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8.11.06

Poema em linha reta


Há alguns que me acusaram de copiar um pouco Fernando Pessoa, mais exatamente seu heterônimo Álvaro de Campos, nesse poema que postei logo aí abaixo ("O ocaso"). Será? Pode até ser... Álvaro de Campos sempre foi uma referência e tanto pra mim... Cara sangue-bom tava ali, na boa.
Esse poema está nas Ficções do interlúdio. Mas, embora atribuído ao Álvaro de Campos, essa desconfiança bastante radical, Fernando Pessoa é que a manifesta em relação aos outros, em relação ao que, em outro poema, em outro contexto ele chama “A sociedade organizada e vestida”, e em relação também a si mesmo, à sua vida e à sua percepção da realidade, essa desconfiança aparece em numerosas passagens no conjunto da obra. É um tema recorrente na obra de Fernando Pessoa.
O mesmo Álvaro de Campos, na “Tabacaria”, diz:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.


e, um pouco adiante, faz uma confissão terrível: “Falhei em tudo”. E mesmo Ricardo Reis adverte: “Nada fica de nada. Nada somos”, já envolvendo os outros também: começa por si, autocriticamente, mas se estende a um âmbito mais crítico, geral, mais abrangente.
Na obra ortônima, assinada pelo próprio Pessoa, também se pode ler igualmente:

Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu,
É hoje, sei, um lúgubre escaninho
De consciência sobre a morte e o céu.


A reflexão autocrítica está presente, portanto, ao longo de toda a obra, do conjunto dos escritos de Fernando Pessoa. E eu acho que o que há de novo e o que há de mais original, mais forte no “Poema em linha reta” é o desdobramento da autocrítica, não mais numa crítica ao outro, mas uma crítica à falta de autocrítica dos outros. Quer dizer, acho que se pode enxergar nesse poema a revolta de alguém que se mostra efetivamente capaz de se interpelar a respeito do seu lado noturno, digamos. Discorre sobre o que ela tem de mais problemático, mais doloroso e mais fracassado, sobre sua própria vileza, e vê essa sua franqueza, essa sua coragem resvalar na muralha hipócrita de um sistema que está alicerçado em uma enfática autovalorização artificial, por parte das pessoas em geral.
Mas vamos ao poema...

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



Mas, sinceramente, acho que meu poema tem mais a ver com o "Cântico Negro" de José Régio... na boa.

Língua solta? Eu? Magina !!!!!!!!!!


Pois é. Volta e meia sou acusado dessa coisa aí: a tal da língua solta... Sabem que até já pensei em providenciar um sutiã de língua!!! Será que existe? Se não, alguém há de se compadecer dessa alma perdida aqui e patentear tal invento. A esperança é a última que morre, amigos...
Mas, fala sério! Por que diabos dizem que tenho a porra da língua solta? Quer saber? Cada vez me convenço mais que o problema não é a minha língua solta, mas o ouvido preso de alguns... Aliás, não só o ouvido, mas os sentidos todos; e, algumas vezes, por que não, cu preso também... É isso: tem gente que tem cu preso. Medinho babaca de ouvir o que se nos mostra, o inegável. Susceptibilidade demais me irrita, saca? Obviamente que sei também que "quem fala o que quer, ouve o que não quer". Mas é isso aí: eu tô querendo é mais!!!! Venham para o embate, porra!!!! Mas não entra nessa de dizer que eu falo demais! Ah, me poupe! Tô legal desse papinho mais ou menos.
A propósito, houve algumas pessoas que se sentiram profundamente ofendidas recentemente só porque enviei uma mensagem automática no Orkut para todos os amigos da minha lista. Explico: como eleitor do Lula, eu nunca fui no Orkut de ninguém fazer campanha pra ele ou esculhambar o Alckimin. Mas a galerinha insistia em vir fazer piadinha contra o Lula na minha página, embora eu já tivesse pedido várias vezes que não o fizessem. Pois bem, quando da reeleição do Lula, enviei uma mensagem automática a todos os amigos, expressando todo meu escárnio e minha gutural gargalhada de vingança para aqueles que tinham me enviado as piadinhas. Só que, nessa mensagem, eu deixei bem claro que ela era endereçada a quem de direito, ou seja, aos que não me respeitaram quando lhes foi pedido. Não é que choveram mensagens em resposta, de alguns que se diziam altamente ofendidos pelo que eu enviei, dizendo-se inocentes e nunca tendo enviado as tais piadinhas pra mim... Mas, porra, será que essas pessoas não sabem ler???? Caralho! Eu deixei bem claro que a mensagem destinava-se aos piadistas, e só a eles. Eita povozinho difícil de entender a própria língua... (olha a língua aí de novo)
Doutra feita, me acusaram de frieza e crueldade quando da publicação desse poema aqui... Ai ai ai... Quer saber? Cansei...

O OCASO
“Par délicatesse, j’ai perdu ma vie.”
(Rimbaud)


Num átimo
despenquei do meu olimpo
e vim dar na terra dos rotos
esfarrapados e patéticos...
De besta que sou
acreditei na fagulha
que nos olhos de toda humanidade
me acenava
A desmedida fez de mim
o Prometeu desusadamente tolo
arrogante e néscio
Nesse sem-fim dos meus dias
a corroer-me cérebro e entranhas
Porra! estou farto da bondade alheia...
E cansei-me de mim
Cansei das repetidas
palavras de amizade
dos homens e mulheres de bem
Quero o vendaval
dos sentimentos torpes e imundos
Quero a poeira dos solos
a queimar-me a língua
Quero a podridão da carniça
a invadir-me as narinas
Sou todo os Riobaldos desse mundo
perdido em sua neblina jagunça
nesse sertão sem vereda
- Ai essa Minas me aniquila !
Não me falem
da beleza das relações
Muito menos da promessa de vida
na aurora dos dias
Não me prometam
amizade eterna
Não vertam suas lágrimas
em minha intenção
Deixem-me em paz, oh bonzinhos de merda!
Que eu quero ir
na direção contrária ao engodo
de seus olhos
de escárnio e piedade
Soltem-se as amarras
do meu barco infeliz e louco
Que eu quero partir desse cais
e ir ser menos que eu
no mar revolto
das garrafas de náufragos...
Antes a frieza das geleiras
dos mares do norte...
Antes as tentações
no deserto escaldante
de minha alma...
Antes as pernas abertas das putas
e o canivete oculto dos michês...
A assepsia do sorriso
e das mãos de todos vocês
me enoja
Causam-me ânsias
suas certezas medrosas
suas felicidades fingidas
seus amores de novela das oito
Oh corja vil de perdedores!
Saiam do meu caminho
Desimpeçam minha sarjeta
Não me estendam a mão
Não me dirijam a palavra
Que os esquecerei
com a mesma violência
com que todos vocês outrora,
em seu canto de sirena,
me levaram à perdição.

(Edmilson BORRET - Setembro/2006)

A propósito do título do blog


Eis aqui o poema que deu origem ao título desse blog. Escrito em 1987, já naquela época, aos 20 anos, o cara aqui era meio chegado a uma rebeldia. E se vocês pensam que esse traço do caráter arrefeceu com a idade, ledo engano, caros leitores... O que me faz continuar vivo é justamente esse meu espírito eternamente contestador... Bem, vamos ao poema então.




"Pares cum paribus congregantur"


Quando nasci
não nasci torto
nem feio.
Como bom leonino
saltei na vida
e pedi a palavra
— Gauches são vocês, meus caros!

Onomástico sete
cabra no chinês
elemento fogo
incomodo antes
por ideologia
depois por aparecer.

Que me juntem aos pares
que me apontem na rua
que me lancem maldição!...
mas não me peçam
moderação ou paciência.

Não serei menor que meu mundo,
meu tempo, minha boca.
E além do mais
acredito na possibilidade
de se recuperarem os povos.

Fujo do igual
e no diferente
me encontro com o igual.
Vão lá vocês entender isso!

(Edmilson BORRET - Abril/1987)
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