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3.5.08

Perdoem a cara amarrada, perdoem a falta de abraço...


Perdoem por tantos perigos... Aos meus possíveis filhos, aos nossos filhos todos, só resta a minha cara de tacho, a minha inoperância e incompetência em apontar caminhos... Mais do que o buraco na camada de ozônio ou o degelo da calota polar, mais do que o desmatamento da Amazônia ou o terremoto em São Paulo, mais do que o sacrifício dos joãos e isabellas ou o sadismo de pais encarcerando filhas em porões, mais do que tudo, me assusta o rumo da nossa História. Já disse Maiakóvski que "nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades" e que "o mar da história é agitado", mas então refutaria Pompeu dizendo que "navegar é preciso" (e nem ouso completar o restante da frase do general romano).

E o que eu mais tenho tentado fazer nesses últimos tempos é navegar, mas falta a angulação apropriada à minha quilha ou a envergadura correta às minhas velas talvez... Só sei que por vezes fico à deriva... mesmo que eu mande, em garrafas, mensagens por todo o mar... Olho assustado para o extrato da minha conta bancária e percebo que estou sendo assaltado da forma mais sórdida e, paradoxalmente, mais institucionalizada possível. E não há nada que eu possa fazer quanto a isso: o dinheiro é meu, o salário é meu, como também é minha a inadimplência, como também é deles o amparo da lei... Dura lex, sed lex... Sou obrigado a concordar com meu velho e falecido pai que dizia que quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro. E o que me assusta é perceber que não sou o único a ter essa compreensão das coisas. Mas parece que essa compreensão coletiva e nada são a mesma coisa.

O principal movimento que se observa nesses últimos anos (pelo menos até onde minha memória consegue retroceder), e que seria o responsável por este estado de coisas, foi um desmerecimento do mais humano (e, portanto, sagrado) fator de produção, o trabalho, pelo seu rival e expropriador, o capital. Mais propriamente o capital financeiro, especulativo, pouco produtivo. Sempre se acreditou que o fruto do trabalho seria a via principal para se chegar a uma desejada e melhor distribuição de renda. Contrariamente ao esperado, nos dias de hoje, a renda do fator trabalho situa-se no patamar mais baixo da história, na composição das rendas nacionais. E vejam bem que nem vou considerar aqui os milhões de desempregados pelo mundo afora.

Estou tentando ao máximo evitar o lugar comum, mas não tem jeito: o neoliberalismo veio mesmo para foder com tudo! Enquanto isso, os yankees continuam a ser a força hegemônica mundial, a despeito da miséria que se vê pelas ruas de suas grandes cidades, a violência que daí advém e os constantes atos terroristas de que são vítimas os cidadãos americanos, civis e militares, em sua própria terra e em todas as partes do mundo. É... o neoliberalismo veio mesmo para foder com tudo!

Fico aqui pensando que George Orwell nunca poderia imaginar que sua fictícia economia planificada e policiada seria substituída, no século XXI, por outra de regime democrático distorcido, usado para oprimir os povos e levá-los à estagnação através da expropriação dos frutos de seu trabalho. Se bem que, no fundo, acho que era mais ou menos isso o que Orwell denunciava. E se não me engano também, essa apropriação indébita tinha um nome; se me lembro bem era conhecida por "mais valia".

Alardeando os mais nobres motivos e as melhores intenções (e eles nem vão para o inferno por conta das boas intenções, porque para eles "l'enfer c'est les autres"), o império hegemônico passou a dominar econômica e militarmente todo o mundo que lhe interessa. Até mesmo a democracia, a guerra ao terrorismo, a defesa do meio ambiente, o combate ao narcotráfico, todos esses "santos nomes" são usados em vão para justificar o status quo. Mas deus é americano e, além de tudo, é astro de Hollywood! E isso explica e justifica tudo...

Décadas de recessão e atraso para a maioria da população mundial e enriquecimento deslumbrante de uma minoria enriquecida pelo modelo "democrático", capitalista e liberal que vem dominando o planeta. Sem contar as mazelas sociais que daí advêm! Mas tudo bem: as esperanças não morreram por completo se compararmos esse período relativamente pequeno (algumas décadas) com o milênio que a humanidade perdeu, sob o obscurantismo religioso (terá ele realmente terminado junto com a Idade Média?!).

O historiador Eric Hobsbawn ainda acreditava, nos estertores da morte, na salvação da humanidade. Em seu testamento intelectual, ele acreditava piamente que a sobrevivência da espécie humana dependeria de sua vontade coletiva e que ela, a humanidade, seria capaz de transpor os inevitáveis acidentes de percurso. Juro que invejo os homens e mulheres, meus irmãos, que um dia farão valer a visão do velho historiador. Mais uma vez cito Maiakóvski que também dizia: "O século XXX vencerá!" Oxalá!

O que resta a mim (um sujeito intelectualmente pessimista, mas otimista nas atitudes) é admitir a possibilidade de reversão de minhas próprias expectativas funestas e clamar aos meus possíveis filhos: "E quando colherem os frutos, digam o gosto pra mim"... e esperar que esses sejam mais doces. Porque hoje, até onde minha mão alcança no pomar, o que tenho recolhido é de um gosto muito amargo. Espero que meus possíveis filhos e possíveis netos saboreiem coisa melhor.
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