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24.1.08

No país do panis et circenses, até Bruna Surfistinha periga virar uma imortal






Quem acompanha de perto esse meu blog deve se lembrar de uma postagem anterior em que eu cito uma frase de um antigo copidesque d’O Estado de São Paulo: “uma lauda em branco aceita tudo”. Com isso ele quis criticar a quantidade de sandice que se escreveu e que se escreve e para a qual se postula o status de literatura em suas mais diversas formas: conto, romance, poesia, prosa poética, crônica, et coetera. Naquela postagem, eu citava a tal frase de forma a quase contestar o sentimento que a produziu, uma vez que naquele momento meu intuito era exacerbar a premência da expressão escrita, não importando se essa premência tinha um objetivo estético. Mas desta vez, sou obrigado a retomar a mesma frase com o intuito de concordar com o seu autor.

Sempre me perguntam por que não publico meus escritos, meus poemas, minhas crônicas. E eu sempre respondo: “porque ainda me resta algum semancol”. Sei que me falta muito estofo ainda e muita verve para eu sair por aí publicando livros. E não serão os comentários positivos de amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou figuras a fim de me dar (ou de me comer, sei lá...) que irão me convencer do contrário. Dando uma rápida folheada no que se tem publicado por aí, fica-me uma impressão de que algo escapa à sensatez de muitos editores. É muita porcaria sob um pretenso verniz de literatura!!... E o pior é que vende!!! Não vou nem falar de um Paulo Coelho, porque esse é um medíocre que vende milhões. E medíocres que vendem milhões – por mais medíocres que sejam – tornam-se, do dia para noite, por uma estranha e inexplicável conjunção da fome com a vontade de comer, representantes insuspeitos da genialidade literária. E é assim que surgem, além do mago que virou imortal, um Khaled Hosseini e seu Caçador de pipas, um Dan Brown e seu Código Da Vinci, um Markus Suzak e seu A menina que roubava livros, uma Rhonda Byrne e seu O segredo, uma Zíbia Gasparetto, um James C. Hunter, um Augusto Cury, um Dráusio Varela... e tantos outros.

Mas não, não falarei dos medíocres que viraram celebridades. E sim dos medíocres que nem sabem ainda que são medíocres, pois querem porque querem ter ser livros publicados e fazem disso um projeto de vida (e disso muito se orgulham). Como sabem que sou professor de Língua Portuguesa e Literatura, alguns me mandam vasto material para análise. E, com isso, sou obrigado a ler um amontoado de baboseiras, um sem número de lugares-comuns e obviedades que me exasperam. O mais complicado é quando o indivíduo diz que está pensando em publicar o monte de esterco e pede minha opinião. Antes eu ficava numa saia-justa danada. Hoje não mais. Se acho ruim, pobre e sem nenhum valor literário, eu agora estou falando na cara... Duela a quien duela!... Putz! Tem uma galerinha aí sem a menor experiência das coisas, crua de tudo, sem o requisito mínimo de leitura, achando que só porque andou terras e mares, só porque cursou uma faculdade de Jornalismo (ser jornalista não é pressuposto de saber escrever bem, que fique claro!) pode se arvorar escritor!!! E me irrita mais ainda quando essa galerinha mal chegou aos vinte anos e já acha que tem muito a dizer... Vamos combinar que não é sempre que as musas fazem surgir, no cenário da grande literatura, escritores precoces do quilate de um Rimbaud, de um Álvares de Azevedo, de um Thomas Mann, de um Hemingway, de uma Rachel de Queiroz, de uma Clarice Lispector, de um Ferreira Gullar ou de uma Ana Cristina César. Se você tem seus vinte e poucos anos e acha que já pode publicar um livro, dê uma lida antes nesses autores aí citados. Se, ainda assim, você achar que deve publicar, das três uma: ou você é muito bom (e nesse caso, eu me rendo e me calo); ou você é muito obtuso até mesmo para entender que obtusidade tem limites; ou você só quer a fama a qualquer preço (e, nesse caso, acredito que o Big Brother Brasil seria mais rápido e mais eficiente... vide Jean Willis).

Entretanto, retomando a frase lá do tal copidesque, eu vou além e a amplio: “cabeças em branco aceitam tudo”. Na época e no país em que vivemos (aliás, no mundo inteiro, é bem verdade), de leitores cada vez menos críticos, qualquer merda pode ser publicada. Basta que se lhe adicione uma capa bonita e chamativa e um bom trabalho de marketing. E nesse ponto sou obrigado a concordar com um texto que encontrei na blogesfera de um tal de Bruno Garschagen quando eles diz lamentar “os hectares de árvores cortadas para imprimir tanta coisa deplorável ou que, de tão insossa, também não vale um caule de eucalipto”. Num país de iletrados, qualquer relato, por exemplo, pode ser chamado de crônica e ser passível de publicação. Quando crônica, na verdade, me parece ser a falta de acuidade de certos leitores e escritores medianos.

E Bruno Garschagen continua em sua crítica muito justa:

“Qualquer pessoa que já tenha conversado com um eloqüente escritor mediano sabe que o único sentimento que suplanta nele a vaidade é o desejo inflamante de escrever uma obra-prima, e este é uma das causas de sua miséria. O gozado é que não consegue, sequer, forjar um livro mediano. A maioria dos escritores acalenta o sonho, mesmo que escondido no banheiro, de entrar para o panteão literário. Nada de mau, certo? Errado. Esse desejo vira uma obsessão paralisante e improdutiva.
Fica sempre a dúvida, a mais cruel das dúvidas. Por que diabos o sujeito não espera o necessário tempo de maturação interior para só depois lançar palavras no papel ou no HD do computador? Por qual razão não lapida o que escreve, não guarda os textos na gaveta para voltar a eles tempos depois e, assim, analisá-los de novo, reescrevê-lo se preciso, jogar no lixo, se necessário? Por que essa sanha de querer ser publicado?
Se houve um tempo no qual escritores transformavam suas doenças do corpo, mentais e psíquicas em boa literatura, vemos hoje escritores adoecendo a literatura para conseguir celebração, coquetéis, viagens, resenhas nos jornais, quem sabe até uma foto na revista Caras.”


Pois é. Escrever, a ponto de querer publicar, exige maturidade e maturação. Eu sinceramente acho que seria ótimo para a verdadeira literatura que esses autores novos e medianos assumissem suas limitações e tentassem produzir algo que realmente valesse a pena publicar. Sobretudo os mais jovens... Esses moços, pobres moços...

Comentando o texto do Bruno Garschagen, um leitor chama a atenção para o fato de que esses jovens escritores “não querem SER escritores, mas ESTAR escritores. Parecem enxergar glamour em aparecer na Flip, no Paralelos e companhia. (...) daí a pressa de jogar alguma coisa na estante e poder assinar ‘Fulano, escritor’


Enquanto isso, no país do futebol e do carnaval, a Bruna Surfistinha continua vendendo horrores...
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