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19.2.08

Queridos amigos... mais do mesmo?!



Cessei pois tudo que a antiga (e também, por que não, a moderníssima e cibernética) musa canta e resolvi fazer uma das minhas cada vez mais raras concessões à tevê aberta (não querendo com isso, de forma alguma - que fique claro - fazer equivaler esse ato à causa camoniana do valor mais alto que se alevanta). Mas é que as chamadas da dona Globo para a nova minissérie atiçaram minha curiosidade. Sobretudo porque o pano de fundo histórico para o desenrolar da trama é o final dos anos 80 que, como a própria autora, Maria Adelaide Amaral, diz em entrevista, é um momento importante da recente História do Brasil e do mundo por várias razões: a primeira eleição direta para presidente desde a eleição do Jânio, em 1960; o plano Collor; a inflação galopante de 50% ao mês e o desemprego de modo geral; a queda do Muro de Berlim em em 09 de novembro de 1989, etc.
E dentro desse "etc" aí, coloco também um pouco da minha história pessoal. Na época em que se passa a minissérie, eu ainda era estudante na UFF, militante no movimento estudantil como membro do Diretório Acadêmico. Movimento estudantil já bem aguado e nem de longe parecido com o que foi nos "anos de chumbo", é bem verdade. O máximo que fizemos foi invadir por uma semana a Delegacia Regional do MEC lá na Araújo Porto Alegre, no centro do Rio, para protestar contra o governo Sarney e a falta de repasse de verbas para as universidades federais. Foi a primeira vez (e espero que única) que enfrentei um policial ombro a ombro. Nossa! A gente se sentia o máximo (eu, pelo menos, me senti macho pra cacete). E se isso, nem mesmo guardadas as devidas proporções, não pode se comparar ao que foram os embates entre estudantes e policiais na década precedente, ao menos eu tenho alguma coisa para contar aos meus sobrinhos-netos na velhice: o Ed aqui participou de movimento estudantil sim, enfrentou polícia nas ruas sim... só teve o azar de ter nascido uns dez anos mais tarde, para que isso pudesse ser considerado uma glória... hehehehe

Mas, voltando à minissérie da Globo, algo me diz que teremos aí uma boa obra de ficcção na telinha: elenco de primeiríssima, texto ágil e enxuto, trilha sonora fantástica, trama bem elaborada.Depois de "Anos Rebeldes", o tema da ditadura volta ao horário das minisséries (para o desespero dos que acordam cedo). Esse tema, tão recorrente, vai estar presente nos flash-back dos personagens. Aliás, parecem ser a política e a ditadura os laços que unem a maior parte dos personagens da história (senão todos). "Mesmo aqueles que fazem crítica à luta armada, durante a ditadura ajudaram a esconder amigos, ou mobilizaram suas relações para resgatá-los da prisão ou órgãos da repressão, e/ou facilitaram partidas para o exílio. Léo [Dan Stulbach], o protagonista, cineasta e escritor, alinhado com pensamentos de vanguarda, é um exemplo de pessoa que deu esse tipo de retaguarda.", lembra a autora na mesma entrevista. "Mas os que estiveram mais diretamente envolvidos com a política são Ivan e Tito, jornalistas, ex-presos políticos; Pedro, autor de romances que denuncia os porões da ditadura militar; e Bia, presa e torturada no DOI-CODI. A política, portanto, impregna a vida da maior parte do grupo. Em 1989, os amigos estão, cada um à sua maneira, revendo ou reforçando conceitos, se confrontando com ilusões perdidas e vivendo a ressaca das Diretas." - continua ela.

Pois é, estou curiosíssimo para ver qual vai ser o desenrolar dessa minissérie. A Globo parece apostar mais uma vez no assunto "ditadura" em sua teledramaturgia (espécie de mea culpa, talvez?!). Tanto o é, que até um blog ela criou para divulgar a minissérie. É desse blog, aliás, que retirei essas informações sobre a obra e os trechos da entrevista com a Maria Adelaide Amaral. Entrevista essa cujo trecho final reproduzo aqui, por entendê-lo muito pertinentemente indo ao encontro da atual luta que estou travando, explicitada nas duas postagens anteriores:

Como é retratar hoje uma geração que foi tão engajada e refletiu tanto sobre o país e as relações humanas?

Maria Adelaide Amaral: Felizmente alguns setores da sociedade ainda pensam no coletivo, pois o que nos salva nos períodos difíceis são valores às vezes esquecidos como lealdade e fraternidade. Mas acho, sim, que houve uma grande mudança de mentalidade e de interesse pelo coletivo entre os anos 70 e os anos 80. O individualismo, a ganância explícita e desavergonhada, o chamado capitalismo selvagem ganhou força no Brasil, sobretudo a partir de meados da década de 80. Aquilo que era objeto de críticas nos anos 70 (a lei do Gerson – “o negócio é levar vantagem em tudo”) passou a ser um valor e uma condição para ascensão material. Acrescente-se a isso o empobrecimento da grade escolar e o colapso do ensino público, e o resultado é o desinteresse e a ignorância, às vezes voluntária, das pessoas. O que impede uma pessoa de classe média de ler mais e aprender mais? Uma das coisas que mais me impressiona é o reduzido número de passageiros lendo jornal ou qualquer outra coisa nas salas de espera dos aeroportos. Não sou especialista na matéria, mas é possível que a nossa geração tenha se envolvido mais em questões políticas e sociais porque o nível da educação (sobretudo nas escolas públicas) era melhor.

Todos os personagens da série, independente de seus campos específicos de atuação, lêem muito. Qual é a importância dos livros na sua vida e no seu trabalho?

Maria Adelaide Amaral: Os livros e os filmes são parte da minha nutrição. Desde cedo soube o valor de uma boa história, pois foram elas que me ajudaram a suportar os anos difíceis da minha infância e adolescência. Os livros, o cinema e o teatro e, depois, a televisão, permitiram me evadir do mundo real e ajudaram na minha formação. Então é nisso que eu penso toda vez que escrevo (para o teatro, romance ou para televisão): numa boa história, que envolva as pessoas, que as apaixone e lhes acrescente conhecimento.





Vou apostar. Acho que essa minha concessão à tevê aberta pode trazer boas e gratas surpresas... Entretanto, se eu achar que está caindo no "mais do mesmo" banalizado, controle remoto existe para quê, né mesmo?


14.2.08

No país do panis et circenses, até Bruna Surfistinha periga virar uma imortal - Parte II



E aí lembrei-me de dois poemas do Pessoa em que se exalta a felicidade que parece haver no "não-pensar". Dois poemas clássicos e bastante conhecidos para os que têm um mínimo conhecimento da boa literatura: "Ela canta, pobre ceifeira" e "Gato que brincas na rua".

"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

(...)

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !"


Mas eu gosto muito mesmo é do segundo...

"Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu."



Pois é. Parece que o grande barato da coisa é não pensar. É ser ignorante das coisas. São mais felizes, me parece, as pessoas ignorantes.

Por conta da última postagem, um bando acéfalos acorreu para defender a tal Bruna Surfistinha e suas maravilhosas publicações. Não se deram nem ao trabalho de ler o meu texto para verificar que a alusão à puta escritora (ou escritora puta, como queiram) foi mero pretexto para discorrer sobre algo muito mais sério... Mas é como eu disse: são felizes porque são ignorantes... Quisera eu não pensar como eles e, assim, reivindicar para mim também meu quinhão de felicidade. Porque a prova mais cabal de que o pensar é o mal que assola a humanidade é a felicidade que se vê nas crianças (que pensam menos e são mais alegres), nos ignorantes e parvos, nos animais, nos loucos, nas plantas, nos medíocres, etc. São felizes porque não pensam, não vivem querendo fazer ninguém pensar. São puramente instintivos. São cheios de felicidade. Infelizes mesmos somos nós, os literatos, os estetas, os filósofos e os gramáticos, que, não contendo nossa inveja da felicidade ignorante dos medíocres, achamos de lhes impor o pensamento. E para que serve essa coisa de pensar senão para complicar, dividir, desagregar e fazer dos homens os seres mais infelizes da criação? Por acaso alguém já viu um gafanhoto deprimido?... Ou um pé de alface? Ou um leitor de Bruna Surfistinha? Ou um espectador de Big Brother Brasil?...

E por falar em Big Brother Brasil, li um excelnte texto da Bia Abramo na Folha de São Paulo, em que ela discorre justamente sobre esse "temor de pertencer ao esquisito grupo dos que são de ler livro"... livro de verdade.


Pérolas, porcos e patetas

"Graças a Deus, nunca fui de ler livro." A frase, definitiva, é de uma das ilustres celebridades criadas no laboratório do "BBB", um tal de Fernando. É má política ficar indignado com aquilo que já sabemos não ser digno de atenção, mas, ainda assim, por vezes a estupidez dá tais sustos na gente que é difícil ficar impassível.
Neste caso, o mais intrigante não é, evidentemente, o fato de o moço não ser de "ler livros". A cultura escrita não goza lá de muito prestígio entre nós, brasileiros, falando de maneira bem genérica. Se consideramos o microcosmo do "BBB" - gente jovem, considerada bonita, com pendores exibicionistas, ambição de se tornar celebridade e propensa a ganhar dinheiro fácil - o índice deve tender a quase zero.
O mais revelador é o alívio com que ele se expressa, como a dizer: "Graças a Deus não fui amaldiçoado com essa estranhíssima vontade, esse gosto bizarro, esse defeito de caráter". Qual é, exatamente, a ameaça que se pensa haver nos livros, ficamos sem saber, mas o temor de pertencer ao esquisito grupo daqueles que "são de ler livro" fala por si só.
Por outro lado, é nesses momentos de espontaneidade real que o "BBB" tem algum interesse. Embora aqueles que chegaram ao programa não sejam, a rigor, representativos de nada, nessas brechas escapa o que vai na cabeça dessas moças e rapazes, de certa forma parecidos com os que estão do lado de fora.
O desprestígio do conhecimento letrado é marca funda da sociedade brasileira - e quando é formulado com tanta veemência e clareza, é preciso prestar atenção.


(BIA ABRAMO, Folha de São Paulo Ilustrada. São Paulo: 03 de fevereiro de 2008)



Quer saber? Depois de se tomar conhecimento da imbelicidade desse "brother" Fernando e de ler as besteiras e mediocridades nos comentários da postagem anterior, estou começando a achar que melhor mesmo é não pensar. Como já disse Alberto Caeiro (um dos heterônimos do Pessoa), "há metafísica bastante em não pensar em nada"... Deixemos que as bruninhas, as surfistinhas, as putinhas, as plantinhas e os gafanhotos esfreguem sua felicidade chocante nas nossas caras! Que eu, meus amigos, eu já estou cansando de tentar me desvencilhar de tanta mediocridade...


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


(Álvaro de Campos, in FERNANDO PESSOA. Obra poética completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987)
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