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28.5.11

'Os livro' do MEC nas visões magistrais do Wisnik e do Faraco


Os menino pega o peixe, nós pega os peixe, nós pega os livro por uma vida melhor... Tauba, probrema, rebocar, arredar (arreda daí, mininu!), coisar.... Ah, os falares da minha terra! Saudades das lições de Mattoso Câmara e daquelas do meu mestre Carlos Eduardo Falcão Uchôa na UFF!!... Saudades do 'barrer' que só a 'bassoura' de minha vó sabia o que era!!... Saudades do Arnesto que devia ter 'ponhado' um recado na porta!!... Como é bom poder ouvir alguns 'nóis vai' ou 'a gente vamus'... Como é bom saber que esse povo, esse povo matreiro e espontâneo, esse povo que tem sua gramática inata - do momento em que nasce (analfabeto como a mãe do presidente) até o momento mágico em que as primeiras palavras lhe saem da boca - como é bom saber que esse mesmo povo contribui para que a língua seja para sempre língua e não tratado... Como é bom saber que essa língua, daqui a alguns anos, terá (pela força desse mesmo povo) se espatifado, se estilhaçado, se transformado em muitas, terá sido levada nas asas de pássaros-falantes, terá polinizado e feito florir um jardim de possibilidades... Um jardim como aquele onde um dia se destacou a última flor do lácio, latim em pó... Esse povo nunca falou errado. Quiçá sejamos nós que nunca nos permitimos ouvir certo...

"e as gentes no seu
linguajar gostoso
espontâneo
prosivivendo paixões
da maneira
que as satisfaz."

(Edmilson Borret)


Dito isso, passo a palavra ao Wisnik e ao Faraco. Dois exemplos de sensatez em meio a tanta polêmica apedeuta.

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ANALFABETISMO FUNCIONAL
José Miguel Wisnik *

Não resisto a voltar à discussão sobre o livro de Heloísa Ramos, "Para uma vida melhor", oficializado pela chancela do MEC. Falei dele e da polêmica que ele despertou, na semana passada, mas os efeitos sintomáticos que o livro desencadeou ainda ficam ressoando demais. Talvez porque eu tenha sabido da notícia, revoltante em sua miudeza obscurantista, de que o deputado Átila Nunes, do PSL do Rio, apresentou projeto de lei para que se proíba a distribuição do livro nas escolas do estado. Suponho que esse Átila não vai conseguir esterilizar os caminhos por onde passa, como o rei dos hunos que lhe dá nome, mas a sua proposta é cheia de sinais reveladores. O artigo de José Sarney na "Folha de S. Paulo", invocando Fernando Pessoa em nome da unidade linguística da pátria, também não me fez bem.

O que dá às reações o seu caráter de sintoma de alguma outra coisa é a desproporção entre o que se lê em "Para uma vida melhor", dentro do seu contexto próprio, e as afirmações de que ele convida perigosamente ao abandono da concordância gramatical em nome de uma permissiva e perversa norma inculta a ser adotada generalizadamente. Como eu já disse aqui, o capítulo expõe com elegância procedimentos para se escrever com limpidez, justificando-os pela necessidade de fazê-lo em certos contextos. Extrai esses princípios de coesão, clareza e propriedade das necessidades do próprio texto que se escreve, balizados pela norma culta, sem tomá-la como a verdade universal que ela não é. Faz isso tão bem que acaba demonstrando na prática, em bom português, que a escrita segundo padrões decantados pela tradição, em seu estado atual e vivo, não deveria ter vergonha de se apresentar aos estudantes e professores como um instrumento modelar a ser adotado como tal. Afinal, há de ser por algum motivo forte, maior do que aqueles que ele mesmo apresenta, que o livro pratica o padrão linguístico que ele relativiza.

Este é o meu reparo filosófico e pedagógico, a meu ver de grandes consequências, a ser considerado pela autora e pelo MEC: aceitar-se a multiplicidade das falas como um substrato cultural democrático, sem preconceitos, sim, mas afirmar também a ampla validade, não meramente circunstancial, dos padrões decantados pela língua escrita como um repertório a ser atingido, praticado e renovado, pelo seu longo alcance.

Tudo isso que acabo de dizer faz parte de uma conversa esclarecida, sobre um trabalho pedagógico honesto, que teve o mérito, mesmo que não buscado, de tocar numa questão tabu. Já a extensão das reações escandalizadas adquire a dimensão do sintoma, a merecer uma psicanálise coletiva. Por que será que é tão insuportável que se admita com naturalidade as variantes linguísticas dos falares, e por que se teme com tanta ênfase que a menção desse fato nas escolas vá nos arrastar irremediavelmente para o pântano do caos linguístico?

Porque esse pântano patina sob os próprios pés de quem fala. Nesse sentido, o projeto de lei do deputado do PSL é um índice hilariante. O projeto pretende proibir "qualquer livro, didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à norma culta ou que viole de alguma forma o ensino correto da gramática de nosso idioma nacional". Querer que a literatura obedeça aos gramáticos oficiais, sob pena de retirada do mercado, só pode ser o delírio de quem tropeça na língua portuguesa a cada frase. É o que acontece no projeto de lei do deputado, que estende a sua justificativa a outros tipos de livro que "acabam fazendo apologia a questões criminais ou despertam precocemente o libido dos jovens, incentivando conceitos distorcidos da verdade social".

"Apologia a questões criminais"? O deputado não é forte em regência nem no apuro semântico dos termos. "O libido dos jovens"? Será que é isso mesmo que estou lendo? Se for, então esse Átila é um perigoso devastador da língua portuguesa.

O exemplo folclórico tem valor de sintoma, na sua caricatura. José Sarney, ao afirmar erradamente que se resolveu no Brasil "criminalizar quem fala corretamente", diz que "defender a língua é defender a pátria", acrescentando: "eis a origem da famosa frase de Fernando Pessoa: "A minha pátria é a língua portuguesa"". Mas Fernando Pessoa não está dizendo nessa frase do "Livro do desassossego", em tom sentencioso, que a língua está a serviço da defesa da pátria ("a língua portuguesa é a minha pátria"). Está invertendo esse raciocínio e dizendo que o seu compromisso de escritor é com a língua livre e criadora ("minha pátria é a língua portuguesa").

É o que se vê nos textos de Pessoa reunidos no livro "A língua portuguesa", onde começa dizendo abertamente que a palavra falada é democrática e segue os usos. "Se a maioria pronuncia mal uma palavra, temos que a pronunciar mal. Se a maioria usa de uma construção errada, da mesma construção teremos que usar." O maior poeta do século não está preconizando o erro, está constatando que a língua falada é um fenômeno de massa que segue suas próprias leis, independente de qualquer norma, e arrasta os falantes para os seus usos coletivos. Não muito diferente do livro distribuído pelo MEC. A palavra escrita, por outro lado, dizia Pessoa, impõe suas necessidades e tem as suas regras como lastro. O escritor está livre delas, porque faz com a língua o que quiser. O povo também está livre delas. O Estado, no entanto, através da escola, deve ensiná-las como algo que nos serve de baliza e adianto.

Não como uma prisão às regras. Para podermos estar mais livres delas.

* José Miguel Soares Wisnik é professor de Teoria Literária na USP.

FONTE: Jornal O Globo, de 28/05/2011


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POLÊMICA VAZIA
Carlos Alberto Faraco*

O desvelamento da nossa cara linguística tem incomodado profundamente certa intelectualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão.

Corre pela imprensa e pela internet uma polêmica sobre o livro didático Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático (do MEC) para escolas voltadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo seus críticos, o livro, ao abordar a variação linguística, estaria fazendo a apologia do “erro” de português e desvalorizando, assim, o domínio da chamada norma culta.

O tom geral é de escândalo. A polêmica, no entanto, não tem qualquer fundamento. Quem a iniciou e quem a está sustentando pelo lado do escândalo, leu o que não está escrito, está atirando a esmo, atingindo alvos errados e revelando sua espantosa ignorância sobre a história e a realidade social e linguística do Brasil.

Pior ainda: jornalistas respeitáveis e até mesmo um conhecido gramático manifestam indignação claramente apenas por ouvir dizer e não com base numa análise criteriosa do material. Não podemos senão lamentar essa irresponsável atitude de pessoas que têm a obrigação, ao ocupar o espaço público, de seguir comezinhos princípios éticos.

Se o fizessem, veriam facilmente que os autores do livro apenas seguem o que recomenda o bom senso e a boa pedagogia da língua. O assunto é a concordância verbal e nominal – que, como sabemos – se realiza, no português do Brasil, de modo diferente de variedade para variedade da língua. Há significativas diferenças entre as variedades ditas populares e as variedades ditas cultas. Essas diferenças decorrem do modo clivado como se constituiu a sociedade brasileira. Ou seja, a divisão linguística reflete a divisão econômica e social em que se assentou nossa sociedade, divisão que não fomos ainda capazes de superar ou, ao menos, de diminuir substancialmente.

Muitos de nós acreditamos que a educação é um dos meios de que dispomos para enfrentar essa nossa profunda clivagem econômica e social. Nós linguistas, por exemplo, defendemos que o ensino de português crie condições para que todos os alunos alcancem o domínio das variedades cultas, variedades com que se expressa o mundo da cultura letrada, do saber escolarizado.

Para alcançar esse objetivo, é indispensável informar os alunos sobre o quadro da variação linguística existente no nosso país e, a partir da comparação das variedades, mostrar-lhes os pontos críticos que as diferenciam e chamar sua atenção para os efeitos sociais corrosivos de algumas dessas diferenças (o preconceito linguístico – tão arraigado ainda na nossa sociedade e que redunda em atitudes de intolerância, humilhação, exclusão e violência simbólica com base na variedade linguística que se fala). Por fim, é preciso destacar a importância de conhecer essa realidade tanto para dominar as variedades cultas, quanto para participar da luta contra o preconceito linguístico.

É isso – e apenas isso – que fazem os autores do livro. E não somente os autores desse livro, mas dos livros de português que têm sido escritos já há algum tempo. Subjacentes a essa direção pedagógica estão os estudos descritivos da realidade histórica e social da língua portuguesa do Brasil, estudos que têm desvelado, com cada vez mais detalhes, a nossa complexa cara linguística.

Desses estudos nasceu naturalmente a discussão sobre que caminhos precisamos tomar para adequar o ensino da língua a essa realidade de modo a não reforçar (como fazia a pedagogia tradicional) o nosso apartheid social e linguístico, mas sim favorecer a democratização do domínio das variedades cultas e da cultura letrada, domínio que foi sistematicamente negado a expressivos segmentos de nossa sociedade ao longo da nossa história.

O desvelamento da nossa cara linguística, porém, tem incomodado profundamente certa intelectualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão. Preferem, então, apegar-se dogmática e raivosamente à simplicidade dos juízos absolutos do certo e do errado. Mostram-se assim pouco preparados para o debate franco, aberto e desapaixonado que essas questões exigem.

* Carlos Alberto Faraco, linguista, foi professor de português e reitor da UFPR.

FONTE: Jornal Gazeta do Povo (PR), em 19/05/2011



3.5.11

Justice has been done... Really?


A sensação que tenho é que estamos vivendo uma grande farsa. Todos os jornais que leio, todas as páginas de notícias na internet, todas as tv’s do mundo – tudo repetindo o mesmo sentimento: “justice has been done”. E se eu não me policio, corro o risco de acreditar mesmo que alguma justiça foi feita. Uma justiça bem ao gosto americano, uma justiça que não reconhece nenhum Estado de Direito, uma justiça baseada na lei de talião, uma justiça como a que se vê em passagens do Velho Testamento. Aqui no caso, olho por olhos, dente por dentes: o sangue que escorreu de duas torres enfim vingado na foto-montagem de um corpo atirado às vagas do mar.

Vejo americanos felizes pelas ruas, festejando, comemorando, dançando e gargalhando. Uma festa pela morte! Vejo comparações estranhas com velhos fantasmas de ditadores sanguinários – o que justificaria a morte. Hitlers, Mussolinis, Stalins, Saddams e toda uma longa corja de vultos negros assassinos voltam correndo para o inferno acompanhados de mais um representante do Mal. O Mal, mais uma vez, foi vencido. O sol há de brilhar mais uma vez. A luz há de chegar aos corações. A câmera, primeiro em plano fechado, enquadra o rosto de um presidente-herói saudando a multidão mundial; depois, num plano aberto, vai subindo numa grua e faz um longo take épico, panorâmico, dos rostos felizes quase em transe, das bandeirolas em punho, das crianças alçadas aos ombros de pais orgulhosos do american way life.

Um filme. É isso: um filme. Minha sensação de estar vivendo uma grande farsa vai, pouco a pouco, esvaecendo. Já não sei mais o que é realidade, o que é ficção. Roteiristas muito bem treinados, enredo perfeito, atores maravilhosos, fotografia, efeitos especiais, figurino e maquiagem – tudo perfeito.

Tudo perfeito... se não fosse tudo tão velho! Tão velho quanto o mundo, tão velho quanto o homem e sua barbárie em nome de deus, da família, da propriedade, da pátria e da liberdade. Dominus dominium juros além.

Saio caminhando, feito um zumbi, um extraterrestre, um Neo em sua Nabucodonozor tentando furar caminho em meio a uma gente risonha e festejante, a noticiários que me chegam de todos os cantos e que me convidam para a nova era. Entro na primeira biblioteca pública que encontro e vou direto às estantes dos livros de História. Quero um pouco de realidade, uma lufada de ar fresco. Folheio (em dúvida mesmo sobre a real validade do que leio) compêndios e mais compêndios sobre impérios que se ergueram graças à dormência dos sentidos de milhares de milhões de seres humanos. Impérios e seus governantes que atacaram outras nações, que mataram, que saquearam. E sempre com o aval de todo o restante da humanidade. Eram homens de bem – que se registre! Se atacaram, se mataram, se saquearam, foi tudo por um bem maior: a Liberdade. Mas, no meu entender deturpado pela minha condição de zumbi, não eram homens de bem. Eram loucos. O problema é que eram loucos que se tornaram representantes de Impérios. E, a partir do poder, podiam moldar a humanidade toda à sua loucura: e a isso se chamou de engenharia social.

Fecho o livro que folheio. Olho em volta. A alegria reinante parece que vai durar a noite toda. Estão todos inebriados. Saio da biblioteca. Toda cultura parece inútil agora. Preciso voltar para casa. Tomo as ruas mais uma vez tentando, com muito esforço, não esbarrar na alegria alheia. Chego em casa, fecho as janelas, cerro as cortinas, desligo a tv. Lá de fora ainda me vêm o som de alguns fogos ao longe, de algumas gargalhadas e festejos. Por que só eu não estou no clima de festa?

No escuro, tateio as paredes e vou até os meus CDs. Preciso de uma música para abafar tanta comemoração que vem lá de fora. Enquanto escolho o cd, penso que no justice has been done at all. Mas o que posso eu contra o senso comum no final das contas? Acho, finalmente, o cd que procurava...


Faces sob o sol, os olhos na cruz
Os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã

Vão levar ao reino dos minaretes a paz na ponta dos arietes

A conversão para os infiéis

....
Ah como é difícil tornar-se herói
Só quem tentou sabe como dói
Vencer Satã só com orações
....

Ê andá pa catarandá que Deus tudo vê
Ê anda, ê ora, ê manda, ê mata

Responderei não!

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