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30.12.06

Feliz Ano Velho !!!!



Dias Melhores


Vivemos esperando
Dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás

Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor, melhores na dor

Melhores em tudo

Vivemos esperando
O dia em que seremos para sempre
Vivemos esperando
Dias melhores para sempre

(Rogério Flausino)





RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade)

29.12.06

Por toda a minha vida...


Eita que a Vênus Platinada conseguiu mais uma vez... Não sei devido a esse meu estado à flor da pele ou sei lá o quê, mas a homenagem que a dona Globo fez à Elis Regina hoje à noite me deixou assim meio em estado de choque. Por toda a minha vida” foi o título do programa em homenagem à cantora. Quase 25 anos após sua morte, Elis continua sendo a maior de todas as cantoras que o Brasil já conheceu. Sou fã de muitas outras cantoras, mas Elis é algo que não se explica... A inflexão, a respiração, as sílabas perfeitamente delineadas, a postura no palco, a mise-em-scène, a dramaticidade, tudo, absolutamente tudo fazia dela única no cenário da nossa música popular brasileira. Fiquei aqui atônito, revendo entrevistas, falas, musicais e a biografia de Elis... Se me perguntarem, não saberei dizer qual é minha música preferida na voz dela. É uma infinidade de coisas fantásticas que essa mulher gravou, sempre imprimindo seu toque único: tudo na voz de Elis assumia uma roupagem nova... a velha roupa colorida... Se tentar definir uma mulher é tarefa muito difícil, traduzir Elis é impossível. Esta mulher fenomenal tornou-se um mito. Até hoje ainda sinto a dor da falta que ela faz... Lembro-me ainda hoje de um programa na Globo chamado Elis Regina Carvalho Costa em que ela declamava um lindo poema antes de cantar “Aprendendo a jogar”, poema esse em que ela se reconhecia uma estrela... É isso: agora e sempre ela será uma estrela...


Agora o braço não é mais um braço
erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha
um traço
um rastro espelhado e brilhante
e todas as figuras são assim
um agrupamento de pontos
de partículas
um quadro de luzes
de impulsos
um processamento de sinais
e assim
dizem, recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne
escorrem todo o sangue
afinam os ossos em fios luminosos
e aí estou
pelas casas, pelas cidades
parecida comigo
um rascunho
Uma forma nebulosa, feita de luz e de sombras.
Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela.


Mas se ainda assim insistirem em me perguntar que música eu escolheria para homenagear esse mito-mulher hoje, eu sem dúvida alguma escolheria “Aos nossos filhos”. Não sei, mas me parece que essa música transmite tudo o que ela não teve tempo de dizer, parece um pedido de socorro, algo que ela parecia estar querendo gritar ao levar à boca aquele maldito copo naquele fatídico 19 de janeiro de 1982... Aos 36 anos, Elis Regina, a melhor cantora do Brasil, foi achada morta, trancada em seu quarto, onde tomara a derradeira dose de cocaína...


Aos Nossos Filhos

Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim...

Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas,


Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim...

E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim...

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...

(Ivan Lins/Vitor Martins)



O problema é que Elis era demais para seu tempo... Era demais até para ela mesma...




"Me tomam por quem? Uma imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo".

"Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé".


"Quem não deu suas mancadas?"


"Meu problema são 10 centímetros a mais; então estaria tudo resolvido".


"Me apaixonei pela minha voz".


"Neste país, só há duas que cantam: Gal e eu".








Por Toda A Minha Vida

Oh! meu bem-amado
Quero fazer-te um juramento, uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente tua e amar-te como nunca
Ninguém jamais amou
Ninguém
Oh! meu bem amado, estrela pura aparecida
Eu te amo e te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo quanto existe
Oh! meu amor

(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

28.12.06

Alone



Numa conversa com um novo amigo de orkut discorríamos sobre a solidão. Amigo de nome diferente - Daniel Sulzbach Szmidt - gaúcho, também professor. Fomos de Milan Kundera a Edgar Allan Poe, passando por Barthes. Falamos da solidão inata e da incompatibilidade de almas. Num dado momento da conversa ele me mostrou um poema do Poe. Foi amor à primeira leitura. Não conhecia tal poema. Meu amigo de nome diferente foi dormir. Fiquei aqui sozinho a me embriagar nas palavras da minha mais nova paixão... “Tudo o que amei, amei sozinho”... Essas palavras não paravam de ribombar na minha cabeça... Fui lá nas minhas reminiscências buscar eco para elas. Me vi garoto, tal como Poe, trilhando caminhos diferentes, falando línguas outras que ninguém compreendia... criador da minha própria filologia... Hoje, homem feito, pareço ainda seguir esse desenho que meus passos traçaram desde muito cedo. É algo de que não tento mais escapar há tempos. Moldou-se em mim essa tendência para o caminhar vazio, como a máscara da Tabacaria que, quando a quis tirar, “estava colada à cara”... Mas ao menos meu linguajar me é próprio, e disso me orgulho... Posso prescindir de meus irmãos, posso prescindir dos amores todos, posso prescindir de toda vã companhia... só não posso prescindir de mim mesmo... De mim não abro mão... Da criança que fui ao homem feito que me tornei pouco restou senão essa profunda e dolorosa lucidez... Fiz-me homem na dor do ver mais do que os outros viam... E na ofuscante beleza dessa dor, ceguei-me para toda e qualquer possibilidade outra que não o caminhar sozinho...


SOZINHO

Não fui na infância como os outros
e nunca vi como outros viam.

Minhas paixões eu não podia

tirar de fonte igual à deles;

e era outra a origem da tristeza,

e era outro o canto que acordava

o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.

Assim na minha infância, na alva

da tormentosa vida, ergueu-se,

no bem, no mal, de cada abismo,

a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,

da rubra escarpa da montanha,

do sol que todo me envolvia

em outonais clarões dourados;

e dos relâmpagos vermelhos

que o céu inteiro incendiavam;

e do trovão, da tempestade,

daquela nuvem que se alteava,

só, no amplo azul do céu puríssimo

como um demônio, ante meus olhos.


(Edgar Allan Poe)




FILOLOGIA ROMÂNTICA

Tenho cá comigo
minha própria gramática
meus próprios adjetivos
minha própria regência
Trago na língua
o sabor controvertido
das conotações diversas
Sujeito oculto
E oculto devo me manter
Sob pena de ser feito
inexistente
pela chacota dos puristas
Quem sabe um novo tempo
uma nova sintaxe das relações
novos paradigmas...
A coordenação anulando
ancestrais processos
de subordinação...
Os amores todos
no mesmo campo semântico
Nenhuma regra ou exceção
E as gentes no seu
linguajar gostoso
espontâneo
prosivivendo paixões
da maneira
que as satisfaz.

(Edmilson BORRET)


UM HOMEM FEITO

Se algum dia num banquete patriarcal
dignarem-se a erguer um brinde em minha homenagem,
largo o garfo, espreito meu pai na cabeceira, subo na cadeira
e para que ninguém duvide de minha sanidade:
— É realmente o dia mais feliz da minha vida!
Comovido, agradeço os sinceros aplausos,
papai disfarça uma lágrima
e volto a destroçar o peru,
certo de que não foi ainda dessa vez
que sucedeu um escândalo em família.

(Edmilson BORRET)



Lembro-me de quando era criança e via,
Como hoje não posso ver,
A manhã raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim
Mas para a vida.
Porque então eu, (não sendo consciente)
Eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria.
Hoje vejo a manhã e tenho alegria.
E fico triste.
Eu vejo como via, mas por trás dos olhos, vejo-me vendo.
E só com isso, se obscurece o sol,
O verde das árvores é velho,
E as flores murcham antes de aparecidas.

(Fernando Pessoa)

27.12.06

Piquenique no front...



Não. Não é da peça do Arrabal que estou falando não. Mas não deixa de ter lá seu lado "absurdo"... Falo desses espíritos sem luz que, do nada, vêm assombrar nosso scrapbook lá no orkut... Gente nojenta!!!!
Eu hein, Rosa! Bandeira branca acenando da outra trincheira a essa altura do campeonato???!!!! Estou me sentindo o próprio Zapo (personagem da peça do espanhol Fernando Arrabal), numa esdrúxula situação em que mamãe e papai chegam para uma visita-piquenique em pleno front de guerra - personagens meio lesados e ingênuos, meio anestesiados, ignorando todas as atrocidades que rolam nos bastidores de uma guerra.... Ou então nem tão lesados assim. O que me faz pensar que é muita vontade de correr o risco de levar um tiro nas fuças ou uma bela porrada na cara mesmo. Pode uma porra dessas????!!!! Proselitismo pra cima de moi ? Nossa! Quanto altruísmo! Quanta bondade no coração! Que gesto lindo!... Sei lá, mas é o que já falei aqui uma vez: bondade demais não me inspira muita confiança. Há algo de podre no reino da Dinamarca! ("Quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens? O Sombra sabe!") Quer vir pro front? Que venha então. Mas eu não me responsabilizo se cair de cara na lama do fosso das trincheiras, valeu? Ah, não fode, porra!!!!! Depois, eu é que sou o anormal....
Bonzinhos de merda, arrependei-vos enquanto é tempo!!!! Senhor, perdoai-os! Eles não sabem o que fazem nem o que dizem, coitados...



Camisa de Força

Quero ouvir você dizer que eu estou doente
Que não sei mais o que faço
Que me perdi completamente
Quero ouvir a sua voz gritar que enlouqueci
Que meu riso é feito pranto e que meu pranto ri
Pois não faz mal, ninguém corre mais que a corça
No Natal me dê uma camisa de força

Quero ver no jornal que eu bato berro e brigo
Mas quem sonhou dormiu comigo e ganhou mais um amigo
Seu conselho é que a bebida é minha inimiga,
Mas me protege e do seu frio ao menos me abriga
Não faz mal o que brilha é a loucura
Passa aqui a garrafa que eu devolvo a cura

Quero ver a grande fila no final do mundo
Toda a gente se empurrando desse jeito imundo
Quero ver a sua cara olhar o viramundo
E Deus me atender primeiro porque sou vagabundo

Mas não faz mal é dos loucos todo o céu
Sou criança bem doce mais gostosa que o mel.

(Angela Rô Rô)


Porra! Se não tem mais o que fazer, vai fazer tricô com as tias, vai preparar a quermesse lá da paróquia. Quem foi que disse que eu tenho lá vocação para o bom ladrão? Estou muito bem aqui na minha cruz. Vai cantar de bonzinho em outro calvário, vai! Que merda!

26.12.06

On se cogne la tête, on tombe par terre en hurlant de douleur... Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima...


A Volta Por Cima
(Paulo Vanzolini)

Chorei, não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima


O dito popular “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” é normalmente usado na tentativa de reanimar alguém que esteja passando por alguma espécie de problema. Não obteve um bom desempenho em um teste? Foi reprovado(a) em uma disciplina? Perdeu o emprego? A(o) namorada(o) o(a) abandonou? O que geralmente se ouve é: “Acontece. Agora é levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. Evitando entrar em grandes discussões sobre o real valor e o que realmente representam esta e outras “frases de efeito” (quase todas elas imbecis e babacas em sua grande maioria), vou simplesmente fazer duas colocações sobre a expressão em questão. Em primeiro lugar, antes de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, é preciso aceitar, admitir, que se levou o tombo. Em segundo lugar, a ordem em que as ações devem ser tomadas é extremamente importante, de modo que, após admitido o tombo, o primeiro passo é levantar, para então sacudir a poeira e enfim dar a volta por cima. Mas aí eu pergunto: dar a volta por cima de quê... ou de quem? Porque para dar a volta por cima de alguém, pressupõe-se no mínimo dar uma bela cagada na cabeça desse(a) filho(a) da puta que te derrubou ou então dar-lhe um belo de um chute nas costelas ou nos fundilhos ao passar. E então eu faço mais uma pergunta: seria dar a volta por cima ou simplesmente passar por cima? Porque no coração de quem levou o tombo, a vontade é fazer o outro cair também: passar por cima, amassar mesmo, reduzir a pó, fazer virar sucata, sem nenhuma poeira pra sacudir. Sem essa de relevar, de ser superior, de esquecer. Papinho cristão babaca do cacete. Espírito de Natal já passou. Foda-se! Quer saber? "Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor..." Porque só quem está caído no chão sabe o quanto são babacas essas palavras de consolo desse dito popular mais babaca ainda.
Mas qual de nós não é babaca ao menos uma vez na vida? E viva toda a babaquice do mundo!!! Da mais acadêmica à mais popular!!!

Ok... mas a música do Paulo Vanzolini é um clássico. Como referência tá valendo ainda... Fazer o quê?



Eu quero quer sempre aquilo com quem eu simpatizo,
e eu torno-me sempre, mais cedo ou mais tarde aquilo com quem eu simpatizo.
E eu simpatizo com tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
e são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores tanto,
porque ser inferior é diferente de ser superior,
e isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Eu simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter
com outros eu simpatizo pela falta dessas mesmas qualidades
e com outros ainda eu simpatizo por simpatizar com eles
porque eu sou rei, absoluto na minha simpatia
basta que ela exista para que eu tenha razão de ser!

(Fernando Pessoa)

25.12.06

I Don't Feel Good Today...




O cantor norte-americano James Brown, conhecido como "o pai do soul", morreu nesta segunda-feira (25/12/06), aos 73 anos, em um hospital de Atlanta. Brown morreu à 1h45 no Emory Crawford Long Hospital, no qual estava internado desde domingo (24/12/06) devido a uma pneumonia.
Célebre por uma voz imponente e seus frenéticos movimentos, Brown, também conhecido como "Senhor Dinamite", se tornou famoso com canções como "I Got You (I Feel Good)", "Papa's Got a Brand New Bag", "Please Please Please" e "Living in America". Seu sentido inovador de ritmo o transformou em um dos músicos americanos com maior influência nos últimos 50 anos, junto a nomes como Elvis Presley e Bob Dylan.
Além de transformar o gospel em rhythm and blues e soul, James Brown também influenciou o surgimento de estilos como o rap, o funk e a música disco. Mick Jagger, Michael Jackson e David Bowie, entre outros, admitiram ter se inspirado no ícone da música negra.
O sucesso de Brown "Say it Loud (I'm Black and I'm Proud)" ("Diga alto, sou negro e orgulhoso"), tornou-se hino dos direitos humanos durante os turbulentos anos 1960. Ele tocou a música na posse de Richard Nixon na Presidência dos EUA, em 1969 - em ação que prejudicou temporariamente sua popularidade entre jovens negros.
Brown costumava trocar de ternos uma dúzia de vezes durante um show e dançava freneticamente no palco. Uma vez disse que queria esgotar o público e "dar às pessoas mais do que esperavam- queria cansá-las".
O cantor gravou mais de 800 canções durante sua carreira. Emplacou mais de 119 músicas nas paradas de sucessos e lançou mais de 50 álbuns. Entrou no Hall da Fama do Rock and Roll e recebeu um prêmio Grammy pela carreira musical, em 1992.
Além de lançar discos e fazer shows, Brown construiu também um império de negócios, incluindo uma série de estações de rádio e sua própria empresa de produções. Tinha uma grande frota de carros caros e um avião. Durante sua vida, ganhou fama de ser o homem que mais trabalhava na área artística.

Nascido em um subúrbio de Barnwell (Carolina do sul) em 1933, James Joseph Brown Jr. superou uma infância marcada pela miséria e a marginalização, após ser abandonado aos 4 anos por seus pais e deixado aos cuidados de parentes e amigos. Cresceu nas ruas de Augusta (Geórgia), onde cantava e dançava para pagar por sua vaga no quarto de um bordel.
Abandonou a escola na sétima série e começou a trabalhar colhendo algodão, engraxando sapatos, lavando carros e pratos e fazendo faxina em lojas.
Aos 16 anos, foi condenado a passar três anos em um reformatório por roubar carros. Ao sair, e em meio a uma carreira semiprofissional como boxeador, uniu-se ao grupo de gospel de Bobby Byrd, cuja família acolheu Brown.
A banda, rebatizada como Famous Flames, assinou um contrato em 1956 com a King Records de Cincinnati e quatro meses depois a canção "Please Please Please" se transformou em seu primeiro título a alcançar o topo das paradas de sucesso.
Foi um show em Nova York, no teatro Apollo, no Harlem, que ajudou Brown a dar seu primeiro grande passo na carreira, com a gravação de uma apresentação ao vivo em 1961.
Durante os anos 60, lançou canções que se tornaram clássicos de seu repertório, como "Papa's Got a Brand New Bag", "I Got You (I Feel Good)", "Get Up (I Feel Like Being a Sex Machine)" e "I'm Black and I'm Proud", enquanto se envolvia com drogas, álcool e atos de violência, que lhe trouxeram problemas com a Justiça.
Na década de 70, com a morte de seu filho Teddy em um acidente de trânsito, e a competição com a disco music, a carreira de Brown dava sinais de fraqueza. Nos anos 80, participou de filmes como "Os Irmãos Cara-de-Pau" e "Rocky 4", que tinha na trilha sonora o sucesso "Living in America", que lhe valeu um Grammy em 1987. O sucesso dos filmes e da canção apresentaram James Brown a uma nova geração de fãs.
Em 1988, Brown foi condenado a seis anos por posse de drogas e armas. Ele foi preso após uma perseguição em alta velocidade pelos estados da Georgia e da Carolina do Sul, depois que a polícia disparou nos pneus do seu veículo.
O cantor passou mais de dois anos na prisão, após os quais se dedicou a trabalhar com jovens músicos de rap e hip hop, que viram nele, apesar de seus erros, um modelo que conseguiu superar a miséria e marginalização de sua infância.
Em fevereiro de 1991, foi libertado sob a condição de nunca dirigir e ter armas de fogo. Dois anos depois, Brown lançou o álbum "Universal James", que continha sucessos como "Can't Get Any Harder", "How Long" e "Georgia-Lina". Outro álbum de estúdio, "I'm Back", com a canção "Funk On Ah Roll", foi lançado em 1998.
Em 2004 teve diagnosticado um câncer de próstata, o que o levou a se submeter a uma cirurgia. Continuou sua carreira, em apresentações e estúdios como o show de 2005 na Grã-Bretanha e os duetos gravados com os cantores britânicos Will Young e Joss Stone.
Brown foi casado quatro vezes e teve pelo menos seis filhos, o último deles com sua mais recente mulher, a backing vocal Tommie Raye Hynie.



Say it Loud (I'm Black and I'm Proud)
(James Brown)

Now we demand a chance to do things for ourserlf
We're tired of beatin' our head against the wall
And workin' for someone else
We're people, we're just like the birds and the bees
We'd rather die on our feet
Than be livin' on our knees
Say it loud, I'm black and I'm proud





I Love You, Yes I Do
(James Brown)

I love you, yes I do
I love you, yes I do
I'm yours my whole life through
Since I first laid eyes on you

You love me, yes you do
You need me, I need you
I'm yours my whole life through
I love you, yes I do

I guess you knew it from the start
From the day you took my heart
You're the one girl, always, and mine
Darling you're my guiding star
I must be forever where you are
You set my world on fire

I love you, yes I do
I need you, yes I do
I'm yours my whole life through
Since I first laid eyes on you

I know you know it's true
I love you, yes I do
I love you, yes I do

22.12.06

Bate o sino pequenino, sino de Belém...


Poema de Natal

Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados,

Para chorar e fazer chorar,

Para enterrar os nossos mortos -

Por isso temos braços longos para os adeuses,

Mãos para colher o que foi dado,

Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida;

Uma tarde sempre a esquecer,

Uma estrela a se apagar na treva,

Um caminho entre dois túmulos -

Por isso precisamos velar,

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:

Uma canção sobre um berço,

Um verso, talvez, de amor,

Uma prece por quem se vai -

Mas que essa hora não esqueça

E que por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre,

Para a participação da poesia,

Para ver a face da morte -

De repente, nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte apenas

Nascemos, imensamente.


(Vinícius de Moraes)




Há algo mais a dizer sobre o Natal depois disso? Para isso fomos feitos, meus amigos... Para isso fomos feitos... Da morte apenas nascemos...
Feliz Natal a todos!

21.12.06

Oh, pedaço de mim...



Hoje eu sorri, você não viu. Hoje eu dancei, você não aplaudiu. Hoje eu cantei, você não ouviu. Hoje eu chorei, você não me acudiu. Hoje eu te beijei, você não retribuiu. Hoje eu te amei, você não sentiu. Aí eu te maldisse e te xinguei, mas você não reagiu... Porque teu coração é uma ilha a centenas de milhas daqui... Porque tu me vês, mas não me enxergas... Porque tu me escutas, mas não me ouves... Tu te tornaste um estranho no espelho... A stranger in the mirror... Strangers in the night... Miragens que combatem... Quebrou-se definitivamente esse reflexo? A imagem invertida um do outro ficou presa na aço do espelho e não mais se complementam? Verso e reverso, positivo e negativo, mais e menos anularam-se nas sombras da noite? Era para sermos espelho um do outro... espelho um do outro... espelho um do outro...


DO OUTRO GUARDADO EM NÓS

falamos de muitos assuntos
amigos construídos aos poucos
bem podíamos ser outros
indivíduos sem molduras
organizados em sensações

daria a ti minha mão
assim como quem diz: vem

cuidaríamos do sentimento
unha & carne & músculo & pêlos
nus contra o sempre estabelecido
homens sendo homens no apesar
a amizade contida toda no amor

medos apagados com a luz
espelho um do outro: eu te vejo
limpos e certos
lúdicos, companheiros, irmãos
o prazer jorrando sem culpas

(Edmilson BORRET)


Mas o espelho se quebrou... E nos cacos foi-se um pedaço de cada um de nós... E o coração de quem ama fica faltando um pedaço, que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços...
O amor e a agonia cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio, o cio vence o cansaço


E esse pedaço de mim - de ti - arrancado faz-me falta.... Falta-me o ar, falta-me a luz, falta-me o calor do meu corpo.... Quando não estás aqui, sinto falta de mim mesmo...
És e sempre serás o pedaço de mim extirpado, arrancado, negado... distante...


Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

(Chico Buarque)

19.12.06

Uma louca tempestade....

... para sair correndo pelas ruas, meio louco, meio delirante, nu, desembestado, e correr, correr, correr até onde me permitir o fôlego do meu único pulmão restante... correr até onde me permitir o pulsar do meu único coração restante... correr para fora do alcance de qualquer idéia, de qualquer existência...



UMA LOUCA TEMPESTADE

Eu quero uma lua plena,
Eu quero sentir a noite,
Eu quero olhar as luzes
Que teus olhos não me têm deixado ver...
Agora eu vou viver

Eu quero sair de manhã,
Eu quero seguir a estrela,
Eu quero sentir o vento
Pela pele um pensamento me fará...
Uma louca tempestade

Eu quero ser uma tarde gris,
Quero que a chuva corra sobre o rio.
O rio que por ruas corre em mim,
As águas que me querem levar tão longe...
Tão longe que me façam esquecer de ti

Eu quero partir de manhã,
Eu quero seguir a estrela,
Eu quero sentir o vento
Pela pele um pensamento me fará...
Uma louca tempestade

Eu quero uma lua plena,
Eu quero sentir a noite,
Eu quero olhar as luzes
Que teus olhos não me têm deixado ver...
Agora eu vou viver

Eu quero ser uma tarde gris,
Quero que a chuva corra sobre o rio.
O rio que por ruas corre em mim,
As águas que me querem levar tão longe...
Tão longe que me façam esquecer de ti
Tão longe que me façam esquecer de ti

(Totonho Villeroy e Bebeto Alves)



Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci de que se não pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

(Bernardo Soares in O Livro do Desassossego, Fernando Pessoa)


Eu quero ver as luzes que os teus olhos não me têm deixado ver...

17.12.06

Enquanto isso, lá em Kamelot...



CANTO DE SIR LANCELOT

Essa ferida é antiga, meu rei, e não se fecha jamais - geme Lancelot a Artur, este possuidor do bem que aquele deseja. Eu sou Lancelot: louco, errante... apaixonado. Sem armadura de prata, sem cavalo que galope por prados celtas, sem espada, aio ou escudeiro, mas Lancelot. Desusadamente Lancelot. No que somos iguais? Na violência de querer muito e na violência maior de não querer tanto. Também luto comigo mesmo, com minha armadura vazia e, ao fim da luta, também uma espada me atravessa as entranhas. Por crueldade ou zelo, são as entranhas e não o coração que a espada atinge. Seria tão mais fácil para cavalheiro e armadura se o coração fosse arrancado... Ambos voltariam a ser uno. Mas é a armadura (veja bem, a armadura: vazia, já que sonho do cavaleiro) que não quer assim: consome-te e cala-te, diz ela; além do mais, que dor de espada nas entranhas pode ser mais dor que a dor atual? O cavaleiro adormece, vencido, e sonha. Por que descuidada frincha do meu elmo penetrou o lampejo do olhar de Guinevere?
Ah, meu caro Lancelot! Não foste o único! Reconheço-te agora em mim. O eterno retorno escolheu-me para sustentar teu canto. A tarefa dos escolhidos da História: amar, amar desesperadamente. Uns amam uma guerra, uma luta, uma conquista; outros, uma causa, uma idéia, uma verdade. Tu amaste a rainha, mas amaste também a amizade ao rei. Eu amo desesperadamente quem agora vê em mim um amigo, mas amo também essa amizade. Que fizeste, Lancelot? Que faço?

(Edmilson BORRET)




UN DÉMON BÉNI M'A CHARMÉ

À qui sont ces yeux perçants qui m’ont dénudé
Depuis l’instant même que l’inepte chasseur
S’est laissé prendre par le renard argenté
Dans les embûches des sous-entendus du coeur ?

À qui est cette âme, Seigneur, plutôt damnée
Qui a sans pitié devasté la mienne d’un coup
Jusqu’á encourir pour moi la sainte beauté
Satanée et si démesurée propre aux fous ?

Où est cette main qui tire à son gré les ficelles
Et qui se moque du pauvre et faible pantin,
Burlesque, à tenter en vain de fuir ses appels ?

Or, je ne suis donc que ma contrefaçon,
De me faire entraîner, certes, dès le matin
Par ce démon portant pourtant Dieu en son nom !

(Edmilson BORRET)

16.12.06

Vínculos... caminhos .... cadê companhia?

É nisso que dá ficar revirando a coleção de cds... A gente descobre umas fossas lá do fundo do baú, sobretudo numa sexta-feira à noite, depois de esvaziar mais uma garrafa do vinho mais vagabundo e adocicado que há por perto. Digo-me que eu deveria querer menos do que quero ... e, no entanto, é do querer que nasce o saber ... querer mais é viver. Não sobra tempo para nada nem forças para além daquilo que me impede de submergir completamente... E reviro os cds... Aí vem a voz da Clara Nunes fazer eco às dores...



Sem Companhia

Tudo que esperei de um grande amor
Era só juramento
Que o primeiro vento carregou
Outra vez tentei mas pouco durou
Era um golpe de sorte
Que um vento mais forte derrubou

E assim de quando em quando
Eu fui amando mais
Passei por ventos brandos
Passei por temporais
Agora estou num cais
Onde há uma eterna calmaria
E eu não aguento mais
Viver em paz sem companhia

(Ivor Lancellotti / Paulo César Pinheiro)




Amante sem coisa amada é beco sem saída mesmo. É ponte quebrada. É barricada na estrada. É deslizamento de terra na via...

Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Não é que o corno do António Machado tinha lá uma certa razão...


Quer saber? Vou lá catar o feijão e deixar de molho pra amanhã.
Boa noite!

14.12.06

Solidão azul


Hoje pintei meu quarto de azul. Levei o dia inteiro. Azul em todas as paredes lisas e um degradé de azul e braco na parede de textura. Terminei o dia coberto de azul dos pés à cabeça e na alma. Não sei por que, mas sempre acheo o azul a cor da solidão. Não é à toa que o modelo do meu blog é azul. Uns dizem que é a cor do relaxamento, eu digo que é da solidão. Azul é a vastidão dos mares e dos céus. Vastidão é solidão em última instância. Solidão é Le Grand Bleu de Besson, é rivalidade e desencontro de almas que se amam: quem mergulhará mais longe e mais profundo? E por falar em amor e solidão, lembro-me de Rainer Maria Rilke que diz:
"Amor: duas solidões protegendo-se uma à outra."

Mas a solidão pode ser também produtiva. Ou justamente o contrário. Victor Hugo já dizia:
"A solidão faz homens de talento ou idiotas."

Voltando porém à cor da solidão, declaro-me a partir de hoje um ser azul. Um smurf...
- I'm blue, baby!!!!

Azul da cor do mar...
"E na vida a gente tem que entender
Que um nasce pra sofrer
Enquanto o outro ri"


Nada mais azul que a ausência de significado, o desamparo, o aniquilamento, o desespero. Tudo azul da cor do céu que nos desabriga, da cor do mar que nos afoga. Lindo na poesia e nos jeans. Perfeito nas receitas dos remédios suicidas.
(silvana guimarães)

13.12.06

Nem tudo o que reluz é ouro.... a vida está cheia de falsos brilhantes e provérbios tão inúteis quanto verdadeiros...


FALSO BRILHANTE

O amor

é um falso brilhante.
O amor
é um disparate.
Na mala do mascate
macacos tocam tambor.
O amor
é um mascarado:
a patada da fera
na cara do domador.
O amor
sempre foi o causador
da queda da trapezista
pelo motociclista
do globo da morte.
O amor é de morte.
Faz a odalisca atear fogo às vestes
e o dominó beber água-raz.
O amor é demais.
Me fez pintar os cabelos,
me fez dobrar os joelhos,
me faz tirar coelhos
da cartola surrada da esperança.
O amor é uma criança.
E o mesmo diante da hora fatal
o amor
me dará forças
pro grito de carnaval,
pro canto do cisne,
pra gargalhada final.

(João Bosco / Aldir Blanc)




Pois é... nem tudo o que reluz é ouro.

O que me faz lembrar de outros provérbios inúteis, porém atuais:

  • Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.
  • Na prática, a teoria é outra.
  • Não confundir alhos com bugalhos.
  • Não julgue o vinho pelo barril.
  • Não há rosa sem espinho.
  • Não cries cão se te falta pão.
  • Nem só de pão vive o homem.
  • Não vá o sapateiro além das tamancas.
  • Ninguém pode servir a dois senhores.
  • Não meta a colher onde não é chamado.
  • Não se pode assobiar e chupar cana.

12.12.06

A força que nunca seca...



Para aqueles que ainda não sabem, eu sou fã de carteirinha da Bethânia. Tenho quase todos os cds da diva. Hoje estava ouvindo a música do Chico César e da Vanessa da Matta chamada A força que nunca seca, que ela gravou no cd de mesmo título e, de repente, me lembrei de minha mãe. Sei lá, talvez essa época de festas, não sei... Comecei a lembrar da força da minha mãe e cada palavra da música batia fundo em mim e parecia pintar o retrato de minha mãe: encurvada por um grave problema de coluna, cheia de problemas de coração e de pressão arterial, mas batalhadora como ninguém. Mulher de fibra estava ali. Sem ela eu não seria nem 1/4 do que sou hoje. Minha mãe, apesar de não saber ler nem escrever, sempre achou que os filhos deveriam "ser alguém na vida". Bom, se me tornei alguém na vida eu não sei... mas que fugi de certa forma àquela realidade de pobreza, fome e maus tratos que ela conheceu na infância e adolescência, isso eu acho que consegui. Pena que ela não pôde desfrutar de uma possível boa vida que eu poderia oferecer-lhe. Minha mãe morreu aos 48 anos, vitimada pelo coração. Logo pelo coração... o que ela tinha de mais bonito, de maior e, ao mesmo tempo, de mais frágil...



A Força Que Nunca Seca

Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mais do que o corpo dita
Que faz o equilíbrio cego
A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta
Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força que nunca seca
Pra água que é tão pouca







Essa época de Natal e Ano Novo é foda... fantasmas vêm, fantasmas vão... fantasmas insistem em nos rodear... E haja peito para acolhê-los todos...

10.12.06

Do virtual ao real...



Ontem teve encontro de alguns amigos das comunidades orkutianas "Ame e dê vexame" e "Furalhos pra cadido". Foi bem legal!!! O Ed aqui encheu a cara, tomou todas, enfiou o pé na jaca mesmo.
Mas o mais interessante é que as pessoas (as que eu ainda não conhecia pessoalmente) se mostraram exatamente como eu as imaginava. Donde me vem a idéia de que o virtual nem sempre mente sobre o real. A propósito, recebi hoje de um amigo orkutiano lá do Marrocos, o Younes, uma mensagem super interessante sobre as coisas que são ditas nesse mundo virtual e as expectativas que criamos a partir delas:

Entre ce que je pense,
ce que je veux dire,
ce que je crois dire,
ce que je dis,
ce que vous avez envie d'entendre,
ce que vous entendez,
ce que vous comprenez,
Il y a 10 posibilités qu'on ait des difficultés à communiquer.
MAIS ESSAYONS QUAND MEME.

(Entre o que eu penso,
o que eu quero dizer,
o que eu acredito dizer,
o que eu digo,
o que você tem vontade de ouvir,
o que você ouve
e o que você entende,
há 10 possibilidades que a gente tenha dificuldades de se comunicar.
MAS TENTEMOS AINDA ASSIM.)



Valeu, Younes!!!!
É mais ou menos por aí. Nós, das comunidades supra citadas, tentamos e conseguimos. Foi um lindo e maravilhoso encontro. Que venham outros!!!


P.S.: Na foto, pela ordem: Lourival, Katia, Gabriele, Dudu, Bianca, Monica e Val. Bem... eu estava por trás da câmera... hehehehe

8.12.06

Ausente o encanto antes cultivado... este é o livro de nossos dias

(The lovers - René Magritte)


O que faz duas almas se perderem uma da outra? Onde vai parar o encanto de antes? Por que elas se olham e não se vêem mais? Quem cegou quem? Ou quem não viu direito quem? É como se, depois de tudo, os dois amantes se encontrassem um de frente para o outro, olho no olho, mas em suas retinas um não espelhassem a cor do outro. Ou como se uma venda lhes cobrisse os olhos, ou um pano roto e sujo como num quadro de Magritte... Amor demais ofusca a vista? O amor cega ou o "amor é cego"? Um sentimento que vem e que deveria ser cultivado pelo comprometimento e conhecimento do outro, por vezes nos oculta faces mascaradas pelo romantismo e a pessoa amada pode tornar-se um ser ideológico e não aquela que realmente considerávamos ver... Viu-se muito, viu-se tudo, absolutamente tudo um do outro, cada centímetro da pele, cada ângulo de cada parte do corpo, frente e verso, cada recôndito da alma... mas não terá sido uma imagem distorcida?


O LIVRO DOS DIAS

Ausente o encanto antes cultivado
Percebo o mecanismo indiferente
Que teima em resgatar sem confiança
A essência do delito então sagrado
Meu coração não quer deixar
Meu corpo descansar
E teu desejo inverso é velho amigo
Já que o tenho sempre a meu lado
Hoje estão aceitas pelo nome
O que perfeito entregas mas é tarde
Só daria certo aos dois que tentam
Se ainda embriagado pela fome
Exatos teu perdão e tua idade
O indulto a ti tomasse como bênção
Não esconda tristeza de mim
Todos se afastam quando o mundo está errado
Quando o que temos é um catálogo de erros
Quando precisamos de carinho, força e cuidado
Este é o livro das flores
Este é o livro do destino
Este é o livro de nossos dias
Este é o dia de nossos amores

(Renato Russo)



Percebo teu mecanismo indiferente, mas teu desejo inverso é velho amigo, já que o tive sempre ao meu lado...

7.12.06

Interlúdio musical: dark cafe days...



The Last Time I Saw Richard


Last time I saw Richard was Detroit in 68
And he told me all romantics meet the same fate
Someday, cynical and bitter and boring someone
In some dark cafe
You laugh, he said you think you're immune,
Go look at eyes
They're full of moon
You like roses and kisses and pretty men to tell you
All those pretty lies, pretty lies
When you gonna realize they're only pretty lies
Only pretty lies, pretty lies

He put a quarter in the wurlitzer, and he pushed
Three buttons and the thing began to whirl
And a waitress came by a fishnet stockings and a bow tie
And she said: "drink up now it's getting on time to close"
Richard, you haven't really changed, I said
That's just now you're romanticizing some pain
that's in your head
You've got tombs in your in your eyes, but the songs
You punched are dreaming
Listen, they talk of love so sweet
When you gonna get yourself back on your feet?
Oh and love can be so sweet, love so sweet

Richard got married to a figure skater
And he bought her a dish washer and a coffe percolator
And he drinks at home now most night with the TV on
And all the house lights left up bright
I'm gonna blow this damn candle out
I don't want nobody comin'over to my table
I've got nothing to talk to anybody about
All good dreamer pass this away someday
Hidin' behind bottles in dark cafes
Dark cafes
Only a darkness before
I get my gorgeous wings
And fly away
Only a phase, these dark cafe days

(Joni Mitchell)


Pois é...

"Eu não tenho nada a falar com ninguém sobre coisa alguma
Todo bom sonhador passa por isto algum dia
amanhece caído num café escuro
Somente na escuridão anterior
eu consegui minhas asas maravilhosas
e voei por aí
É só uma fase, estes dias em cafés escuros"

6.12.06

“Viver é um direito, não uma obrigação”



Ausente.
Assim estive quase toda esta terça-feira no MSN. Ausente para o mundo. Ausente para os amigos. Ausente como o corpo de Ramón Sampedro.. Daquela abertura da janela, o mundo todo se descortina a Ramón Sampedro. Logo na primeira cena do filme somos colocados no lugar de Ramón, diante dessa janela e dos desejos, sonhos e impossibilidades que surgem. A mesma imagem será recorrente durante todo o filme como uma metáfora: uma fronteira a se transpor para alçar belíssimos vôos em sonhos. Vôos esses aos quais Ramón nos conduz e que são sua única possibilidade de deslocamento. A câmera é o seu olhar, e também o nosso. É um jogo com o dentro e o fora, o colocar-se no lugar do outro e depois ser seu observador. Um embate entre vida e movimento versus morte e paralisia. Um duelo de opostos que nos comove e nos envolve, seja pela sensibilidade no tratamento do tema da eutanásia, seja pela fotografia ou pela trilha sonora, aliás belíssima.
Elogios ao filme Mar Adentro, dirigido por Alejandro Amenábar, não serão jamais um exagero. É, sem dúvida, o melhor filme a que já assisti nos últimos tempos. E isso por conta de uma conversa com minha amiga Miriam dia desses no MSN que me exortou a ver o filme. A obra recebeu 14 Prêmios Goya, dois prêmios no European Film Awards, um Grande Prêmio do Júri e um Volpi Cup de melhor ator para Javier Bardem, que interpreta Ramón Sampedro. E a lista de premiações não acaba aí: recebeu um Oscar, um Globo de Ouro e um Independet Spirit Award, todos os três na categoria de melhor filme estrangeiro.
Mar adentro conta a história verídica de Ramón Sampedro, um espanhol que ficou tetraplégico após um mergulho, e viveu 29 anos após o acidente sendo cuidado por seus familiares e lutando pelo direito de “morrer dignamente”, como ele mesmo dizia. Seu caso foi levado aos tribunais para conseguir a legalidade da eutanásia, mas o pedido foi negado. Na carta de Ramón destinada aos juízes, aparece a idéia que se repetirá vezes no filme: “viver é um direito, não uma obrigação”. Assim, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte pelo Estado e pela Igreja e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral religiosa”.
O debate com a igreja sobre eutanásia aparece no filme na figura de um padre, também tetraplégico, que resolve visitar Ramón. Como a escada para o segundo andar, aonde se encontra o protagonista, é muito estreita, e não permite que passe a cadeira de rodas do padre, os dois comunicam-se via um seminarista, que corre de um lado a outro dando recados com uma expressão nervosa, ansiosa e confusa, como se estivesse a ponto de mergulhar numa profunda crise existencial e religiosa. Até que o padre e Ramón passam a conversar aos berros e sem mediação: de um lado, o padre fala da importância de manter a vida; do outro lado, Ramón denuncia que a Igreja Católica não tem moral para falar de respeito à vida depois da Inquisição.
O personagem de oposição direta ao padre é a advogada Julia, que quer cuidar do caso de Ramón. De um lado, o padre - pelo seu estado físico e representando a Igreja - parece ter legitimidade para tentar dissuadir o protagonista da idéia de eutanásia. Por outro lado, a advogada Julia - portadora de uma doença degenerativa hereditária (Cadasil) que se caracteriza por acidentes vasculares recorrentes que conduzem à invalidez e demência - procura trazer a discussão e a legitimação do caso para o plano racional, individual e não dogmático. Ao mesmo tempo, Julia também é o canal entre o espectador e as poesias, as viagens e toda a vida de Ramón antes do acidente. Juntos eles escrevem um livro, fumam o mesmo cigarro, trocam um beijo, afetos, impossibilidades, desejos, frustrações e a morte como finalidade.
É assim que o filme consegue trazer à tona os vários nós da questão. Momentos de tensão, de debate, momentos de ternura e da impossibilidade do contato físico, a dor da família de Ramón, mas também a do próprio Ramón. Quando finalmente Ramón consegue encontrar, na figura da personagem Rosa (um vizinha do povoado), “alguém que realmente o ame e o ajude a morrer”, ele faz uma espécie de testamento em que deixa clara sua idéia da vida como obrigação, nos levando a refletir sobre as questões de poder que permeiam a vida e a morte: “Senhores Juízes, negar a propriedade privada de nosso próprio ser é a maior das mentiras culturais. Para uma cultura que legitima a propriedade privada das coisas - entre elas, a terra e a água – é uma aberração negar a mais privada de todas, nossa pátria e nosso reino pessoal: nosso corpo, vida e consciência – nosso Universo”.
Ausente, caros leitores. Ausente estive durante quase todo o dia. Ausente e paralisado. Paralisado como Ramón Sampedro. Vislumbrando pela minha janela as muitas possibilidades do "lá fora". Paralisado de medo de mim mesmo. Paralisado pela beleza do filme. Paralisado de inveja de Ramón Sampedro. Paralisado pela minha própria covardia... Quem sabe um dia, quem sabe...




“Mar adentro, mar adentro,
e na leveza do fundo onde se realizam os sonhos
se juntam duas vontades para realizar um desejo.
Teu olhar e meu olhar como um eco, repetindo, sem palavras:
Mais adentro, mais adentro
Até mais, além de tudo, pelo sangue e pelos ossos.
Mas eu acordo sempre e sempre quero estar morto
para continuar com a minha boca enredada em teus cabelos.”

4.12.06

Sobre Chico, sobre Inteligência e sobre cabeças cortadas




A propósito de Holofernes e cabeças cortadas (eita que esse temazinho está recorrente aqui, hein!), acordei hoje com músicas do Chico a me bombardear a memória auditiva.

Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo

Pois é... É isso aí, justamente isso aí. Quero perder sua cabeça ou minha cabeça perder seu juízo. Uma Judith que me salve, please!... E sabe por quê? Porque me dei conta da sua burrice. Quero amar (e ser amado, obviamente) alguém à altura da minha inteligência. Chega de amores burros!!! Alguém que nem ao menos sabe se ler não irá nunca conseguir me ler. Alguém que confunde inteligência com a mediocridade imbecilizante e imbecilizada da juventude e seus deslumbramentos... oh, céus! Mas cada um tem o que merece ou, pior, o que lhe é permitido entender. Eu sou muito melhor. E eu sei disso. E isso me basta. Não está entendendo não, meu bem? Mas isso não me surpreende. Você é de uma burrice atroz. Não entende nada, nunca entendeu nada. E eu sempre fui meio grego pra você mesmo... hehehe... E o Chico continua a ribombar na minha cabeça:

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões

Vai. Fuja sim. Vai aprofundar a sua tolice e ignorância em braços desprovidos de inteligência e estofo. No fundo sei que minha intelectualidade sempre te assustou. Você mesmo disse uma vez que minhas complexas explicações te davam nos nervos. Fazer o quê? Não vou disfarçar minha inteligência para compensar e satisfazer a sua burrice... ah, isso é que não. Se você quer a superficialidade das coisas, que faça bom proveito. Realmente você não me merece. Eu sou muito pra você. E quando eu olho assim pra você e vejo a burrice estampada nas suas palavras e nas suas expectativas, me dá uma pena danada. Me dá vontade de não te ver. E o Chico continua a me falar:

Vou correndo, vou-me embora
Faço um bota-fora
Pega um lenço agita e chora
Cumpre o seu dever
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara, cara a cara
Com o que não quer ver

E eu não quero ver a mediocridade que você se tornou. Sim, mereço mais, muito mais. Amores burros nunca mais!!! Que essa história de olhos bonitos, olhar sedutor, corpinho bonito e o cacete a quatro, tudo isso pode ser bom pra você: pra mim não é não. Eu preciso de mais. Eu quero muito mais. E dá-lhe mais Chico:

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Liga não, meu bem. A culpa nem foi tão sua. Eu é que me perdi em meio as suas doces palavras e não vi o tamanho da sua pequenez. Você vê beleza e inteligência onde não há, e espera que eu veja alguma beleza e inteligência em você? Ai, pobre alma perdida e burra! Eu vou é cantar mais Chico pra você:

Apesar de você
amanhã há de ser
outro dia

~~~~~~~~~~

Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
(...)
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor



Beijos inteligentes e cultos pra você, criatura pobre de espírito!

De Judiths e Liliths, luas negras, eine andere femme fatale... tudo nome de guerra... valei-me, seu Almada! - Parte II


Explicando o post anterior... porque professor sou, e essa majestade ao menos não me fizeram perder ainda...


(Judith Beheading Holofernes - Caravaggio)


As leituras que são feitas do romance Nome de guerra, de Almada Negreiros, voltam-se sobretudo para o personagem Antunes e para questões que lhes são pertinentes, como a conquista da autonomia pessoal em confronto com a sociedade e a questão da relação amorosa e seus desdobramentos; ou também a situação do romance no estilo literário em questão, a saber: o Neo-realismo, a ficção dos presencistas e as questões de identidade/diferença em relação aos seus contemporâneos.
Mesmo que não negando essas questões, por que não deslocar a leitura e centralizar em Judite (o personagem feminino) o nosso olhar? E, com esse deslocamento, procurar o avesso do nome de guerra, Judite? Quem se esconde por trás dele? Que fantasmas da sociedade portuguesa e ocidental estão ocultos no avesso do nome?
O que Almada Negreiros faz em Nome de guerra é brincar com nomes, brincar no nome, nomear - hábito de quem lida com o hermetismo, o secreto - porque o nome traz, quando não o lírico, o drama do nome, o épico do nome, o mito do nome ou o nome que se quer. Nessa leitura de Almada vou procurar saber, no dizer do nome, o desconhecido; no avesso do nome, o provável.
Nome de guerra. O título destaca Judite, ou melhor, o avesso. Daí não centralizarmos em Antunes a nossa leitura. Por que razão Almada teria destacado logo no título a personagem e o seu avesso? Que fantasmas, que mitos perpassavam o seu tempo e escrita?
Uma Judite que não se chama assim. “Era uma vez uma rapariga chamada Judite. Mas o seu nome verdadeiro não era Judite. Só às vezes, em ocasiões muito íntimas, é que ela esteve quase para dizer tudo:
- Eu não me chamo Judite. Mas não digas nada a ninguém. O meu nome verdadeiro é...
E calou-se.
Judite é um nome a quem a Bíblia faz cortar a cabeça de Holofernes.”
E é o narrador quem primeiro nos dá indicação dos possíveis conteúdos míticos de um nome ou nomes que se ocultam atrás do Nome de guerra. A Judite bíblica venceu para os habitantes de Betúlia uma guerra que se travou apenas no acampamento de Holofernes, o qual fora enviado por Nabucodonosor, rei dos assírios, para castigar aqueles países do ocidente que se recusaram a tomar parte na sua campanha contra Medéia. Segundo o Livro de Judite, o sumo sacerdote de Betúlia (cidade próxima a Jerusalém) manda os habitantes ocuparem os desfiladeiros, enquanto Aquior chamava a atenção de Holofernes sobre a proteção divina de que gozavam os judeus, ouvindo em contrapartida a réplica de Holofernes que se gabava da divindade de Nabucodosor. Aquior é expulso do acampamento assírio e os habitantes de Betúlia, cercados e com suas provisões de água bloqueadas, entram em desespero. Ozias, o governante da cidade, decide que, depois de cinco dias, se não houver nenhuma intervenção divina, vai se render e entregar a cidade a Holofernes. Neste momento intervém Judite, sugerindo que, ao invés da rendição, ela vá ao encontro de Holofernes, a quem oferecerá seus préstimos. Depois de muitas orações, Judite vai ao encontro do general e se apresenta como sua cúmplice. Elogiada e aceita, Judite fica no acampamento, degolando o general no quarto dia, quando ele se encontrava embriagado pelo vinho. Na manhã do quinto dia, os habitantes de Betúlia atacam, encorajados pelo feito de Judite, e vencem os inimigos. Judite então é levada em triunfo pelo sumo sacerdote a Jerusalém, onde é homenageada, testemunhando até idade avançada a tranqüilidade dos habitantes de Betúlia. A relação entre as Judite é distante, as semelhantes são poucas, mas não devem ser desprezadas. Ambas se relacionam com um momento de passagem, com a resolução de um conflito, e se unem pelo laço de guerras distintas. A travada por Judite, a judia, termina com a morte do amante e trava-se apenas como tentativa de retorno a uma normalidade quebrada. Judite, a portuguesa, a prostituta, usa os seus dotes em outra guerra, que trava com a vida e com os homens, lutando pela própria sobrevivência, sem nenhum outro mérito a não ser o de fazer Antunes defrontar-se com a sua própria realidade, encontrando o seu momento de fuga da realidade para depois deixá-la, dando continuidade às sucessivas perdas de Judite, testemunhas das diferenças sociais, do conservadorismo português e da impotência feminina numa sociedade governada pelos homens. A morte, nesse romance, também assinala um momento de ruptura, mas trata-se da morte de outra mulher, Maria; porque sempre foi em suas atitudes o oposto de Judite, alienando-se da guerra. Uma Judite que não é a outra, mas que vai nos permitir essa outra leitura do texto de Almada Negreiros: mulheres que se compõem aos poucos num conflito entre os sexos.
“Ser homem ou mulher é apenas a natureza; chamar-se João ou Manuela já é a natureza mais a vida inteira: é o problema. E aconteceu-nos antes ainda de termos nascido. É a árvore genealógica. Nós somos hoje o último fruto dessa árvore secular, secularmente secular! O fruto! Mas, por mais genuíno que seja o fruto da sua árvore, esta nasce tão incomparavelmente anterior à Bíblia, e é talvez, em tão remotas origens que devemos procurar o nome que se esconde sob o nome de guerra.”
E é isso o que o romance nos pede em várias passagens: que retornemos. Um retorno à criação, num percurso que nos mostre alguns porquês: o do título Nome de guerra, o do nome Judite, o primeiro nome de Antunes, Luís, cujo significado grego é "famoso na guerra", e os sentidos de alguns conflitos.
“A árvore genealógica não funciona como ciência. É mesmo o contrário de ciência: mistério! Um mistério que se espelha só em cada um de nós! Um verdadeiro mistério humano, que ultrapassa a sociedade e a ciência, que respira ar de Arte e Religião!”
E são esses ares que devem ser inspirados pelo arqueólogo que busca a genealogia de Judite.
“A história verídica é a única que vale e pode-se contar: o primeiro homem que elas conheceram era um pulha! E cada uma teve o seu para virem juntar-se todas ali na sala de distracções, dos estranhos e do esquecimento...” Homens, mulheres, esquecimentos, o primeiro pulha... Adão. Antunes. Judite. Mulher e narrativa que nos aponta para o nome Lilith.
“Não vem tudo isto de longe, de tão longe que a memória viva não atinge, mas que apesar disso vem dirigindo-se para cada um de nós através de séculos, desencontrados, de altos e baixos, como se quis ou como pôde ser?”
Lilith também foi relegada ao esquecimento. A primeira companheira de Adão foi perdida ou removida durante a transposição da versão jeovística para a sacerdotal, e quase desaparece sem deixar vestígios na versão da Bíblia redigida pelos Papas da Igreja. De uma certa maneira, Judite é Lilith, como transfiguração do mito, ou espaço projetivo do mito; permanência que se desdobra em outras Judites, constelação de Circes, Cibeles, Reas, Maias, Dianas, Isís, Ceres, Anus, Deméteres, Ishtares, Perséfones, Hécates, Eumênides, Empusas, Lâmias, Équidinas, Erínies, Amazonas, Sereias...
A árvore genealógica de Judite nos leva a Lilith, a Lua Negra, a primeira mulher de Adão. A Judite de Antunes tem características tais que nos permite a aproximação com as representações do mito. O romance de Almada negreiros nos aponta esse caminho. A primeira companheira de Adão foi Lilith, concebida sem a costela, como no caso de Eva; mas, segundo a tradição, cheia de sangue e saliva, instigando em Adão uma insustentável perturbação que o levou a rejeitá-la. O sangue de Lilith é o sangue mestrual, metáfora alegórica para fazer perceber o caráter carnal, fisiológico, vital, instintivo da mulher. A saliva associa-se à secreção erótica. Lilith é então apontada não como mulher, mas como demônio, desde o início da relação com Adão. Lilith, como nos diz Roberto Sicuteri em seu trabalho Lilith: a lua negra, "entra no mito já como demônio, uma figura de saliva e sangue, um verdadeiro espírito deixado em estado informe por Deus; é uma companheira que apresenta fortes traços de fatalidade". O mito de Lilith, representando certamente o arquétipo da relação homem-mulher, pode ser o início da árvore genealógica que facilitaria assim a compreensão da relação Judite-Antunes e o nome que se oculta sob o nome de guerra:"o que nos guia não é o interesse teológico, mas o psicológico, pela redescoberta da lenda de Lilith, para agregá-la, como energia psíquica formadora do mito e do arquétipo, ao núcleo concernente à história da relação entre Anima e Animus e para entender as origens endopsíquicas da cisão entre 'instinto' e 'pensamento', para esclarecer finalmente o grande equívoco do primado masculino sobre a mulher sentida como inferior" (Roberto Sicuteri, Lilith: a lua negra).
A partir dessas palavras de Sicuteri, podemos compreender a relação Judite-Antunes e entendermos melhor a condição da mulher na sociedade portuguesa, mas sem esquecer que o modelo português repete-se em inúmeras outras sociedades. Enquanto a Lua Negra é descrita de forma negativa, Eva, ao contrário, é apresentada em suas belezas e ornamentos. Adão não a recusa por vê-la como ossos dos seus ossos. Já Judite seria, para Antunes, o "conhecimento carnal", a transgressão à Lei; Maria a aceitação da imagem boa, mais agradável ao Pai e à Lei. Se bem que o vivido com Lilith também é vivido com Eva. Lilith desobedece à supremacia de Adão, Eva iria desobedecer à proibição.
“A sua ligação com a Judite tinha sido uma compensação, uma desforra, um contrabalanço... de quê? A sua vida esteve toda inclinada para o lado oposto ao da Judite. Para onde? Houve um desequilíbrio para responder a outro desequilíbrio, necessário para pôr o fiel a zero, como um pêndulo vai obrigatoriamente de um a outro lado da vertical a distâncias iguais, para cumprir a semetria, a gravidade e a oscilação. O desequilíbrio era para os dois lados: a Maria e a Judite eram ambas ainda o mesmo erro!”
Deus escreve por linhas tortas. Cria Adão, Eva e a serpente. A árvore e o fruto. Deus nos permite ler de trás para frente os mitos. Esse Antunes-Adão rejeita inicialmente a primeira criação do tio-pai (o personagem tio Alves, que o leva ao meretrício e apresenta Judite a Luís Antunes) e inicia-se o conflito com Judite. “Ele tinha cometido a mais grave ofensa que pode ser feita à mulher: tinha sido indiferente para com a sua nudez!” Projeta-se a rejeição de Adão, Judite é vista como indiferença. Lilith e Eva se confundem por analogia: “Entre ele e a mulher nua a sua educação punha uma distância que não era destruída pelo desejo da carne”... até que mordesse a maçã.
Mas Antunes sente-se como o seu ancestral bíblico: “decidia fazer convergir todos os seus passos num único fito: a escolha da companheira. O motivo desta resolução estava na lembrança do que era a sua vida ultimamente, sem progresso, sem explicação, parada, inútil, nula. A causa desta estagnação era a falta de uma companheira”; "mas não se achava para Adão um adjutório semelhante a ele" (Gênesis, II, 20). Ou seja, Antunes não tinha encontrado em Maria sua igual, conheceria "Judith", a mulher da noite, antes que estivesse pronto para outra companheira... nem a primeira nem a segunda, nem a primeira nem a segunda.
Se Judite é projeção do mito de Lilith, abro aqui um parêntese para algumas observações sob a condição de inferioridade da mulher na sociedade portuguesa descrita por Almada Negreiros. As mulheres são lançadas na prostituição por uma rejeição de um "desgraçador" que as desvirginam e as abandonam depois da sedução. Poucas conseguem encontrar um homem que as aceitem por não terem sido "o primeiro", e todo um capítulo do romance é dedicado ao tema do "desgraçador". Antunes não agirá de maneira diferente, pois o conflito de sua educação é a base para deixar Judite, para não se permitir amá-la verdadeiramente, assim como o eterno conflito e os inúmeros "nãos" ancestrais não permitiram também a Judite entregar-se totalmente a Antunes. "Judith" serve como um veículo de passagem, de aprendizagem e, posteriormente, descartável.

(Trabalho apresentado para a disciplina Literatura Portuguesa II, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Novembro de 1989)


Pois é, caros leitores, houve um tempo em que eu era um ser pensante... Creiam-me! Nesse trabalhinho aí obtive a nota máxima... Oh Glória!
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