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22.6.10

Os medos do mundo são tantos...


“Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.”

(Oswaldo Montenegro)



Há quem diga que no mundo existem só dois tipos de pessoas: as corajosas e as medíocres. Maniqueísmos à parte, talvez haja na afirmação alguma verdade. O que me levaria, entretanto, a um sofrido impasse existencial que, ainda que subjetivo, me colocaria numa tensão quase que dialética com meu alterego: estarei eu no primeiro ou no segundo grupo de pessoas?

Sei lá... Mas acho que entre o que penso e o que deixo transparecer, ainda consigo me manter no primeiro grupo. E haja lombo para chibatadas por conta dessa escolha!

O fato é que há pessoas com medo de tudo, optando por entregar-se ao desânimo, à preguiça, à estagnação, à manutenção do status quo. O medo tem um poder destruidor, assemelha-se a um gás paralisante... Quem tem medo não age: repete ações pré-estabelecidas.

Vem-me à mente aqui a clássica e antológica fábula dos anos 70, Fernão Capelo Gaivota. Muito embora minha frieza de ateu convicto me leve a manter o pé atrás para o substrato cristão/espírita que perspassa toda a obra de Richard Bach, devo confessar que gosto muito do enredo do livro. Fernão Capelo Gaivota é uma ave que não se contenta em voar apenas para comer. Fugindo do lugar-comum, tem prazer em voar e esforça-se em aprender tudo sobre vôo. E, justamente por ser diferente do bando, é expulso, execrado, visto com olhos de desconfiança quase piedosa.

Para Fernão Capelo Gaivota, assim como para os que não se submetem aos medos e desmandos, o importante não é viver uma vida em busca do que comer; e sim, do conhecimento da arte do vôo e da velocidade perfeita. Ainda que seja a velocidade de um soco desferido num momento de raiva, de um grito que se ouviu a quilômetros ou de uma palavra impensada que te custe uma retratação na forma da lei.

A moral dessa história, contudo, é que existe o medo real e o medo inventado. E, quando paro para pensar nisso, fico me perguntando se o medo é, de fato, um senso de autopreservação ou uma forma vergonhosamente mágica de mantermos nossa parcela de mediocridade, cabisbaixos que nos tornamos, levando uma “meia vida”.

O medo tem sim seu valor, acredito eu. Por conta do medo, mensuramos o perigo. Por conta do medo, abstemo-nos de nos arriscar. Por conta do medo, traçamos um raio limite de até onde ir, sem risco... SEM RISCO!!!

Conformados, amarrados por grilhões imaginários (mas que sangram o pulso e, por que não, o peito), nos mantemos estáticos, assegurando uma vida sem sobressaltos e perigos inesperados.

Enquanto isso o tempo passa... sempre. Nossa “meia vida” está cada vez mais vinculada aos nossos pseudo-medos que asseguram nossa pseudoestabilidade até o nosso agendado fim. Previdenciário fim. Merecido e honrado fim.

Não nos damos conta que perdemos nossas referências e nossa ousadia por não estarmos preparados para tantos ousados e necessários riscos. Prevenimos de mais, acatamos de mais, nos mostramos de menos... Como crianças que vivem em estufas de ar puro e que não têm, portanto, anticorpos para brincar na rua... Acabamos por nos tornarmos os rinocerontes de Ionesco... Absurdamente rinocerontes! Caladamente rinocerontes!

Viver é altamente perigoso, já sentenciou Riobaldo em Grande sertão: veredas. E isso é fato. Mas também, não há que haver regras nesse jogo. Pois sem tentar, sem arriscar, sem gritar nem falar alto, é “meia vida” mesmo!... é WO vergonhoso! E isso também é fato!

Mensagem válida para jovens (de espírito e de matéria) que ainda pensam no futuro; para os tolos que fazem da negação e da autoilusão motivo para sofrer e fazer sofrer; para pais que não sabem como lidar com os filhos na cruel sociedade moderna; para os apaixonados e outros “ados” que têm medo de se mostrarem como tais; para todos os apegados a referenciais imutáveis e, especialmente, para cães que têm medo de vassoura e para professores que desaprenderam o revoltar-se.




O OCASO

“Par délicatesse, j’ai perdu ma vie.”

(Rimbaud)



Num átimo

despenquei do meu olimpo

e vim dar na terra dos rotos

esfarrapados e patéticos...

De besta que sou

acreditei na fagulha

que nos olhos de toda humanidade

me acenava

A desmedida fez de mim

o Prometeu desusadamente tolo

arrogante e néscio

Nesse sem-fim dos meus dias

a corroer-me cérebro e entranhas

Ai que estou farto da bondade alheia!...

E cansei-me de mim

Cansei das repetidas

palavras de amizade

dos homens e mulheres de bem

Quero o vendaval

dos sentimentos torpes e imundos

Quero a poeira dos solos

a queimar-me a língua

Quero a podridão da carniça

a invadir-me as narinas

Sou todo os Riobaldos desse mundo

perdido em sua neblina jagunça

nesse sertão sem vereda

- Ai essa Minas me aniquila !

Não me falem

da beleza das relações

Muito menos da promessa de vida

na aurora dos dias

Não me prometam

amizade eterna

Não vertam suas lágrimas

em minha intenção

Deixem-me em paz, oh bonzinhos de merda!

Que eu quero ir

na direção contrária ao engodo

de seus olhos

de escárnio e piedade

Soltem-se as amarras

do meu barco infeliz e louco

Que eu quero partir desse cais

e ir ser menos que eu

no mar revolto

das garrafas de náufragos...

Antes a frieza das geleiras

dos mares do norte...

Antes as tentações

no deserto escaldante

de minha alma...

Antes as pernas abertas das putas

e o canivete oculto dos michês...

A assepsia do sorriso

e das mãos de todos vocês

me enoja

Causam-me ânsias

suas certezas medrosas

suas felicidades fingidas

seus amores de novela das oito

Oh corja vil de perdedores!

Saiam do meu caminho

Desimpeçam minha sarjeta

Não me estendam a mão

Não me dirijam a palavra

Que os esquecerei

com a mesma violência

com que todos vocês outrora,

em seu canto de sirena,

me levaram à perdição.


(Edmilson Borret)

19.12.09

Eu fumo sim... e estou vivendo.


Hoje, o presidente do TJ-RJ suspendeu a liminar que permitia o fumo em ambientes reservados nos bares, restaurantes, hotéis e similares do Rio. Segundo ele, a liminar “caracterizava grave lesão à ordem pública, refletida na paralisação de importante política pública de proteção da saúde”. Em defesa da decisão do presidente do TJ, o procurador do Estado, Flávio Willeman, disse que a derrubada da liminar contribuiu “para a política do governo que visa a proteger a saúde da sociedade fluminense e, sobretudo, evitar a proliferação do fumo passivo”.

Babaquice! Babaquice! Babaquice! Mil vezes babaquice!!!

Mas peraí! De que ordem pública estamos falando? A mesma que proíbe meu cigarro, mas permite o caos urbano responsável pela liberação de gases tóxicos por carros, ônibus e caminhões nas vias públicas? Ô não-fumante, torça o nariz para o meu cigarrinho, ok? Vire seu rosto para o outro lado. Ah... desculpa! Nem vi que do outro lado havia uma rua apinhada de automóveis... Foi mal, tá?

Política pública de proteção da saúde???!!! Mijei de rir agora... Vivemos realmente na era da hipocrisia! Não fumem, cidadãos! Mas bebam! Bebam o quanto quiserem! Bebam para esquecer que vocês são todos uns otários por acreditarem nas boas intenções de nossas políticas públicas de proteção à saúde! Bebam, porque beber é permitido e até incentivado em propagandas caríssimas nas tv’s e rádios! Bebam, seus otários! Porque cu e miolo mole de bêbado não têm dono.

Evitar a proliferação do fumo passivo??!! E com a proliferação do embotamento cerebral ativo ninguém se preocupa?! O chato do Dráuzio Varella (porque, vamos combinar, todo antitabagista é um chato em potencial), em defesa da lei antitabaco de São Paulo, diz que “os fumantes passivos estão sujeitos a sofrer dos mesmos males que afligem os ativos”. Puta que pariu com batatas! Então tem passivinho aí inalando fumaça que não a mesma que a minha. Porque, em mais de 20 anos de fumo, minha pressão arterial é perfeita (aliás, até meio baixa), minha atividade cardiovascular não apresenta nada de anormal e, mesmo depois de perder quase a totalidade de um dos pulmões por conta de uma tuberculose não diagnosticada a tempo (atentem para o fato de que tuberculose é causada por uma bactéria, ok? nada a ver com o fumo),continuo fumando desbragadamente sem o menor sinal de insuficiência respiratória, cansaço ou algo parecido. Minha mãezinha, que nunca fumou, morreu aos 49 anos de ataque cardíaco fulminante. Minha tia, filha da mesma mãe e do mesmo pai, que fuma desde os 15 anos, ainda está firme e forte do alto de seus mais de 70 anos de vida. Donde concluo, do fundo da minha ignorância e da minha laicicidade no campo da medicina, que esse papo todo de associar o fumo a males pulmonares, sobretudo o câncer, é meio conversa pra boi dormir... O foda é que sofro de insônia crônica!rsrs

Mas, continuando nessa questão do fumante passivo, babaquice isso de proibir o fumo em todos os bares, restaurantes e afins. Bastaria que se estabelecessem bares e restaurantes onde o fumo fosse proibido e outros onde não fosse. Não-fumantes frequentariam os primeiros; fumantes, os segundos. Pronto! Igualdade de direitos para todos! Ou será que essa raça nojenta de fumantes tem mais é que permanecer mesmo sob essa espécie de regime de apartheid anacrônico em pleno século XXI?

Os detratores do fumo ainda saem com pérolas tais como: “O pior é, para quem não fuma, ter que respirar essa fumaça. Se querem fumar, que fumem...longe das pessoas! Não quero respirar essa fumaça que me dá alergia. É falta de respeito! Além de ser muito triste ver as pessoas se matando.” Ah... vão se foder, porra! E se eu for alérgico ao seu perfume vagabundo da Avon? Vou criar uma lei que proíba seu Cashmere Bouquet, seu Unforgetable ou seu Sweet Honesty em bares e restaurantes? Ou pior... E se você nem gostar de usar perfume vagabundo da Avon? E se você nem gostar de tomar banho? Serei obrigado a aguentar sua inhaca de bode nos bares e restaurantes que frequento? E se seu Avon vagabundo e sua inhaca de bode também me causarem problemas respiratórios? E vamos parar com esse papinho babaca de que “é triste ver as pessoas se matando”. Se você não quiser ver (até porque eu não acho que esteja me matando; e, se estiver, é problema meu: foda-se você!), é só não olhar pra mim, porra!

A verdade no fundo de tudo isso é que essa oposição exacerbada ao tabaco baseia-se mais no desgosto das pessoas que circundam os fumantes, do que realmente em motivos de saúde. E isso se deve ao mal desse início de século XXI: o tal do politicamente correto. O mesmo politicamente correto dos ciclistas, por exemplo, que se arvoram estar contribuindo para a salvação do planeta e que parecem pensar que, justamente por conta dessa missão altruística, não precisam obedecer às leis de trânsito. O mesmo politicamente correto dos moralistas de plantão, que veem pedofilia em tudo hoje em dia, mas que exacerbam a sexualidade precoce em seus filhinhos e filhinhas nas festas infantis de aniversário ao incentivarem os mesmos a dançarem o créu, na mais pura demonstração de orgulho paterno: “Olha como ele(a) dança direitinho! Que coisinha mais guti guti!” O mesmo politicamente correto que chama cego de deficiente visual; surdo, de deficiente auditivo; negro, de afro-descendente; mas que, no fundo, está cagando para esses grupos: cotas para eles e interferências na linguagem... já está de bom tamanho, eles que se virem com suas especificidades!

Esse mesmo politicamente correto que, há algumas décadas atrás, transformou todos os não-fumantes em fumantes passivos. E, com isso, condenou os ativos ao fogo eterno da culpa. Mas há uma coisa que poucos sabem e que as campanhas antifumo não dizem. No site da Organização Mundial de Saúde, procure que você achará uma informação que vai abalar seu mundinho de convicções intocáveis. O país de maior longevidade saudável é, por acaso, o terceiro onde o fumo per capita é maior. Que país é esse? O Japão. Saiba que japonês só não fuma quando toma banho de chuveiro.

Não fumo em locais fechados, não fumo em ônibus, nem em elevadores. Respeito seu direito nesses locais (embora você não respeite o meu com seu perfume vagabundo da Avon ou sua inhaca de bode). Portanto, seu babaca não-fumante, vou lutar com unhas e dentes (amarelados pela nicotina) por esse meu direito que, tenho a mais absoluta certeza, não prejudica ninguém senão o narcotráfico, que está à espreita, torcendo para que o cigarro seja cada vez mais banido.
Farei isso nem que tenha que entrar em luta corporal com algum segurança de bar ou restaurante, estabelecimento que será devidamente processado por ameaça ou dano à integridade física do cliente fumante aqui.

9.6.09

VERSOS SEM JEITO

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se o vento não mudar
se a casa não ruir
se o estômago não doer
prometo te escrever uns versos
desses que a gente escreve
meio sem jeito e enfeita
com rimas e coração

mas não repares não
no pouco de ritmo
no tanto de silêncios
serão versos marinados
(jamais insípidos
jamais inodoros
jamais incolores)
o gosto acre dos dias
temperando poéticas

mostra aos amigos
espalha nos quiosques
e diz que quem os escreveu
desaprendeu o sentir
no claro das noites
e se perdeu no itinerário
não os rasgues - por mais insanos
mostra aos amigos
e abre um sorriso
ao lembrar de mim

aproveita e lembra
de me amar um pouquinho
só um pouquinho, meu amor

pois se o vento não mudar
se a casa não ruir
se o estômago não doer
juro te escrever uns versos
desses que a gente escreve
meio sem peito e enfeita
fazendo das tripas coração

(Edmilson Borret)

10.3.09

"Provavelmente não há Deus. Então pare de se preocupar e aproveite a sua vida"

.



Esta frase inteligentíssima anda circulando nas laterais de ônibus (os chamados “ônibus ateus”) nas grandes capitais européias recentemente. E, como era de se esperar, tal frase tem suscitado reações por parte da cristandade que chegam a beirar a bestialidade. Em Gênova, a concessionária de publicidade nos meios de transporte públicos IgpDecaux considerou que o slogan é provocatório e não se enquadraria no código de ética da propaganda italiana. E aí eu fico me perguntando o que essa mesma concessionária diz a respeito dos vários panfletos e anúncios que vemos em ônibus e outros locais públicos quando das ocasiões festivas em homenagens às tantas “nossas senhoras” que a cristandade resolveu adorar. Dois pesos, duas medidas?! Cômodo, não? A associação italiana União dos Ateus e Agnósticos Racionalistas (UAAR) resolveu entrar com uma representação contra a concessionária e pedir que a prefeitura de Gênova revogue o contrato com a IgpDecaux. A prefeita da cidade, que é laica, tinha se declarado favorável à campanha, realçando o direito de liberdade de expressão. A UAAR pretende ir até a Corte de Justiça Européia, se for necessário. Pois é, lá esse papo de direito de expressão é levado muito a sério. Aqui no Brasil, anúncios como esse nem teriam chances de serem vinculados. Num país em que até mesmo manifestações artísticas como novelas, filmes, peças de teatro, desfiles de escola de samba, etc. são monitoradas pela santa igreja católica e protestante em busca de ímpios iconoclastas, imagina se um grupeco de ateus teria vez e voz.

Quando, há alguns meses atrás, resolvi “sair do armário” e me declarar ateu, provei o amargo gosto de todo o preconceito e discriminação declarados que até então eu nunca havia provado em toda minha existência. Mesmo tendo nascido negro, pobre e fudido, se preconceitos sofri na vida por conta dessa origem, estes foram, em sua grande maioria, velados e/ou dissimulados. Mas quando resolvi gritar “sou ateu”, choveram esculhambações abertas de toda parte. Eu poderia ter dito que gosto de comer criancinhas (“comer” no sentido de “deglutir”, ok?), que me amarro em dar a bunda ou qualquer outra coisa considerada cabeluda pelo senso comum, mas jamais afirmar que deus não existe. Isso não! As pessoas de bem não estão preparadas ainda para uma declaração tão bombástica assim...

As pessoas de bem excomungam meninas de 9 anos que abortaram depois de terem sofrido estupro cometido pelo próprio padrasto, mas não excomungam o estuprador. “O estupro é algo menos grave que o aborto”, segundo a lógica torta do arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho. As pessoas de bem se engalfinham para provar que são mais “de bem” que seus pares: matam semelhantes por suas crenças, mandam semelhantes para a fogueira ou para os campos de concentração e extermínio, empurram semelhantes para as faixas de Gaza e guetos mundo afora, desconsideram heranças culturais e étnicas ao demonizarem semelhantes em emissoras de TV e jornalecos distribuídos nos templos nababescos de bispos abastados pelo dízimo dos fiéis.

Mas o que mais me terrifica nas atitudes das pessoas de bem é a lavagem cerebral nefasta que ultimamente elas têm se empenhado em fazer nos jovens e adolescentes. No meu Orkut é crescente o número de alunos adolescentes que estampam em seus perfis o fato de serem protestantes... O problema é que a maioria deles nem sabe o que significa isso. Papagaios de pirata que são, repetem bordões do tipo“só Jesus salva”, “deus 100% fiel”, “eu acredito e confio em deus”, mas ostentam nicks do tipo “putão”, “muleke prostituto”, “muleke 157”(referência ao art. 157 do Código Penal que trata de roubo e latrocínio). Não que um prostituto (ainda que apenas no reino do virtual) ou um “ladrãozinho da boca pra fora” para impressionar as “gatinhas” não possa se declarar protestante. Mas o que percebo aí é a falta de convicção desses adolescentes, observada de forma flagrante em suas atitudes e pensamentos e revelada num breve passeio pelas suas descrições orkutianas, suas comunidades, seus vídeos do youtube, etc. Ouviram o galo cantar sem saber onde. Seus pastores (talvez lobos guardando ovelhas) acenam-lhes com promessas de vida eterna, não importando suas atitudes questionáveis ou delinquências visíveis: o que importa é atrair esses jovens para a seita. Ainda que eles não tenham a mínima idéia do que estão bradando ao propagarem o“só Jesus salva”, o que importa é que eles bradem com toda a força de seus jovens pulmões. Algumas dessas seitas chegaram ao cúmulo de se apropriarem daquilo que mais agrada a esses jovens, a cultura questionável do funk erótico, para levar adiante seu processo de lavagem cerebral. Adaptaram a sofrível “dança do Créu”para o universo cristão. É grotesca a cena nos templos: jovens rebolando a bundinha e a pélvis, executando gestual abertamente erotizado, quase que em transe, hipnotizados, repetindo palavras que parecem em total desacordo com a mise-en-scène que se vê: “Pra ir pro céu tem que ter muita oração/ Pra ir pro céu tem que ter é santidade/ O inimigo, ele não dá mole não/ Porque só Jesus Cristo é que salva de verdade/ Céu, céu, céu, céu, céu”... Tudo é válido, segundo os pastores dessas seitas. O negócio é arrebanhar um número cada vez maior de jovens. Seria cômico, se não fosse trágico. Vejam os vídeos:






Numa sociedade de pessoas de bem, há leis que protegem nossas crianças e adolescentes do assédio de, por exemplo, pedófilos e aliciadores do tráfico; mas infelizmente não há leis que os protejam da sanha dos sacerdotes. Estes tão ou mais perniciosos que aqueles...



E tudo isso por quê? Porque a humanidade não consegue viver sem seus mitos, não consegue sobreviver enquanto humanidade se não puder depositar o mérito de seus sucessos ou fracassos numa força sobrenatural, numa deidade qualquer: deus, jeová, alá, shiva, oxalá, osíris e tantos outros. Se, para fazer parte desse seleto rol das pessoas de bem, eu tiver que me render a essas deidades, prefiro ser olhado de esguelha pelos meus detratores. Decididamente, por essa ótica caótica, nunca serei uma pessoa de bem...

14.12.08

Capitu atirando em elefantes me fez chorar... And it rips through the silence

.




Não falarei da microssérie Capitu, a cujo último capítulo assisti na noite de ontem quase em prantos, com os olhos de professor de literatura que sou. Não. Tais olhos poderiam trair-me, como acreditou Bentinho terem-lhe igualmente feito os olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Deixo um pouco de lado, pois, o professor de literatura amante incondicional da obra machadiana, para dar voz ao espectador ávido de imagens e modernidades plasmadas numa telinha da tv. Até porque o texto de Machado sempre me fez dar boas risadas, mesmo os mais sisudos e graves. Já a magistral adaptação de Luiz Fernando Carvalho do romance Dom Casmurro levada ao ar pela Rede Globo esta semana me fez chorar em vários momentos, sobretudo o grand finale. A questão é que tenho tara por imagens. Imagens, com freqüência, têm o poder de me emocionar e, não raro, me comovem. Não as imagens mentais, mas as imagens visuais, as que me atingem direto as retinas, as que estão no enquadramento do meu olhar. E, nesse sentido, o trabalho realizado na microssérie Capitu foi foda!... Tão foda quanto usar a palavra “foda” num texto em que se vai, ainda que indiretamente, falar de Machado... Mas vá lá: a palavra já foi lançada.

Antes de mais nada, quero aqui refutar algumas críticas à micossérie, críticas essas que li em vários fóruns por esse mundão cibernético afora, notadamente na comunidade dedicada a Machado no Orkut. A primeira dessas críticas condena Luiz Fernando Carvalho por ele ter imprimido sua visão pessoal ao romance Dom Casmurro em detrimento do que seria “a visão de Machado”. Juro que nunca li tamanha tolice. Ora, se um diretor (seja ele diretor de uma microssérie, de um filme, de uma peça) não aplicar sua visão pessoal da obra, digam-me por favor o que ele deveria aplicar. E mais: a visão de Machado?! Quem aqui sabe qual foi ela? Talvez (vejam bem que digo “talvez”) só tenha existido uma pessoa no mundo que poderia nos dizer qual foi a visão do Machado. Infelizmente, estamos comemorando neste ano de 2008 o centenário da morte dessa pessoa: ele próprio, Machado de Assis! Outra crítica que se fez à microssérie foi a de que ela estaria detonando com a ambigüidade do texto original, com a dúvida que transpassa a escritura machadiana. Mais uma enorme besteira! Todos os ingredientes dessa ambigüidade e dessa dúvida estão presentes na adaptação televisiva. Como o próprio diretor explicou, ele quis fazer de Capitu “um ensaio sobre a dúvida”; e para tanto usou e abusou de expedientes bastante convincentes: o trabalho de fotografia, os movimentos em cena, a luz e as sombras, o tom operístico, tudo esteve a serviço do processo criativo que procurou, antes de qualquer coisa, evocar uma espécie de improvisação, “como um quadro que está sendo pintado no momento em que a cena acontece”. Todos esses elementos juntos serviram para deixar no espectador aquela mesma incerteza experimentada ao se ler o romance. Além disso, o personagem-narrador esteve presente o tempo todo na adaptação de Luiz Fernando Carvalho: o contraponto entre o que ele narrava e o que era mostrado só fez aumentar essa sensação de dúvida e ambigüidade (talvez até mais que no romance, ouso dizer). E o jogo de câmeras foi magistral: para as cenas que representam o ponto de vista de Dom Casmurro, criou-se uma lente especial de mais ou menos 30 cm de diâmetro, cheia de água, acoplada à frente da câmera “para dar à imagem a textura aquosa como o mar de ressaca dos olhos de Capitu e a aparência de alguém que ora flutua, ora é arrastado pelas águas do tempo – a matéria de Dom Casmurro são apenas suas memórias, suas fantasias”. E uma terceira crítica que muito vi nos tais fóruns foi a que se refere aos elementos de modernidade explícita presentes na microssérie: o rock e as músicas internacionais, os aparelhos de mp3, o celular, o trem da Supervia, o rap de Marcelo D2, entre outras coisas. Particularmente, eu achei tudo isso magnífico. Como falei no início, é com os olhos de espectador ávidos por imagens e inovações visuais que falarei de Capitu. E, nesse sentido, a microssérie cumpriu talvez mais um importante papel: reaproximar os jovens da obra machadiana, desfazer o preconceito que esses jovens têm da obra de Machado, a qual só lêem por obrigação escolar. “O que fiz foi reafirmá-lo em termos de conteúdo e linguagem. A síntese do texto é dele. Agora, é claro que eu espelhei aquelas situações e as lancei para outras relações de imagens, procurando um diálogo com possibilidades simbólicas da modernidade, alçando o texto a outras visibilidades”, conta Carvalho.


Mas, voltando à microssérie e esquecendo as críticas a ela, que prazer imenso experimentei nesses últimos cinco dias! O primeiro capítulo me pegou de jeito. Logo no início, a cena do trem superlotado da Central já foi um baque: os acordes da guitarra de Hendrix e o trem grafitado serpenteando pela noite contemporânea do Rio de Janeiro formaram o cenário perfeito para o encontro do personagem-narrador com o rapaz que ele conhecia de vista e de chapéu e que lhe daria a alcunha que serviria de título para o romance... Ah... “a vida tanto pode ser uma ópera quanto uma viagem de mar... ou uma batalha”...





Logo depois, a CENA!!!! Sim, a CENA… Capitu nos é apresentada no mesmo e exato momento em que nos é apresentada a música que vai ficar em nossos ouvidos por muito e muito tempo. “Elephant Gun” do Beirut ao fundo, enquanto Capitu jovem risca no chão um traço de giz sobre o qual Dom Casmurro caminha trôpego e faceiro. E ali fica a dúvida: caminhará Capitu nas linhas traçadas pelo narrador ou, ao contrário, foi o narrador-personagem que teve seu destino traçado por Capitu? A cena é linda de doer... Letícia Persiles deixa qualquer marmanjo apaixonado! Melhor escolha não poderia haver para representar a jovem Capitu dos “olhos de ressaca, como um força que arrastava para dentro”... Michel Melamed (que interpreta o já velho Dom Casmurro e o Bentinho adulto) dá show de atuação, nessa cena e em todas as outras... Apaixonei-me por ele também...





E então vêm duas cenas também magistrais: a da varanda e a da inscrição. Bentinho jovem oferecendo a hóstia a Capitu, num ritual perfeito de comunhão entre a inocência do rito católico e sensualidade dos passos quase dançados de Capitu. O muro foi transportado para o chão, que virou lousa onde os personagens inscreviam suas impressões a giz, como numa sala de aula... A vida como uma aprendizagem... E Capitu diz: “Meus sonhos são mais bonitos que os seus”... “Eram!”, concorda o velho Dom Casmurro. E Bentinho se dá conta: “Quer dizer então que eu amava Capitu e Capitu me amava?”... Ora, Bentinho, tu não leste a inscrição que ela fez ao esburacar o reboco do muro?! O muro, meu caro Bentinho, o muro falou por vós... E dá-lhe mais “Elephant Gun”!!!!









Mas é, talvez, no segundo capítulo que está a cena mais linda e perfeita de toda a microssérie... A cena do penteado, sem dúvida alguma, vai virar umas daquelas cenas antológicas da teledramaturgia brasileira... Sobre ela nem comentarei nada... Seria quase uma heresia... Capitu é uma esfinge a ser desvendada... Dom Casmurro chora vendo os dois nessa cena... Eu também... E quem não? Ah... “eis aqui um que não fará grande carreira nesse mundo: as emoções o dominam”...





No terceiro capítulo, a cena que chocou o mais conservadores... Escobar é apresentado dançando sobre uma mesa. A música é “Iron Man”, da banda de heavy metal Black Sabbath dos anos 70/80, tocada ao piano. A coreografia foi criticada por alguns por seu gestual efeminado (juro que li um “boiola” nos fóruns de discussão do Orkut!)... A cena é de uma teatralidade impressionantemente bela! Em alguma coisa, lembrou-me uma outra cena do filme Hair, em que o personagem Berger também dança sobre a mesa cantando “I’ve got life”. É o início dessa relação de amizade (alguns teimam em afirmar que era mais que isso) entre Bentinho e Escobar... Bentinho parece inebriado pela figura do amigo que acabara de conhecer, o amigo o seduz à primeira vista, a identificação de almas é imediata... Almas são casas: ora com muitas janelas e portas abertas, cheias de luz; ora, fechadas, cheia de sombras, semelhantes a conventos e prisões...





No quarto capítulo, mais emoção... É a cena do retorno de Bentinho já adulto após ter ido estudar em São Paulo. Aqui um parênteses para falar da brilhante atuação do ator Antonio Karnewale, que faz o agregado José Dias. Foi, ao lado do Melamed, uma das grandes surpresas da microssérie. Deu o tom exato e perfeito ao personagem dos muitos superlativos. Nesta cena, Bentinho retorna e é chamado por todos de Dr. Bento Santiago. D. Glória, tio Cosme, prima Justina e José Dias o paparicam ainda mais... “Eis aí teu filho... Filho, eis aí tua mãe”, diz José Dias. Mas o grande reencontro mesmo ainda estava por vir. Surge na sacada a Capitu também adulta: linda, estonteante!! Maria Fernanda Cândido mais bela que nunca empresta seu corpo e seus olhos à personagem feminina mais famosa de nossa literatura... Chorei mais uma vez...





Bem, foram muitas as cenas que me comoveram nessa adaptação de Dom Casmurro para a televisão. Para ser sincero, quase todas elas. O toque mágico de Luiz Fernando Carvalho foi essencial para que esse sentimento de “já-saudade” que estou experimentando começasse a se prefigurar já ontem no início do último capítulo. Que, aliás, segundo os críticos de plantão, foi o capítulo que mais se aproximou da atmosfera machadiana. Se foi, não sei. Só sei que foi muito lindo! A cena em que Escobar se afoga é outra que vai ficar na memória da televisão brasileira: o movimento de um enorme plástico balançado pelos próprios atores. Pierre Baitelli dá um show de expressão corporal! Logo em seguida, a cena do enterro: o cenário todo branco em contraste com o luto dos personagens... E a lágrima de Capitu diante do morto no caixão... Lágrimas quase de uma viúva, segundo o doentio ciúme de Bentinho. A seqüência de cenas é magnífica e tocante! Mais choro deste que vos escreve...





E então, o grand finale: o retorno de Ezequiel da Europa após a morte de Capitu, que lá foi enterrada durante a longa viagem que fez depois de sua separação de Bentinho. O choque de Bentinho ao ver o filho crescido, acreditando estar vendo seu amigo Escobar diante dele. A cena da morte de Capitu contada pelo filho: o espelho caindo-lhe das mãos (o mesmo da cena do penteado no segundo capítulo), o sorriso estampado-lhe no rosto na hora da morte.





Infelizmente, não há no site da Globo a cena da morte de José Dias. Essa vocês terão que esperar que saia a DVD para conferir. Mas foi belíssima. O último superlativo do agregado foi de machucar corações. Antonio Karnewale merecia o Oscar por ela!

A cena final é com Dom Casmurro congelando os personagens da história à medida que passa por eles, um a um, no galpão do Automóvel Club em que a microssérie foi gravada; isso ao som de “Elephant Gun”, que será, logo em seguida, substituída pela belíssima “Juízo Final” de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, enquanto mais uma vez o trem da Supervia serpenteia pelo Rio de Janeiro contemporâneo... E o velho Dom Casmurro - agora meio Bentinho, meio Capitu, meio D. Glória, meio José Dias (fantástica a incorporação de todos os outros personagens na figura de Dom Casmurro nessa cena final!) - soltando as últimas frases do romance: “A terra lhes seja leve! Vamos à História dos Subúrbios”... Chorei baldes...


E aí, cabe a vocês agora me perguntarem o porquê do título desta postagem. Bom, tem a ver com a postagem imediatamente anterior a esta, na qual falo sobre a banda Beirut e seu hit “Elephant Gun”. Não sei vocês, mas toda vez que eu reler agora Dom Casmurro, o farei com essa música na cabeça. Nunca uma música encaixou-se tão bem a uma história como essa ao texto de Machado. Até mesmo a letra da música tem algo de machadiano, tem algo niilista, pungente e cético:

If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight

Far from home, elephant gun
Let's take them down one by one
We'll lay it down, it's not been found, it's not around

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the night

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the silence, all that is left is all that i hide


(Se eu fosse jovem, eu fugiria desta cidade
Enterraria meus sonhos no subsolo
Como eu, nós bebemos até morrer, nós bebemos essa noite

Longe de casa, arma para elefante
Vamos derrubá-los um a um
Nós os deitaremos, eles não foram encontrados, não estão por aqui

Que comecem as estações - elas rolam como devem
Que comecem as estações - derrube o grande rei

E rasgam o silêncio do nosso acampamento à noite
E rasgam a noite

E rasgam o silêncio do nosso acampamento à noite
E rasgam o silêncio, tudo que é deixado é o que eu escondo)




É isso. A microssérie Capitu teve o mérito de atirar em elefantes. E foram vários os elefantes: desde as críticas mais pesadas à roupagem dada ao texto machadiano por Luiz Fernando Carvalho, passando pelo suposto estranhamento provocado naqueles que se arvoram donos da obra de Machado, até o preconceito que os jovens tinham com relação ao romance Dom Casmurro... Alguns silêncios foram, sem dúvida, rasgados com esse belíssimo trabalho de Luiz Fernando Carvalho.



A propósito: o primeiro elefante a tombar, acredito eu, foi o imbecil do Diogo Mainardi.

10.12.08

Meu vexame de amor por Zach Condon

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Recentemente, por conta das chamadas da Globo para a nova microssérie, Capitu, fui tomado de uma paixão louca por uma voz... Aquela voz e aquela harmonia musical ficaram martelando em meus ouvidos. Fui pesquisar. Descobri Beirut e seu líder, Zach Condon: a paixão só fez se confirmar. A princípio, pensei tratar-se de uma banda folk do leste europeu, tamanha era a influência de sons e instrumentos que compunham o som dos caras, algo com forte característica da música dos ciganos. Logo depois, descobri tratar-se de um garoto, sim um garoto, de 21 anos de idade: a paixão tomou ares de obsessão...

A história de Zach Condon é, no mínimo, sui generis: por volta de seus 15 ou 16 anos de idade, deixa a sua escola em Santa Fé, Novo México (EUA), e parte para a Europa para conhecer novas e diferentes culturas. Durante dois anos convive apaixonadamente com a cultura italiana, francesa e, principalmente, toda a cultura dos Bálcãs, onde conheceu os membros da orquestra de Boban Markovic (a mais influente banda de folk cigano de toda aquela região). Ao regressar aos EUA, edita em 2006 dois EP’s - Lon Gisland e Elephant Gun - e, logo depois, um LP (sim, um LP) que reúne a maioria das canções desses EP’s de estréia - Gulag Orkestar - sob o nome Beirut, banda que conta também com Jeremy Barnes e Heather Trost, entre outros. O som do Beirut é inspirado nas diversas culturas européias que Zach conheceu na sua "digressão" e o registro folk balcânico está bem presente na maioria das suas músicas.

O seu primeiro single, "Elephant Gun" (essa mesma música da chamada da microssérie Capitu e que me encantou antes mesmo de eu saber quem a cantava), rapidamente se tornou um sucesso na comunidade indie mundial e o videoclipe ilustra bem a alma festiva da música, bem como o carisma singular de Zach Condon:



O segundo single, "Postcards From Italy", apaixonou mais pessoas pelo mundo inteiro e globalizou a música do Beirut. O clipe tem algo de nostálgico e retrata memórias da própria vida de Zach:



Os dois vídeos foram dirigidos por Alma Har’El, diretor israelense que, entre outros trabalhos, andou produzindo videoclipes também para Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters; para os Rolling Stones e para a Nikka Costa. Sobre sua parceria com Zach, logo após o lançamento do clipe de "Post cards from Italy", ele disse: "The young Zach Condon will be in my mind for the next few months."

O mais curioso do trabalho do Beirut é observar como um rapaz de apenas 21 anos pode ter tamanha sensibilidade, cantar com a alma, criar arranjos tão belos? Zach Condon gravou o seu primeiro álbum no seu próprio quarto. Intrigante pensar que um moleque tão jovem poderia compor e escrever canções de carga emocional tão forte, como se já tivesse vivido uma vida inteira quando na realidade não tinha ultrapassado sequer um quarto dela. Aí em seguida a gente vem a descobrir que ele nunca tinha pegado em todos aqueles instrumentos antes. Com seu espírito autodidata, Zach juntou tudo e foi tirando os sons que podia, buscando beleza e inspiração de pequenas notas até formar canções. Ou ouvir Gulag Orkestar e os dois EP’s de 2006, toma-se um susto. São tantos instrumentos e harmonias, com uma voz sofrida de quem realmente sente tudo aquilo que canta, que é impossível não se deixar seduzir pela sofisticação e beleza das canções. A atmosfera étnica é tão miscigenada que não tem como ter certeza de onde aquilo tudo poderia ter suas raízes enterradas; só uma ligeira desconfiança de que vinha lá do outro lado da Europa, das ruínas do pós-guerra em algum pequeno país da ex-Iuguslávia ou de ruas vazias de alguma cidade soviética esquecida após a Guerra Fria.

Beirut é algo mágico, que acende e acaricia a sensibilidade, que passeia na alma e expõe a ferida, é diferente e encantador. Em 2007 lançaram mais um EP, Pompeii, com três temas originais. Em agosto de 2007, lançam na internet o seu mais recente LP - The Flying Club Cup, onde Zach se mostra um músico mais maduro, mas não menos fantástico. The Flying Club Cup é o primeiro trabalho do Beirut como uma banda completa. Com produção mais caprichada, o novo disco traz a sonoridade mais para o oeste europeu, mostrando características e traços franceses. A inspiração inicial veio de uma foto que Zach sempre manteve nos estúdios pelos quais passou: a imagem de balões sobrevoando a torre Eiffel. Zach capricha na voz nesse segundo trabalho; chora menos e canta mais. A percursão foi enriquecida, com a ajuda da banda, é claro, e soa menos repetitiva. Pra afrancesar tudo ainda mais, tem o acordeão. É fechar os olhos e a gente parece ouvir o Rio Sena bem do seu lado.

Deixar de ser apenas uma pessoa para se tornar uma banda não levou embora, de maneira alguma, a personalidade do Beirut. A nostalgia e melancolia de Gulag Orkester ainda estão presentes, porém com a sofisticação orquestral de canções como "A Sunday Smile" e "In The Mausoluem". Esta segunda é impressionantemente linda:



A composição dos arranjos de cordas teve ajuda de ninguém menos que Owen Pallet, o homem por trás do Final Fantasy (não o desenho, por favor; falo do projeto canadense de orchestral-pop). Outro destaque do disco é o piano, como nas faixas "Cliquot" e em "Un Dernier Verre (Pour La Route)", onde, com notas graves, carrega a música sob os vocais de Zach. No outro extremo está a simplicidade e despretensão de canções como "Forks and Knives (la Fête)" e "Cherbourg".

Com humores que flutuam entre a tristeza e a saudade, The Flying Club Cup é um álbum intenso e arrebatador. É trilha sonora perfeita para momentos marcantes. E é justamente a terceira faixa, "A Sunday Smile", que nos revela isso. Afinal, um sorriso num domingo, o pior dia de todos, deve ser realmente em razão de algo muito especial, um acontecimento.

3.11.08

Quid rides? Mutato nomine, de te fabula narratur...

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Terminado todo o processo eleitoral aqui no Rio, quase mergulhei em profunda depressão. Desconectei do Orkut e do MSN por um tempo e fui fazer outras coisas... Era preciso me afastar um pouco da sujeirada toda que foi essa eleição. Opções: ler um bom livro ou fazer as pazes com o dvd player e pôr em dia a paixão pelo cinema... Optei pela segunda. Lembrei-me que havia pegado emprestado com um amigo o box da 1ª temporada de Roma, excelente séria exibida pela HBO. Assisti a dois ou três episódios antes que o tédio me fustigasse. Belíssimo roteiro que mistura personagens históricos e fictícios, um tratamento magistral das questões políticas e a “cidade eterna” hollywoodianamente reconstituída como provavelmente tenha sido: caótica, imunda, perversa, colorida e atraente como uma metrópole do terceiro mundo. Os produtores da série falharam, talvez, na escolha dos atores que a protagonizam (Kevin McKidd e Ray Stevenson): ambos têm o physique de rôle mais para o “Royal Shakespeare” do que para os dois legionários romanos que encarnam. Kevin McKidd é Lucius Vorenus, o centurião (uma espécie de sargento), um cidadão-modelo da República; Ray Stevenson é o soldado Titus Pullo, fanfarrão e mulherengo, chegado a brigas e confusões. Os dois são citados en passant no livro de Júlio César sobre a guerra da Gália como pilares da disciplina romana: embora se odiando, lutavam sempre juntos. A amizade instável dos dois reflete, sem dúvida, a também dividida e conturbada política daquele período. Aliás, a meu ver, o período mais fascinante de toda a história de Roma: a República encontra-se em seus momentos finais, delineada pela apatia e corrupção dos aristocratas no Senado e a ascensão vertiginosa de César. Um César que, apesar de nobre, cresce defendendo as causas da plebe, mas prepara também o caminho para o poder absoluto que seu sobrinho-neto Octavius consolidará como o primeiro imperador. Uma República de poderio inimaginável, cuja busca a qualquer preço pela conquista de um império acabou destruindo os valores tradicionais de austeridade e sacrifício que a tornaram grande, com o aumento das desigualdades sociais e a política se tornando um jogo corrupto de compra de votos e populismo escancarado. Opa!!! Algo lhe soa familiar, caro leitor?! Não à toa, intitulei esta postagem com um dos versos mais famosos das Sátiras de Horácio: “Quid rides? Mutato nomine, de te fabula narratur” (“Por que ris? A anedota fala de ti, só que com outro nome”). Pois é, e lá me vejo eu de volta ao tema que procurava esquecer quando decidi me dedicar ao prazer da arte cinéfila!

O resultado dessa eleição no Rio deixou claro uma coisa: nosso novo alcaide é uma bosta! Mas uma bosta que deve ter feito a lição de casa direitinho e, como filho bem nascido que foi, deve ter bebido nos manuais de História numerosos exemplos a seguir: entre eles, sem dúvida alguma, o César romano que aparece na série da HBO (não à toa, seu mentor e criador nos tempos atuais também se chama César!). E aqui uma curiosidade da campanha eleitoral do nosso próximo alcaide: além da corrupção e compra de votos, do populismo escancarado ("Upa pra lá e pra cá... Vigi, que coisa mais linda!"), soube ele tocar demagogicamente num ponto caro para o eleitorado menos informado – a educação! Prometeu mover céus e terra para que nossas crianças tivessem uma educação de qualidade... Bom, até aí nada de surpreendente! Uma das primeiras obrigações de todo governante, imediatamente depois de assegurada a segurança da sociedade (segurança entendida em todos os sentidos: profissional, econômica, social, etc.), seria ocupar-se do bem-estar da geração seguinte. E a educação é, indubitavelmente, o principal pilar desse bem-estar. Entretanto, quando se pensa em discutir o binômio “educação-instrução para a vida”, parece-me que toda preocupação acaba recaindo não raro sobre dois campos do saber: linguagem (aí compreendido, sobretudo, o aspecto formal do ensino da língua materna) e tecnologia (aí compreendidas a Ciência e a Matemática). No momento histórico que vivemos, marcado por desafios cada vez mais complexos no campo da medicina e por ameaças cada vez mais presentes por conta de conflitos e guerras, seria até perdoável essa ênfase em campos que parecem prometer um maior avanço da humanidade. O grande problema, porém, dessa maneira de se pensar a “instrução” me parece ser a subjugação da História a um segundo plano nas escolas e na sociedade em geral. A História é talvez uma das disciplinas mais controversas exatamente por causa de sua natureza mesma: difere da Matemática por estar recheada de argumentos discutíveis em vez de provas concretas; mas difere também da Ciência justamente por apresentar fatos contra os quais nenhuma quantidade de experiências pode provar qualquer coisa conclusiva. A História convida a uma releitura constante. A História é talvez, de todas as disciplinas, aquela em que o maior número de idéias opostas podem harmonizar-se e serem aceitas como legítimas. Até mesmo o estudo das religiões é um produto da maleabilidade histórica, faz parte do reino da História. E essa maleabilidade histórica se traduz de várias maneiras: ninguém pode discutir, por exemplo, que o Império Romano caiu; há dúzias de teorias sobre por que caiu, quando caiu, e como caiu, e a maioria destas teorias é legítima porque não se excluem umas às outras. Eis por que entendo que a História seja a disciplina mais importante na instrução escolar. Precisamente porque não é algo tão concreto quanto a Matemática ou a Ciência; porque não exige a memorização de equações nem tem uma desconexão com a emoção humana: é o percurso da humanidade desde lá do seu início, o relato de tudo que experimentamos desde nossos primeiros passos sobre a Terra; mostra de quão longe viemos em nossa compreensão coletiva do que é a vida e de como estabelecemos o valor das coisas. Mas, sobretudo, nos ensina onde erramos no passado e como podemos evitar tais erros no presente e no futuro. A instrução que relega a História ao segundo plano encontra-se, irremediavelmente, em total desconexão com o futuro e seus avanços; tornando a sociedade vítima de falhas econômicas e sociais... E o que é mais triste: perplexa diante de tais falhas e ignorante de suas causas!
O não conhecimento da História permite que loucos a manipulem a seu bel-prazer. As religiões todas estão, talvez, entre os maiores deturpadores da História por não tentarem compreendê-la em suas múltiplas possibilidades; mas por tentarem fazê-la caber no espectro estreito de seu sistema e de seus dogmas. Não só a religião padece desse mal que é o desprezo pela História, entretanto: a política, quando lhe convém, consegue ser igualmente perniciosa. Nunca haverá nenhum substituto para o conhecimento histórico (nem mesmo o filosófico e o literário, creio eu), e a ausência deste conhecimento significará campo fértil para a desonestidade e a corrupção; o que fará da humanidade uma sucessão de gerações de palhaços ignorantes que vêem o mundo através de suas próprias vidraças embaçadas, pensando tratar-se da realidade... Sem o conhecimento da História, estaremos fadados a viver na Matrix!

A mesma Matrix que parece ter cegado boa parte do eleitorado carioca no último pleito... Atribuir ao adversário a intenção de deitar por terra “valores cristãos e morais” já seria suficiente para deixar boquiaberta qualquer pessoa razoavelmente informada e capaz de juntar dois mais dois. Mas o mais chocante é que alguém possa ter concebido, em pleno 2008, uma campanha baseada na demonização de seu adversário: o discurso é tão vazio de racionalidade quanto a pregação do racismo, da guerra santa ou do nacionalismo do século XIX. O mesmo apelo à irracionalidade aparece no esforço para semear a rivalidade e o ódio entre regiões de uma cidade já tão dividida, como se esta eleição fosse uma disputa entre o Rio menos desenvolvido e Rio orgiástico da zona sul. O recado efetivo do próximo alcaide, ao acusar a elite zona sul de odiar os desprotegidos do subúrbio, não foi contra um grupo concreto e identificável por suas ações. Até por que ele mesmo, nascido e criado na zona sul, apelou para o populismo do César romano e se arvorou o defensor dos pobres, dos fracos e dos oprimidos: até na lama entrou em defesa de seu povo... Só faltou criar uma biografia onde aparecesse acordando cedo, pegando ônibus lotado com a marmitinha embaixo do braço. Ou seja: criou, no seio dessa elite que ele mesmo condenou, um subgrupo que poderíamos chamar de “a elite boazinha e abnegada”. Mas quem seria essa elite podre e preconceituosa? Em que ela se diferenciaria daquela que trabalha, que acorda cedo e que é boazinha, segundo a ressalva do nosso futuro alcaide? Mais uma vez a História nos mostra que os pregadores do racismo, por exemplo, nunca deixaram de reconhecer a existência de negros bonzinhos e respeitosos. Mas a mensagem eficiente deles sempre foi a do ódio racial, a do apelo à irracionalidade e aos sentimentos mais perigosos... Muito perigoso todo e qualquer discurso que prega o separatismo, ainda que se façam ressalvas canalhas!

Diante do que foi esse pleito na cidade do Rio de Janeiro, resta-nos a perplexidade diante do estado de coisas: os loucos não seríamos nós, atentos aos descalabros de toda a História, que olhamos a cena política carioca e apontamos o estado de manicômio em que ela se encontra? Alguém até poderia inquirir: “Por que se incomodar com os loucos? Deixemos os loucos com sua loucura!”. Ora, se a questão fosse assim tão simples, não haveria problema algum. O problema é que os loucos querem se tornar governantes (e aqui no Rio tornaram-se de fato); e, a partir do poder, querem moldar os homens à sua loucura: a isso chamamos de engenharia social. Às vezes dá uma vontade enorme de colocarmos entre nós e o manicômio chamado Rio uma distância segura e higiênica. Mas seria covardia abandonar o barco agora e deixá-lo nas mãos de timoneiros inescrupulosos. Resta-nos a nós continuarmos aqui denunciando periodicamente que o estado de loucura está aumentando e funcionarmos como sentinelas atentos e prontos para, a qualquer momento, medir a vazão do leito de um “rio” que corre o risco de passar por uma enchente. Pois enchente, todos sabemos, não poupa ninguém.

Nunca perdendo de vista a importância dos ensinamentos da História para o esclarecimento das gerações, cabe aqui lembrar Tomás Antônio Gonzaga e suas Cartas chilenas, que narram as desordens do governo de Fanfarrão Minésio, general do Chile, e em cuja “Dedicatória aos Grandes de Portugal” lemos:

Dois são os meios porque nos instruímos: um, quando vemos ações gloriosas, que nos despertam o desejo da imitação; outro, quando vemos ações indignas, que nos excitam o seu aborrecimento. Ambos estes meios são eficazes: esta a razão porque os teatros, instituídos para a instrução dos cidadãos, umas vezes nos representam a um herói cheio de virtudes, e outras vezes nos representam a um monstro, coberto de horrorosos vícios.

Entendo que V. Exas se desejarão instruir por um e outro modo. Para se instruírem pelo primeiro, têm V. Exas os louváveis exemplos de seus ilustres progenitores. Para se instruírem pelo segundo, era necessário que eu fosse descobrir o Fanfarrão Minésio, em um reino estranho!


E no “Prólogo” da obra, Tomás Antônio Gonzaga dá o mesmo recado:

Um D. Quixote pode desterrar do mundo as loucuras dos cavaleiros andantes; um Fanfarrão Minésio pode também corrigir a desordem de um governador despótico.

(...)

Lê, diverte-te e não queiras fazer juízos temerários sobre a pessoa de Fanfarrão. Há muitos fanfarrões no mundo...


Sem medo algum de me acusarem de sensacionalista, ouso prever que o futuro do Rio de Janeiro será de sombras e assombros e, como tal, não deixará de haver assombrações. Além das Sátiras de Horácio lembradas no título desta postagem, cabe aqui outra citação latina: a de Cícero, em De Senectute, que diz que “pares cum paribus facillime congregantur” (“os iguais com os iguais facilmente se juntam”). Somos espectadores de uma alquimia partidária estranha de indivíduos que hoje sorriem entre si, mas que amanhã se devoram. Só a História dirá se estou certo. Essa mesma História da República do César romano. Essa mesma História tão pouco cogitada na instrução escolar. Essa mesma História que nos ensina tal como Horácio: Mutato nomine, de te fabula narratur... Ninguém estará livre de ser cobrado pela cumplicidade que advém da ignorância da História, ainda que esta cumplicidade tenha a forma de um mísero voto, um voto como aqueles que elegeram Hitler.

9.8.08

Se a preguiça é um dos 7 pecados, eu quero mais é queimar no inferno... Ave, Macunaíma!




Essa coisa do mundo lá fora anda me dando uma preguiça danada... Ou talvez seja eu que, no fundo, nunca tive muito talento para as coisas do mundo lá fora. Ou, decididamente, i’m not the man i used to be...

Até mesmo escrever aqui neste blog é algo para o qual tenho tido cada vez menos saco... As postagens têm se tornado cada vez mais raras, como raros têm se tornado meus cabelos, minhas ereções e minhas idas a um puteiro... Muito chato esse negócio de escrever bonitinho, avisar aos amigos (“Postei lá, você viu?”), aguardar um ou outro comentário inteligente ou delicado e gentil por pura educação... Enquanto isso, tem uma galera por aí fazendo dinheiro a rodo (Bruninha Surfistinha, cadê você, minha linda?) e eu aqui querendo salvar a humanidade com belas palavras que toquem ao coração e à alma dos ímpios. O Marco Aurélio Góis dos Santos, em seu Jesus, me chicoteia!, é que parece ter razão. Segundo ele, uma das várias divisões possíveis da população mundial seria a que se observa entre os que têm dinheiro e os que sabem escrever. “São dois grupos bem distintos, e desconheço qualquer intersecção entre eles (“E o Paulo Coelho?”, alguém dirá, o que só serve para reforçar minha tese). Vez por outra o primeiro grupo precisa dos serviços do segundo. Para isso, mostram-se dispostos a abrir mão de uma ínfima parcela de seu rico dinheirinho em troca de meia dúzia de frases mais ou menos bem alinhadas.”

Tá... Mas vamos parar de blá-blá-blá e vamos ao que interessa (se é que algo ainda interessa nessa merda toda aqui). Até porque já estou com a bunda achatada de ficar tanto tempo aqui nesta cadeira e, para um fumante-velho-sedentário-moleirão como eu, muito tempo sentado é risco de hemorróidas na certa (e até o fim da vida, não quero mais ter que encarar o dedo médio, que de médio não tem nada, daquele meu proctologista safado, tarado, de riso sádico). Como não tenho nada mais picante ou contundente sobre que falar, falarei da minha semana, essa aí que acabou. Semaninha boa de retorno às aulas, os anjinhos voltam todos de baterias recarregadas. Aposto como dedicaram boa parte desse recesso escolar imaginando maneiras novas de infernizar a vida dos babacas dos professores e funcionários do colégio... E eles se esmeram cada vez mais; é impressionante a criatividade que esses “mulekes” têm: Bin Laden e os integrantes das FARCs ficariam de queixo caído... Mas eles são uns amores. Eu os adoro. Como, entretanto, nenhuma bomba foi deflagrada na unidade escolar, nenhuma cadeira ou carteira voou em sala de aula, nenhum “peido alemão” foi jogado sorrateiramente no pátio durante o recreio, nenhuma mãe de aluno enfurecida veio arrumar barraco na Secretaria; então não tenho muita coisa a falar aqui sobre esta minha semaninha no colégio... Ah sim, a não ser que alguns de nós, professores e funcionários, passamos uma semana mais felizes que pinto no lixo, por conta de uma grana extra que o pilantra do César Maia resolveu finalmente nos pagar após quase um ano de promessas... Sabem como é, né? Proximidade das eleições, o caras também se esmeram... Mas os alunos continuam sendo mais adoráveis...

E, por falar em eleições, meu grande amigo Altair ficou puto dentro das calças essa semana porque o Supremo decidiu que o candidato processado por suspeita de irregularidade, mesmo ainda sem culpa provada, não ficará impedido de concorrer no certame eleitoral. Mas o cidadão comum não pode fazer concurso quando tem processo na justiça, mesmo que a sentença não tenha sido ainda transitada em julgado. Realaxa, Alta, isso são coisas do nosso impávido colosso deitado em berço esplêndido!

Teve também a abertura dos jogos olímpicos lá na China, né? Porra! Aqueles amarelos comedores de broto de bambu deram show! Chorei baldes com o espetáculo. Comenta-se por aí que tenha sido talvez a melhor abertura de olimpíadas de todos os tempos. Também pudera, né? Se os carinhas lá errassem um milímetro que fosse na coreografia ensaiada, seria porrada na certa. Povo incentivado é outro papo... Aliás, muito estranho o povo chinês... Não sei por que, mas não me convence muito aquele risinho feliz e cordial deles...

Essa semana também, em uma conversa com meu grande amigo Wendell pelo MSN, ele me fez uma pergunta altamente desconcertante: queria saber se eu acreditava em paixão. Não a paixão por um time, por uma causa ou por uma atividade; mas aquela paixão das novelas e filmes açucarados que dizem existir entre homem e mulher. E aqui devo explicar por que a pergunta me foi desconcertante (e olha que ele me fez uma outra pergunta, que não revelarei aqui, que para a maioria das pessoas poderia ser considerada bem mais desconcertante). Desconcertou-me a pergunta nem tanto pela pergunta em si, mas mais pelo momento que estou vivendo. A questão é que cheguei aos 41 faz pouco mais de 2 semanas... Ok, ok.. 4.1 turbinado e total-flex, mas ainda assim 4.1... E isso assusta. A vidinha da gente parece incansável e maravilhosa aos 20 ou 30 anos. Ok, admito: até é mesmo. O foda é que 10 ou 20 anos depois já não parece tão maravilhosa assim, muito menos incansável. Há uns 10 ou 20 anos antes, eu juro que achava que estava na melhor fase da minha vida. Podia saltar montes, virar cambalhota, plantar bananeira, chupar meu próprio pau, dizer “foda-se” para tudo e para todos, notar coisas diferentes em mim, em minha aparência e em meu pensamento. Aos quarenta, todo homem se defronta com a fatalidade da sua decadência. Ele sabe o que ele vê: estou velho! E veja que não estou falando: "estou ficando velho", mas "estou velho". E isso é um fato e pronto. A patuléia do senso comum insiste em dizer que com a "maturação" (para mim, “decadência”) o homem se torna mais sedutor e mais exigente. Ah, vai cagar no mato! Sedutor como? Se os cabelos rarefazem ou embranquecem, se os dentes amarelam, se a barriga cresce, se a pele enruga nos cantos, se o pinto começa a ter crises existenciais, se a simples menção de se pintar ou fazer um aplique nas madeixas começa a parecer algo tão risível. Sedutor é o caralho! Decididamente, isso é uma concepção Global de homem-adulto. O homem, a partir dos 40, é um espectador mal disfarçado da vida. Está treinando para seu papel futuro: segurar as bolsas das moças, olhar as meninas pulando, olhar casais trepando no apê em frente pela desconfortável fresta estreita do basculante, se amontoar na “night” junto com os outros bêbados adultos e sentir-se um vira-lata diante do frango de padaria (gosto muito dessa comparação... foda-se se não é inédita pra você)... enfim, fazer tudo o que já fazia quando moço mas que podia dechavar comendo uma ou outra namoradinha esporádica num puta semi-árido de punheta e suplício sexual. Mas tudo bem: como já deixei claro numa postagem anterior aqui mesmo neste blog, a velhice tem lá seus encantos.

O que acontece, entretanto, para nós homens, é que a natureza dá ao macho a falsa ilusão de ter aproveitado sexualmente bem sua juventude para, logo depois, ter o prazer de puxar-lhe o tapete e revelar o inverso para seu pobre brio alquebrado: eis o crepúsculo do macho (diferente daquele de que fala o Gabeira). Já as mulheres são outro papo: elas sempre aproveitaram mais! Mesmo as feias e barangas tiveram uma vida sexual mais honrada (“honrada” no sentido de proveitosa) e o pobre macho seguiu esses anos todos se achando o rei da cocada preta. Elas já chuparam, deram o cu, gozaram algumas vezes e outras não (claro!), transaram na água, na praia, no elevador, no chão do escritório, em sanitário público, com outras mulheres, com borboletas vibratórias, com vibradores, com pillots, bonecas, com uma ou mais amigas, com dois ou mais homens, com equipamentos variados, sozinhas (já falei isso), na igreja, na danceteria animada, na zona, enfim em qualquer cafofo digno ou indigno do planeta. E depois ainda se fala em inveja do pênis!!!! A inveja do pênis é uma falácia de psicanalistas homens... O que existe, no duro (sem trocadilhos), é a inveja da buceta. Mas esse sentimento homem nenhum confessa. E o homem que ler isso aqui vai se emputecer comigo (aposto meu fiofó), mas se tiver coragem vai ver que é a mais pura verdade... Elas vivem suas vidas. Aparentemente desvinculadas do sexo. Aparentemente!! E transam o quanto podem na hora que bem quiserem. E nós, pobres machos, somos só afortunados se estamos na hora certa, no lugar certo e com a disposição necessária pra meter na gorduchinha (ou na magricela, se for o caso).

Bem, muita gente mais letrada que eu (e pseudo-letrada também), gente de discurso psicanalítico, gente analisada, de papo-cabeça, diz tudo isso aí que eu disse; mas não do modo como eu disse... É que sou meio “gauche” mesmo, entende?...

É por isso, Wendell, que sua pergunta me foi desconcertante. É como eu disse lá em cima: essa coisa do mundo lá fora anda me dando uma preguiça danada... E aos 4.1, ando realmente meio sem saco para pensar nessas coisas...

Bom, mas, depois de amanhã, começa uma nova semana... Quem sabe, meu amigo, quem sabe?


Ok. Postagem feita, blog atualizado, posso voltar a navegar pelos sites de putaria.

5.5.08

Hier encore...

Sabe aqueles momentos em que a gente fica assim achando que a vida passou, está passando, e a gente andou desperdiçando o melhor de nossos dias? Tipo ficou na janela vendo a banda passar... Pois é, aí a gente pega algumas fotografias antigas do tempo da facul, uma música até bonita (mas bem cafoninha) e faz um vídeo para o Youtube... And that's all, folks!
Só isso, nada mais que isso o motivo desta postagem...


Andorinha lá fora está dizendo: — "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa...

(Manuel Bandeira)





Ah sim... se alguém se interessar em baixar o vídeo, é só clicar aqui.

3.5.08

Perdoem a cara amarrada, perdoem a falta de abraço...


Perdoem por tantos perigos... Aos meus possíveis filhos, aos nossos filhos todos, só resta a minha cara de tacho, a minha inoperância e incompetência em apontar caminhos... Mais do que o buraco na camada de ozônio ou o degelo da calota polar, mais do que o desmatamento da Amazônia ou o terremoto em São Paulo, mais do que o sacrifício dos joãos e isabellas ou o sadismo de pais encarcerando filhas em porões, mais do que tudo, me assusta o rumo da nossa História. Já disse Maiakóvski que "nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades" e que "o mar da história é agitado", mas então refutaria Pompeu dizendo que "navegar é preciso" (e nem ouso completar o restante da frase do general romano).

E o que eu mais tenho tentado fazer nesses últimos tempos é navegar, mas falta a angulação apropriada à minha quilha ou a envergadura correta às minhas velas talvez... Só sei que por vezes fico à deriva... mesmo que eu mande, em garrafas, mensagens por todo o mar... Olho assustado para o extrato da minha conta bancária e percebo que estou sendo assaltado da forma mais sórdida e, paradoxalmente, mais institucionalizada possível. E não há nada que eu possa fazer quanto a isso: o dinheiro é meu, o salário é meu, como também é minha a inadimplência, como também é deles o amparo da lei... Dura lex, sed lex... Sou obrigado a concordar com meu velho e falecido pai que dizia que quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro. E o que me assusta é perceber que não sou o único a ter essa compreensão das coisas. Mas parece que essa compreensão coletiva e nada são a mesma coisa.

O principal movimento que se observa nesses últimos anos (pelo menos até onde minha memória consegue retroceder), e que seria o responsável por este estado de coisas, foi um desmerecimento do mais humano (e, portanto, sagrado) fator de produção, o trabalho, pelo seu rival e expropriador, o capital. Mais propriamente o capital financeiro, especulativo, pouco produtivo. Sempre se acreditou que o fruto do trabalho seria a via principal para se chegar a uma desejada e melhor distribuição de renda. Contrariamente ao esperado, nos dias de hoje, a renda do fator trabalho situa-se no patamar mais baixo da história, na composição das rendas nacionais. E vejam bem que nem vou considerar aqui os milhões de desempregados pelo mundo afora.

Estou tentando ao máximo evitar o lugar comum, mas não tem jeito: o neoliberalismo veio mesmo para foder com tudo! Enquanto isso, os yankees continuam a ser a força hegemônica mundial, a despeito da miséria que se vê pelas ruas de suas grandes cidades, a violência que daí advém e os constantes atos terroristas de que são vítimas os cidadãos americanos, civis e militares, em sua própria terra e em todas as partes do mundo. É... o neoliberalismo veio mesmo para foder com tudo!

Fico aqui pensando que George Orwell nunca poderia imaginar que sua fictícia economia planificada e policiada seria substituída, no século XXI, por outra de regime democrático distorcido, usado para oprimir os povos e levá-los à estagnação através da expropriação dos frutos de seu trabalho. Se bem que, no fundo, acho que era mais ou menos isso o que Orwell denunciava. E se não me engano também, essa apropriação indébita tinha um nome; se me lembro bem era conhecida por "mais valia".

Alardeando os mais nobres motivos e as melhores intenções (e eles nem vão para o inferno por conta das boas intenções, porque para eles "l'enfer c'est les autres"), o império hegemônico passou a dominar econômica e militarmente todo o mundo que lhe interessa. Até mesmo a democracia, a guerra ao terrorismo, a defesa do meio ambiente, o combate ao narcotráfico, todos esses "santos nomes" são usados em vão para justificar o status quo. Mas deus é americano e, além de tudo, é astro de Hollywood! E isso explica e justifica tudo...

Décadas de recessão e atraso para a maioria da população mundial e enriquecimento deslumbrante de uma minoria enriquecida pelo modelo "democrático", capitalista e liberal que vem dominando o planeta. Sem contar as mazelas sociais que daí advêm! Mas tudo bem: as esperanças não morreram por completo se compararmos esse período relativamente pequeno (algumas décadas) com o milênio que a humanidade perdeu, sob o obscurantismo religioso (terá ele realmente terminado junto com a Idade Média?!).

O historiador Eric Hobsbawn ainda acreditava, nos estertores da morte, na salvação da humanidade. Em seu testamento intelectual, ele acreditava piamente que a sobrevivência da espécie humana dependeria de sua vontade coletiva e que ela, a humanidade, seria capaz de transpor os inevitáveis acidentes de percurso. Juro que invejo os homens e mulheres, meus irmãos, que um dia farão valer a visão do velho historiador. Mais uma vez cito Maiakóvski que também dizia: "O século XXX vencerá!" Oxalá!

O que resta a mim (um sujeito intelectualmente pessimista, mas otimista nas atitudes) é admitir a possibilidade de reversão de minhas próprias expectativas funestas e clamar aos meus possíveis filhos: "E quando colherem os frutos, digam o gosto pra mim"... e esperar que esses sejam mais doces. Porque hoje, até onde minha mão alcança no pomar, o que tenho recolhido é de um gosto muito amargo. Espero que meus possíveis filhos e possíveis netos saboreiem coisa melhor.
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