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1.4.07

Os silenciosos venenos nossos de cada dia


Na tradição oriental do budismo, há uma condição da natureza humana que poderíamos chamar de uma insustentável ternura. Esta ternura se expressa de dois modos: através do medo e/ou através da coragem. Quando se expressa pelo medo, manifesta-se através do que chamamos de três venenos: a ignorância (ou inércia); o apego (ou prostração); e a raiva (ou interferência).

Estes três venenos são a matéria da qual o medo é feito. Não necessariamente um medo repentino; mas o medo que pode vir a tornar-se algo normal, quase insuspeitável — por exemplo, os sentimentos que nos empurram em direção ao aborrecimento ou à curiosidade.

Então, o que chamamos de obscurecimentos do coração e dos sentimentos, as emoções negativas, existem como efeito destes três venenos. Quando estamos sob sua influência, ocorre o que os budistas chamam de samsara.

Realmente, estar no samsara é simplesmente interpretar esta profunda percepção do modo mais fácil e óbvio, primeiramente com inércia: não temos vontade de nos mexer, de encontrar outro modo de traduzi-la. Não reagimos e, quando nos acostumamos a isso, desenvolvemos uma prostração, que chamamos de apego. É confortável, nos acostumamos a ela, gostamos dela.

Cada vez que algo altera esse estado de coisas, cada vez que há um impulso ao movimento, à não-inércia, há um sentimento de interferência e nos tornamos defensivos. É assim que a maioria dos homens sofre no seu samsara particular.

Pode-se, no entanto, encontrar outro modo de se vivenciar essa insustentável ternura: no contexto da coragem. Trata-se de ter coragem para ir mais longe, para fazer uma interpretação muito mais profunda. Ousar buscar a insustentável ternura requer muita coragem.

A ternura existe nas profundezas de todos nós — mas é difícil pra cacete para nós vermos isso e preferimos interpretar essa ternura como um tipo de fragilidade, ou mesmo de vulnerabilidade.

Assim que sentimos esta vulnerabilidade, desenvolvemos todos os tipos de estratégia para nos proteger, adotando uma atitude defensiva que, não raro, pode se tornar ofensiva. Mas, mesmo neste caso, nas profundezas de cada pessoa, esta ternura estará sempre lá. Sem ela, ninguém pode ser defensivo nem ofensivo. Quando vemos alguém puto da vida, desapontado, triste ou raivoso, sabemos que nada mais há do que um mal-entendido, uma má interpretação dessa ternura. E então a pessoa opta pelo veneno... E pelo silêncio... E corre-se o risco de eliminar o problema errado.


“Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.”


“Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.”

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