Seguidores

26.2.07

O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não... A insustentável leveza do ser...


Foi esse meu amigo de nome diferente na foto aí em cima que me fez revisitar A Insustentável Leveza do Ser, título maravilhosa e paradoxalmente imaginado por Milan Kundera. Daniel Sulzbach Szmidt é professor também, leciona História, Geografia e Ensino Religioso lá em Campo Bom/Estrela, na rede estadual do Rio Grande do Sul. Em nossas conversas no MSN, falamos de tudo um pouco: vamos dos papos de putaria típicos dos homens, sobre bunda de mulher e conquistas sexuais às digressões sobre filosofia, Romantismo, medievalismo, poesia, música, etc. Foi ele que me mostrou o poema do Edgar Allan Poe, “Alone”, que postei há algum tempo aqui neste blog. A partir de sua paixão por Kundera, resolvi reler esse romance.

Aplaudido por uns, criticado por outros, A Insustentável Leveza do Ser parece pairar entre o romance filosófico e a mais açucarada narrativa amorosa: retrato de uma época e relato tipicamente ficcional. Mas, acima de tudo, este é um livro que mostra, de maneira ímpar e realista, a dimensão desse misterioso terreno que é o amor.
Um cirurgião tcheco, divorciado, vive envolvido naquilo a que dá o nome de “amizades eróticas”. Conhece Tereza, que trabalha num café, numa viagem que, por obra do acaso, tem que fazer à província. E se apaixonam.
Mas não é uma paixão comum (se é que existem paixões comuns). É antes uma mistura de sentimentos contraditórios, de dar sem saber o que pedir em troca, de infelicidades indefinidas, de vazios mentais cheios de nada, de uma estranha forma de amar traindo, de viver num limbo constante entre a felicidade desmesurada e o precipício.
Viajamos aos bastidores do romance, em que Kundera nos desconcerta e nos fala não como narrador, mas como escritor, não como entidade onisciente, mas como construtor de uma realidade que tem muito de auto-biográfica.
O ritmo da narrativa lembra um compasso marcado pelo peso da leveza introspectiva, e esse compasso parece ir do Andante ao Vivace, a marcação passando do binário ao quaternário, com momentos de “tempo forte”: cruzamos com a cadela de nome inspirado no romance de Tolstoi, imaginamos Sabina, a pintora e irresistível amante de Tomáz, ficamos curiosos por reler O Rei Édipo, nos espantamos com sonhos que pensávamos ser reais e com realidades que não pensávamos ser tangíveis. Refletimos não só sobre o acaso, mas também sobre a alma, a morte e o amor... o amor.
Percebemos um autor marcado pela mão pesada do comunismo soviético, um país (Tchecoslováquia) mergulhado numa profunda crise de identidade e, fundamentalmente, um povo fustigado pelo ódio à ditadura imposta.
Como eu disse há pouco, gostamos, ou não, de Milan Kundera e das suas asserções. Descobrimos que de complicado tem muito pouco, que escreve de maneira simples sobre coisas complexamente bonitas e que gosta de números, de dividir a sua obra de forma a (também) fazer dela um instrumento de análise para a ciência da Numerologia.





“O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis.
(...)

Não se pode, portanto, criticar o romance por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos (como o encontro de Vronski, Anna, a plataforma e a morte, ou como o encontro de Beethoven, Tomas, Tereza e o copo de conhaque), mas se pode, com razão, criticar o homem por ser cego a esses acasos, privando assim a vida da sua dimensão de beleza.”


(Milan Kundera, A insustentável leveza do ser)



Essa postagem é dedicada a você, meu caro amigo de nome diferente.

Aquele abraço!

Related Posts with Thumbnails