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30.11.06

Saudades do que nunca fui nem mais serei...



A CONSOADA DO INSONE

É como um sopro quente
que me bafeja ao ouvido
a essa hora da noite funda
e me conduz ao mais insondável
de todos os meus cômodos
E essa hora é a mais tenebrosa e a mais exata
(porquanto se agiganta na podridão das minhas veias)
É quando eu ouço meus gritos
e mais ninguém além de mim
É quando todas as poéticas são inúteis
e todas as filosofias
e todos os deuses
Tudo me perpassa com uma certeza cruel
E meus olhos marejam
ao menor estímulo das lembranças vãs
Entendo-me cada vez mais
rumo ao abismo dos meus dias
e pareço querer o desenho dos meus passos
Ao mesmo tempo em que pareço ansiar
o canto de um galo que me arranque
a toda essa noturna clareza dos sentidos
Todos os cinzeiros abarrotados já
o pulmão destroçado já
e a mão parada no gesto
da indecisão de acender
o pavio ao explosivo último
e fatal...
Meus poetas preferidos estão mortos
meus amigos estão mortos
meus amores estão mortos
e o meu dia não foi nada bom...
Ouço o ranger dos meus ossos
o chiar dos meus alvéolos
o crepitar da minha pele
e esse gosto de sangue e pólvora
que insiste em me seguir
aonde quer que eu vá
E o meu campo nem lavrado foi -
folhas secas se acumulam pelo solo
Não vi os Brasis dos meus livros
nem as Américas dos meus filmes
nem as Europas dos meus desejos de carne
Não tive tempo de limpar a casa
(a “Indesejada das gentes” me chegou de supetão)
E a mesa até posta foi
mas faltaram tantos convidados
Sinto no entanto para breve
o momento da consoada...
Inspira-me ao menos, ó meu poeta,
a escrever meu último poema!

(Edmilson BORRET – às 3:30 da manhã do dia 30 de novembro de 2006)




O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

(Manuel Bandeira)

29.11.06

Mulheres do meu Brasil varonil, um tostão da minha voz para vocês!


"Você vê os meus cachos? Me olhe de novo"– diz a propaganda idiota.


Por que eu iria querer olhar só pros seus cachos? Se você for realmente interessante eu vou te olhar é de qualquer jeito, mesmo você sendo careca, sua cacheada superficial do cacete! Porra, é foda! Mas quando o assunto é publicidade de cosméticos, por que as mulheres são sempre ridicularizadas?
Ou será que não é o Brasil patriarcal (e o mundo inteiro, notadamente a ocidentalidade) que estaria precisando de um cremezinho para as rugas????? Putz! A noção de beleza feminina está mais muxibenta que meu saco!!!!! E tome Revlon, e L’Oréal, e Herbal’s Life, e Avon, e Natura e o cacete! E a perguntinha incômoda: “Querida, você já pensou em emagrecer enquanto dorme?” Ao que a minha amiguinha Daia respondeu hilariamente:
“Sim, eu já pensei em emagrecer enquanto durmo! Também pensei em fazer luta-livre enquanto cago, em aprender russo, tcheco e aramaico enquanto assisto à tv, em fazer mestrado e doutorado enquanto ando de ônibus, e inclusive desenvolvi uma técnica muito interessante que me permite almoçar e escovar os dentes simultaneamente...”

Hahahahaha... Valeu, Daia!
Aí vieram me perguntar por que eu enalteço tanto a mulherada. É citação aqui no blog, é depoimento, é poema e o escambal... Ora bolas, por quê... Bom, primeiro porque elas me paparicam. E eu adoooooro ser paparicado. Sim, mesmo tendo sido um cara sempre muito independente e auto-suficiente, eu adoro. Mamãe me paparicava, minhas irmãs me paparicam, e as moçoilas que conheci vida afora sempre me paparicaram também. Sempre me encherem de mimos, cafunés e beijinhos gostosos. Aí, o neguinho aqui se derrete todo. Que essa porra é bom demais!!! E o mané aí que não gosta de um paparico, que atire a primeira pedra. (Vai! Pode atirar, seu puto! Ainda tenho certa flexibilidade e reflexo para me abaixar ou me desviar numa guinada rápida na hora exata da pedrada) Segundo - e talvez mais importante - porque mulher é foda, meu camarada! Não tem jeito: bobeou, dançou. Elas têm a porra do tal do sexto sentido, saca? É. Parece que te adivinham. Te sacam no primeiro olhar. Te reviram por dentro e te põem a nu sem piedade. Eu é que não serei burro de entrar num embate com elas. Vou perder bonito!!! É a velha história: se não podes vencer teu inimigo, junta-te a ele. Eu tô é do lado delas mesmo. Vou enaltecê-las sim e colocar meu rabinho entre as pernas que eu não sou besta.
Mas também é o seguinte: eu não embarco nesse papo babaca de divinizar a mulherada só por causa do seu ventre não. Esse é mais um dos malefícios reducionistas da mentalidade patriarcal, ocidental, judaico-cristã. Por conta desse papo é que puseram, durante muito tempo, a mulher num pedestal bem alto, mas esqueceram de colocar uma escadinha ali ao lado para o caso de ela querer dar uma descidinha de vez em quando (nem que seja pra dar uma mijadinha). Tiveram que pular, coitadas! E além do mais, por esse prisma, as mulheres que não podem engravidar então não teriam nada de divinas, né? Porra! Sacanagem! Quer saber? Santas e putas deveriam ser todas as mulheres. E esse é que o barato da coisa. Elas são santas enquanto putas. E putas enquanto santas. Nós, ou somos putos ou somos santos. Homem não tem meio-termo: essa é a mais triste das verdades. Nós temos é meio-das-pernas, para onde parece termos canalizado a presença ou a ausência da santidade ou da putaria. E o meio-das-pernas não admite meio-termo. Ou tá mole ou tá duro. Não riam: é sério! Mulher parece não nos exigir tanto o meio-das-pernas e, ao mesmo tempo, parece não abdicar dele: é isso que nos funde a cabeça. Mas vai lá! Ainda assim estou com elas. Como eu já disse, eu sou sensato.
Hoje, por exemplo, eu fiz uma mulher feliz. E olha que nem foi por causa do meu pau (que, modéstia à parte, é bem acima dos padrões). Fiz uma mulher feliz porque lhe toquei os sentidos (não sei se o sexto ou qual outro). Escrevi-lhe um poema. E nessa história de escrever, parece que a gente se aproxima um pouco mais da feminilidade. Não sei, mas eu sempre achei que o dom da palavra é primazia das mulheres. Moacyr Scliar também achava isso ao nos brindar com seu delicioso e satírico livro A mulher que escreveu a Bíblia, onde uma mulher do nosso tempo submete-se a uma terapia de vidas passadas e conclui que numa encarnação anterior, há três mil anos, foi ela que escreveu a primeira versão da Bíblia. Legal seria se fosse verdade, não? Nossa! Muita coisa poderia ter sido diferente.
Mas sim, fiz uma mulher feliz hoje ao lhe escrever um poema. E outros já escrevi para outras mulheres. E outros continuarei a escrever. Aqui mesmo neste blog, vocês, caros leitores, já tiveram a oportunidade de ler duas homenagens a duas mulheres incríveis: a Miriam e a Divina. Agora faço mais quatro beldades felizes: a guerreira Celeste lá na França (que num conto de fadas ao avesso, viu seu príncipe transformar-se em sapo, e sapo feio), minha grande amiga Filomena (Filó, Fifi, Fiona, como queiram), a linda Isabel (ou Sininho ou Bel, ou BELdade) e a forte Valéria Olivier (a Val).
À parte toda essa babaquice sem sentido que falei aí em cima, saibam, mulheres, que adoro vocês!!!!



DEPOIMENTO A CELESTE

Petite fille venue du ciel
aérienne, cosmique
La voûte elle-même qui nous recouvre
Couleur bleu céleste, azur
Demeure céleste, paradis
Manne céleste, nourriture de l'âme
Voix céleste, chant pour nos oreilles
Armée céleste, ange, angellus,
messagère divine à caractères humains
Celeste... c'est l'est
c'est l'ouest
c'est le nord
c'est le sud
Voilà mon amie Céleste!

(Edmilson BORRET - Junho de 2006)




DEPOIMENTO A FILOMENA

FILÓ...
FILÓ...
FILÓ...
FILO-sofia pura...
FILO-logia do linguajar quotidiano...
FILO-dermia no toque suave
das mãos de fada...
FILO-genia das idéias abstratas...
FILO-neísmo sempre crescente...
FILO-tecnia digna das musas..
Teu nome é prefixo dos mais belos,
significando amiga e amante.
Teu nome é também espécie de tecido leve
que cobre a candura e a pureza das mulheres
em forma de véu.
FILOMENA, teu nome é homenagem a santa virgem mártir.
Rendo homenagem a essa grande amiga,
conhecida aos poucos,
em gotas homeopáticas e eficazes.
Confesso minha FILOginia
aos pés dessa grande e maravilhosa mulher!!!
Ave, Filó, gratia plena!
LUMENA - pax cumte - FI!


(Edmilson BORRET - Agosto de 2006)




VESTIDA PARA NÃO SE MATAR
a Isabel Goulart

Cobre teu corpo de pedrarias e ouro
Tua boca, do mais sensual carmim
Nos teus olhos, o mais fino delineador
A sombra mais provocativa
O rímel mais ousado que possuíres
Um vestido do mais caro tafetá
Que te revele as ancas de deusa pagã
E o colo de santa no altar
Decerto que te cairá bem
Cobre tuas pernas com a seda
Da fina meia que as revele
E teu sexo, com a textura da renda branca
Cobre-te de sensualidade proposital
Não te cubras mais de dores
Temores e perdidos amores
Já tens por ora
Tuas cólicas, teus mênstruos
Para que buscar mais?
Não cubras mais tuas noites
De infrutífera e vã vigília
Nem tua garganta da secura
Das pílulas e gotas -
Esta merece o calor redondo e macio
Do mais caro vinho
Ou do mais abusado champanhe...
Cobre-te de estima e zelo, mulher!
E a nós seja dado
Cobrir-te de admiração e desejo
E se te ferirem o coração
Fura aos olhos do insano
Com o salto do scarpin
Que te emoldura os pés de gueixa
Que uma certa crueldade vingativa
Só fará por te acrescer
Mais charme e sedutora beleza...

Sim, cobre teu corpo de pedrarias e ouro
E teus sonhos, cobre-os de cuidados...

(Edmilson BORRET – Outubro de 2006)




VALÉRIA NÃO GOSTA DE CHÁ DE PANELA
a Val Olivier

Valéria não gosta
de chá de panela
nem chá de cadeira
nem chá de cidreira
Valéria quer mesmo
é despedida de solteira
com gatos em sua soleira
Paus de cenoura, tomate e bombril
é coisa de Amélia
não é de Valéria
Não se é puta porque pariu
Não se é santa porque não abriu
Entre a puta e a santa
de norte a sul do Brasil
há alma de Valérias tanta
e homem sem alma não ver fingiu
Mas Valéria ainda canta
e leciona e cozinha e desenha
no tecido de materna manta
rosas vermelhas e girassóis
E palavra doce empenha
no linguajar de seus lençóis
Valéria amou, namorou, casou
e em filosofia de biscoito
Valéria um dia se perguntou
do nada no meio do coito
se mais deu porque recebeu
(mulher perguntando desmonta a gente)
ou só recebeu porque enfim deu
Resposta não tendo
ou a tendo de meia-sola
Valéria deu mais linha à pipa
Pouco não quer
que é mulher de escola
E cara a cara com a fera
Valéria se fez mais bela
De boazinha fez-se boa
e não gosta mais de chá de panela.

(Edmilson BORRET – Novembro de 2006)

28.11.06

Começou a circular o Expresso 2222...

... que parte direto de Bonsucesso pra depois.


Pra depois de tudo e depois de nada. Pra depois de Gil, depois de mim e depois de você. Nesse trem não há parada, é louca descida declive abaixo, pra dentro do abismo que se fundou da partida à chegada. Os poucos trôpegos e temerários passageiros que ainda restam – uns atiraram-se há pouco das janelas, outros mais sensatos nem embarcaram – tentam manobras tontas e cansadas. As mãos já sangram pelos vidros quebrados in case of emmergency. Freios não tem mais a locomotiva. Engodo foi para sangrar mãos e braços e pernas e coração. Todas as cabines escancaram-se. Todas as valises vieram abaixo. Segredos se espalharam pelo chão do vagão. E lá ficaram em meio aos estilhaços de copos e restos de comidas e cubos de gelos da última bebida exótica de um longínquo país dos trópicos. SOS lançados na vastidão da noite gélida desaparecem e não fazem mais sentido. Nada mais faz sentido nessa viagem. A plataforma de embarque lá atrás ficou, num 26 de abril qualquer. Viagem longa, tormentosa, tortuosa, claustrofóbica – com raros momentos de calmaria, e tantos outros de turbulência ante o descarrilamento inevitável na curva não menos evitável. Que soem todos os apitos na noite. O abismo está mais à frente. Descerrem-se as cortinas às janelas da alma para que não se veja o impacto final. Basta senti-lo. Na imensidão branca dessas terras estrangeiras, arremete o 2222 para seu destino inesperado e escama o gelo dos trilhos. Povoam a cabeça do incauto passageiro das terras quentes canções de Gil e poemas de sua gente: lá de Minas lhe vêm versos terminais e últimos. Como terminal e última é essa viagem da qual muito pouco restará, senão destroços no fundo abissal. Ainda assim os versos lhe chegam aos ouvidos e ele chora de saudade de sua língua....


RESÍDUO

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

(Carlos Drummond de Andrade)

27.11.06

Did I disappoint you or let you down???!!!

Should I be feeling guilty or let the judges frown?
'Cause I saw the end before we'd begun,
Yes I saw you were blinded and I knew I had won.
So I took what's mine by eternal right.
Took your soul out into the night.
and may be over but it won't stop there,
I am here for you if you'd only care.
You touched my heart you touched my soul,
changed my life and all my goals.
And love is blind and that I knew when,
My heart was blinded by you...

(James Blunt)



CARTAS DE AMOR

Quanto a mim....
O amor passou.
Eu só lhe peço que não faça como a gente vulgar,
e não me volte a cara quando passe por si,
nem tenha de mim uma recordação
em que entre o rancor.
Fiquemos, um perante o outro,
como dois conhecidos desde a infância,
que se amaram um pouco quando meninos, e,
embora na vida adulta
sigam outras afeições,
conservam num escaninho de alma,
a memória do seu amor antigo e inútil.

(Fernando Pessoa)

"Avec le coeur battant jusqu'à la dernière battue"


Nascido em 1916, Léo Ferré foi um dos cultores mais singulares e controversos da grande “chanson” francesa. Viveu uma vida intensa de êxitos artísticos e de recusa do conformismo e das idéias prontas. Anarquista e milionário, solitário e solidário, iconoclasta e violentamente terno, Léo morreria em 1993, aos 77 anos.
Filho de Joseph e de Charlotte, respectivamente o chefe de pessoal do Cassino de Monte Carlo e uma costureira. Desde os quatro anos de idade, que inventava músicas e dirigia orquestras imaginárias. Após ter concluído o Liceu, na Itália, foi para Paris estudar Direito e cursar Ciências Políticas.
Durante a Segunda Guerra (1939-45), trabalhou na Rádio Monte Carlo, como locutor, técnico de som e pianista, deixando para trás a sua formação acadêmica, tão incompatível com uma vida tão à margem de todas as regras.
Em 1946, regressou a Paris, onde começou a atuar em bares e cabarés e onde conheceu Edith Piaf, que interpretaria algumas das suas produções e incitaria Ferré a fazer carreira na Cidade-Luz, uma longa e gloriosa carreira que se inicia no cabaré Le Boeuf sur le toît e se estende por toda parte, onde se podia ouvir a boa música e poesia francesas. Ao mesmo tempo, dá concertos na Federação Anarquista e começa a fazer furor nos caveaux de Saint-Germain-des-Prés, onde pontificam os cantores existencialistas Juliette Greco, George Brassens, Mouloudji, etc.
Em 1954, Léo Ferré é contratado para fazer a primeira parte de um espetáculo de Josephine Baker, no Olympia de Paris, onde a sua canção “Paris Canaille” o torna definitivamente célebre. No mesmo ano, dirige a sua “Symphonie Interrompue”, na Ópera de Mote Carlo, escreve Poète, vos papiers e produz o álbum “Les Fleurs du Mal”, onde põe música na poesia de Baudelaire. Seria o princípio de uma obra musical ao serviço da poesia francesa: Apollinaire, Verlaine, Rimbaud, Aragon e ele próprio, Ferré, também um grande poeta da língua francesa. A fabulosa carreira de Léo Ferre deveu-se, em parte, à influência da grande cantora Cathérine Sauvage, que apostou na alta qualidade do cantor, poeta, músico e maestro monegasco.
Em 1962, Ferré veria censurada a sua canção “Mon Général”, obviamente dedicada a De Gaulle e à sua autoritária V República.
Nos episódios do Maio de 68, atua na “Mutualité” para os estudantes que o aclamam euforicamente, agitando as bandeiras negras e vermelhas da Revolução. “Foi em Maio de 68 que realmente eu tive 20”, disse o poeta-cantor do amor e da anarquia, o autor de “Ni Dieu, ni Maître” e de “Thank you, Satan”. Léo Ferré atua na Federação Anarquista e as suas canções “Amour Anarchie” e “L’Été 68” tornam-se hinos da revolta estudantil. Os mesmos estudantes que o glorificam são também os mesmos que o criticam e atacam, devido à sua imensa fortuna, recebendo o epíteto de “Anarquista de Rolls-Royce” (ele que preferia o Mercedes…) e de “fascista vermelho”, conforme o insulto telefônico do cantor Yves Montand, um recém-dissidente do Partido Comunista Francês.
Mas Ferré estava acima desses e de outros maniqueísmos. Segundo Pierre Bénichou, do Nouvel Observateur, era antipático, anarco-mediático, mal-humorado, apaixonado pelas feias, revoltado-oportunista, milionário, falso humanista, kitsch, em suma, um Poeta. Um poeta que afirmava “não sou violento na vida, sou violento nas palavras”. Para ele, o êxito tinha de ser conquistado ao inimigo, a consagração tinha de ser imposta aos sacanas, a oração era sempre acompanhada de uma ameaça. O “anarcriador”, como lhe chamou José Jorge Letria, era um ser polêmico, incatalogável e indomável, que exigia um preço baixo para os ingressos dos seus concertos e que declarava, provocatório: “Tenho dinheiro, é verdade. E então? Vou ter de descer à rua, para distribui-lo? Porque sou Anarquista?”. É também provocatoriamente que intitula uma sua canção “O Anarquista de Luxo”.
Nos anos 80, desaparece dos olhares públicos, auto-exila-se na Toscana (Itália), com a mulher e os filhos, na sua luxuosa propriedade de Castellina, na companhia de um piano e de um sintetizador. Daí em diante, todas as suas canções são mensagens de desespero, e escreve, naquele isolamento, belos e pungentes poemas. Aos 60 anos, Ferré é um homem doente e inconsolável, de luto por si próprio, pela sua violência, pela sua grande Revolução que nunca acontecerá. Os seus últimos álbuns são publicados entre 1985 e 1990.
Em 14 de Julho de 1993, morria, vitimado por um cancro nos intestinos, o homem que cantava “A mon enterrement”, onde dizia que no seu enterro “não queria ver mais ninguém senão mortos”. Uma vez, no palco, contou que havia recebido um telefonema, em que uma voz lhe disse: “Alô, sou a Morte, gosto bastante do que você faz”, ao que o cantor respondeu: “Eu também…”.
O poeta não tinha medo da morte, antes se sentia fascinado por ela: “Deve ser uma mulher extraordinária, a Morte. Pega-nos na não e seguimos com ela para qualquer lugar. Somos obrigados. E é precisamente esse ‘qualquer lugar’que me fascina e me faz com que não tenha medo da morte (…) Quero assistir à minha morte, o centésimo de segundo em que tudo oscila. Mas, de qualquer maneira, não compro ingresso”.


Hehehehe... Não sei por que, mas (me perdoem a falta de modéstia) me identifico demais com esse cara!!!! “Avec le coeur battant jusqu’à dernière battue”... Com o coração batendo até a última batida... Imagino Léo Ferré, como eu, gritando a plenos pulmões: “Gauches são vocês, meus caros!”... Hahahahaha
Aliás, tem uma música dele de que gosto muito, mas muito mesmo, chamada “Avec le temps”, onde ele fala das coisas e das pessoas que a gente um dia acreditou serem tão importantes em nossa vida mas que, parando para refletir um pouco, a gente vê que não passaram de meras ilusões... E das ilusões eu quero é distância agora...


Avec le temps
(Léo Ferré)

Avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
on oublie le visage et l'on oublie la voix
le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
l'autre qu'on devinait au détour d'un regard
entre les mots, entre les lignes et sous le fard
d'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
avec le temps tout s'évanouit

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'as un' de ces gueules
à la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
l'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
avec le temps, va, tout va bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
on oublie les passions et l'on oublie les voix
qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
et l'on se sent floué par les années perdues
alors vraiment
avec le temps on n'aime plus

26.11.06

E vou é embora pra Pasárgada antes que essa porra exploda de vez!!!!!!


Muito pouca coisa ou quase nada me comove atualmente... na boa. Portanto, senhores, não me venham falar de suas dores e de seus amores. Assim mesmo: com bastante eco pra que reverbere bem em seus ouvidos moucos. Dores eu tenho as minhas. Amores eu tive os meus. Cada um que carregue sua própria cruz e não venha encher o meu saco. E também não me venham falar das crianças famintas no mundo, dos flagelados das guerras, dos doentes nos leitos dos hospitais. Tampouco me convidem para uma marcha pela paz, pelo desarmamento, pela defesa do meio-ambiente ou o que quer que seja. Primeiro porque sou preguiçoso e sedentário pra cacete para me enfiar em qualquer tipo de marcha. Segundo porque estou realmente cagando para os problemas do mundo. Quando foi que eu me tornei esse poço de insensibilidade? Em que momento exato eu desisti da compaixão pelos meus irmãos? Difícil precisar. Deve ter sido numa tarde ou numa manhã dessas aí qualquer de pura frustração e tédio. Sei lá, porra! Não lembro nem o que comi no café da manhã de hoje. Vou lá lembrar quando foi que parei de ter solidariedade e compaixão para com as dores alheias? “Mas Ed, e o engajamento político de antes? E o perigo da destruição em massa? Do aquecimento global? Da dizimação dos povos pelas doenças e pragas? Da hecatombe nuclear?” Mas que se foda a hecatombe nuclear!!! Pouco me importa as bombas que os escrotos donos do mundo quiserem lançar um na cabeça do outro, se minha bomba interna foi ativada há tempos e sei lá quando ela vai explodir, caralho!!!! Pra mim o que vier a partir de agora é lucro. Ô Bandeira, arruma um cantinho aí pra mim em Pasárgada, valeu? Tô chegando, meu velho! Meus companheiros aqui não estão entendendo nada, coitados. E eu tô dando choque. Sou uma bomba de nêutrons ambulante. Se eu lhes ofusco a vista, senhores, coloquem-me em quarentena então, ora essa!!!!!


ALTA VOLTAGEM

Tudo plugado
Tudo me ardendo
Tá tudo assim queimando em mim
Como salva de fogos
(Adriana Calcanhoto)



Numa manhã cinza e inacabada
tudo ardeu em mim em segundos
E aquela presença absoluta
circulando em mim contínua
elétrica e indetectável
ricocheteando em minhas células
Como numa noite de São João
a vista turvou para o céu pontilhado
o cruzeiro de ponta a cabeça
inverteu a polaridade dos meus dias
e a festa acabou mais cedo...
Mas poeta cambaleante e fraco
ainda tentei em versos tímidos
seguir a procissão das horas restantes
visitando antigos altares
rememorando nos ex-votos
a carne trêmula e trigueira
que andava à mostra e nua
nos templos urbanos da luxúria
ora envolta em vapores de eucalipto
ora difusa pela fumaça e projetores...
Chegada a noite no entanto
não era mais uma metrópole a atravessar
mas a certeza do silêncio
da casa inabitada onde outrora
o tilintar de taças, o resvalar de corpos
davam a vã promessa de um longo caminho...
O copo d’água sobre o criado-mudo
repousa em prisma à meia-luz
antes de conduzir garganta abaixo
o milagre científico e único que
dissimula a contento essa ardência
sem contudo aniquilá-la...
De uma ponta a outra do meu corpo
em correntes de múltiplos ampères
assola-me paradoxal voltagem...
Só isolante achado da modernidade
protegerá incauto e ávido amante
a desafiar temerário e louco
a fulminância de minhas descargas.

(Edmilson BORRET – num dia qualquer de outubro de 2006)

25.11.06

Antônia e as dores do mundo me fuderam...


Sexta-feira à noite. Nada pra fazer. Globo, a soberana, impera. Segundo episódio de Antônia. Lá pelas tantas uma das personagens se pergunta: “Quando a gente espera que a pessoa seja o que ela não é, o erro é da pessoa ou a gente é que esperou errado?”.

Aí fode tudo. Toda essa marra que a gente vem tentando manter nos últimos dias parece desaparecer assim feito fumaça. Dá vontade de pedir arrego. Voltar atrás...

Cheguem mais perto, caros leitores... mais perto... mais perto ainda... um pouco mais... Tá um pouco escuro, mas se vocês firmarem bem a vista vão conseguir ver direitinho. Aí está, aí está: o que vocês estão vendo talvez não se repita por um bom tempo. O grande Ed, o altivo Ed, o sarcástico Ed, o revoltado Ed, o pedra de gelo Ed tá aqui... caído, doído, murrando as paredes de desespero e dor... Cheguem mais perto, senhoras e senhores! Deliciem-se com a cena! Que fique registrado em todos os anais que ele teve um momento de pedir penico!
Mas é só por hoje, ok? É só o efeito desencadeado por uma frase besta, num programa besta, dita por uma personagem besta, embalada por uma música mais besta ainda...

As Dores do Mundo

O teu olhar caiu no meu
A tua boca na minha se perdeu
Foi tudo lindo, tão lindo foi
Que eu nem me lembro o que veio depois

A tua voz dizendo amor
Foi tão bonito que o tempo até parou
De duas vidas uma se fez
E eu me senti
Nascendo outra vez

E eu vou esquecer de tudo
As dores do mundo
Não quero saber quem fui mas de quem sou
E vou esquecer de tudo
As dores do mundo
Só quero saber do seu
Do nosso amor

(Hyldon)



É isso aí. Considerem essa postagem apenas como um grande parênteses. Só o tempo necessário do Ed enxugar as lágrimas, lavar o rosto e retornar com força total. Daqui a pouco ele volta. Mais ácido que nunca, mais resoluto, mais decidido, mais endurecido, mais seguro de si...


Só queria saber pra quê que existem esses programinhas melosos na tv... na boa.

24.11.06

Aulinha nº 1: sobre prefixos



-falaê prof
- Fala aí, rapaz!
- td blz?
- Tudo na paz.
- ae fui lah no seu blog
- Verdade? E aí? O que achou?
- pow manero
- [emoticon de surpresa]
- mas tem umas parada lah q naum intendi mto naum, tipo akela parada da infelicidade e do prefixo
- Uhum
- vc tava querendo falar do amor neh naum?
- Mais ou menos... Quer dizer: sim e não
- mas como assim eh uma questão de prefixo?
- [emoticon de espanto]
- tipo assim esse tal de guimaraes eh professor de port tb neh?
- [emoticon de espanto] [emoticon de espanto] [emoticon de espanto]
- sei lah, me lembrei dakelas suas aulas chatas sobre prefixo, sufixo, radical, akelas paradas toda lah
- Poxa, rapaz! Legal que vc tenha lembrado. Ao menos algo ficou, né não?
- pode cre, mas ae akele papo sobre amor, vc deve sacar legaw sobre essa parada de amor neh naum?
- Saco não, rapaz.
- pow mas vc diz lah q vc ta apaixonado
- Tá, cara, eu digo. Mas e daí? Quem foi que disse que o fato de alguém estar apaixonado ou amando lhe confere sabedoria ou conhecimento de causa sobre o assunto AMOR?
- ??????????
- !!!!!!!!!!!!!
- rsrsrsrsrsrs vlw mas voltando a parado do prefixo...


E aqui encerro a transcrição dessa insólita conversa no MSN. Se eu continuasse, seria uma puta dupla sacanagem: com vocês, caros leitores, e com meu estimado e anônimo ex-aluno. Aliás, ex-aluno é foda, não? É igual ex-mulher, ex-marido, ex-caso, ex-qualquer porra... Quando a gente pensa que foi, volta. Parece aqueles filmes e suas múltiplas continuações: tem sempre a parte II, a revanche, sei lá mais o quê. Mas eu gosto muito dos meus ex-alunos, na boa. Meu Orkut e meu MSN estão repletos deles. Tem jeito não: professor uma vez, professor sempre. Quem foi rei não perde a majestade... hehehehe
Mas dessa conversa surgiu material para essa postagem. Espero que meu ex (tô falando do aluno, ok) leia isso aqui: vai me economizar algumas horas no MSN...

Com relação aos prefixos e a postagem à qual ele se referia, veio-me a idéia de discorrer um pouco mais sobre o tema que eu já havia decidido não mais abordar: o famigerado AMOR. De início, o que é um prefixo? O Aurélio diz o seguinte: "Sílaba(s) que antecede(m) a raiz de uma palavra, modificando-lhe o significado e formando palavra nova". Isso posto, vamos ao AMOR. Essa babaquice que nos assola de vez em quando decorre de dois prefixos que, invariavelmente, induzem qualquer pessoa menos avisada ao erro, a saber: os prefixos mal- e sub-. Toda e qualquer busca de entendimento (ou não entendimento) do AMOR advém da adição bizarra desses dois prefixos ao objeto dessa busca. Daí, teremos o surgimento das palavras “subentendido” e “mal-entendido” (emprego do hífen é papo pra outra aula, ok?) Pois é, tudo pode começar com os subentendidos, os joguinhos de sedução, as palavrinhas doces, o papo cerca-lourenço. Aí então, o indivíduo, pouco versado nessas questões mais metafóricas do que metalingüísticas, acaba por desestruturar seu próprio discurso interno. E , quando vê, já é tarde: mergulhou de cabeça nesse reino da palavra, do logos, do verbo – e o VERBO se faz CARNE. Mas então, ocorre também que o interlocutor seja não só um grande mestre no domínio do verbo e da carne, um grande sedutor, mas também versado em outra língua. Ou seja: o indivíduo achava que se falava uma única língua, mas havia uma segunda, anterior e mais presente em seu interlocutor. Não um substrato, mas a língua oficial mesmo. E é aí que entra o segundo prefixo. Quando o interlocutor vem e diz que tudo não passou de um grande mal-entendido. Resumindo: o que começou com lindos subentendidos resultou num insolúvel mal-entendido e o indivíduo apaixonado que se foda para tentar entender como ele se deixou levar por esse papo furado de AMOR. E agora eu pergunto: quem foi que disse que a Gramática está dissociada da vida real? Vejam aí como a Gramática pode explicar um amor não-correspondido, caros leitores!
E você, meu querido ex-aluno, aproveitou bem a aula?


Caralho! Sem querer, acho que essa aulinha serviu não só para ex-aluno como para ex-qualquer porra também...



Andrea Doria

Às vezes parecia que, de tanto acreditar
Em tudo que achávamos tão certo,
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais:
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços de vidro.
Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente,
Quase parecendo te ferir.
Não queria te ver assim -
Quero a tua força como era antes.
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada.
Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.
Eu sei - é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar,
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim.
Nada mais vai me ferir.
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui
E com a minha própria lei.
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais,
como sei que tens também...

(Renato Russo)

23.11.06

José revisited


E agora, José?
O fogo acabou

A noite pifou

E você não gozou

E agora, José?

Diante de seus olhos

desfilam em gritarias

algumas bichas em transe

enquanto outras

mais adiante

envaidecem cacetes suplicantes

E você ainda

tenta um negócio

em troca de sua boca

apinhada de murmúrios

com um pederasta

que na confusão

de luzes e faróis

desaparece deixando apenas

o cheiro do talco

E agora, José?

Cadê sua graça?

Seu jeans apertado

sua louca vontade

seu cinismo dosado

sua praça

sua pica de ouro

sua voz - e agora?

Em estado de

degradação pública

você espera, José

E se esconde de

policiais que investigam

seu corpo com olhos

de maledicências

Se você gritasse

Se você uivasse

Se você gemesse

Mas você não geme

Você é burro, José

De madrugada

sem ônibus que

o acolha e o leve

de volta à fantasia

do subúrbio imaculado

você caminha, José

Ora pisando em poças

de esperma despejado

ora esbarrando em

funcionários públicos

disfarçados pelo sono

você caminha, José

José, para onde?


(Edmilson BORRET)

22.11.06

... a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade...


Você me lê, eu sei. Leio você também, sabe. Por nos lermos, ficamos no silêncio. Coisa muita eu diria se pudesse. Verdades não ditas na cara é espinha de peixe. Na noite, por exemplo, vi o farol na sua janela. Duas vezes vi. Passei, cumprimentei, segui caminho. Esperava seu argonauta. Esperava eu sei. Mas mentiu ocupação. Como sempre. E esperou: em vão. Como sempre. Ainda bem que em cadeira. Em pé cansava. Mas acalma o peito. Achado o velo de ouro seu farol será visto na noite. Talvez. Ou talvez não. Acalma o peito. Sua mensagem em grito até chega à embarcação. O eco não vem porém. A sereia canta mais alto. E pouco adianta mensageiro mirim. Triste até é. O velo primeiro, você soube sempre. Rebelar-se agora? Tarde demais. Não tem a minha mesma fibra. Debelar-se melhor é: novo não seria em você. Pena você me dá! Mais que de mim. Ao menos eu sei ver: você nem... Me mente ocupação, se mente satisfação. Pena você me dá! Volto ao silêncio decidido há dias. Coisa pouca da coisa muita disse por ora. Farinha e miolo de pão também resolvem além do quê. E a espinha incomoda menos agora. Cuide-se você também. Beijos. (Beijos sim: me envergonho não.) Boa noite.

Rio, 22 de outubro de 2006, 0:30h.



Estão vendo aí? Passar da poesia para a prosa até que não é muito difícil, mas...

21.11.06

Quero ser Divina Scarpim!


Sim... mais do que John Malkovich, queria ser Divina Scarpim. E antes que o nêgo dela me olhe estranho e me entenda mal, apresso-me a me explicar. Lá naquele mesmo andar sete e meio, onde todas pessoas andam encurvadas, queria descobrir também uma tal porta que levasse direto à mente dela e onde pudesse permanecer por bem mais do que quinze minutos. Mergulhar fundo no universo (ou seria um buraco negro) dessa mulher que é a um tempo "professora, casada, mãe, que adora ler, rabiscadora em tempo livre, que odeia falta de educação, que não entende religião, chocólatra assumida", cervejeira das boas e com um domínio da palavra de fazer inveja a qualquer um...






UMA NOVA LICENÇA POÉTICA
a Divina Scarpim

licenciosamente poética
todas as adélias e clarices e hildas
acampam em seu ventre
e para o alento quando muito
chutam o pau na barraca
colhões em dor pela
puta que pariu santa
você inaugura é linguagem
e lendo-a menos que menino
me revejo homem e invejo
seu atavio de Afrodite
divina feita na escuma
do nosso corte atirado às vagas –
para o bem de toda humanidade...
sim, somos coxos sim
para muito além de todos os botticellis
de uma beleza que se nos brota
perante seu verbo de sina
de mulher desdobrável
por saber-se ser

(Edmilson BORRET – 21 de novembro de 2006)

De punheteiro a Dama das Camélias... Caráio, véio! Que viagem!... Ou será "Que viadagem" ???!!!!


Puta que pariu!Parece que apenas um dia sem blogar me fez perder a facilidade de escrever. Ou de começar, pelo menos. Vocês podem até não acreditar, caros leitores atônitos, mas tenho tantas coisas para partilhar. Não riam: é sério. Digo isso do fundo d’alma. O foda é que às vezes nem sei por onde começar. Mas uma coisa é certa: tenho de parar de tocar punheta por um tempo: vou escrever um livro. Não importa o título, não importa a qualidade, a temática ou o enredo muito intricado. Escrever uma coisa má, só para variar. Tenho que usar as mãos para algo mais produtivo, além do quotidiano e religioso “cinco contra um”. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo: isso está claro... hehehehe.. Mas é sério: se não escrevo por muito tempo, é como se algo me comprimisse o meu lobo frontal quase ao extremo e uma dor daí se irradiasse para todos os meus músculos, a espasmos. É como se as idéias desordenadas ficassem bombardeando meu cérebro, ricocheteando nas paredes do crânio. Aí, quando eu começo a escrever, parece que os pensamentos se alinham e o meu corpo se acalma – os músculos retesados retornam ao repouso inicial. Só que muitas vezes eu não tenho a mais mínima idéia de onde tudo isso vai dar. Não raro, acabo enveredando por caminhos totalmente diferentes daquele que eu havia pensado tomar no início. Mas foda-se! Pelo menos eu escrevi. E a dor passou. Adio assim o estado de choque pós-convulsão.
Por falar em convulsão, lembrei-me agora das minhas febres de quando tísico (olha aí o que eu falava há pouco sobre as idéias fugidias!). Tem umas almas por aí que odeiam quando digo que sou (ou melhor... fui) um tísico. Hoje em dia acredita-se que toda a gente é saudável, até que se prove o contrário. Desde há muito tempo, aboliu-se o uso de expressões como "fulano é um leproso ou morfético" ou "beltrano é tísico" por ser ofensivo aos portadores da lepra e tuberculose, respectivamente. Mas num tempo anterior a essa nova mentalidade “politicamente correta”, ser tísico era sinal de doença grave. Como o é hoje em dia ter câncer ou Aids. Eu, particularmente, sempre achei essa história de ser tísico não um sinal de maldição, mas um sinônimo de beleza. Sei lá, algo assim meio Dama das Camélias, meio poeta romântico, meio Manuel Bandeira. Por mais que racionalmente eu soubesse que aqueles “numerosos bacilos álcool-ácido resistentes” a corroer meu pulmão esquerdo poderiam me levar à morte (e quase o fizeram), mas sempre dentro desse meu ideal estético-fantasioso-patético-imaginário, nas minhas noites de sudorese, febre alta, delírios e hemoptises eu me via assim meio que envolto numa certa aura de poesia e beleza... “Quero morrer em beleza”: lembrava sempre desse verso dum poema do António Botto já postado aqui nesse blog.
Mas não morri. E a beleza foi-se. Por isso continuo me dizendo tísico. Tentativa de disfarçar minha feiúra atual. Puta merda! Nem pra Marguerite Gautier eu sirvo nessa minha vidinha de bosta... Tá bom. Admito. Essa história de Marguerite Gautier é meio coisa de viado. Fiquemos então com o arremedo de Bandeira, ok?


DIAGNÓSTICO

Ai essa febre
essa dor no peito
essa falta de ar
esse amargor na boca
essa vontade de chorar
essa tristeza sem fim
- É grave, doutor?
- Tens o pulmão esquerdo
perfurado
morto
necrosado.
- E o coração, doutor,
o coração, o coração?...
- Ir-re-me-di-a-vel-men-te
perdido, meu rapaz...
Também
quem mandou abusar?
Quem mandou
não lhe saber os limites?

Quem mandou amar tanto?


(Edmilson BORRET – Setembro de 2006)

19.11.06

Sou Macabéa


MACABÉA: Glória, você me arruma uma aspirina?
GLÓRIA: Por que é que você me pede tanta aspirina? Não estou reclamando, mas isso custa dinheiro.
MACABÉA: É para eu não me doer.
GLÓRIA: Como é que é? Hein? Você se dói?
MACABÉA: Eu me dôo o tempo todo.
GLÓRIA: Aonde?
MACABÉA: Dentro. Não sei explicar.

(A hora da estrela, Clarice Lispector)








"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem peso da palavra nunca dita, prestes a quem sabe ser dita. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o peso da solidão no meio dos outros."
(Clarice Lispector)

Virtualidades...


“A meu ver, toda a fragilidade das relações virtuais, ainda que cheias de declarações e juras de amor, se deve à facilidade que as pessoas têm de ser quem não são, ou quem gostariam de ser, mas não têm coragem nem se consideram capazes para tanto...
Daí, as palavras são digitadas, mas não têm alma. Os sentimentos são descritos, mas não têm profundidade. Os encontros são idealizados, mas não têm força de realização, não têm disponibilidade suficiente para acontecerem... porque estão, sobretudo, impossibilitados pelo medo da rejeição, pelos exageros cometidos sem noção, pelas condições reais ignoradas em nome de desejos fugazes e proibidos...
E assim, quem está do outro lado, mergulhado até o pescoço nesta fantasia, fica sem entender... Perguntando-se o que foi que houve, o que deu errado, o que poderia ter sido, vivido, sentido, compartilhado... sem nunca realmente ter ouvido sequer a respiração ofegante do outro em busca de um amor que pudesse ser real.”

(Rosana Braga)



Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,
serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada

(Vinícius de Morais)

"Infelicidade é uma questão de prefixo." (Guimarães Rosa)


O amor não é algo que te faz sair do chão e te transporta para lugares que nunca vistes.
Isso se chama avião.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que te faz perder a respiração e a fala.
Isso se chama bronquite asmática.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que chega de repente e te transforma em refém.
Isso se chama seqüestrador.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que voa alto no céu e deixa sua marca por onde passa.
Isso se chama pombo com caganeira.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que tu podes prender ou botar pra fora de casa quando bem entender.
Isso se chama cachorro.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que escondes dentro de ti e não mostras para ninguém.
Isso se chama vibrador tailandês de três velocidades.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que lançou uma luz sobre ti, te levou pra ver estrelas e te trouxe de volta com algo dele dentro de ti.
Isso se chama alienígena.
O amor é outra coisa.

O amor não é uma coisa que desapareceu e que, se encontrado, poderia mudar o que está diante de ti.
Isso se chama controle remoto de TV.
O amor é outra coisa.

(Quando eu souber a autoria, eu posto aqui.... Valeu, Divina, pelo texto!!!)


Isto posto...



Para avião... bateria anti-aérea.

Para bronquite asmática... simpatia da vovó ou arrancar o pulmão.

Para seqüestrador... Divisão Anti-Seqüestro e porrada no filho da puta.

Para pombo com caganeira... espingarda de chumbinho.

Para cachorro... coleira, focinheira e enforcador.

Para vibrador tailandês com três velocidades... enfiar no cu do próximo filho da puta que te disser "eu te amo".

Para alienígena... Homens de Preto.

Para controle remoto de TV... lançá-lo na parede ou retirar-lhe as pilhas.

Pronto!! Prontinho... Tudo resolvido!!! Seja qual for a faceta do puto, há sempre uma meneira de botar o cabra pra correr...E não me venham mais falar dessa babaquice toda sobre o amor, ok?

18.11.06

Os dias eram assim...

Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor, melhores na dor
Melhores em tudo
Vivemos esperando
O dia em que seremos para sempre
Vivemos esperando
Dias melhores para sempre

(Rogério Flausino)





PAX DOMINI

Na matemática das paixões
subtraiu-se-me
o ardor de há tempos
Restou-me o torpor
das tardes cinzentas
A vida através
das páginas
e das vidraças
A calmaria
A espera
A expressão serena
e madura
E essa estranha
sensação de
estar perdendo
o melhor dos meus dias

Viver é perigoso !

(Edmilson BORRET)

Não serei o poeta de um mundo caduco...


E também não cantarei porríssima de mundo futuro nenhum. Nem tenho bola de cristal, cacete!!! Quando muito desafinarei algumas notas a esse velho mundo presente, podre antes do tempo, estagnado como a água das poças das ruas desse subúrbio imundo. Quem quiser levianamente vaticinar alguma luz no fim do túnel, que o faça, mas não conte comigo... Infelizmente, ainda estou preso à vida e olho bestificado meus companheiros. Estão taciturnos e burros, mas ainda nutrem grandes esperanças, coitados !!! Guardam até dinheiro em caderneta os infelizes... Acumulam-se de provisões para uma momento que não sabem qual, mas que lhes disseram que viria... São formiguinhas de la Fontaine a escarnecer a cigarra desafinada aqui... Entre eles, considero a enorme obtusidade, a perversa bondade e repudio sua caridade de sacolinha de igreja... Não nos afastemos muito, seus nojentos !!! Quero tê-los ao alcance da minha mão na hora do soco... Seus hipócritas de merda !!! Vamos de mãos dadas... e sujas !!! Distribuiria, de bom grado, entorpecentes e cartas de suicida... Mas duvido muito que vocês os engoliriam, duvido muito que vocês as leriam...


GRANDEZAS & MISÉRIAS

Nada foi dito.
Pensa-se muito
mas nada é dito.
E teu futuro não espelha
grandeza nenhuma.
No meu coração
sei que a fábula é única.
O tempo passa
a história o enfrenta.
No fundo do meu coração
percebo a miséria de se estar.
No meu coração sei que nada foi dito.
No meu coração - e eu o tenho.
Tu bem sabes, Marília:
eu quase tenho um coração
maior que o mundo.

(Edmilson BORRET)

17.11.06

"Fica boazinha, minha dor..."

É assim algo que não sei dizer... Não é tristeza, nem melancolia... É como disse uma vez minha amiga Daia: é uma saudade difusa...
"Meu coração não quer deixar meu corpo descansar
E o teu desejo inverso é velho amigo
Já que o tenho sempre ao meu lado"

(Renato Russo)


Quer saber? Acho que estou precisando tirar férias de mim...


16.11.06

Quatro poetas diante da dor... Apatia ou estoicismo ?


Apatia provém do grego clássico apatheia.
Páthos em grego, significa "tudo aquilo que afeta o corpo ou a alma" e tanto quer dizer dor, sofrimento, doença, como o estado da alma diante de circunstâncias exteriores capazes de produzir emoções agradáveis ou desagradáveis, paixões. Assim, apatheia tanto pode significar ausência de doença, de lesão orgânica, como ausência de paixão, de emoções.
O termo apatheia foi usado por Aristóteles (384-322 a.C.) no sentido de impassibilidade, insensibilidade, e, a seguir, incorporado pela escola filosófica fundada por Zenon (335-263 a.C.), denominada estoicismo, para expressar um estado de espírito ideal a ser alcançado pelo homem durante a sua existência.
Segundo o estoicismo, o sofrimento decorre das reações despertadas no ser humano por quatro classes de emoções: a dor, o medo, o desejo e o prazer.
“Muitos temores nascem do cansaço e da solidão” (Desideratha)
“Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor” (Buda)

(Apud Renato Russo)

O ideal do estóico é alcançar a apatheia, ou seja, a natural aceitação dos acontecimentos, uma atitude passiva diante da dor e do prazer, a abolição das reações emotivas, a ausência de paixões de qualquer natureza.

Quatro poetas expressam sua atitude diante da dor. Ensaiam domá-la, educá-la, acarinhá-la, iludi-la, ignorá-la ou simplesmente edulcorá-la. Meu amigo de Orkut, Paulino Vergetti, dela escarneceu e agigantou-se. Baudelaire trouxe-a ao colo. António Botto dela maquiou-se e fez-se ainda mais belo. E o poeta menor que aqui vos fala dela fez sua cama.



Independo-me

Educar minha dor faz-me homem
por saber toda a sombra que me amedronta
tirando-me o fôlego,
jogando-me contra os penedos da dor.
Faço o que quero ser
sem medo ou com medo
mas a tudo ser.
Para ser igual a mim,
basta ser assim
encorajado,
dado,
refletido.
O mundo há de aprender comigo
a viver, a amar, a mentir...
a ser doutros mundos.

(Paulino Vergetti)


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Recueillement

Sois sage, ô ma Douleur, et tiens-toi plus tranquille.
Tu réclamais le Soir; il descend; le voici :
Une atmosphère obscure enveloppe la ville,
Aux uns portant la paix, aux autres le souci.

Pendant que des mortels la multitude vile,
Sous le fouet du Plaisir, ce bourreau sans merci,
Va cueillir des remords dans la fête servile,
Ma Douleur, donne-moi la main; viens par ici,

Loin d'eux. Vois se pencher les défuntes Années,
Sur les balcons du ciel, en robes surannées;
Surgir du fond des eaux le Regret souriant;

Le Soleil moribond s'endormir sous une arche,
Et, comme un long linceul traînant à l'Orient,
Entends, ma chère, entends la douce Nuit qui marche.

(Charles Baudelaire)


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A fatalidade,
Várias vezes,
No meu caminho aparece;
Mas,
Não consegue perturbar
A minha serenidade.

Somente,
No meu olhar,
Poisa e fica mais tristeza.
Não me revolto,
Nem desespero.

- Quero morrer em beleza.

(António Botto)


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CONFISSÃO

Deixo às feminis fraquezas
e aos corações traídos
a patética atitude
de morrer de amor.
Na disputa impiedosa
entre vida e morte
meu amor vai passar ileso
e vai buscar no espaço mesmo
do sonho e da ausência
a matéria com que tecer
seu corpo junto ao meu.

(Edmilson BORRET)



Ninguém me expulsou do paraíso
Eu simplesmente decidi ir embora...
Por que às vezes escolhemos o que não queremos e o Destino lava as mãos.

"Se eu pudesse, eu o faria..."


Bad
U2

If you twist and turn away
If you tear yourself in two again
If I could, yes I would
If I could, I would
Let it go
Surrender
Dislocate

If I could throw this
Lifeless lifeline to the wind
Leave this heart of clay
See you walk, walk away
Into the night
And through the rain
Into the half-light
And through the flame

If I could through myself
Set your spirit free
I'd lead your heart away
See you break, break away
Into the light
And to the day

To let it go
And so to fade away
To let it go
And so fade away

I'm wide awake
I'm wide awake
Wide awake
I'm not sleeping
Oh, no, no, no

If you should ask then maybe they'd
Tell you what I would say
True colors fly in blue and black
Bruised silken sky and burning flag
Colours crash, collide in blood shot eyes

If I could, you know I would
If I could, I would
Let it go...

This desperation
Dislocation
Separation
Condemnation
Revelation
In temptation
Isolation
Desolation
Let it go

And so fade away
To let it go
And so fade away
To let it go
And so to fade away

I'm wide awake
I'm wide awake
Wide awake
I'm not sleeping
Oh, no, no, no

15.11.06

Fumando espero...


"Junto a La cieguita, cuja fama se verifica na versão de Gardel e da qual não se têm muitas gravações, Fumando espero é, com certeza, o tango mais famoso composto na Espanha. Foi escrito para uma peça teatral, a revista La nueva España, que estreou em Barcelona, no teatro Victoria em 1923. Foi levada para a Argentina e Firpo o gravou em versão instrumental.
O tango foi gravado pela primeira vez em 1926 pela cupletista Ramoncita Rovira, por Rosita Quiroga e Ignacio Corsini em 1927, e então foram feitas diversas excelentes versões. Entre as mais famosas estão as de Argentino Ledesma com Hector Varela em 1955. Em 1956, com Di Sarli; Libertad Lamarque com Victor Buchino e Carlos Dante com Alfredo De Angelis. A atriz Sarita Montiel tornou-a imortal no cinema, no filme “El último cuplé”, de 1957.
Viladomat nasceu em Manlleu (Barcelona) em 8 de fevereiro de 1885. Primeiramente aderiu à pintura, mas depois aprenderia música em sua estada no seminário de Vich. Em 1899 já é flautista na banda de sua cidade e, já em Barcelona, faz concurso para o conservatório do Liceo (1906).
Em 1910 abre uma academia, que edita suas próprias obras musicais. Durante a época de esplendor do fox-trot, Viladomat compôs continuamente, sendo suas obras interpretadas pelas cantoras mais famosas, como Raquel Meller, Mercedes Serós, Pilar Alonso, Elvira de Amaya, Amalia Molina, Adelita Lulú, Consuelo Hidalgo, Eugenia Roca, etc. Algumas canções: Al sena, Carrer avall, Catalunya plora, El beso, El pintor cubista, El primer tango, El regreso, El 6 d’octubre, El vestir d’en Pasqual, Empordá lliure, Hoy, Julieta (tango), L’orfaneta, La canción de Margot, La catalanista, La expulsada, La golondrina, La mesonera, La puntaire, La sardana republicana, La Verónica, Niní, Palabritas amorosas, Porque era negro, Una mujer, Ven a mi país, Zenga (tango).
Viladomat atingiu o triunfo em vida mas também teve tempo de assistir à decadência dos gêneros que lhe deram fama. Depois da guerra civil espanhola, os teatros de variedades começaram a decair ante o crescente vigor da comédia americana, a canção folclórica ou o esporte. Juan Viladomat i Massanes as acompanhou em seu óbito. Em 29 de dezembro de 1940, morria em Barcelona sem que sua ainda recente fama alimentasse nenhuma crônica jornalística. A guerra tinha feito passar a segundo plano tudo que não fossem suas sinistras conseqüências."

Javier Barreiro (Publicado na Revista Club de Tango – maio de 1994 – trad. RM)


FUMANDO ESPERO
Música: Juan Viladomat Masanas & Felix Garzó
Letra: Juan Viladomat Masanas

Fumar es un placer, genial, sensual…
Fumando espero a la que tanto quiero
tras los cristales de alegres ventanales
y mientras fumo mi vida no consumo,
porque flotando el humo me suelo adormecer.

Tendido en el sofa, soñar y amar
ver a mi amada feliz y enamorada
sentir sus labios besar con besos sabios
y el devaneo sentir con mas deseos
cuando sus ojos veo sedientos de pasión.

Por eso estando mi bien
es mi fumar un eden,
dame el humo de tu boca
dame que en mí, pasión provoca,
corre que quiero enloquecer de placer,
sintiendo ese calor del humo embriagador
que acaba por prender
la llama ardiente del amor.

14.11.06

Poeticamente violento. Instigantemente atroz. Sedutoramente repulsivo.


Transpondo Os 120 Dias de Sodoma, do Marquês de Sade, para os últimos dias da ditadura fascista italiana, Salò não podia deixar de ser um filme violento, atroz, repulsivo. Poeticamente violento. Instigantemente atroz. Sedutoramente repulsivo. O sexo é agora um castigo; uma introdução às torturas finais, de que são merecedores todos aqueles que mereceram uma referência no livrinho de apontamentos dos detentores do poder. O sexo além de ser a metáfora da relação sexual (obrigatória e pavorosa) que a tolerância do poder consumista nos faz viver nos dias de hoje, todo sexo que aparece em Salò (e do modo como aparece) é também a metáfora da relação de poder entre aqueles que a ele se submetem. Em outras palavras, é a representação (talvez onírica) daquilo que Marx define como a alienação do homem: a redução do corpo à coisa (através da exploração).
Salò ou os 120 Dias de Sodoma, filmado em 1975, é o testemunho último – Pasolini é assassinado neste ano - da poética mais radical do cineasta.


E aqui, cabe citar uma declaração de Hilda Hist feita num depoimento ao Jornal da Tarde:

"No momento em que eu ou qualquer outro escritor resolve dizer-se, verbalizar o que pensa e sente, expressar-se diante do outro, para o outro, o leitor que pretende ler o que eu escrevo, então o escrever sofre uma transformação essencial. Uma transformação ética que leva ao político: a linguagem, a sintaxe passam a ser intrinsecamente atos políticos de não-pactuação com o que nos circunda e que tenta nos enredar com seu embuste, a sua mentira ardilosamente sedutora e bem armada"
(Hilda Hilst)

Entre a estética e a ética onde me coloco ???? Quer saber ? Calígula e Sade sempre me fascinaram... Bonito, mas bonito mesmo é o circo romano, é o sangue a encharcar o solo, o camarada urrando de dor, os soldados de pau duro com a cena e o povo nas arquibancadas aplaudindo, quase gozando...

Odeio gente certinha demais...


Sim... Odeio. Sabe aquele tipo de gente muito comportadinha, certinha, bom filho, boa filha, bom marido, boa esposa. Que vai à missa regularmente. Que sempre tira boas notas. Que não fala palavrão. Que mantém o quarto sempre arrumadinho, com cada coisa em seu devido lugar: nas gavetas, as meias enroladinhas de um lado, cuecas do outro, shorts e camisas ordenados por cores, tudo isso com uma linda e reluzente pedra de naftalina para dar o arremate final. Gente que parece estar sempre usando polvilho anti-séptico Granado entre os dedos dos pés. Que sempre foi motivo de orgulho pra pai, mãe, pra toda a família e vizinhança. Que não enfia o pé na jaca. Que não transgride. Que faz sexo comportadinho, com horário marcado, com cartão-de-ponto ("Agora ainda não, meu bem, não estou preparado[a]. Venha outra hora."). Se rapazes, o cabelinho arrumadinho, alinhadinho, divididinho e penteadinho para o lado; se moças, as perninhas sempre cruzadinhas ao sentar. E os dentes, meu Deus !! Religiosamente escovados 4 vezes ao dia... Sei lá. Essas pessoas não me parecem reais: parecem arremedo de gente. Saídas diretamente de um comercial de sabão-em-pó ou de creme dental. Causa-me ânsias de vômitos gente assim...
Caríssimos leitores, DESCONFIEM SEMPRE DAS PESSOAS MUITO CERTINHAS !!! Hitler sempre foi um exemplo de bom rapaz... hehehehehe
É tipo assim: entre um Kaká sem sal, bom moço e comportadinho e um Edmundo animal, brigão e arruaceiro, acho que vou optar sempre pelo bad-boy... na boa. Essa gente muito certinha, muito boazinha, muito "inha" em tudo, parece não ter sangue nas veias. Parece não saber o que é chorar de verdade. Parece não saber o que é gargalhar de verdade. É assim como dizia o Cazuza, saca ? Parece "que já nascem com cara de abortadas", parece um ser errante que "vê a luz, mas não ilumina suas minicertezas, vive contando dinheiro e não muda quando é lua cheia", parece que "não sabe amar e fica esperando alguém que caiba no seu sonho"... Eu hein !!!!

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

O mundo gira, a roda gira, a pomba-gira...


Umbigo com piercing é muito bonitinho, é sensual demais, é um tesão, é uma gracinha mesmo. Mas onde está escrito que o mundo deva girar em torno dele ??? Olha a vertigem ! Olha a vertigem ! Hehehehehe... Labirintite pouca é bobagem para aqueles que estão se achando, não? Olha a roda-via !!! Olha a roda-viva !!! Né não, Chico ?

Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração



Olha o moinho a girar !!! Olha o moinho a girar !!!! Né não, Cartola ?

Ouça-me bem amor,
preste atenção, o mundo é um moinho,
vai triturar teus sonhos tão mesquinhos,
vai reduzir as ilusões à pó.

Presta atenção querida,
de cada amor tu herdarás só o cinismo,
quando notares estás a beira do abismo,
abismo que cavastes com teus pés.



Olha a roda da Fortuna !!!! Olha a roda da Fortuna !!! Né não, Carl ?

O Fortuna
velut luna
statu variabilis,
semper crescis
aut decrescis;
vita detestabilis
nunc obdurat
et tunc curat
ludo mentis aciem,
egestatem,
potestatem
dissolvit ut glaciem.

Sors immanis
et inanis,
rota tu volubilis,
status malus,
vana salus
semper dissolubilis...


E assim, meus caros, caminha a humanidade... Tonta, tonta, tonta...

13.11.06

Miriam, eu te aaaaaaaaamo !!!!!!!!!!!!


O revoltadinho aqui estava cheio de idéias revoltadinhas para postar aqui hoje. O Instituto Butantã ia ter que fazer hora-extra para produzir o soro anti-ofídico necessário... Mas aí, de uma hora pra outra, fui desarmado. Há poucas horas atrás, bati um longo papo com minha amiga Miriam no MSN. Meu Deus ! Que poder essa mulher tem de me acalmar !!!!! Suas tiradas fantásticas, seu humor inigualável, sua autenticidade, sua postura cool diante dos fatos da vida, tudo isso me transmite uma sensação de bem-estar que não sei explicar. Nunca nos vimos: conheci Miriam de há pouco. Ela chegou de mansinho lá na "Ame e dê vexame" e foi se instalando, nos cativando a todos... linda, linda, linda !!!! Temos uma sintonia legal. Trocamos assunto dos mais variados, literatura e música sobretudo. Mas também falamos da vida real. De amores e temores... Hoje ela me enviou uma poesia da Adélia Prado que é a cara dela e que reproduzo a seguir:

Casamento
(Adélia Prado)

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


E me falou mais coisas bonitas também. Para esse meu momento de luto amoroso, de exílio do imaginário (isso é Barthes, tá?), ela me enviou os versos de uma música do Chico, que dizem assim: "mesmo sendo errados os amantes, seus amores serão bons". Reproduzo também essa letra do Chico. Acho que vale a pena.

Choro Bandido
(Chico Buarque)

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão

E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons


Pois é, minha amiga. Nós podemos ver na escuridão. O romance até foi falso, o amante até foi errado, mas o meu amor foi tão bom !!!! O meu amor foi cego ???? Talvez. "O amor é cego, Ray Charles é cego, Steve Wonder é cego e o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem". Pena que do outro lado os olhos estavam abertos demais. Ou então, era só um aprendiz de poeta a tatear na escuridão...
Sinto decepcioná-los hoje, caros leitores. Hoje não tem revolta não. Deixarei para rasgar o verbo outra hora, ok? Hoje só vim aqui pra incensar essa linda amiga. Assim ela se descreve em seu perfil no Orkut, citando Clarice Lispector:

Tenho várias caras.
Uma é quase bonita, outra é quase feia.
Sou um o quê? Um quase tudo.

E como nasci?
Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem.
Felizmente nasci mulher.

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.



Miriam, eu te aaaaaaaaamo !!!!!!!!!!
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