Transpondo Os 120 Dias de Sodoma, do Marquês de Sade, para os últimos dias da ditadura fascista italiana, Salò não podia deixar de ser um filme violento, atroz, repulsivo. Poeticamente violento. Instigantemente atroz. Sedutoramente repulsivo. O sexo é agora um castigo; uma introdução às torturas finais, de que são merecedores todos aqueles que mereceram uma referência no livrinho de apontamentos dos detentores do poder. O sexo além de ser a metáfora da relação sexual (obrigatória e pavorosa) que a tolerância do poder consumista nos faz viver nos dias de hoje, todo sexo que aparece em Salò (e do modo como aparece) é também a metáfora da relação de poder entre aqueles que a ele se submetem. Em outras palavras, é a representação (talvez onírica) daquilo que Marx define como a alienação do homem: a redução do corpo à coisa (através da exploração).
Salò ou os 120 Dias de Sodoma, filmado em 1975, é o testemunho último – Pasolini é assassinado neste ano - da poética mais radical do cineasta.
E aqui, cabe citar uma declaração de Hilda Hist feita num depoimento ao Jornal da Tarde:
"No momento em que eu ou qualquer outro escritor resolve dizer-se, verbalizar o que pensa e sente, expressar-se diante do outro, para o outro, o leitor que pretende ler o que eu escrevo, então o escrever sofre uma transformação essencial. Uma transformação ética que leva ao político: a linguagem, a sintaxe passam a ser intrinsecamente atos políticos de não-pactuação com o que nos circunda e que tenta nos enredar com seu embuste, a sua mentira ardilosamente sedutora e bem armada"
(Hilda Hilst)
Entre a estética e a ética onde me coloco ???? Quer saber ? Calígula e Sade sempre me fascinaram... Bonito, mas bonito mesmo é o circo romano, é o sangue a encharcar o solo, o camarada urrando de dor, os soldados de pau duro com a cena e o povo nas arquibancadas aplaudindo, quase gozando...