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14.2.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte II

(Autoria da Foto: Edmilson Borrret - 22/01/2011)


A postagem anterior suscitou, nos comentários, justamente as reações que eu já imaginava. Duas pessoas que tenho em alta estima, embora apresentando uma opinião diversa da minha, sustentaram suas argumentações baseadas num discurso muito bem articulado. Já outras (não só nos comentários, mas pelo Orkut ou mesmo por e-mail) nada mais fizeram do que repetir o proselitismo típico dos teístas. Houve quem tenha dito, por exemplo, que não existem ateus, que o homem sempre vai acreditar em alguma força que move o Universo. Bom, acreditar em alguma força que move o Universo não significa não ser ateu. Alguém aí precisa rever seus conceitos ou de força ou de ateu... Houve quem tenha dito também (e essa é uma argumentação que me faz mijar de rir) que minha convicção me torna tão crente ao contrariar um teísta que acaba se tornando a mesma coisa que esse teísta sente por seu deus. Só há uma pequena diferença entre a minha convicção e aquela dos teístas. A minha convicção parte de evidências, a dos teístas parte da fé cega. A questão é que teístas são apaixonadamente contra a evolução, e eu sou apaixonadamente a favor dela. Paixão por paixão, estamos no mesmo nível. E isso, para algumas pessoas, pode significar que somos igualmente fundamentalistas. O que não é verdade. Como bem observou Dawkins em seu Deus: um delírio, “quando dois pontos de vista contrários são manifestados com a mesma força, a verdade não está necessariamente no meio dos dois. É possível que um dos lados esteja simplesmente errado. E isso justifica a paixão do outro lado”.

“Os fundamentalistas sabem no que acreditam e sabem que nada vai mudar isso. A citação de Kurt Wise na página 366 diz tudo: "[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição". A diferença entre esse tipo de compromisso apaixonado com os fundamentos bíblicos e o compromisso igualmente apaixonado de um verdadeiro cientista com as evidências é tão grande que é impossível exagerá-la. O fundamentalista Kurt Wise declara que todas as evidências do universo não o fariam mudar de opinião. O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que "acredite" na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências. Como disse J. B. S. Haldane, quando questionado sobre que tipo de evidências poderia contradizer a evolução: "Fósseis de coelho no Pré-cambriano". Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: "Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista".”

(Richard dawkins, Deus: um delírio)


E aí vieram me perguntar por que insistir nessa batalha inglória de defender minhas ideias ateístas com unhas e dentes. Por que continuar dando murro em ponta de faca. Por que arriscar o nome em praça pública. Por que submeter-me aos olhares de soslaio, às desconfianças, aos cochichos ao passar. Por que fazer tanta questão de bradar a plenos pulmões NÃO ACREDITO EM DEUS.

Porque sim. Porque é necessário.

Durante muito tempo, os ateus sempre passaram por minoria pelo simples fato de que, normalmente, não se expõem, não se mostram, NÃO SE ASSUMEM. Só que, na minha opinião, isso é mais do que natural: para alguém que não acredita em deus, ir para a rua dizê-lo em voz alta faz aparentemente tanto sentido como andar por aí com um cartaz no peito onde se lê “Eu não acredito no Abominável Homem das Neves” ou “Os rios correm para o mar”. Para um ateu, não acreditar em deus é tão óbvio como não conseguir respirar debaixo de água. E é por isso que nós, ateus, temos andado desligados e isolados, ocupados com as nossas vidas e sem perder muito tempo explicando aos outros que coisas como deuses, unicórnios e gnomos PURA E SIMPLESMENTE NÃO EXISTEM. Mas também é por isso que passamos por uma minoria e que temos pouca expressão social.

O fato é que nós ateus não somos ingênuos como querem crer os teístas. Da mesma forma como não há provas da existência de deus (e, caso alguém afirme categoricamente que ele existe, o ônus da prova recai sobre quem afirmar), também não há provas de que ele "não existe" e nenhum ateísta se engajará em buscar as provas de uma "não existência", uma vez que não há meios de provar que algo não existe. Contudo, há meios sim de aceitar a existência de algo que comprovadamente existe. Portanto, para um ateu deixar de ser ateu bastaria que alguém provasse a existência de deus, coisa que os teístas em sua fé em deus ainda não foram capazes de provar... E aí? Qual o problema em ser ateu? Se para que deus exista basta que se creia nele, alguém que negue a necessidade de crer em deus não pode ser tomado como portador de uma fé cega... apenas alguém não preocupado com o que não faz falta.

Se bem que eu, cá comigo, acredito haver muito mais ateus nesse mundo do que os que se declaram como tal. O problema é que esses “enrustidos”, mesmo não acreditando em porra de deus nenhum, se cagam de medo de admitir isso até para si próprios. “Vai que o tal deus exista e me castigue por pensar diferente. Melhor eu continuar fingindo que acredito, por via das dúvidas.” Aliás, essa fé de que os teístas tanto se gabam, para mim nada mais é do que um cagaço sem tamanho. Temer e respeitar a deus, eis o que eles dizem. Temer e respeitar!!! Um dos leitores que comentou a postagem anterior deixa isso bem claro em suas palavras: “A infelicidade humana não é projeto divino...é fruto da nossa teimosia em viver longe dos sonhos de Deus, em insistir fazer as coisas do nosso jeito (...)Faz-se necessária uma inversão no modo de conceber e vivenciar a relação de Deus com o homem: levar a sério a absoluta primazia de Deus que nos criou e continua nos criando por amor, única e exclusivamente por amor.” Sei lá... pode ser que eu esteja enganado, mas, na minha parca opinião, amar alguém não deveria significar impor a esse alguém meus sonhos ou exercer sobre esse alguém minha primazia. Alguém aí também precisa rever seus conceitos sobre amor...

Existe aquele famoso grito de guerra dos ativistas que diz que o povo unido jamais será vencido. E a verdade é que o ateísmo tem sofrido algumas derrotas por não estar unido o suficiente, enquanto que os crentes (deístas, teístas e até politeístas) continuam a espalhar os seus credos e mitologias pelo nosso planeta. Se há coisa que todas as religiões têm em comum é o apelo à união e isso eles sabem fazer muito bem. E não podemos nos dar ao luxo de continuar perdendo terreno, não só por uma questão de bom senso mas sobretudo por uma questão de evolução.

Em pleno século XXI, vivemos num planeta onde pessoas matam pessoas por acreditarem em diferentes amigos imaginários; onde bilhões de dólares são jogados pelo ralo e desviados por cultos, crenças e credos; onde se subjugam, torturam e culpabilizam seres humanos em nome da fé; onde se negam evidências científicas básicas, como a teoria da evolução; onde se impede o estudo e o combate a doenças com a desculpa de dogmas; onde humanos escravizam humanos em nome de entidades mitológicas. Se você acha isto normal, talvez esteja na hora de recorrer a ajuda profissional.

A maioria das pessoas dirá: “Pois a culpa é da religião”. E isso é fato. Mas grande parte da culpa é também dos ateus.

Podemos até custar a admitir, mas perante o presente cenário mundial, um ateu calado é um ateu permissivo, que fecha os olhos à realidade e dá de ombros. Um ateu que não se manifesta, que não tenta contribuir para a mudança da maré e para a progressão da humanidade é um cúmplice no crime. É como tentar manter-se de costas para a vala comum da humanidade, na esperança de que ela desapareça.

Por isso, se ser ateu é ser alguém clarificado, então tem que ser também alguém com voz. Se ser ateu é ser alguém com um diferente nível de consciência, então é também ser alguém que contribui para a mudança.

E para mudarmos as coisas, não podemos continuar calados. Certo?

Certo.

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