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22.6.10

Os medos do mundo são tantos...


“Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.”

(Oswaldo Montenegro)



Há quem diga que no mundo existem só dois tipos de pessoas: as corajosas e as medíocres. Maniqueísmos à parte, talvez haja na afirmação alguma verdade. O que me levaria, entretanto, a um sofrido impasse existencial que, ainda que subjetivo, me colocaria numa tensão quase que dialética com meu alterego: estarei eu no primeiro ou no segundo grupo de pessoas?

Sei lá... Mas acho que entre o que penso e o que deixo transparecer, ainda consigo me manter no primeiro grupo. E haja lombo para chibatadas por conta dessa escolha!

O fato é que há pessoas com medo de tudo, optando por entregar-se ao desânimo, à preguiça, à estagnação, à manutenção do status quo. O medo tem um poder destruidor, assemelha-se a um gás paralisante... Quem tem medo não age: repete ações pré-estabelecidas.

Vem-me à mente aqui a clássica e antológica fábula dos anos 70, Fernão Capelo Gaivota. Muito embora minha frieza de ateu convicto me leve a manter o pé atrás para o substrato cristão/espírita que perspassa toda a obra de Richard Bach, devo confessar que gosto muito do enredo do livro. Fernão Capelo Gaivota é uma ave que não se contenta em voar apenas para comer. Fugindo do lugar-comum, tem prazer em voar e esforça-se em aprender tudo sobre vôo. E, justamente por ser diferente do bando, é expulso, execrado, visto com olhos de desconfiança quase piedosa.

Para Fernão Capelo Gaivota, assim como para os que não se submetem aos medos e desmandos, o importante não é viver uma vida em busca do que comer; e sim, do conhecimento da arte do vôo e da velocidade perfeita. Ainda que seja a velocidade de um soco desferido num momento de raiva, de um grito que se ouviu a quilômetros ou de uma palavra impensada que te custe uma retratação na forma da lei.

A moral dessa história, contudo, é que existe o medo real e o medo inventado. E, quando paro para pensar nisso, fico me perguntando se o medo é, de fato, um senso de autopreservação ou uma forma vergonhosamente mágica de mantermos nossa parcela de mediocridade, cabisbaixos que nos tornamos, levando uma “meia vida”.

O medo tem sim seu valor, acredito eu. Por conta do medo, mensuramos o perigo. Por conta do medo, abstemo-nos de nos arriscar. Por conta do medo, traçamos um raio limite de até onde ir, sem risco... SEM RISCO!!!

Conformados, amarrados por grilhões imaginários (mas que sangram o pulso e, por que não, o peito), nos mantemos estáticos, assegurando uma vida sem sobressaltos e perigos inesperados.

Enquanto isso o tempo passa... sempre. Nossa “meia vida” está cada vez mais vinculada aos nossos pseudo-medos que asseguram nossa pseudoestabilidade até o nosso agendado fim. Previdenciário fim. Merecido e honrado fim.

Não nos damos conta que perdemos nossas referências e nossa ousadia por não estarmos preparados para tantos ousados e necessários riscos. Prevenimos de mais, acatamos de mais, nos mostramos de menos... Como crianças que vivem em estufas de ar puro e que não têm, portanto, anticorpos para brincar na rua... Acabamos por nos tornarmos os rinocerontes de Ionesco... Absurdamente rinocerontes! Caladamente rinocerontes!

Viver é altamente perigoso, já sentenciou Riobaldo em Grande sertão: veredas. E isso é fato. Mas também, não há que haver regras nesse jogo. Pois sem tentar, sem arriscar, sem gritar nem falar alto, é “meia vida” mesmo!... é WO vergonhoso! E isso também é fato!

Mensagem válida para jovens (de espírito e de matéria) que ainda pensam no futuro; para os tolos que fazem da negação e da autoilusão motivo para sofrer e fazer sofrer; para pais que não sabem como lidar com os filhos na cruel sociedade moderna; para os apaixonados e outros “ados” que têm medo de se mostrarem como tais; para todos os apegados a referenciais imutáveis e, especialmente, para cães que têm medo de vassoura e para professores que desaprenderam o revoltar-se.




O OCASO

“Par délicatesse, j’ai perdu ma vie.”

(Rimbaud)



Num átimo

despenquei do meu olimpo

e vim dar na terra dos rotos

esfarrapados e patéticos...

De besta que sou

acreditei na fagulha

que nos olhos de toda humanidade

me acenava

A desmedida fez de mim

o Prometeu desusadamente tolo

arrogante e néscio

Nesse sem-fim dos meus dias

a corroer-me cérebro e entranhas

Ai que estou farto da bondade alheia!...

E cansei-me de mim

Cansei das repetidas

palavras de amizade

dos homens e mulheres de bem

Quero o vendaval

dos sentimentos torpes e imundos

Quero a poeira dos solos

a queimar-me a língua

Quero a podridão da carniça

a invadir-me as narinas

Sou todo os Riobaldos desse mundo

perdido em sua neblina jagunça

nesse sertão sem vereda

- Ai essa Minas me aniquila !

Não me falem

da beleza das relações

Muito menos da promessa de vida

na aurora dos dias

Não me prometam

amizade eterna

Não vertam suas lágrimas

em minha intenção

Deixem-me em paz, oh bonzinhos de merda!

Que eu quero ir

na direção contrária ao engodo

de seus olhos

de escárnio e piedade

Soltem-se as amarras

do meu barco infeliz e louco

Que eu quero partir desse cais

e ir ser menos que eu

no mar revolto

das garrafas de náufragos...

Antes a frieza das geleiras

dos mares do norte...

Antes as tentações

no deserto escaldante

de minha alma...

Antes as pernas abertas das putas

e o canivete oculto dos michês...

A assepsia do sorriso

e das mãos de todos vocês

me enoja

Causam-me ânsias

suas certezas medrosas

suas felicidades fingidas

seus amores de novela das oito

Oh corja vil de perdedores!

Saiam do meu caminho

Desimpeçam minha sarjeta

Não me estendam a mão

Não me dirijam a palavra

Que os esquecerei

com a mesma violência

com que todos vocês outrora,

em seu canto de sirena,

me levaram à perdição.


(Edmilson Borret)

4 comentários:

Carlos A. F. Tenreiro disse...

No fundo de meu ateísmo não convicto e de meu cristianismo avesso, arrisco-me a dizer: não faço parte nem dos corajosos, nem dos medrosos. Minha categoria é o dos "por fazer". Vou fazendo riscos e sendo rabiscos de uma silhueta movediça. De tantos rabiscos cá e acolá uma obra-prima, pintura ou esboço de caminho, há de vir.
PS: adoro o filme Fernão Capelo Gaivota... O filme e o livro tocaram-me profundamente nos idos tempos da faculdade.

Vi Lombardi disse...

Fiquei com medo de comentar seu texto.

Divina disse...

Sou da ala dos covardes, sou tão covarde que se de algo tenho certeza é de que ninguém pode imaginar o quanto covarde sou. Sou a covardia personificada e até os átomos do meu corpo só se agitam por medo, a covardia é minha força vital. Não sei se é mais cômodo, acho que não, a covardia não empurra ninguém pra frente... mas se não há nada na frente...
Adorei que você voltou!

"Esta história não é para qualquer um." disse...

Adorei "O ocaso", "naturalismo-contemporâneo", umna nova escola literária. De uma acidez gritante e de um realismo que choca, mas realismo, verdades sinceras, aquelas que incomodam, passarei a acompanhar teu blog. Abraço.

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