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26.5.07

Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada




engraçado como um verso que cantei várias vezes de repente assume, neste meu momento, um significado quase visceral... alegria não existe sem tristeza, dor não existe sem felicidade... da mesma maneira que silêncio não existe sem som, nem sombra sem luz...

meu amigo, há dias para sonhar, e tantos outros para entender... há dias para planejar, e tantos outros para empreender... dias para ganhar, outros para perder... dias para desistir, virar as costas e desistir da vida, e tantos outros para amá-la com todas as forças... há dias para se recolher, negar e se distanciar, dias de ausência e de saudade, e outros tantos para acordar e começar tudo de novo... e em todos esses dias, nós... nós, de posse de nossos coraçõezinhos imbatíveis e corajosos... e olha, meu amigo, que eu entendo bem de lágrimas, daquelas lágrimas que transbordam, escorrem, e rolam pelo rosto doendo feito queimadura... eu entendo bem de lágrimas, furtivas ou não... mas também entendo de alegria... e isso na mesma e exata proporção...

pois é, meu amigo, eu com meus cansaços e com minha vontade às vezes louca de fugir e só voltar depois de muito, muito tempo, acho que andei também meio deprimido, triste cansado, doente, irado e com medo... não sei ao certo... mas ela estava sempre ali: a calada e teimosa esperança... e aí eu decidi que vou voltar a sorrir... e isso é mais que um desejo, é uma escolha... é uma decisão inadiável...

um velho índio norte-americano descreveu certa vez seus conflitos internos: “dentro de mim existem dois lobos, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom; os dois estão sempre brigando”... quando então lhe perguntaram qual dos lobos ganharia a briga, o sábio índio parou, refletiu e respondeu: “aquele que eu alimento”...

não estaria na hora, meu amigo, de pararmos de alimentar o lobo malvado que habita em nós? não estaria ele matando nossa risada? believe me, my friend, pode levar um certo tempo, pode até custar algumas conquistas ou mesmo a segurança e tranqüilidade de relacionamentos que se acreditavam perenes, mas é preciso voltar a sorrir como antes... a mim me foi preciso apenas um período de descanso para que eu percebesse a falta que me fazem os meus sorrisos... e como é bom vê-los de novo se refletindo no rosto dos amigos e colegas... uma coisa te digo, meu amigo, from this moment on, com a destreza que me foi dada, me tornarei perito em risadas...

e se você, meu amigo, ainda não pôde compreender as razões desse verso de “Vaca Profana” intitulando esta postagem, sugiro que escute de novo a música, que preste atenção aos versos e tente perceber, na gradação a que eles induzem, a associação que fiz, ao pensar nos meus momentos de antes, no seu momento de agora (fora o “leite mau”!!!), evoluírem através do nosso controle, escolha e decisão (“movida madrileña ...”) para devolverem às nossas vidas, em lucros (leite bom), os custos da existência... mas não se avexe não, amigo, amanhã tudo pode acontecer... inclusive nada... e além do mais, como diz a música: “de perto, ninguém é normal”...

um brinde às lágrimas que passaram e às que virão... mas, na boa, eu respeito muito mais a minha risada...




FELICIDADE REALISTA
(Martha Medeiros)


A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.

Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.

E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando.

Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.

Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum.

Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.

Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.

A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.

Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormentam e provocam inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade...

"O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."

10.5.07

Saravah ! Un peu du Brésil pour les amis français

Je songe avant tout à mes amis français, déshérités et malhereux en ce moment "sarkozyen". C’est pourquoi je leur fait ce cadeau pour alléger leurs maux en espérant que leurs coeurs ulcérés se soulageront un peu, parce qu’il faut toujours espérer en des temps meilleurs... Voici un peu de la poésie, de la culture, de la musique et de l’esprit brésiliens pour eux !

S’étant passionné pour le Brésil et pour sa musique, en tant qu’ami de Baden Powell, Pierre Barouch avait chanté un morceau de la chanson "Samba da Benção", de Baden e Vinícius de Moraes, dans le film Un homme, Une femme (1966), de Claude Lelouch, si bien qu’il a contribué à la popularisation de la musique brésilienne en France. Trois ans après il débarquerait au Brésil pour tourner le documentaire Saravah ("Samba da Benção" était devenu "Samba Saravah" dans le film de Lelouch). Ce documentaire je ne l’ai pas encore, je viens de le commander. Voici pourtant la scène du film de 1966 où la chanson de Baden e Vinícius a été chantée pour la première fois en français... Pour les brésiliens qui sont en France en ce moment, je crois que ce sera de la pure nostalgie... Saravah ! Ça (ra) va!

Samba Saravah
(Vinícius de Moraes e Baden Powell – version : Pierre Barouh)

Etre heureux, c'est plus ou moins ce qu'on cherche,
J'aime rire, chanter et je n'empêche
Pas les gens qui sont bien d'être joyeux.
Pourtant, s'il est une samba sans tristesse,
C'est un vin qui ne donne pas l'ivresse;
Un vin qui ne donne pas l'ivresse,
Non, ce n'est pas la samba que je veux.

J'en connais que la chanson incommode,
D'autres pour qui ce n'est rien qu'une mode,
D'autres qui en profitent sans l'aimer.
Moi, je l'aime et j'ai parcouru le monde,
En cherchant ses racines vagabondes;
Aujourd'hui, pour trouver les plus profondes,
C'est la samba-chanson qu'il faut chanter.

On m'a dit qu'elle venait de Bahia,
Qu'elle doit son rythme et sa poésie
À des siècles de danse et de douleur.
Mais quel que soit le sentiment qu'elle exprime,
Elle est blanche de formes et de rimes,
Blanche de formes et de rimes,
Elle est nègre, bien nègre, dans son coeur.




Estou pensando, antes de tudo, nos meus amigos franceses, deserdados e infelizes nesse momento "sarkoziano". E é por isso que lhes faço esse pequeno mimo como consolo das dores na intenção de que seus coraçõzinhos feridos se aliviem um pouco, pois é preciso que se espere sempre por dias melhores... Eis aqui um pouco da poesia, da cultura, da música e do espírito brasileiros para eles!

Apaixonado pelo país e por sua música e amigo de Baden Powell, Barouh cantou um trecho em francês da música "Samba da Bênção", de Baden e Vivícius de Moraes, na trilha sonora do filme
Um Homem, Uma Mulher (1966), de Claude Lelouch, contribuindo para a popularização da música brasileira na França. Três anos depois, o ator gravou no Brasil o documentário Saravah ("Samba da Bênção" havia se tornado "Samba Saravah" na trilha do filme). Ainda não tenho esse documentário, acabo de encomendá-lo; mas aqui está a cena do filme de 1966 em que a música de Baden e Vinícius foi cantada pela primeira vez em francês.... Para os brasileiros que estão na França nesse momento, acho que será nostalgia pura... Saravá!

Samba da benção

(Vinícius de Moraes e Baden Powell)


É melhor ser alegre que ser triste

Alegria é a melhor coisa que existe

É assim como a luz no coração


Mas pra fazer um samba com beleza

É preciso um bocado de tristeza

É preciso um bocado de tristeza

Senão, não se faz um samba não


Fazer samba não é contar piada

E quem faz samba assim não é de nada

O bom samba é uma forma de oração


Porque o samba é a tristeza que balança

E a tristeza tem sempre uma esperança

A tristeza tem sempre uma esperança

De um dia não ser mais triste não


Ponha um pouco de amor numa cadência

E vai ver que ninguém no mundo vence

A beleza que tem um samba, não


Porque o samba nasceu lá na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração

8.5.07

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Altair Malacarne...

... A criar confusões de prosódia e um profusão de paródias que encurtem dores...


E criem sabores. Sabores capixabas. Sabores de Altair, o nosso Alta. Altair tem verve. Altair tem verbo. E por tê-lo, tem orações exatas e pias. Altair escreve bem como ninguém. Altair é alegria dos amigos. E delicioso de ler e ouvir. Altair é histórias. Altair acarinha a língua como quem possui uma mulher. Mais do que língua-mãe, faz dela esposa, irmã, filha e concubina.

Num gesto da mais desavergonhada tietagem, criei uma comunidade para o Altair no orkut. Altair e suas "romildas" surgiu da necessidade de render homenagem a esse malabarista das palavras. As suas "romildas" (mais do que a puta Romilda que o desvirginou) nada mais são do que isso: as suas histórias. As histórias que o penetraram, o atravessaram e, de certa forma, o desvirginaram também quotidianamente. Filho de agricultores capixabas, resultado da cruza de italianos com portugueses, negros e índios, esse grande homem muito nos tem a contar. De São Domingos do Norte a São Gabriel da Palha, da entrada no seminário ao acidente vascular cerebral, tudo parece ter impregnado de profunda e triste beleza essa alma de muitas vivências e outras tantas querências.

Altair e sua língua é irreverência. Altair dá língua para a língua. Altair lambe a língua. Feito gata e sua cria. Altair fala de "paus" e "bucetas" como se de conectivos lingüísticos falasse. Elos que são. Mais que "paus" e "bucetas" são anafóricos que pegam de trás. Catafóricos que lançam à frente. Altair é usuário e abusário da língua. Altair tem a língua da mata, dos bichos, dos homens... Poderia passar horas falando de Altair. E não conseguiria dizer nada. Altair não cabe nas minhas palavras. Quisera um dia eu encontrasse Altair e pudesse abraçá-lo. Só isso: abraçá-lo. Sem mediação de palavaras. Que nessa hora palavara dita de certo atrapalha. Seria melhor palavra tátil. Gustativa. E eu ia gostar de sentir a minha língua roçar na língua malacarniana.

Hoje Altair escreveu. Li. Gostei.


Quando cheguei no seminário, fui brincar com os ostros meninos no pátio. No corre-corre, gritei: "PEGA ÊLI!"
Todo mundo me olhou e riu.
-Que qui foi?
-Ocê tá falan'u errad'u. O cert'u é PEGA-O.
Foi terrível. Senti saudade de casa. Senti saudade de minha mãe. Ela me ensinou as primeiras palavras do Português, a língua que seria meu espelho do mundo. Era tão gostoso: "Minin'u, vai drumi. Lembra di rezá".
Desde aquele dia, tenho que manejar duas Línguas Portuguesas. Uma na rua, outra no banco. Uma na sala, outra na cozinha. Sei que as duas são irmâs uterinas. Mas são irmãs preconceituosas. Uma exclui o espaço da outra. A que serve pra andar na mata não serve pra requerer aposentadoria. Embora as duas irmãs usem o mesmo sutiâ. A mesma calcinha. As mesmas "intimidades".

Será que não poderíamos ter uma só para todos no Brasil?

(Altair Malacarne)


Língua
(Caetano Veloso)

Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homen
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e Maria da
Fé e Arrigo Barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corísco
Hollyood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Lívros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem


6.5.07

Os olhos do Fagner

Ok, ok, tudo bem. Podem até vir me dizer que o cara já está meio caidinho, meio passado e coisa e tal. E podem até mesmo me censurar e dizer que essa história de ficar admirando os olhos de outro homem é coisa de viado... (há muito tempo que já deixei de me importar com o que pensam ou deixam de pensar de mim, sobretudo quando a questão é a sexualidade)... Mas uma coisa ninguém pode negar: os olhos do Fagner, desde quando ele era bem novinho - como no vídeo aí abaixo - até os dias de hoje, têm uma coisa qualquer que magnetiza, que emociona, que encanta. E esse eterno jeitinho dele de nordestino do "último pau de arara", sempre com essa aparência frágil e franzina, parece que nos cativa à primeira vista. Obviamente que, como todo nordestino, há também - por trás de toda essa aparência de fragilidade - os sulcos e traços do rosto que denotam toda a força desse nosso povo sofrido (ainda que ele particularmente possa até não ter sofrido as agruras dos retirantes da seca). De qualquer maneira, quando o vejo em fotos ou em vídeos, consigo perceber essa harmonia perfeita da fragilidade e da força. E, convenhamos - pelo menos neste vídeo aqui - ele tem, sei lá, um quê de Bruce Lee e de Che Guevara, não?
O fato é que, muito embora ele tenha descambado para o filão mais romântico-brega nos últimos trabalhos, eu gosto muito do Fagner. Foi um artista de extrema importância na minha adolescência e juventude...

Quando penso em você, fecho os olhos de saudade... Ave, Fagner!


CANTEIROS
(Composição: Fagner / sobre poema de Cecília Meireles)

Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento
Pode ser até manhã, cedo claro feito dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Prá correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida.



5.5.07

Sobre homens e mulheres

Possivelmente estarei incorrendo no maior mico da minha vida ao me debruçar sobre esse tema. Mas hoje tive uma experiência nada agradável ao atender o pedido de uma grande amiga para ingressar numa comunidade do orkut. E por conta disso senti a necessidade de escrever. Sou assim: incomodou, eu escrevo.


A proposta da comunidade seria justamente discutir o velho e eterno embate entre homens e mulheres -como se isso fizesse algum sentido. No meu parco entender das coisas, homens são homens e mulheres são mulheres. E pronto. Isso deveria bastar, não? Por que tentar buscar diferenças quando estamos falando, em última instância, de pessoas? E pessoas são, antes de qualquer coisa, sentimentos. Bons ou ruins, nobres ou vis, simples ou complexos, mas sentimentos, porra! E então me vi lá nessa comunidade cercado pela torpeza maior que pode assolar o ser humano: a dificuldade para o afeto puro e simples. Era um desfile absurdo de nicks estranhos desfiando um amontoado de asneiras que me irritava profundamente: tinha um tal de “LordKazzado”, tinha um tal de “1 Brasa Mora”, tinha até mesmo um tal de “Lex Luthor” (e o Super-Homem, caramba? e o verão como apogeu da primavera, cadê?). E as comunidades em que essas figuras grotescas estavam inscritas!!!! Misoginia digna de tratamento psiquiátrico, caso grave mesmo, para internação e camisa de força... Só para se ter uma idéia, um dos nicks criativos aí citados parece ter percorrido todo o orkut atrás de comunidades que tratam a mulher como lixo: “Mulé é bicho burro mermo”, “São tudo umas vagabunda”, “Amigo de mulher é cabeleireiro”, "Elas preferem os canalhas", e por aí vai... Antes que eu tivesse que fazer uso de toda a minha cartela de Plasil, eu pulei fora da tal comunidade da minha amiga. Não sem antes expressar todo o meu incômodo com tamanho pensamento torto. Então, a anta neanderthalesca das comunidades aí citadas ainda veio com um discursozinho babaca, mal embasado, pobre e ortograficamente mal escrito sobre a minha “visão limitada acerca da hipocrisia da nossa atual sociedade, principalmente quando se refere às mulheres que se colocam num altar acima do bem e do mal, continuando-se a fazer vistas grossas perante o comportamento fútil das mesmas”... Puta que pariu! Tenho alunos da 8ª série que conseguem produzir textos mais densos que isso, na boa!


Com todo o respeito e carinho que tenho por essa minha amiga, mas criar uma comunidade para discutir diferenças entre homens e mulheres requer uma mais bem elaborada lista de convidados e uma maior seletividade de cabeças pensantes. Senão, corre-se o risco de cair na discussão do sexo dos anjos... feita por sexólogos de mesa de bar...


Quando nos propomos a pensar na diferença sexual, a primeira pergunta que se impõe é a mais elementar: por que a raça humana está dividida em homens e mulheres? Se não sabemos responder a esta pergunta, dificilmente poderemos saber em que consiste ser homem ou mulher, dificilmente poderemos entender como têm de ser as relações entre eles.

Nós, homens e mulheres, temos muitas coisas em comum: a dignidade humana, a inteligência, a capacidade de iniciativa, a responsabilidade, a necessidade de afeto, carinho, segurança e, por que não, de sexo também. No essencial, temos uma mesma natureza, que adquire matizes diferentes segundo se expresse em masculino ou em feminino. Temos quase tudo em comum. Onde reside a diferença sexual??? A única resposta possível e convincente repousa no campo da fisiologia: a necessidade de gerar filhos. Se não fosse necessário ter filhos, as pessoas não se dividiriam em homens e mulheres. Ou então as relações de amor e sexo entre homens e mulheres seriam distintas das que são agora. No entanto, se existe o amor e o sexo entre homem e mulher, é porque existem homens e mulheres. E isto leva-nos a considerar que aquilo que é específico e diferenciador do homem é ser um possível pai, e aquilo que é específico e diferenciador da mulher é ser uma possível mãe. O resto é comum a homens e mulheres. E ponto.


Não satisfeito com o leque de asneiras desfiado, o mesmo babaca do nick e das comunidades sui generis acima citado ainda me sai com essa pérola sobre a “Ame e dê vexame”, comunidade que tenho no orkut: “E sua comunidade ADV é rídicula cara. Não passa de um incentivo a bajulação, tornando os homens cada vez mais capachos das mulheres. Se declare para a sua amada e se jogue no chão pra que ela limpe os pés nas suas costas”... Muito provavelmente esse rapaz tem algum problema sexual grave, algo talvez que lhe ocasiona uma distensão traumática da região retofuricular. Eu aconselharia o coitado a procurar o doutor Agamenon, psicoprocotologista de renome, para cuidar do seu caso, pois “este tipo de distensão, se não tratada a tempo, pode se agravar e resultar numa ruptura dos ligamentos e desabamento da prega-rainha, estrutura nervimuscular que dá sustentação ao pavilhão lombo-retofuricular do indivíduo diletante”, palavras desse renomado profissional... hehehehehe


Mas voltando à seriedade necessária à discussão, lamento que esse indivíduo possua essa tão arraigada dificuldade para se declarar a sua amada. É um infeliz que vai viver constantemente um embate. Mas não embate entre homens e mulheres, e sim o embate entre ele e ele mesmo, coitado. Tenho plena consciência que o pequeno parvo nunca virá até aqui ler este texto, mas deixo aqui dois exemplos de homem e mulher que souberam magnificamente levar ao extremo a bajulação ao sexo oposto, numa linda declaração associada ao ato de homem e mulher deporem as armas um diante do outro... E eu assinaria embaixo os dois textos!!!!




Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

(...)

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.


(Vinícius de Moraes)




Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !


Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !


"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !


E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim !
..."


(Florbela Espanca)

4.5.07

Traduzir-se

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos, que levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia... e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)



Escrever é traduzir-se... é transcender. O ato de traduzir-me e retraduzir-me é o que me conduz aos meus muitos acessos... e excessos...

Talvez num futuro distante algum filólogo venha a se debruçar sobre meus papéis e, numa tentativa de exegese, consiga juntar minha língua de partida à minha língua de chegada e de mim faça algum sentido. Aí então, caros leitores, vou me juntar a vocês num café de uma livraria, de um cine-clube qualquer e vou finalmente me ler... Que já será tempo de algum entendimento, meu Deus! Porque neste exato momento, meus caros, sou travessia das mais arriscadas (quase o pessach hebraico, no sentido primeiro e real do termo). E a outra margem ainda vai longe... E como desencarnado provavelmente já estarei no tempo do entendimento, me será até mais confortável e poderão mesmo reclamar para mim alguma isenção de culpa, já que "traduttori tradittori".

Enquanto isso, eu busco traduzir-me.



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

(Traduzir-se. Ferreira Gullar)



"Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia."
(Guimarães Rosa)

3.5.07

A hora do sim é um descuido do não...

A francesada tem um verbinho apropriado para definir essa sensação que venho tendo há alguns dias: hanter [obcecar, perseguir]... Bem, eu poderia usar um verbo em português, mas acho que o verbinho francês tem a força expressiva necessária para essa minha sensação (e também porque eu sou fresco mesmo e em francês fica mais chique, oras!). O fato é que a frase que encabeça essa postagem “me hante” nesses dias.

Antes, é preciso que eu diga que tive que me afastar por um tempo do mundinho virtual: problemas de conexão. E também por conta da minha última postagem, que foi meio que uma sessão de análise daquelas que deixam a gente fora de combate por algum tempo. Por mais que eu não tenha medo de me expor aqui, mas acho que ali eu meio que passei um pouco do ponto. Andaram até mesmo dizendo que eu havia pirado o cabeção na Nouvelle Vague e nos filmes de Godard. De qualquer maneira, faço aqui meu mea culpa: chamar a felicidade daqueles nomes feios todos!!! Nada a ver, tadinha... Dona Felicidade já é uma senhora e, ainda que puta – cá pra nós – merece nosso respeito. Não se escarnece assim impunemente alguém tão importante. E, além do mais, meu frágil desdém só fez foi ressaltar meu primarismo e inabilidade para lidar com minhas limitações. Essa é que é a verdade, por mais que me custe admitir isso. Discernimento nunca foi uma qualidade da qual eu pudesse me vangloriar mesmo...

E aí veio essa música do Vinícius & Toquinho, sobretudo o verso acima citado, a ricochetear na minha cabeça nesses últimos dias... e tanta coisa aconteceu nesse tempo!!! E essa tanta coisa me levou a lançar alguns “sim” quando na verdade o “não” seria o correto. Obviamente que alguns desses “sim” são revogáveis e reversíveis. Mas também é fato que mesmo um “sim” revogado, ainda que usurpador de um “não”, deixa sempre sua marca indelével por anda passa... E isso é que é foda, meus amigos!

No fundo, a vida tem o dom de me surpreender quase sempre. Não tenho muito do que me queixar, sinceramente. Coisas boas sempre aconteceram para mim com certa freqüência... e as ruins - inevitáveis que são – se eu parar pra pensar, têm grande participação minha. Tenho muita sorte com as pessoas, isso é fato. Quem sabe por ser um tanto quanto seletivo (ou por pura sorte mesmo), sempre cruzo com pessoas fantásticas. E mesmo as ruins – não menos inevitáveis – servem, de certa forma, para me fazer lembrar das boas, me mostrar o rumo do bem. E, por isso, sou grato a elas também.

É bem provável que alguns amigos estejam certos: eu não sou tão idiota quanto penso. Talvez o que acontece é que eu seja bonzinho demais. E algumas pessoas não querem isso. Tem gente que gosta mesmo é de ser maltratado (não é o meu caso). O fato é que isso sempre atraiu coisas boas pra mim, ainda bem! Não faço questão sempre da verdade, da fidelidade... mas da lealdade e da ética eu não abro mão. Sou pelo jogo limpo. Sempre. Não importa em qual tipo de relação. Não que eu faça questão de gente boazinha o tempo todo. Uma certa malícia é até mesmo necessária, mas a leviandade não. Não quero nem vou fazer parte de nada onde as regras não estejam muito claras para mim e para o outro. Cartas na mesa. SEMPRE. Até mesmo os erros devem ser cometidos conscientemente: isso é o que eu chamo de liberdade. A vida já é bastante complicada, tudo bem... mas até mesmo para a diversão é preciso confiança. Senão não rola... na boa. Vira livre arbítrio desperdiçado. Sendo assim, não vou mais desperdiçar nem um “sim”, tampouco nenhum “não”.

Talvez por isso eu tenha tão levianamente escrachado a felicidade na postagem anterior. Por não ter percebido quanto de “sim” andei distribuindo por faltar coragem para o “não” ("Par délicatesse j'ai perdu ma vie", disse Rimbaud). Aí realmente ela, a felicidade, desconfia de mim e pica a mula. Confiança, lembra? Aí só cabe então se questionar como o Maiakóvsky, quando ele brada poeticamente: “E então, que quereis?...” E ele mesmo responde: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?” Tentarei prestar mais atenção aos meus “sim” e aos meus “não” de agora em diante. Já é hora de eu tentar crescer um pouco, não acham? Parar um pouco de culpabilizar a vida como algo exterior a mim e me tocar que a parte que me cabe por meus atos me será cobrada na apresentação da conta... e aí, meus caros, pode-se até questionar a cobrança dos 10% e do couvert artístico que nem aconteceu - mas daí a querer dar calote... nem pensar. É como disse o poetinha: se a vida é uma grande ilusão, não sei... só sei que ela está com a razão.

Sei Lá... A Vida Tem Sempre Razão
(Vinícius & Toquinho)

Tem dias que eu fico
Pensando na vida
E sinceramente
Não vejo saída
Como é, por exemplo
Que dá pra entender
A gente mal nasce
Começa a morrer
Depois da chegada
Vem sempre a partida
Porque não há nada
Sem separação

Sei lá, sei lá
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá
Só sei que ela está com a razão

Ninguém nunca sabe
Que males se apronta
Fazendo de conta
Fingindo esquecer
Que nada renasce
Antes que se acabe
E o sol que desponta
Tem que anoitecer
De nada adianta
Ficar-se de fora
A hora do sim
É um descuido do não

Sei lá, sei lá
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão

Sei lá
Sei não
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