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30.11.06

Saudades do que nunca fui nem mais serei...



A CONSOADA DO INSONE

É como um sopro quente
que me bafeja ao ouvido
a essa hora da noite funda
e me conduz ao mais insondável
de todos os meus cômodos
E essa hora é a mais tenebrosa e a mais exata
(porquanto se agiganta na podridão das minhas veias)
É quando eu ouço meus gritos
e mais ninguém além de mim
É quando todas as poéticas são inúteis
e todas as filosofias
e todos os deuses
Tudo me perpassa com uma certeza cruel
E meus olhos marejam
ao menor estímulo das lembranças vãs
Entendo-me cada vez mais
rumo ao abismo dos meus dias
e pareço querer o desenho dos meus passos
Ao mesmo tempo em que pareço ansiar
o canto de um galo que me arranque
a toda essa noturna clareza dos sentidos
Todos os cinzeiros abarrotados já
o pulmão destroçado já
e a mão parada no gesto
da indecisão de acender
o pavio ao explosivo último
e fatal...
Meus poetas preferidos estão mortos
meus amigos estão mortos
meus amores estão mortos
e o meu dia não foi nada bom...
Ouço o ranger dos meus ossos
o chiar dos meus alvéolos
o crepitar da minha pele
e esse gosto de sangue e pólvora
que insiste em me seguir
aonde quer que eu vá
E o meu campo nem lavrado foi -
folhas secas se acumulam pelo solo
Não vi os Brasis dos meus livros
nem as Américas dos meus filmes
nem as Europas dos meus desejos de carne
Não tive tempo de limpar a casa
(a “Indesejada das gentes” me chegou de supetão)
E a mesa até posta foi
mas faltaram tantos convidados
Sinto no entanto para breve
o momento da consoada...
Inspira-me ao menos, ó meu poeta,
a escrever meu último poema!

(Edmilson BORRET – às 3:30 da manhã do dia 30 de novembro de 2006)




O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

(Manuel Bandeira)

21.11.06

De punheteiro a Dama das Camélias... Caráio, véio! Que viagem!... Ou será "Que viadagem" ???!!!!


Puta que pariu!Parece que apenas um dia sem blogar me fez perder a facilidade de escrever. Ou de começar, pelo menos. Vocês podem até não acreditar, caros leitores atônitos, mas tenho tantas coisas para partilhar. Não riam: é sério. Digo isso do fundo d’alma. O foda é que às vezes nem sei por onde começar. Mas uma coisa é certa: tenho de parar de tocar punheta por um tempo: vou escrever um livro. Não importa o título, não importa a qualidade, a temática ou o enredo muito intricado. Escrever uma coisa má, só para variar. Tenho que usar as mãos para algo mais produtivo, além do quotidiano e religioso “cinco contra um”. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo: isso está claro... hehehehe.. Mas é sério: se não escrevo por muito tempo, é como se algo me comprimisse o meu lobo frontal quase ao extremo e uma dor daí se irradiasse para todos os meus músculos, a espasmos. É como se as idéias desordenadas ficassem bombardeando meu cérebro, ricocheteando nas paredes do crânio. Aí, quando eu começo a escrever, parece que os pensamentos se alinham e o meu corpo se acalma – os músculos retesados retornam ao repouso inicial. Só que muitas vezes eu não tenho a mais mínima idéia de onde tudo isso vai dar. Não raro, acabo enveredando por caminhos totalmente diferentes daquele que eu havia pensado tomar no início. Mas foda-se! Pelo menos eu escrevi. E a dor passou. Adio assim o estado de choque pós-convulsão.
Por falar em convulsão, lembrei-me agora das minhas febres de quando tísico (olha aí o que eu falava há pouco sobre as idéias fugidias!). Tem umas almas por aí que odeiam quando digo que sou (ou melhor... fui) um tísico. Hoje em dia acredita-se que toda a gente é saudável, até que se prove o contrário. Desde há muito tempo, aboliu-se o uso de expressões como "fulano é um leproso ou morfético" ou "beltrano é tísico" por ser ofensivo aos portadores da lepra e tuberculose, respectivamente. Mas num tempo anterior a essa nova mentalidade “politicamente correta”, ser tísico era sinal de doença grave. Como o é hoje em dia ter câncer ou Aids. Eu, particularmente, sempre achei essa história de ser tísico não um sinal de maldição, mas um sinônimo de beleza. Sei lá, algo assim meio Dama das Camélias, meio poeta romântico, meio Manuel Bandeira. Por mais que racionalmente eu soubesse que aqueles “numerosos bacilos álcool-ácido resistentes” a corroer meu pulmão esquerdo poderiam me levar à morte (e quase o fizeram), mas sempre dentro desse meu ideal estético-fantasioso-patético-imaginário, nas minhas noites de sudorese, febre alta, delírios e hemoptises eu me via assim meio que envolto numa certa aura de poesia e beleza... “Quero morrer em beleza”: lembrava sempre desse verso dum poema do António Botto já postado aqui nesse blog.
Mas não morri. E a beleza foi-se. Por isso continuo me dizendo tísico. Tentativa de disfarçar minha feiúra atual. Puta merda! Nem pra Marguerite Gautier eu sirvo nessa minha vidinha de bosta... Tá bom. Admito. Essa história de Marguerite Gautier é meio coisa de viado. Fiquemos então com o arremedo de Bandeira, ok?


DIAGNÓSTICO

Ai essa febre
essa dor no peito
essa falta de ar
esse amargor na boca
essa vontade de chorar
essa tristeza sem fim
- É grave, doutor?
- Tens o pulmão esquerdo
perfurado
morto
necrosado.
- E o coração, doutor,
o coração, o coração?...
- Ir-re-me-di-a-vel-men-te
perdido, meu rapaz...
Também
quem mandou abusar?
Quem mandou
não lhe saber os limites?

Quem mandou amar tanto?


(Edmilson BORRET – Setembro de 2006)
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