costados no rio Jordão. É baseada no sacrifício de animais para satisfazer os deuses. Não satisfeitos (deuses e ofertantes) resolveram oferecer sacrifício humano (Jesus) para aplacar o então Deus único, você (copiado de um faraó). Portanto é uma religião baseada em sacrifício humano, sem diferir muito dos Maias, dos povos da África e povos da Europa também.

Deus fala para Ed: Quer saber? Vai à merda!

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11.11.07

Tempo, tempo, tempo, tempo...




Essa brincadeirinha no Photoshop aí em cima é mero chiste. Na verdade, uma crítica bem-humorada à vaidade fútil. O Photoshop, junto com as máscaras de pepino, os cremes anti-idade, o "lifting" e o botox, parece ser o grande achado da modernidade para iludir o tempo. Aos quarenta anos de idade não sei se já posso me considerar um velho. Isso é algo que realmente nunca passou pela minha cabeça. Nunca pensei nisso porque, no fundo, isso nunca me incomodou de forma alguma. Não tenho medo da velhice ou da morte. Tenho medo de muita coisa, mas da velhice e da morte não. Tenho medo de gente mesquinha, de gente falsa e má. Tenho medo de ser atropelado, levar uma bala perdida, despencar num elevador... (mas não pela morte em si que possa advir desses eventos, e sim pela violência de ações tão arrebatadoras... porra, e se eu não tiver nem terminado meu chopinho e meu cigarro?) Mas do tempo e da velhice não. O tempo é parceiro do homem. O tempo, "um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho... compositor de destinos, tambor de todos os ritmos... um dos deuses mais lindos". Rugas tenho-as aos montes já. Mas me acho tão bonito tendo-as por companheiras... Não admitirei retoque em nehuma delas!



Mas é exatamente aí que está
o encanto da minha idade.
Conheci de tudo um pouco,
das lágrimas aos sorrisos
e ambos me fizeram ser
essa pessoa que sou hoje.
Ficaram as rugas no rosto e na alma,
mas também ficaram sorrisos em ambos.
Minhas rugas mais bonitas
são aquelas marcas de expressão
que eu adquiri por tanto sorrir,
muitas vezes, quando o coração chorava.

(Silvana Duboc)


Pensando nisso, fiz esse pequeno vídeo. Espero que gostem.
Quem quiser, pode baixá-lo aqui.

Uma ótima semana a todos!


10.11.07

Tô de saquinho cheio da tal geração saúde!



Estava eu lá parado em frente à banca de jornais olhando pro nada e pensando na vida. De repente, o “nada” assumiu cores chamativas em corpos não menos chamativos pendurados em capas de revistas que iam desde “Caras”, “Boa Forma” a “Men’s Health”. Aí eu pensei (pois é, porque de tanto olhar para o nada e pensar na vida, hoje executo esse ato de “pensar” com quase nenhuma dificuldade): o negócio parece ser realmente virar um “saradão” ou uma “gostosona”, ter um corpo que chame a atenção, puxar ferro, tomar proteína, aminoácido, albumina, colocar silicone e o escambal para ficar com tudo em cima. Pensei e logo “despensei”. Eu, particularmente, prefiro puxar fumo (do liberado, Souza Cruz, ok?), tomar meu chopinho, colocar “simancol” e o escambal para ficar com tudo acima. Não que eu goste de ser essa coisinha magra, corcunda, sem bunda e de barriguinha saliente... Já até pensei em ser um sujeito saradão e tal... mas daí a chegar a “malhar”: nem fudendo!!!

Será mesmo que para ser aceito nessa sociedadezinha de merda tão preocupada com o tipo físico serei obrigado a me transformar no “incrível Hulk neguinho” de menores proporções?! Quero não, na boa. Uma rápida olhada nas páginas das citadas revistas nos mostra que essa mesma sociedade já está abarrotada de gostosona popuzuda “débiu mentau” e de bombado descerebrado. Ou seja, não precisa de mais um: posso dormir sossegado, em paz com minha consciência por não estar fugindo a nenhuma responsabilidade social, né não? E a padronização no visual desses seres estranhos? Os malhadões em suas roupas de marca, não raro, costumam cursar algo entre Administração, Educação Física ou Direito e sonham em viajar para uma praia qualquer na Tailândia. As gostosonas popozudas são siliconizadas, usam e abusam de tops "mostra-barriga" e falam com aquela vozinha arrastada e mole que deve até ser considerada sexy por alguma espécie de macho à qual eu decididamente não pertenço. A maioria delas me lembra muito aquelas coisinhas “fakes” saídas de um Big Brother Brasil: "Ai, Biaaaaaalllll........". O que foi, minha filha, tá gozando ou tá enfartando?!

Dia desses, travei um diálogo bem interessante com um camarada meu que já malha há algum tempo, faz Jiu-Jitsu, Muay Tai e o caralho e, só pra me esculhambar de vez, toda vez que o vejo e ele vem falar comigo, está sempre sem camisa (mesmo no inverno), só para me mostrar o peito rasgado e a barriguinha de tanque. Até o cachorro do sujeito (um Pitbull, como não poderia deixar de ser) entrou numas de vida saudável: faz caminhada uma vez por dia, pode?

O amigo saradão: Pô, cara, por que você fuma e bebe tanto?
Ed, o esquelético: É pra acalmar o sistema nervoso, rapaz.
O amigo saradão: Pô, cara, pára de brincar com a sua saúde! Pô, cara, vai fazer um exercício!
Ed, o esquelético: Mas fazer exercício pra quê, meu rapaz?
O amigo saradão: Pô, cara! Pra ficar sarado! (Juro que se ele repetisse esse “pô, cara” mais uma vez, eu dava um bico nos bagos dele.)
Ed, o esquelético: Mas eu não estou doente, meu querido.
O amigo saradão: Hã? (Tentar explicar pra ele o que é polissemia estava fora de cogitação, concordam?)
Ed, o esquelético: Meu rapaz, veja bem: o corpo humano foi feito para fatalmente se desgastar um dia, de uma forma ou de outra, certo?
O amigo saradão: Hã?!? (Coitado! Muito GH no cérebro, talvez.)
Ed, o esquelético: (sarcasticamente) Pois é, meu querido! Eu tento usar o meu corpo o mínimo possível para não levá-lo ao desgaste desnecessário antes do prazo de vencimento! Por isso, evito os exercícios. É a lei do menor esforço, entendeu?
O amigo saradão: Mas pô, cara! (Putz! Ele falou de novo!) Pra você ter um corpo malhado nem é preciso fazer tanto esforço. Hoje em dia tem os aminoácidos.
Ed, o esquelético: Aminoácido, rapaz??!!! Você sabia que os aminoácidos são substâncias compostas pelo grupo amino e o grupo carila (ácido carílico) em suas estruturas e que - embora sejam nutrientes que representam a fonte da vida e desempenham importante papel para a obtenção das proteínas necessárias ao bom funcionamento do organismo, sendo conhecidos 22 no total somando-se os 8 essenciais e os 13 não-essenciais - a ingestão dessas mesmas substâncias em demasia sobrecarrega os órgãos do corpo, como o fígado e rins?
O amigo saradão: Hã??!!! (Putz! Peguei pesado! Acho que acabei por destruir de vez um cérebro já comprometido.)

Confesso que uma vez, por um descuido das minhas faculdades mentais, até já tentei me tornar um saradão. Comprei uma porrada de aparelhos: mesa com supino e voador, halteres, anilhas, esteira, bicicleta ergométrica, etc. Uma parafernalha só! Mas, não sei por que, meu instinto de sobrevivência me advertiu a tempo que eu estava prestes a entrar numa furada. A parafernalha acabou cheia de ferrugem e poeira no terraço aqui de casa. Outra vez, cheguei mesmo a aventar a possibilidade de entrar para uma academia. Fiquei paradão lá na frente da mesma, olhando aquelas máquinas bonitas, aquelas pessoas saradas e suadas... Mas então, uma voz vinda do além me sussurrou ao ouvido: “Ed, tu vieste a este mundo para ser um moleirão flácido e esquelético e é assim que sempre serás. Cumpre tua sina, meu rapaz.” E desde então não desobedeço à sapiência dessa voz, que sou um sujeito que sempre primou pela sensatez e pelo bom-senso. Também já tentei parar de fumar e de tomar meu chopinho, mas devo confessar que sou mesmo um fraco que não resiste aos prazeres da nicotina, nem da cevada e do lúpulo. Mas sei bem que chegarei aos meus 90 anos tendo desfrutado de tudo que há e que ainda há de haver de mais moderno em matéria de fazer mal à saúde, e isso sem arrependimento algum. Se isso serve de conforto aos meus detratores, eu achei meu exercício ideal (e acredito que deva funcionar para a maioria também): a atividade cerebral... Garanto: essa parte do nosso corpo existe mesmo! E se for bem exercitada, nos garante um sorriso maior e até um certo ar de arrogância simpática... Quer saber? Espeta um alfinete nos saradões pra ver o que acontece! As gostosonas popozudas, invariavelmente, engordam; os saradões se mostram medíocres e mal educados. Ah, na boa... Deixem-me aqui com minha bunda flácida, minha barriguinha em cascata e meu corpinho “na capa do Batman”. Enquanto meu intelecto estiver em forma, estou cagando para os saradões e para as gostosonas popozudas. Meu esteróide predileto ainda é discernimento conquistado pelo conhecimento; meu fitness por excelência ainda são um bom livro, um bom filme e um bom papo-cabeça.

Parafraseando a nada sarada e inteligentíssima Rita Lee, nem toda brasileira é bunda; nem todo brasileiro é bundão!



Em tempo: não sei se os caros leitores repararam, mas mudei o layout do meu blog. Desisti daquele anterior azul e meio aviadado e optei por algo mais clean.

Se bem que essa história de clean é algo meio aviadado também, né? Ih, me fudi!

8.11.07

Conhecimento e bundalização



Eis o homem diante de si próprio. Lavando, passando, cozinhando, até pensando... Tirando Radiografias, ressonâncias magnéticas, expondo belíssimas razões para a mudança de tudo e de todos. Por fim, conhecemos! Tanto queríamos que nem acreditávamos, mas agora conhecemos! Eis o homem. Com seu passado sempre glorioso e seu futuro sempre medíocre... Cheio de aventuras, orgasmos, aulas matadas, dignidades morridas, prestações vencidas, nome no SPC... Repleto de classificações: este é bom; aquele é mau; esse é gente boa; esse é maluco; aquela é muito gostosa; ele tem o rosto lindo; olha só que bunda!!! Eis o homem! Eis a bunda!
Ah! a bunda!
Desculpem-me, ela merece letra maiúscula, que nem Deus: Ah a Bunda! Ah! o conhecimento... Depois de tudo pelo que passou o homem, ele finalmente conhece. Conhece o mundo inteiro. Conhece o mundo e meio. Conhece meio mundo. Conhece Deus e o mundo. Conhece mundos e fundos. Homem: o único animal capaz de raciocinar; o único que sabe que vai morrer. Homem: o único animal que sofre voluntariamente; o único que faz sexo em posição diferente daquela em que anda: faz sexo deitado!!!!
O único que se prostra; o homem finalmente conhece. Calcula. Elabora. Controla ejaculação precoce sem saber porque considera precoce (como se houvesse tempo determinado para gozar!). O homem não tem controle sobre o orgasmo, mas tem controle sobre a Bunda. Ah! a Bunda! Aquela é pêra. Aquela é maçã. Aquela é empinadinha, meu Deus! Aquela serve! Aquela, não!
- Olha só, Tião, que bundinha linda!!!
Homem: único animal que dá leite de vaca para o filho, com exceção da própria vaca! O homem tem complexo de boi! Para isso inventou a monogamia! Para isso inventou a monotonia! Para isso inventou a megalomania! Ele gosta, ele quer tudo isso! Para isso existe a Psicologia, a Filosofia, a Biologia, a putaria e o adultério.
Único capaz de conhecer, de raciocinar, único que possui linguagem, coragem, vagabundagem e conhecimento! Ah! o conhecimento. O homem se conhece. João sabe que é João. Leo sabe que é Leo. O homem conhece Deus.
Ah! Deus!
Homem: único animal divino! Único teológico, lógico! Graças a Deus! Já pensou se outros seres fizessem o que faz o homem? Imaginem só o cheirinho do Deus dos gambás!!!!
Homem: único animal que tem sentimento eletrônico. Que se ama por email! Que troca sentimentos a custa da Light e da Telemar.
Homem: único animal que deixa o filho passar fome e ainda ri.
Ah o riso!
Homem: único animal que ri com a boca. O peixe morre pela boca, mas também vive por ela; o homem morre pela boca e vive pela Bunda.
Ah! a Bunda! Sonho de consumo! Que todo mundo possui! Nunca vi ninguém sem Bunda. Bunda é que nem desculpa: todo mundo tem uma. Desculpa é que nem opinião: todo mundo tem uma.
Ah! o conhecimento! Razão da evolução, do progresso, da civilização, dos direitos humanos, da paz... Tudo graças ao conhecimento. Felizes somos nós que freqüentamos universidades, que temos namoradas, esposas, CR, carro. E quando não temos carro, felizes somos nós que teremos um. Nós somos os progressistas. Passamos em concursos públicos. Entramos na esfera pública e continuamos na privada. Discutimos no mais esmerado Português. Somos críticos. Enfim, conhecemo-nos. Todos temos uma história, uma vida. Só não temos esperança. Nunca tivemos. Somos filhos do desespero, da inconstância, da reclamação... E tudo o que fazemos é fruto do conhecimento.
Eis o mundo!
Eis o homem!
O homem apresentou o homem ao homem! E agora o homem passará a noite com o homem. Uma noite sem alvorada! Uma noite sem manhã. Sem sol. O sol apagou, Léo! O Sol apagou, André! A fonte de vida da Terra tornou-se inimiga da Terra. O sol está muito forte. Adoece! Não precisamos mais de calorias; precisamos de protetor solar. De protetor do lar. De protetor do mar. De protetor do ar. De protetor do bar. Tudo faz mal !
Ah ! o mal!
A eterna condenação.

(Danuzio Iguaçu)



4.10.07

Sobre lameiro, sobre dor e sobre vida que se vive

(ou A Paixão segundo Guimarães Rosa)


a Jorge Goulart da Silveira


primeiro de tudo veio a chuva, de mansinho pois vindo... e deixou o vasto tudo mais úmido, bem mais que antes... era um lameiro só, de dar gosto... mas então eu só espiava ainda, que não era tempo já de aventurar... me deixei ficar, e ficando fui ficando... tinha uns escuros por vezes, mas logo depois tinha uns claros outrossim: era a vida, acho, brincando de gangorra... por deus, criatura, sai desse lameiro que já é tempo, pai gritou... arreda pé, luz dos olhos, não tá vendo sol chamar não?, mãe retrucou... ergui cabeça, enchi peito, estiquei pernas - cadê que pernas iam!... caramujo, tatu, caranguejo, homem: parece tudo de família mesma às vezes!... e novidade de minha parte não havia jeito de haver... fiquei mais...ocasião, pai veio com enxada, serrote, machado, anzol e se fez de besta em barganha: “serra, serra, serradô, eu com machado, você com anzó, vamos ver quem ganha dinheiro para dar à nossa vó”... ficando fiquei mais, e pai arregalou, bufou, pisou forte e se foi... voltou mais não... veio mãe pois acenando belezuras: olha, luz dos olhos, olha que balão mais lindo de morrer!... “cai-cai balão, cai-cai balão, aqui na minha mão, não vou lá, não vou lá, não vou lá, tenho medo de apanhar”... e ficando fiquei mais... mãe de tristezura entristeceu e se foi também... peguei frieira, bicho-do-pé, a espinhela caiu, o peito doeu de dor diferente, de dor que a gente não entende em pequeno e - vai saber por que - não entende nunca em adulto tampouco... e veio outra chuva, e outra veio também, e mais outra de soma, e o lameiro era a perder de vista então... até a vida largou mão da gangorra e arrepiou carreira dali... mãe não vinha mais não, que tinha ido já ninar anjos... pai tampouco não vinha, que - vista fraca e mazela dos anos – andava botando tento no chamado de mãe para ajudar no coro... passado o tempo de dias e noites, adiantado em anos, hora era de sentir terreno: mole estava ele ainda, embora que chuva caía mais não... chegando então veio chegando mão estendida, bonita de doer os olhos... abreviei medo e arrisquei passo em falso... desânimo querendo mais descanso bambeou a perna... acabrunhei... mão estendida bonita de doer os olhos de prontidão estava no apesar... o certo destino possível da gente toda nem só lameiro é, falou... espiei sol de olhos fechados – dor doída de luz não acostumada e de belezura de mão estendida que chegando veio cegava então... arregacei coragem e senti vida num salto só... e vida tinha de todas as coisas aos montes!... vida sobejava num ajuntamento de ensurdecer sentidos!... escutei vida com respeito quase de rosário e mão estendida mostrava valia manifesta que vida tinha por demais... e explicava de par o que no tosco coração eu não compreendia já... por que dor dói? por que chuva vem, de mansinho caindo e lameiro só de dar gosto faz? por que sol se vai, e mãe se vai, e pai se vai também?... nem tudo mão estendida bonita de doer os olhos explicou – tempo encurtou e não teve cabimento de tudo dizer... de pouco que explicou, porém, em boa quantia muito explicou, no tempo mesmo em que me acarinhava aninhado... lameiro há léguas e anos atrás ficado ficou e campos de terra dura boa de pisar os pés pisavam já no dia em que mão estendida bonita de doer os olhos por sua vez partindo também se foi... de novo o peito doeu de dor diferente que a gente não entende, vontade vez mais deu de largar caminho reto, virar de través mais adiante, amaldiçoar engano e deixar o dito pelo desdito: voltar a ser homem de par com caranguejo, tatu e caramujo... tarde porém era já: idéia brotada na alma mão estendida bonita de doer os olhos deixado tinha – que era a de me ver feliz nessas infelicidades sendo... e feliz sendo fui, mesmo dor doendo... e mais adiante além vida reencontrei que me acenava, e me encarou com ternura e sério comigo falando falou: não se antevê caminho no caminho não, seu moço, nem se atalha lição demorada de lameiro, de dor, de medo, de sol ou de chuva!... entendi o que de entender carecia, ao menos ali naquele ido dia: que em matéria desse entendimento professor muito ainda de ter teria... e vida sorrindo me sorriu de um jeito, mas de um jeito tão gostoso e de desuso, às gargalhadas quase, e me convidou pra brincar de gangorra... e no tempo em que a gente brincava, feito criança que de pronto voltei a ser, olhei mais longe, lá onde o dia quase exausto dava réstias de claridade ainda, e tomei ar enchendo pulmões... ventozinho morno vinha vindo, rumoreando nas folhas, na crista das águas, nos bichos amoitados e nas casas dos homens à roda toda... e passarinhos esvoaçando iam já, no proveito de ralos de luz em filetes, pacientes como toda criação deveria ser... e na hora tal em que os primeiros vultos da noite chegando chegaram, entendi que hora era de acender o fogo e pôr de posto a mesa... e isso só muito era já... e menos não era o caso... e para nunca mais haveria de o ser, amém.

(Edmilson BORRET)

18.9.07

Do virtual ao real



Tenho uma penca de amigos na web com os quais eu falo quase todo dia. Rolando essa página um pouco mais para baixo, vocês poderão inclusive ver um vídeo que postei no YouTube em que rasgo minha seda pura para esses “quase irmãos”. Rimos juntos, trocamos figurinhas, reclamamos do trabalho, da vida, brigamos às vezes, confundimos sentimentos, acompanhamos as novelas amorosas uns dos outros, ensaiamos conselhos – tudo como deve ser numa verdadeira relação de amizade.
Há muito pouco tempo, as amizades virtuais eram vistas com certo preconceito. A neurose urbana e moderna aconselhava o “pé-atrás” para esse tipo de relacionamento. Dizia-se ser coisa de nerds, sujeitos solitários, infelizes e incapazes de fazer amigos no mundo desplugado. Ou então, tarados ou serial killers em potencial à espreita de uma próxima vítima desavisada. Evidentemente que tudo isso mostrou-se ser uma grande bullshit que ficou lá nos primórdios da internet. Hoje, os limites que marcavam as relações on e offline esvaeceram: amigos virtuais tornam-se cada vez mais reais; e os reais, em contrapartida, na roda-viva do dia-a-dia, vão se tornando virtuais por conta das despedidas, dos deslocamentos espaciais e temporais – não raro ausentes, offline, volto logo, ocupados ou mesmo bloqueados e ignorados...

Talvez o grande barato da internet seja proporcionar o encontro de almas semelhantes que, provavelmente, nunca se cruzariam pelos caminhos do real. Ou, ainda que os caminhos coincidissem, jamais teriam a oportunidade de se enxergar e se encontrar. Quem pode garantir que o cara sentado ao nosso lado no metrô também não leu os mesmos livros que a gente, não ouve os mesmos cd’s, não tem os mesmos ídolos? E se aquela gostosa do escritório em que trabalhamos e cujo nome nem mesmo sabemos (por força do hábito de só nos referirmos a ela como “aquela do rabão maravilhoso”) também não leu tudo de Saramago ou Nothomb? São coisas que só iremos descobrir nas comunidades do Orkut... E lá nessas comunidades, descobrimos atônitos que a gostosa do rabão maravilhoso tem um cérebro e uma alma para além do rabão maravilhoso... e que a gente foi um babaca de antolhos durante muito tempo...
A alusão aqui a Saramago e Nothomb não foi gratuita. Lembrei-me de um depoimento que me fez uma amiga de Orkut (ainda virtual) que adora esses autores, onde ela fala justamente sobre isso: a Daia é carioca da gema, mas mora na França há anos... o depoimento pode ser lido no meu perfil do Orkut, mas reproduzo aqui:

“A vida tem dessas coisas: a gente nasce, cresce, namora, casa, tudo na mesma cidade. Vai embora pra nunca mais voltar. Se instala em um país novo, começa tudo outra vez, conhece mais gente, o tempo passa, os filhos crescem... E quando menos se espera, graças à magia da informática, conhece alguém que sempre esteve lá, na mesma cidade que você, com quem você tem afinidades, que escreve super bem e que parece ter sido seu amigo desde sempre. O que dizer? O orkut e o destino consertaram o erro imenso que foi ter vivido tanto tempo tão perto sem ter te conhecido.
Um beijo, Edmilson! Você é genial!”


E tem também os e-mails, o MSN e afins que são grandes aliados para se manter acesa a chama da amizade no reino da virtualidade. Porque um amigo, virtual ou não, precisa mesmo é ser lembrado, precisa ver que o outro está ali ao alcance de uma mensagem, de um recado, de uma piada; precisa acreditar que um dia ainda vão conseguir marcar aquele tão planejado e ansiosamente esperado encontro... ainda que leve semanas, meses, anos para que isso aconteça.


Para um pequeno grupo de amigos virtuais isso não demorou tanto assim. No último fim de semana, alguns amigos que se conheceram através da comunidade orkutiana Ame e dê vexame, tiveram o prazer imenso e indescritível de se encontrar, se abraçar, se beijar, conversar, brincar, rir – enfim, sentir a presença física um do outro no “orkontro” que promovemos por ocasião do primeiro aniversário da citada comunidade. E foi bom demais!!!!!! Estou até agora em estado de graça! E o mais interessante é que - descontados os 10 minutos iniciais de comoção e embasbacamento diante da comprovação e ratificação da beleza dos amigos (o que se nos apresentava ali no real era exatamente como se imaginara a partir do virtual) - parecia que todos que ali estavam já se conheciam há muito tempo: não havia necessidade de apresentações, de cada um falar um pouco de si; tal era o grau de intimidade e cumplicidade que todos compartilhavam. O “orkontro” aconteceu aqui no Rio, mais exatamente em Paquetá, e teve a duração de um fim de semana inteiro. Mas veio gente de São Paulo, de Resende e de vários pontos dessa imensa cidade que é o Rio de Janeiro. Relações que até então estavam mediadas pela telinha tornaram-se mais consolidadas, mais estreitas... O presencial explicitando as afinidades que já sabíamos existirem desde sempre... Foi lindo demais!

















O fato é que, independentemente de ser um amigo de infância, de faculdade, de Orkut, de blog ou de MSN, quando é sincero, fiel e dedicado será sempre um amigo real.


Confiram alguns momentos do "orkontro" nos vídeos a seguir!



1.9.07

Por trás de uma porta verde, há um diabo na carne da gente gritando do mais profundo de nossa garganta



"O único cinema real é o cinema pornográfico."

Jean-Luc Godard




Eram os primeiros anos da década de 80. Eu estava na faixa dos 14 ou 15 anos. Bigode na cara já, cara de homem feito, carteirinha do colégio adulterada, lá fui eu me aventurar naquele poeirinha do subúrbio de Madureira. Lembro-me até hoje daquele dia. Foi como um ritual de iniciação: o primeiro filme pornô (muitos viriam depois). Eu ali, no meio de todos aqueles homens: uns suados vindos do trabalho; outros cheirando a loção pós-barba (família, esposas e filhos esquecidos por algumas horas na sacrossantidade do lar); as mariconas velhas à espreita de uma oportunidade com os mais excitados... e eu ali, me achando o máximo, me sentindo um homem como todos eles, efetuando meu rito de passagem. Aos olhos do menino habituado até então aos “catecismos” do Carlos Zéfiro, às revistinhas suecas de cores fortes e mal impressas e aos romances proibidos de Cassandra Rios, a visão daqueles paus e bocetas enormes naquela tela também enorme foi como o descortinar de uma nova dimensão. Lembro-me de ter ficado excitado durante toda a projeção do filme, a cueca ensopada por um misto de pré-sêmen e suor... Ao chegar em casa, as duas punhetas seguidas foram inevitáveis... O filme em questão era nada mais nada menos que Garganta Profunda.

É dito que o primeiro filme pornográfico foi La Bonne Auberge. Rodado na Paris de 1908, o filme mostrava prostitutas interpretando a si mesmas em cenas de sexo explícito. Mas foi somente na década de 70 que houve o verdadeiro boom do chamado cinema pornô.

O grande responsável por alavancar a porno-indústria foi Gerard Damiano que dirigiu, entre 1972 e 1973, os dois maiores clássicos do gênero: Garganta Profunda (Deep Throat) e O Diabo na Carne de Miss Jones (The Devil In Miss Jones).

Em O Diabo na Carne de Miss Jones, por exemplo, Justine Jones foi uma mulher que morreu virgem e, por conta disso, iria arder no fogo do inferno (nada mais justo, se pensarmos bem). Mas ela consegue a permissão do Diabo para voltar à Terra e experimentar tudo aquilo que havia renegado em vida - incluindo bananas e cobras vivas. É, sem dúvida alguma, um dos filmes que transformou o pornô em gênero cinematográfico legítimo – Garganta Profunda e Por Trás da Porta Verde sendo os outros dois que eu colocaria na lista. Georgina Spelvin, a Miss Jones, apesar de um tanto passada (à beira dos quarenta anos, na época) convence como a solteirona virgem suicida que se converte, por artes do capeta, em deusa da luxúria. E a bela trilha sonora de autoria de Alden Shuman foi utilizada em comerciais e até em telenovelas da Globo.

Já Linda, de Deep Throat (Linda Lovelace interpreta a si mesma no filme), descobre que não atinge o orgasmo porque tem o clitóris na garganta, o que leva a moça a enveredar pelo que os antropólogos costumam chamar de "cultura oral". Garganta Profunda é talvez o filme pornográfico de maior sucesso de todos os tempos. Gravado em seis dias no mês de janeiro de 1972, em Miami Beach, escrito e dirigido por Gerard Damiano e estrelado por Linda Lovelace, teve um custo irrisório de 24 mil dólares financiados pela família mafiosa Peraino. Ele estreou três meses depois em abril de 1972 num cinema da Rua 42, em Manhattan, Nova York. Arrecadou só nos EUA cerca de 20 milhões de dólares, no mundo inteiro esse valor chega a 600 milhões. Por conta desse estrondoso sucesso, várias celebridades deram atenção ao polêmico filme: o cineasta Mike Nichols, o escritor Truman Capote, o ator Warren Beatty, o cantor Frank Sinatra, entre outros. Ele foi descrito pela revista Variety como o Ben-Hur do pornô e como O Poderoso Chefão do cinema erótico pelo presidente da Paramount, Frank Yablans. Garganta Profunda mudou a maneira de ver o cinema pornô, que a partir daí virou uma forma legítima de entretenimento.

Por Trás da Porta Verde (Behind The Green Door) é considerado o primeiro filme erótico para mulher que existiu. A personagem principal do filme é vivida pela loira Marilyn Chambers, que é seqüestrada e levada a um estranho clube de porta verde no qual ocorrem muitas depravações. O filme dá um show de direção e a história começa a ser conduzida de forma brilhante pela visão da mulher, na qual a antológica cena da orgia seria copiada de forma muito clara no filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick. Uma referência muito bem escolhida e acertada pelo sempre perfeccionista Kubrick.

É claro que as três histórias são inverossímeis, diria até viajantes demais, mas servem infelizmente de pretexto para toda a putaria mal acabada que rolaria a partir de então.

Mas o que importa aqui é salientar que esses filmes tinham histórias... e histórias até bem interessantes.

Lá pelos meados dos anos 80, entretanto, a filmografia pornô começa a abandonar os roteiros mais elaborados e parte pro "vamos-ver" da forma mais diretamente nua e crua possível (inevitável o trocadilho). Inaugurava-se aí a fase fast-food do cinema pornô.

Chegariam então os anos 90 e o século XXI. E, com o advento das locadoras de vídeo, da internet e da tv a cabo, tudo mudaria mais uma vez. Enredos, roteiros e histórias então cedem lugar a cenas estanques de poucos minutos, às vezes segundos. Envereda-se pelo filão de uma concepção funcionalista que acredita que a duração dos filmes não precisa ultrapassar o tempo da punheta mais afobada. E como se não bastassem os atores e atrizes (eu disse atores e atrizes?) de hoje em dia siliconizados, artificiais, construídos e depilados (o que são aqueles caras de saco raspado, meu Deus?!), o erotismo e a insinuação caem por terra de maneira broxante, e a gente experimenta a nostalgia de um tempo de inocência: aquele dos filmes de Gerard Damiano. Sim, de inocência... por mais paradoxal que possa parecer essa afirmação. Inocência nos olhos do menino querendo parecer homem naquele poeirinha de subúrbio... e até mesmo dos marmanjos que ali se encontravam. Naquela época, estávamos longe de imaginar que os atuais reality show, os programas de auditório e o entretenimento fácil e rasteiro que pululam na tv acabariam de forma tão infame com o efeito da surpresa e da sedução dos pornôs de outrora.

Pois se há um gênero merecedor de uma página especial e à parte, devido à polêmica que causa, este é o ramo do cinema pornô, tido muitas vezes como um cinema bandido, periférico e ordinário. Desmascarar este falso mito é mostrar que fazer cinema é fazer arte, independente do gênero e conteúdo. Há que se criticarem evidentemente os filmes que simplesmente exploram a sensualidade e recordar os que a mostravam de forma inteligente e com suas próprias razões de exibi-la. Pois não apenas os filmes devem ser inteligentes, as pessoas que a eles assistem também devem. É preciso ter olhos educados e exigentes, além de saber como apreciar este tipo de arte. A melhor maneira de se fazer isso é se desfazer de preconceitos babacas e desse sentimento de culpa que a sociedade tem em relação à questão sexual. Valores arcaicos que aliam sensualidade e sexualidade a algo impuro já deviam estar superados neste início de milênio. O erotismo sempre esteve ligado ao cinema de forma mais ou menos diluída. Esta junção de cinema e erotismo, com o passar do tempo, foi atingindo uma maior expressão, ainda que assumindo um falso caráter pecaminoso, buscando soluções inteligentes de criticar a imposição severa da censura. Devemos lembrar do diretor Russ Meyer, da década de 60, que soube aproveitar e criticar este "sexo culposo". Em seus filmes, as mulheres se faziam de puras para excitar o objeto de desejo, o que ocasionava um singelo estupro. Foi nos seus filmes, aliás, que surgiu uma das mulheres que se tornaria um ícone da época: a ruivíssima Uschi Digart, que estaria presente em várias capas de revistas famosas depois. Uma forma inteligente de que o diretor se utilizava para mostrar que a mulher, satisfazendo seus desejos, ainda assim não era culpada pelo fato ocorrido. A mulher pura querendo acabar com a repressão de seus impulsos. Bem, eu poderia também citar clássicos como A Bela da Tarde, de Luis Buñuel, em que Catherine Deneuve é Séverine - jovem rica e infeliz que procura um discreto bordel para realizar suas fantasias sexuais e conseguir o prazer que seu marido não consegue lhe dar. Ou mesmo À Procura de Mr. Goodbar , dirigido por Richard Brooks, em que a atriz principal Diane Keaton faz o papel de Theresa, uma mulher reprimida sexualmente que de dia dá aulas como professora de crianças surdas e, à noite, procura o prazer nos braços de homens desconhecidos. O talento de Diane Keaton mantém nossa atenção sobre o filme que foi indicado ao Oscar em 1978. O filme marcou também o primeiro trabalho substancial de Richard Gere e de Tom Berenger . Eram filmes ainda tímidos, mas importantes por chocar de maneira sutil e sensual.

Só nos resta a nós - os punheteiros "deslocados" e saudosistas - que gostaríamos de ver esta volta ao cinema pornô de qualidade, exigir cenas inteligentes, roteiros elaborados que justifiquem o erotismo em tela. Esperar que sejam mais bem selecionados os atores e as atrizes. E ver estes filmes com olhos apropriados. E pedir que, nos filmes pornôs atuais, as pessoas não façam apenas sexo, mas sim copiem, se precisar, a forma dos clássicos antigos nos quais as pessoas faziam amor.

Baixei nos emules da vida esses três clássicos. Foi muito emocionante assistir mais uma vez a esses filmes que povoaram minha imaginação de garoto nos momentos solitários. Obviamente que a excitação não foi nem um décimo da que experimentei anos atrás. Se o pau subiu, nem percebi. Donde concluo que eu também preciso resgatar a inocência de antes... Rever estes filmes trouxe uma nostalgia de mim mesmo...


Um presentinho para os leitores deste blog: a trilha sonora do filme O Diabo na Carne de Miss Jones, composta por Alden Shuman. Clique nos nomes das músicas para efetuar o download.


01. In the Beginning
02. Hellcat
03. I'm Comin' Home (muita linda, talvez a mais famosa)
04. The Teacher
05. Ladies in Love
06. Love Lesson
07. Beauty and the Beast
08. Walk With the Devil
09. Trio in the Round
10. Miss Jones Comes Home (reprise da 3ª música, também muito linda)
11. At the End

26.8.07

Tietagem pura do tio babão

Caríssimos amigos, tem coisa mais fantástica do que passar o domingão corujando os sobrinhos lindos e ouvindo a Gabriela, minha sobrinha de 15 aninhos, arrasando na voz e no violão?????.... Coisa mais linda!

Escutem e vejam vocês mesmos e digam se eu não tenho razão!




Confesso: quando o assunto são esses "anjinhos", sou coruja assumido.

Bjs e abraços extasiados do Ed!

23.8.07

NÃO EXISTEM HOMOSSEXUAIS

Caramba! E eu que sempre tive opiniões tão arraigadas, beirando o extremismo, sobre o assunto!!!! Após a leitura do texto que segue abaixo, estou fortemente inclinado a rever meu ponto de vista... É algo em que eu realmente nunca havia pensado. E que inveja, meu Deus! Esse é o tipo de texto que eu gostaria de ter escrito.

Agradeço do fundo do coração ao amigo que me enviou e possibilitou que eu o publicasse aqui no meu blog... Embora eu possa estar incorrendo em ato ilícito, por estar ferindo direitos autorais, vale a pena correr o risco... Até porque não deixo de citar o autor nem a fonte. Espero que o autor entenda...




NÃO EXISTEM HOMOSSEXUAIS

Acreditar que um adjetivo se converte em substantivo é uma forma de moralismo pela via errada

NÃO CONHEÇO homossexuais. Nem um para mostrar. Amigos meus dizem que existem. Outros dizem que são. Eu coço a cabeça e investigo: dois olhos, duas mãos, duas pernas. Um ser humano como outro qualquer. Mas eles recusam pertencer ao único gênero que interessa, o humano. E falam do “homossexual” como algumas crianças falam de fadas ou duendes. Mas os homossexuais existem?
A desconfiança deve ser atribuída a um insuspeito na matéria. Falo de Gore Vidal, que roubou o conceito a outro, Tennessee Williams: “homossexual” é adjetivo, não substantivo. Concordo, subscrevo. Não existe o “homossexual”. Existem atos homossexuais. E atos heterossexuais. Eu próprio, confesso, sou culpado de praticar os segundos (menos do que gostaria, é certo). E parte da humanidade pratica os primeiros. Mas acreditar que um adjetivo se converte em substantivo é uma forma de moralismo pela via errada. É elevar o sexo a condição identitária. Sou como ser humano o que faço na minha cama. Aberrante, não?
Uns anos atrás, aliás, comprei brigas feias na imprensa portuguesa por afirmar o óbvio: ter orgulho da sexualidade é como ter orgulho da cor da pele. Ilógico. Se a orientação sexual é um fato tão natural como a pigmentação dermatológica, não há nada de que ter orgulho. Podemos sentir orgulho da carreira que fomos construindo: do livro que escrevemos, da música que compusemos. O orgulho pressupõe mérito. E o mérito pressupõe escolha. Na sexualidade, não há escolha.
Infelizmente, o mundo não concorda. Os homossexuais existem e, mais, existe uma forma de vida gay com sua literatura, sua arte. Seu cinema. O Festival de Veneza, por exemplo, pretende instituir um Leão Queer para o melhor filme gay em concurso. Não é caso único. Berlim já tem um prêmio semelhante há duas décadas. É o Teddy Award.
Estranho. Olhando para a história da arte ocidental, é possível divisar obras que versaram sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo. A arte greco-latina surge dominada por essa pulsão homoerótica. Mas só um analfabeto fala em “arte grega gay” ou “arte romana gay”. E desconfio que o imperador Adriano se sentiria abismado se as estátuas de Antínoo, que mandou espalhar por Roma, fossem classificadas como exemplares de “estatuária gay”. A arte não tem gênero. Tem talento ou falta de.
E, já agora, tem bom senso ou falta de. Definir uma obra de arte pela orientação sexual dos personagens retratados não é apenas um caso de filistinismo cultural. É encerrar um quadro, um livro ou um filme no gueto ideológico das patrulhas. Exatamente como acontece com as próprias patrulhas, que transformam um fato natural em programa de exclusão. De auto-exclusão.
Eu, se fosse “homossexual”, sentiria certa ofensa se reduzissem a minha personalidade à inclinação (simbólica) do meu pênis. Mas eu prometo perguntar a um “homossexual” verdadeiro o que ele pensa sobre o assunto, caso eu consiga encontrar um no planeta Terra.

(por João Pereira Coutinho)

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Fonte do texto

19.8.07

"Se meu mundo cair, eu que aprenda a levitar"




ENSAIO SOBRE ADÃO

Há cinco possibilidades. Primeira: Adão caiu.
Segunda: foi empurrado. Terceira: saltou. Quarta:
ao debruçar-se sobre o parapeito perdeu o equilíbrio. Quinta:
nada digno de nota aconteceu a Adão.

A primeira, de que caiu, é precária demais. A quarta,
medo, foi examinada e revelou-se inútil. A quinta,
de que nada aconteceu, não interessa. A solução é a alternativa:
saltou ou foi empurrado. E a diferença está apenas

na questão de saber se o demônio
age de dentro para fora ou de fora para
dentro: aí está
o verdadeiro problema teológico.

(Robert Bringhurst - Tradução de João Cabral de Melo Neto)



Realmente um puta problema teológigo. Ou seja, não tem “ou seja”: Adão, com certeza já prevendo que viria servir a posteriori para trocadilhos infames do tipo “eu vi Adão”, talvez tenha sido o primeiro neurótico ou psicótico de que se tem notícia na história da humanidade. Também, coitado, Eva andava lá pelo jardim das delícias vendo a uva já naquele tempo... Uva lembra cacho, cacho lembra bagos... bagos lembra bolas.... Putz! Safadinha essa Eva, hein! Depois ainda vieram com um papo furado de que foi maçã (era uva, pô!... toda criança que foi alfabetizada pela cartilha Sonho de Talita sabe disso!). Ou seja (agora tem um “ou seja”), enquanto Eva deliciava-se com bagos e cobras (a rapaziada já era chapa quente naquele tempo), o moçoilo dos trocadilhos infames burilava suas dúvidas existenciais para saber se saltava ou se era empurrado... ou se deixava que nele empurrassem (os trocadilhos não foram à toa, tá vendo?)... Pirou, coitado. Surtou legal.

A questão é que Freud, lá pelos idos de 1923 e 24 (isso é perseguição, hein!), preocupado com a questão do que a psicanálise teria a dizer a respeito da saúde mental, escreveu dois pequenos textos: Neurose e psicose e A perda da realidade na neurose e na psicose. Os dois falam basicamente sobre o mesmo tema: a tensa relação do eu com o isso, fonte das demandas pulsionais, diante das exigências do superego. No primeiro texto, Freud afirma que as neuroses e as psicoses são efeito de um fracasso das funções do eu na administração do conflito entre o superego e as pulsões. No segundo texto, ele avança um pouco mais e afirma que essas duas modalidades de sofrimento psíquico correspondem a dois modos de distorção da relação do sujeito com o real. Na neurose, sugere o viajandão, o eu está em conflito com as demandas do isso, em obediência ao superego e à realidade. Para atender às exigências destes dois senhores, o eu recalca as representações das demandas pulsionais do isso, perdendo ou deformando uma parte importante da realidade psíquica; ao mesmo tempo, para que a defesa funcione, o sujeito precisa conseguir ignorar todas as percepções da realidade externa que possam se associar à representação recalcada. No caso da psicose, é a relação com a realidade externa que se deforma, a cada vez que esta resiste a satisfazer a demanda pulsional, ou seja: a cada vez que se anuncia para o sujeito, como que vinda do real, a ameaça de uma castração que ele é incapaz de simbolizar.

Entenderam alguma coisa??!!! Não? Eu também não entendi porra nenhuma. O cara tava fumadão, não é possível! Mas achei o texto legal e profundo e resolvi colocar aqui pra vocês, caros leitores. Nem só de babaquices e viadagens se faz um blog, aprendam isso, ok? De qualquer forma, a passagem acima já nos dá pistas da real inquietação do nosso homem de argila. Eu tava tentando entender o que poderia ser esse “isso”. Mas atentando para os detalhes, observem que eu até mesmo sublinhei algumas palavrinhas-chave. Veja bem: enquanto a putinha da Eva ficava lá com os bagos da rapaziada e no tête-à-tête com a cobra (literalmente tête-à-tête), o camarada tinha que satisfazer a demanda pulsional do “isso” dele, oras! E quem tem um “isso” sabe que, quando o bicho começa a pulsar, a gente tem que dar vazão. Senão dá tilt. Só que no caso do nosso primeiro analisando da história, ele ainda tinha forçadamente que “ignorar todas as percepções da realidade externa” que se associassem a uma “representação recalcada” (palavras do fumadão). Ou seja, a tal da Eva, não obstante o sem número de uvas que andou vendo, devia ser feia pra caralho ainda por cima... E dá-lhe percepção da realidade ignorada, e dá-lhe representação recalcada... Mas a pulsação do “isso” tinha que ser satisfeita de alguma forma. A saída então era fechar os olhos e mandar ver na imaginação. No fundo, ele queria mesmo é que a mocinha lhe trouxesse logo a tal da maçã (eu continuo suspeitando que era uva), mas vinha-lhe sempre à mente o dedo acusador do Criador ameaçando-o com a possível “castração”. Castração entendida aí num sentido mais metafísico e filosófico, entenderam? Não? Bem, mas é isso... Daí então é que veio a fatídica queda. E até hoje não se sabe se ele saltou ou foi empurrado. E como resultado, nos deixou esse legado: a neurose e a psicose. Mais do que o “cair” mítico de que nos fala o gênesis de quase todas as religiões, acho que o pecado original, o legado que nos foi deixado, é justamente esse: nos tornamos seres neuróticos e psicóticos por medo da queda.

Mas o que é o “cair”, eu pergunto.

Também só fico na pergunta. Não achem que eu vou responder... Até porque eu também tô querendo saber. Cair, saltar ou ser empurrado... acho que tudo acaba sendo a mesma porra, se não soubermos manter a pose na hora H. É preciso classe e graça mesmo na queda. Minha adorada Maysa Matarazzo dizia: “Se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”. Apesar de gostar muito da vozinha rouca dela e do estilo dor-de-cotovelo, eu prefiro ir mais além... Vou de José Miguel Wisnik mesmo... sobretudo quando ele diz: “Se meu mundo cair, então caia devagar”... Mas não é verdade? Pra quê a pressa, né não? E, diferentemente da Maysa, ele diz: "eu que aprenda a levitar"... Caramba! Levantar é mole, foda mesmo é levitar depois de uma queda! Há que se ter muita leveza de espírito, meus caros!... Grande Wisnik! Esse é dos meus...

Ótimo domingo a todos!


SE MEU MUNDO CAIR

Se meu mundo cair
então caia devagar
não que eu queira assistir
sem saber evitar

cai por cima de mim:
quem vai se machucar
ou surfar sobre a dor
até o fim?

cola em mim até ouvir
coração no coração
o umbigo tem frio
e arrepio de sentir
o que fica pra trás
até perder o chão
ter o mundo na mão
sem ter mais
onde se segurar

se meu mundo cair
eu que aprenda a levitar

(José Miguel Wisnik)

15.8.07

O voyeurismo canalha do gauche


É interessante observar pessoas sem que elas nos vejam. É quase doentio isso, eu sei, mas é algo a que tenho me dedicado há algum tempo. Não diria que chego ao extremo de um L.B. Jeffries hitchcockiano (até porque não tenho o charme do James Stewart), mas observar aqui do meu cantinho me dá um prazer meio estranho... Sei não, mas tô sentindo um cheiro de uma sociopatia qualquer no ar... Alguém aí me indicaria um bom analista? hehehehehe

Ok, ok. No filme do mestre do suspense tinha um puta binóculo, um puta apartamento, uma puta janela numa puta sala e um puto numa cadeira de rodas observando a vizinhança... De tudo isso, acho que só tenho o tanto de puto e a imobilidade das pernas... não por estar também numa cadeira de rodas, mas por conta dessa letargia que parece ter se apoderado de mim. Há meses que fiz do espaço pouco do meu quarto o meu mundo. Daqui vejo tudo, espio tudo, ouço tudo, rio de tudo e choro por tudo. Meu quarto fede a cigarro e a esquecimento (eu ia falar "esperma", mas me contive por achar que isso chocaria aqueles que ainda não conseguem ligar o nome à coisa)... e nem a poeira dos móveis eu ouso retirar: faz parte da ambientação. E devo avisar que já estou de antemão mandando tomar no cu o primeiro filho da puta que vier me falar de síndrome do pânico, depressão, morte em vida ou coisa que o valha, ok? Não, não é nada disso. É só recolhimento mesmo. E ponto final. A única coisa que poderia me preocupar seria se essa imobilidade que se verifica no corpo atingisse as idéias. Aí sim, meus caros, vocês poderiam mandar vir o carro fúnebre, caixão, coroa e uma banda de rhythm‘n’blues (que eu vou querer um funeral como aqueles bem tradicionais de New Orleans... pois vamos combinar: o Ed aqui gosta é de pompa mesmo!!!!). Mas não, não é ainda o caso. No fundo, estou bem. Recolhido, é certo. Mas bem. Quando muito, os amigos (os verdadeiros amigos) poderiam me dizer a título de exortação as famosas palavras de ordem "vai à luta", "sai dessa lama, jacaré", "solta a franga" "volta pro reduto, luana" ou, para ser mais moderninho, uma que o Selton Mello usa numa propaganda de um banco veiculada atualmente na tv e nas rádios: "sai de trás dessa pilastra, se joga, criatura!"

Feito esse enoooooooorme parêntesis, volto ao tema do início: o meu voyeurismo atual. Muitos acham, por exemplo, que ando afastado do orkut e do MSN. Nada. Estou tão presente quanto antes. Só não interajo tanto quanto antes. Enquanto fico aqui baixando meus filminhos e meus mp3, observo as pessoas desfilando pelo orkut, pelas comunidades e, sobretudo, pelo MSN. Adoro, por exemplo, observar as mensagens pessoais que os amigos colocam logo após o nick no MSN... é cada coisa bem interessante mesmo! Sem falar nas músicas que as pessoas estão ouvindo! Dia desses, por exemplo, minha amiguinha Bel estava ouvindo "Another brick on the wall"... eu a via, ela não me via... cruel, não? hehehehehe

Just another brick on the wall... Só mais um tijolo no muro. That’s it! Somos apenas mais um tijolo na porra do muro, essa é a verdade. E fico aqui pensando que, enquanto passo meu tempo a observar pessoas, a vida corre lá fora, queira eu ou não. Meu peso, enquanto tijolo, será mensurado e considerado como algo significativo nesse processo todo? Ou será preciso que eu, enquanto tijolo em falso, despenque desse muro e caia na cabeça do passante desavisado para que se perceba que, ainda que tijolo, continuo por aqui? De qualquer maneira, haverá algum barulho (tijolo se espatifando em queda faz um estrondo do caralho) ou alguma fúria (tijolo nas fuças tem o poder de liberar muitos palavrões) na pequena história deste pobre idiota aqui?
"A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico que se empavona e se agita por uma hora no palco, sem que seja, após isso, ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de som e fúria, que nada significa."

Cito Macbeth de propósito: quero assim mostrar a degradação da minha natureza humana, o lado obscuro da minha alma, as conseqüências últimas da minha entrega total ao pecado. O delicioso pecado de espiar os outros. Pois hoje cedi mais uma vez a esse vício. Mas não foi no virtual. Foi bem real. Gargalhei intimamente ao observar a mediocridade e a pequenez humana disfarçada de tenacidade moral. Não sou nem nunca fui muito adepto de termos pejorativos como "vadia" ou "cachorra" para se referir às mulheres. É algo que não parece condizer muito bem com meu jeito meio feminil de ser. Mas a observação minuciosa das atitudes de uma certa mulher hoje me deu ganas de lançar mão de tais adjetivos. Pela primeira vez em muito tempo me deu vontade de ser meio troglodita, canalha e filho da puta com uma mulher. Continuei, porém, na minha observação das atitudes e reações da infeliz e quase que acabei por sentir pena da dita cuja. Observando-a, deleitei-me. Senti um prazer imenso ao vê-la se debater para querer mostrar retidão após ter tão descaradamente deixado cair a máscara da pretensa pureza. Não que eu seja moralista a ponto de achar relevante a pureza numa mulher. Mas coerência e honestidade, isso sim eu acho muito relevante. Caetanamente, não vou querer falar da malícia de toda mulher. Mas até para se ter malícia é preciso coerência, inteligência e honestidade, caramba!

A pobre passante desavisada foi vítima do meu tijolo em queda franca, coitada... Também, quem mandou esbarrar no muro? Não se esbarra impunemente num muro introspectivo e observador. Eu tava aqui na minha imobilidade e esquecimento, lembram? E muro é sempre muro. Rima com duro. Se não vai encarar que passe ao largo. Mas não me venha com falso puritanismo babaca porque eu, recém-chegado aos 40, degradado e degradante, obscuro e pecador, observo e observo sempre... É meu vício, é meu prazer calhorda. Sou um voyeur da alma humana. Perspicaz quando necessário. Fútil quando assim me convém. Sentimental quase chegando às raias do existencialismo (como observou minha amiguinha Cristiane) quando me sinto sufocado. Mas sarcástico, ácido e cruel quando instigado. E tudo isso, fruto desse voyeurismo a que venho me dedicando...

Coitada mesmo da passante desavisada de hoje! Se eu tivesse o charme inocente do James Stewart talvez ela tivesse tido mais sorte... Mas ela teve o azar de esbarrar com o sociopata esquisitão, sórdido e doentiamente observador do Ed aqui... Por mais que ela tenha tardiamente tentado se camuflar, eu a vi nua em pêlo...



"Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro."

(Mario de Sá-Carneiro)

26.7.07

Quase irmãos... Presque frères

Amanhã é meu aniversário, mas fui eu que decidi dar um presente a alguns amigos.

Em dois anos de Orkut, conheci pessoas fantásticas e maravilhosas... E algumas se tornaram indispensáveis na minha vida!...

Esse pequeno vídeo é justamente uma homenagem a alguns desses amigos. Aqui não estão todos os 400 contatos da minha lista orkutiana, é bom que se diga. Aqui estão os 10 amigos com os quais desenvolvi uma relação mais estreita, para além do virtual... Através do MSN, de telefonemas, de e-mails ou até mesmo pessoalmente, essas pessoas se tornaram mais que amigos virtuais; se tornaram confidentes... quase irmãos... Elas conhecem meus segredos, minhas dores, meus amores, meus choros e meus risos.

Obviamente que tenho outros amigos com quem também tenho esse mesmo tipo de relação (aliás, amigos estes que também estão na minha lista do orkut), mas este vídeo aqui é especialmente dedicado às relações que começaram graças ao virtual... Alguns ainda nem conheci pessoalmente, mas é como se já tivesse acontecido, tal é o grau de afinidade e cumplicidade !

Essa é a minha pequena homenagem a essas 10 almas que, de certa forma, ajudam a completar a minha!



Demain c’est mon aniversaire, mais c’est moi qui ai décidé de faire un cadeau à quelques amis.

En deux ans sur Orkut, j’ai connu pas mal de gens fantastiques et merveilleux... Et quelques-uns sont devenus indispensables dans ma vie !...

Cette petite vidéo-ci est justement un hommage à quelques-uns parmi ces amis. Ils ne sont pas là tous les 400 contacts de ma liste orkutienne, il faut que je le dise. Vous y trouverez les 10 amis avec lesquels j’ai développé un rapport plus étroit, au-delà du virtuel... Par MSN, coup de fil, mail ou même par des rencontres perso, ces gens sont devenus plus qu’amis virtuels, ils sont devenus des confidents... presque frères... Ils connaissent mes secrets, mes douleurs, mes amours, mes pleurs et mes rires.

Évidemment j’ai d’autres amis avec qui j’ai un rapport pareil (d’ailleurs, des amis qui sont aussi sur ma liste d’orkut), mas cette vidéo-ci est spécialement dédiée aux rapports qui sont issus du virtuel... Quelques-uns je n’ai pas toujours rencontrés en chair et os mais c’est comme s’il s’était déjà passé, à tel point on a de l’affinité et de la complicité !

Ceci est mon petit hommage à ces 10 âmes qui ont aidé, d’une certaine manière, à remplir la mienne !



Entretanto, é sabido que os vídeos no YouTube perdem muito em qualidade. Assim, se for do seu interesse, caros leitores, vocês podem baixar o arquivo wmv(50 MB) aqui.

Tout le monde sait pourtant que les vidéos sur YouTube perdent beaucoup de qualité, alors vous pouvez télécharger le fichier wmv (50 MB) ici, si vous y avez intérêt.

24.7.07

Temos todos duas vidas: uma a que sonhamos, outra a que vivemos

Dentre os filmes que tenho baixado da internet graças a minha novíssima, maravilhosa e super velocíssima banda-larga, hoje tirei o dia para rever o filme Quase dois irmãos, de Lúcia Murat, lançado em 2005. E falar sobre esse filme é bastante complicado, pois nele o que mais importa é a história em si... A produção, a fotografia, os atores estão excelentes, mas nada disso é maior do que a questão social apresentada. Como ser justo? Como alcançar justiça social? Eis a grande questão que parece permear toda a discussão a que o filme se propõe. Um sem número de complexidades caracteriza todos os níveis que podem servir de ponto de partida para falar sobre essa magnífica obra do cinema brasileiro: da história contada à montagem, das concepções ideológicas e políticas que afloram no filme ao balanço que nele se faz sobre a esquerda brasileira... Ah, a esquerda no Brasil... tsc tsc tsc tsc











A palavra “quase” que aparece no título é de uma exatidão impressionante (por mais paradoxal que essa minha afirmação possa parecer). Da tentativa de aproximação entre a classe média e os moradores da favela, o que sobra é apenas um planar sobre um imenso abismo. É dessa aproximação de aparência harmoniosa, porém tensa e nunca consolidada, que Lucia Murat vai construir as situações mais emblemáticas entre os personagens de Quase dois irmãos. A história – que basicamente acompanha dois personagens, Miguel e Jorginho, durante os últimos 50 anos – desenrola-se em três períodos distintos: a década de 50, época da infância dos dois; os anos 70 e o regime militar; e a época atual.


Na romântica década de 50, Miguel é filho de um boêmio jornalista branco e de classe média (interpretado por Fernando Eiras) que acompanha as rodas de samba promovidas pelo talentoso – mas nada reconhecido – Seu Jorge (interpretado por Luis Melodia), pai do negro Jorginho, amigo do filho do jornalista. Nos anos 70, os dois garotos reencontram-se na prisão da Ilha Grande. Miguel (Caco Ciocler), agora, é um intelectual de esquerda, preso por participar na luta armada, e Jorginho (Flávio Bauraqui ) é um criminoso comum. Passados 20 anos, Jorginho (agora interpretado por Antônio Pompeo), que continua na cadeia, agora no complexo de Bangu (de onde lidera o Comando Vermelho e o tráfico de drogas) é visitado pelo deputado federal Miguel (então interpretado por Werner Schünemann ) que busca autorização para implantar um projeto social no morro, numa tentativa desesperada de “afastar a juventude do tráfico” e, por tabela, distanciar sua própria filha do namorado, um “gerente” que opera os negócios de Jorginho. Não dá certo. Assim como não havia dado certo a união entre intelectuais e presos comuns 30 anos atrás. A filha de Miguel (a atriz Maria Flor) sobe o morro, mas também percebe a impossibilidade de firmar uma relação amorosa com Deley (Renato de Souza, ator do grupo Nós do Cinema), garoto de 20 e poucos anos que chefia o tráfico a mando de Jorginho.

Filmado sem continuidade temporal, e com uma fotografia lindíssima (um tom de “sépia” para os anos 50, preto e branco para a década de 70, e cores, nos anos 90), Quase dois irmãos é marcado pela maravilhosa trilha sonora de Naná Vasconcelos, entrecortada pela música “Quem me vê sorrindo”, de Cartola.

Muito bem realizado, mas com uma visão um tanto cética sobre a realidade, o filme serve como profunda reflexão sobre a necessidade de derrubarmos os muros e obstáculos para que possamos construir uma nova sociedade. E fica difícil não pensar no filme não só como um balanço político dos últimos anos da história brasileira, mas também como a reflexão um tanto quanto pessoal da própria Lúcia Murat (quase um mea culpa da esquerda), que foi dirigente estudantil, guerrilheira e presa política e que já havia discutido sobre os anos de chumbo da ditadura no seu filme Que bom te ver viva.

O filme tem como eixo central os desencontros entre esses dois mundos, cuja proximidade é ilusória. Ao metaforizar esta “realidade” a partir da dura convivência entre “morro” e o “asfalto”, Lúcia Murat reflete sobre esse gigantesco “quase” que separa os intelectuais e o povo, os negros e os brancos, os presos políticos e os comuns e, acima de tudo, a esquerda e os proletários... Pois é, meus amigos: engana-se quem pensou que alguma vez esquerda e proletariado estiveram juntos!... Marcada, de um lado, pelo ledo engano da experiência da guerrilha tupiniquim e, de outro lado, pelo aburguesamento e reformismo da “esquerda” institucionalizada dos dias de hoje (alguém aí lembrou de um José Dirceu?), essa reflexão da diretora emerge nesse alto grau de ceticismo. Assim, no filme, a gente vê esse “quase” se transformando em sólida e real impossibilidade na figura de um muro que, em dado momento, é levantado para separar os presos de uma mesma galeria da Ilha Grande.


Não é novidade para ninguém que o atual nível de organização do tráfico, em grupos como o Comando Vermelho, é atribuído à convivência entre presos políticos e comuns. Lúcia Murat, entretanto, faz um recorte no tempo e esmiúça o exato momento em que, em menor número em relação aos presos comuns que povoam o presídio, os presos políticos já não conseguem mais impor suas regras. E, se vendo ameaçados, exigem a separação. Regras essas, aliás, que se caracterizam por três leis que merecem destaque pelo conteúdo moralista que têm: “Aqui não tem pederastia (!?), aqui não se fuma maconha, aqui não se rouba”.

Homofobia, preconceito e moralismos à parte, o tal muro é erguido em meio a uma enorme polêmica que mostra as diferenças ideológicas entre as facções políticas de esquerda da época. A discussão sobre a possibilidade ou não de aproximar o “povo” das posturas revolucionárias tem, em um militante supostamente trotskista (mostrado de forma um tanto caricata), um dos poucos defensores da busca de uma solução para a questão. Aliás, é ainda através de metáforas – com o gato desse militante (que tem o sugestivo nome de Trotsky) – que também é cruelmente mostrado o tratamento que facções da própria esquerda dão aos seus adversários (matam o gato do coitado!). O filme trata, a cada seqüência, do choque de classes. Quando Miguel tenta persuadir outros presos comuns a seguirem as tais “regras do coletivo”, quando ele passa a impor medidas goela abaixo, os amigos de Jorginho obviamente não admitem e armam a insurreição contra a ordem vigente. E aí é simbólico quando a situação foge ao controle e o muro é erguido. Jorginho fala para Miguel: “Agora, sim... branco de um lado, negro do outro.... rico de um lado e pobre do outro”.

E é assim que os desencontros dos dois amigos de infância dentro da prisão, depois metaforizados mais uma vez nas grades que os separam na cadeia, já em 2004, prenunciam a tragédia para a qual o filme deslancha. Uma tragédia que, na visão da cética Lúcia Murat, é quase que inevitável. Tragédia moderna e urbana que marca os dois lados do muro, mas particularmente o “sonho” perdido da esquerda, representado por um verso de Fernando Pessoa que pontua todo o filme: “Temos todos duas vidas: uma a que sonhamos, outra a que vivemos”.

Embora fruto das experiências da diretora e de sua avaliação sobre o momento atual (ah, a esquerda no Brasil... tsc tsc tsc tsc), essa visão, infelizmente, parece ser a que impera, quando nos damos conta da impossibilidade de se erguerem pontes entre os mundos que o capitalismo cruelmente separou.

Como bem observou o escritor Paulo Lins – co-roteirista de Quase dois irmãos – “a gente só se encontra na arte”. Talvez a manifestação artística seja o único elo cultural possível e efetivo entre esses dois mundos. A única ponte possível sobre o abismo. O morro cria, a classe média assimila e agradece: o samba, o rap, o funk, o carnaval. Quase dois irmãos começa justamente com o compositor Luis Melodia, aqui no seu primeiro papel como ator, interpretando o pai de Jorginho, a entoar um samba, e dois moleques dançando na rua. “A música no filme tem um papel fundamental. É o ponto de encontro entre os dois mundos”.

E o filme é magnífico justamente nisso. Enquanto outros filmes brasileiros se esforçam para mostrar a violência como uma forma de chocar o público (não vá esperando um banho de sangue e tiroteios à la Cidade de Deus e Carandiru), Lúcia Murat trabalha brilhantemente com um roteiro em que o problema é visto como um todo: mostrando o seu início, ou seja, a violência de ontem e procurando, em 50 anos de história do Brasil, entender a raiz da violência de hoje, enfrentada nas grandes cidades.

O filme critica certa visão ideológica da esquerda brasileira dos anos 70 e nos mostra como ela não soube entender as camadas mais baixas da população. Esquerda esta que, sempre frente a uma dificuldade, cercou-se de proteção, colocando-se à parte do resto da sociedade. Entretanto, apesar da dura crítica à burguesia e à classe média, o enredo, em momento algum, é maniqueísta, personificando os personagens em mocinhos e bandidos. E aí reside a grandiosidade do filme. Questiona, instiga, mas não traz soluções. É assim o filme de Lúcia Murat: abre uma série de críticas e não nos ajuda a resolver os problemas – mas é esse mesmo o seu propósito. Talvez o grande mérito do filme foi o de ter dado uma aula de sociologia, abordando a relação entre a classe média branca e os negros favelados, sem ser chato em momento algum. O painel sociológico criado por Lucia Murat é pungente, é uma porrada no estômago. Obviamente, como qualquer avaliação abrangente, é passível de críticas. No entanto, os seus acertos são muito, muito maiores.

Belíssimo filme! O bonequinho Ed aqui aplaude de pé...


Assistam aqui ao trailer do filme.

Download aqui da linda canção do filme, com Luiz Melodia e Naná Vasconcelos.
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