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10.4.11

Fronteira




“Há uma saudade da vida,
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença,
da mão de puro mistério,
...que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição”

(Trecho do poema "Fronteira", do poeta curitibano Tasso da Silveira, 1895/1968, apresentado no Fantástico de hoje)

9.4.11

"Vivemos esperando dias melhores"

(Autoria da foto: Edmilson Borret - 11/12/2009)


Hoje, sábado (09/04/11), não pretendo fazer absolutamente nada além de vivenciar, enfim, meu profundo luto; algo que para mim se faz necessário até mesmo para recuperar o equilíbrio, para manter o discernimento que o momento exige e para, principalmente, tentar fugir à espetacularização desta tragédia por uma mídia profundamente irresponsável, calhorda, leviana e desrespeitosa.

Em situações de comoção como essa, tendemos a procurar explicações: a dor rejeita palavras de conforto, a dor não anestesiada lateja tentando entender o que, no fundo, não se explica. Nenhuma explicação caberia para esta situação. Não farei, de forma alguma, nenhuma consideração sobre o racismo, sobre os crimes de ódio (os "hate crimes", como dizem os americanos) por conta da misoginia, sobre a demonização do islamismo, sobre o bullying nas escolas, sobre a cultura de violência no ambiente escolar ou sobre o abandono e a desvalorização da educação pública por décadas de total descaso. Esses são, sem dúvida alguma, problemas sérios para os quais devemos buscar continuamente soluções efetivas. Esses problemas, entretanto, não dão conta de explicar o que ocorreu na minha escola no fatídico dia 07 de abril de 2011.

Não cabe agora, tampouco, exigir que as escolas (públicas ou privadas) se transformem em bunkers. Como bem observou o ministro Haddad ontem lá na escola em entrevista coletiva, se as escolas vierem a se transformar no modelo de segurança exigido pela opinião pública insuflada pela mídia, teremos qualquer coisa outra, menos uma escola. Vale lembrar também que a Tasso sempre foi uma escola com um perfil acolhedor, referência na região do modelo inclusivo e da participação da comunidade; e assim pretendemos que ela continue sendo. Ademais, nossa escola conta com, pelo menos, dois dispositivos que a cultura moderna desde George Orwell já vinha preconizando como pressuposto de segurança e controle: a escola possui portões eletrônicos e câmeras na entrada, no pátio e nos corredores. E aí eu pergunto: do que tudo isso adiantou? Escolas americanas, além das câmeras de segurança, têm detectores de metais; nem eles impediram massacres como o que aconteceu há doze anos em Columbine e quinta-feira na minha escola. Até mesmo a Finlândia, país tido como modelo da melhor educação pública do mundo, já vivenciou tragédia semelhante a essa.

Tampouco cabe agora condenar os proselitismos religiosos que surgem na esteira dessa tragédia. Como ateu que sou, não vou de forma alguma aqui condenar as religiões pela lavagem cerebral que algumas denominações costumam fazer nas cabeças de jovens como o Wellington. Embora eu saiba que, se aproveitando da tragédia, surgirão setores da sociedade conservadores e oportunistas afirmando que não temos "deus no coração" e que, por isso, estamos pagando caro: calhordas religiosos infiltrados na política, como o infeliz fundamentalista cristão deputado Marco Feliciano, já afirmaram isso com todas as letras. Surgirão outros do estilo dele e de um Bolsonaro que pregarão uma cartilha de etiquetas cada vez mais retrógadas para nossos adolescentes e exigirão - tudo em nome de deus, da pátria e da família - medidas de segurança máxima em nossas escolas oprimindo ainda mais os adolescentes. Os fantasmas da Educação Moral e Cívica e do Ensino Religioso (confessional ou plural, obrigatório ou opcional) surgirão como a luz no fim do túnel, a esperança única para essa sociedade tão deturpada, segundo a visão dessas pessoas... Não. Não vou me ater a essa discussão. Até porque tudo que poderia falar sobre isso eu já deixei claro em postagens anteriores bem mais bombásticas onde exponho minhas opiniões sobre o tema.

Hoje, com a calma e serenidade que o meu momento de luto me traz, quero apenas falar de esperança, de reconstrução e de otimismo. Como educador e, principalmente, como professor da escola onde a tragédia aconteceu, preciso manter esse estado de espírito otimista e esperançoso para poder acolher nossos alunos quando eles regressarem. Esse meu blog que sempre foi conhecido por sua postura questionadora, escrachada, iconoclasta e zombeteira, hoje muda um pouco o tom.

O jornal Extra, de forma totalmente irresponsável, achou no Youtube um vídeo que criei no final do ano passado em homenagem aos formandos e tentou fazer um pouco mais de sensacionalismo: destacou uma frase dita por um dos formandos no vídeo num contexto totalmente outro e colocou-a como uma forma de vaticínio da tragédia que ocorreu na quinta-feira. Imediatamente (em menos de 48 horas) os acessos ao vídeo subiram de parcos 500 para mais de 40.000 até agora. Curiosamente, o tiro saiu pela culatra para o jornal. Ao invés de suscitar reações de espanto diante da tal "premonição" do aluno e assim corroborar a visão do jornalista (ir)responsável pela matéria, o vídeo só fez aumentarem as mensagens de apoio e solidariedade; além de suscitar nas pessoas os sentimentos de esperança e otimismo dos quais falei acima. A música que utilizei, o poema e o depoimento dos alunos, tudo isso vai servir de material necessário agora à reconstrução do nosso espaço escolar. Os versos que abrem o poema de Oswaldo Montenegro serão doravante quase que nosso lema, quase que nosso projeto político-pedagógico:

"Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio"


Mais adiante no poema, outros dois versos espelham exatamente a atitude que norteará nosso trabalho para recuperar a confiança e a alegria tanto de alunos quanto de professores e funcionários:

"Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba"


É isso. Como diz a música do vídeo, "vivemos esperando dias melhores, dias em que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo". No momento, estamos nos esforçando para nos mantermos melhores na dor. Mas chegará o dia em que ela, a dor, estará superada (não apagada nem esquecida, mas superada) e poderemos novamente ser MELHORES EM TUDO...




3.4.11

Fait divers


Tinha a faca e o queijo nas mãos.
Cortou os pulsos
e entupiu as veias de colesterol.

(Edmilson Borret)

1.4.11

Sobre um escroto chamado Jair Bolsonaro


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Ah, já ia me esquecendo...


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Em tempo: E vocês acham mesmo que vou dar mais espaço na mídia pra esse idiota? Tenho mais o que fazer.

Mas para quem quiser um texto bem lúcido, bacana mesmo, sensato e tals sobre esse escroto, sugiro uma postagem de uma blogueira de quem sou fã e que sigo sempre. Na minha opinião, ela já disse tudo que nós (pessoas esclarecidas) gostaríamos de dizer sobre esse fanfarrão. Confiram no Escreva Lola Escreva. Só clicar AQUI.

30.3.11

(Autoia da foto: Edmilson Borret - 30/12/2009)


A MORTE DA POESIA


A poesia erguia-se no fim da rua
desafiadora... a mão no ar
Tinha descido da laje
aos pulos
e ziguezagueado nos becos
A poesia tinha dentes brancos
na noite negra sem lua
A poesia arfava
tentava uma saída
Nenhuma porta
nenhum barraco
nenhum latão de lixo
para dar guarida à poesia
Eles vieram
arrastaram a poesia
levaram-na pro descampado
barbarizaram com a poesia
e deram-lhe 10 tiros na cara

Ninguém viu, ninguém ouviu
Era noite alta – dizem
Melhor não falar da poesia!

O que se sabe é que era linda...

No dia seguinte tinha uma poesia
estampada no jornal
Lindos dentes brancos
em meio à tinta preta...


(Edmilson Borret – 30/03/2011)

25.3.11



A Carne

a carne crua, nua
a carne sua - e freme
a carne sua (quisera minha)
tão jovem a carne pura
tão firme a carne dura
dura a carne horas no olhar
some a carne em segundos
ante o desejo de tocar
morre em meus lábios o delírio
pulsa na carne meu martírio

aguardo vencido
em visível palidez senil
o momento único, certo
de cingir a carne
de trazê-la ao perto
de fugir às regras
na trágica certeza do grilhão
face a juvenil tentação

evita no entanto a carne
a mácula do meu abraço
esvai-se risonha e fresca
e deixa-me nos olhos cansaço

minha alma de artista
pode quase nada
diante da carne
senão louvar a carne
jamais traduzir da carne
aprumada e exata beleza
em enfadonha existência
assumem meus nervos esta saudável tristeza

e como nas horas em que o sol agoniza
o que mais se quer é a lâmina da gentileza
é fugir à ilegal vergonha que nos humaniza
ganhar os mares... ir morrer em Veneza

(Edmilson Borret)

23.2.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte final (por enquanto)

(Autoria da foto: Edmilson Borret - 11/09/2010)


A questão é que muita gente parece desconhecer o que é ser ateu. Como já tentei deixar claro nas postagens anteriores, basicamente, ser ateu é não precisar de um deus nem de deuses para justificar os próprios atos. Não é simplesmente "negar" a existência de deus(es): isso poderia parecer uma simples pirracinha infantil, coisa de adolescente rebelde sem causa. Ser ateu, pelo menos como eu entendo ser ateu de forma consciente, é assumir a responsabilidade de estar vivo e viver conforme a própria consciência, fruto do funcionamento cerebral. E o espanto geral advém justamente daí. Como assumir a responsabilidade por estar vivo????!!!

Nesse sentido, minha maneira de encarar as coisas aproxima-se muito do existencialismo ateu de Sartre. Segundo ele, o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Paradoxalmente, Sartre nos propõe a ideia de liberdade como uma pena, por assim dizer: "O homem está condenado a ser livre". Se, como Nietzsche afirmava, já não havia a existência de um deus que pudesse justificar os acontecimentos, a ideia de destino, com Sartre, passa a ser inconcebível, sendo então o homem o único responsável por seus atos e escolhas. Nossas escolhas são direcionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, o homem é um ser que "projeta tornar-se deus". Nesse sentido, dentro dessa perspectiva, recorrer a uma suposta ordem divina representa apenas uma incapacidade humana de arcar com as próprias responsabilidades. O existencialismo sartriano confere assim uma importância crucial à responsabilidade individual: cada escolha da nossa vida traz consigo a obrigação de responder por nossos próprios atos, um encargo que torna o homem o único responsável pelas consequências de suas decisões. E cada uma dessas escolhas provoca mudanças que não podem ser desfeitas, de forma a modelar o mundo de acordo com seu projeto pessoal. Assim, perante suas escolhas, o homem não apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a humanidade.

Diante disso, proponho uma experiência a todos: tire deus(es) do palco da
existência e veja. Perceba o que sobra. O que sobra? A mesma vida de sempre... contudo muito mais "ameaçadora" pelo fato de exigir a própria tomada de decisões ao invés de depositarem-se tais decisões em alguém ou algo além de "si mesmo". Perceba que não tem mais ninguém observando seus atos além de você mesmo e assim qualquer coisa que você faça estará de acordo apenas com a sua vontade, não a vontade de um ser superior a você. Pense nisso.

A crença em deus antes de ser uma necessidade é o maior dos vícios. Ela expressa imaturidade e a necessidade de um Pai guiando os próprios passos de quem estiver "viciado" em acreditar num "pastor", num condutor. É alienante e altamente prejudicial ao desenvolvimento pleno da potencialidade humana.Visto por essa perspectiva, um ateu só perdeu o vício, como alguém que deixa de fumar, como alguém que deixa de beber, como alguém que deixa de se drogar e entorpecer... (Talvez por isso mesmo, eu não seja tão radical em relação aos teístas – desde que eles não tentem me converter, que fique claro. Pois como tabagista inveterado que sou, sei o que é viver no vício). Um ateísta sabe que ele é o responsável por qualquer atitude que venha a tomar. Daí a opção pela Ética acima de tudo.

Entretanto, há algumas questões para as quais deus e a espiritualidade aparentemente seriam a resposta. Questões essas que, de certa forma, quem se põe a responder pode vir a cair na tentação viciosa de fundamentar-se na crença em deus(es) ou em espíritos a fim de validar as possíveis respostas. Vamos a algumas dessas questões, como numa espécie de FAQ:


1) Como a matéria sem vida cria vida?

A resposta seria: através da vontade de deus? Ou...

Um segredo? Qualquer porção de matéria que contenha os ingredientes necessários ao desenvolvimento de organismos simples, ganha vida no decorrer do tempo sob as condições propícias ao desenvolvimento de tal vida. O universo parece ser apto ao desenvolvimento de vida. A matéria parece ser apta a desenvolver seres conscientes em algum ponto da jornada evolutiva... Mas e aí? Acrescentar um ingrediente em algo não faz desse ingrediente uma necessidade. A menos que se prove que SEM tal ingrediente a vida não se forma, coisa que parece que está prestes a ser comprovada. Ou seja, estamos prestes a comprovar que bastam os ingredientes e as condições necessárias ao surgimento da vida para que ela simplesmente ecloda, apareça. Mas isso é prova da existência de deus ou apenas uma das várias qualidades da matéria que ainda não conhecemos totalmente?

2) Como se dá a percepção extrassensorial?

A espiritualidade parece ter a resposta mas...

Somos animais como todos os demais. Temos sentidos que ainda não conhecemos. Alguns animais têm sentidos mais apurados que outros, percebem variações sutis na atmosfera, vibrações sutis na forma de sons inaudíveis mas que podem ser sentidos pelas partes moles ou ocas do organismo. Nós percebemos estes sons inaudíveis, percebemos o campo magnético da Terra, percebemos de que forma está tudo interligado na teia da vida... Mas isso é prova de que deus existe, ou apenas uma das condições de se estar vivo e imerso num sistema fechado onde tudo co-participa e é co-dependente? A suposta "ligação" entre as pessoas a quilômetros de distância pode ser simplesmente fruto de algum sentimento que as une e isto sim deveria ser estudado, a forma como o amor faz romper barreiras entre o eu e o outro. Mas o amor é prova da existência de deus? Ou é algo imanente da própria vida? O que é o amor para que possa ser confundido com um algo mais além de nós mesmos?


3) Como a matéria sem propósito criou o propósito e a ordem?

Mas, quem vê tal ordem? Quem vê tal propósito senão nós mesmos? O universo é um caos que nós percebemos ser ordenado. A inteligência é capaz de ver tal ordem. Mas isso é prova de que deus existe? Ou a necessidade de ver tal ordem nasce justamente da necessidade de compreender o caos? Ver padrões e paradigmas indica que algo está sendo compreendido; nosso cérebro funciona assim: ele seleciona partes desconexas e as agrupa conforme as semelhanças encontradas entre elas. Onde está deus na ordem que NÒS mesmos emprestamos ao universo?



4) E a reencarnação... como se explica sem a existência de espíritos e deus(es)?

Você sabe como o cérebro funciona? Eu não sei. Nem os cientistas sabem completamente. Mas estão pesquisando ao invés de atribuirem as qualidades desse órgão à existência de um deus ou de uma consciência migratória. Sabe-se hoje em dia que tudo o que experimentamos nasce do equilíbrio físico-químico das reações que desencadeiam os pulsos elétricos a serem transmitidos em cadeia pelos neurônios dentro do cérebro. Ampute-se uma parte disso, lesione-se alguma região lá dentro da cabeça de um indivíduo e a personalidade diferenciada por algum ou outro atributo já não existe mais...



Assim, só para concluir, ser ateu não é negar a maravilha, o grandioso, o magnífico. É simplesmente não precisar de explicações com base na fé cega para algo que carregamos com nós mesmos... Tire deus agora e o que sobra? O universo, toda a maravilha e beleza que nós experimentamos a partir de nossa inteligência e nossa capacidade de vermos padrões e ordenação. Não há palavras para se descrever o fato de sermos partes disso tudo e termos inteligência para perceber a grandiosidade e a infinidade contida em cada porção mínima de matéria. Quem já leu sobre a física de partículas, sobre mecânica quântica já faz uma idéia. A maravilha não para no átomo, ela adentra ainda mais esse mundo diminuto estendendo-se para além dos limites de nossa compreensão. Para que deus e tudo o que nos condicionamos a acreditar que ele represente para nós? Já não basta estarmos vivos e experimentando o mundo? Para que um regente supremo de nossos atos além de nós mesmos? E se tudo é imensamente maior do que percebemos, para que cedermos a uma certeza que é a fé na existência de deus?


Percebem onde quero chegar? Ser ateu é ater-se ao presente e simplesmente vivê-lo. É estar ancorado no meio do nada que se faz tudo quando é observado e vivenciado a partir da inteligência seja ela humana ou animal, seja ela inerente à matéria ou não, não importa.



Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

(CAEIRO, Alberto. O guardador de rebanhos)

14.2.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte II

(Autoria da Foto: Edmilson Borrret - 22/01/2011)


A postagem anterior suscitou, nos comentários, justamente as reações que eu já imaginava. Duas pessoas que tenho em alta estima, embora apresentando uma opinião diversa da minha, sustentaram suas argumentações baseadas num discurso muito bem articulado. Já outras (não só nos comentários, mas pelo Orkut ou mesmo por e-mail) nada mais fizeram do que repetir o proselitismo típico dos teístas. Houve quem tenha dito, por exemplo, que não existem ateus, que o homem sempre vai acreditar em alguma força que move o Universo. Bom, acreditar em alguma força que move o Universo não significa não ser ateu. Alguém aí precisa rever seus conceitos ou de força ou de ateu... Houve quem tenha dito também (e essa é uma argumentação que me faz mijar de rir) que minha convicção me torna tão crente ao contrariar um teísta que acaba se tornando a mesma coisa que esse teísta sente por seu deus. Só há uma pequena diferença entre a minha convicção e aquela dos teístas. A minha convicção parte de evidências, a dos teístas parte da fé cega. A questão é que teístas são apaixonadamente contra a evolução, e eu sou apaixonadamente a favor dela. Paixão por paixão, estamos no mesmo nível. E isso, para algumas pessoas, pode significar que somos igualmente fundamentalistas. O que não é verdade. Como bem observou Dawkins em seu Deus: um delírio, “quando dois pontos de vista contrários são manifestados com a mesma força, a verdade não está necessariamente no meio dos dois. É possível que um dos lados esteja simplesmente errado. E isso justifica a paixão do outro lado”.

“Os fundamentalistas sabem no que acreditam e sabem que nada vai mudar isso. A citação de Kurt Wise na página 366 diz tudo: "[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição". A diferença entre esse tipo de compromisso apaixonado com os fundamentos bíblicos e o compromisso igualmente apaixonado de um verdadeiro cientista com as evidências é tão grande que é impossível exagerá-la. O fundamentalista Kurt Wise declara que todas as evidências do universo não o fariam mudar de opinião. O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que "acredite" na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências. Como disse J. B. S. Haldane, quando questionado sobre que tipo de evidências poderia contradizer a evolução: "Fósseis de coelho no Pré-cambriano". Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: "Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista".”

(Richard dawkins, Deus: um delírio)


E aí vieram me perguntar por que insistir nessa batalha inglória de defender minhas ideias ateístas com unhas e dentes. Por que continuar dando murro em ponta de faca. Por que arriscar o nome em praça pública. Por que submeter-me aos olhares de soslaio, às desconfianças, aos cochichos ao passar. Por que fazer tanta questão de bradar a plenos pulmões NÃO ACREDITO EM DEUS.

Porque sim. Porque é necessário.

Durante muito tempo, os ateus sempre passaram por minoria pelo simples fato de que, normalmente, não se expõem, não se mostram, NÃO SE ASSUMEM. Só que, na minha opinião, isso é mais do que natural: para alguém que não acredita em deus, ir para a rua dizê-lo em voz alta faz aparentemente tanto sentido como andar por aí com um cartaz no peito onde se lê “Eu não acredito no Abominável Homem das Neves” ou “Os rios correm para o mar”. Para um ateu, não acreditar em deus é tão óbvio como não conseguir respirar debaixo de água. E é por isso que nós, ateus, temos andado desligados e isolados, ocupados com as nossas vidas e sem perder muito tempo explicando aos outros que coisas como deuses, unicórnios e gnomos PURA E SIMPLESMENTE NÃO EXISTEM. Mas também é por isso que passamos por uma minoria e que temos pouca expressão social.

O fato é que nós ateus não somos ingênuos como querem crer os teístas. Da mesma forma como não há provas da existência de deus (e, caso alguém afirme categoricamente que ele existe, o ônus da prova recai sobre quem afirmar), também não há provas de que ele "não existe" e nenhum ateísta se engajará em buscar as provas de uma "não existência", uma vez que não há meios de provar que algo não existe. Contudo, há meios sim de aceitar a existência de algo que comprovadamente existe. Portanto, para um ateu deixar de ser ateu bastaria que alguém provasse a existência de deus, coisa que os teístas em sua fé em deus ainda não foram capazes de provar... E aí? Qual o problema em ser ateu? Se para que deus exista basta que se creia nele, alguém que negue a necessidade de crer em deus não pode ser tomado como portador de uma fé cega... apenas alguém não preocupado com o que não faz falta.

Se bem que eu, cá comigo, acredito haver muito mais ateus nesse mundo do que os que se declaram como tal. O problema é que esses “enrustidos”, mesmo não acreditando em porra de deus nenhum, se cagam de medo de admitir isso até para si próprios. “Vai que o tal deus exista e me castigue por pensar diferente. Melhor eu continuar fingindo que acredito, por via das dúvidas.” Aliás, essa fé de que os teístas tanto se gabam, para mim nada mais é do que um cagaço sem tamanho. Temer e respeitar a deus, eis o que eles dizem. Temer e respeitar!!! Um dos leitores que comentou a postagem anterior deixa isso bem claro em suas palavras: “A infelicidade humana não é projeto divino...é fruto da nossa teimosia em viver longe dos sonhos de Deus, em insistir fazer as coisas do nosso jeito (...)Faz-se necessária uma inversão no modo de conceber e vivenciar a relação de Deus com o homem: levar a sério a absoluta primazia de Deus que nos criou e continua nos criando por amor, única e exclusivamente por amor.” Sei lá... pode ser que eu esteja enganado, mas, na minha parca opinião, amar alguém não deveria significar impor a esse alguém meus sonhos ou exercer sobre esse alguém minha primazia. Alguém aí também precisa rever seus conceitos sobre amor...

Existe aquele famoso grito de guerra dos ativistas que diz que o povo unido jamais será vencido. E a verdade é que o ateísmo tem sofrido algumas derrotas por não estar unido o suficiente, enquanto que os crentes (deístas, teístas e até politeístas) continuam a espalhar os seus credos e mitologias pelo nosso planeta. Se há coisa que todas as religiões têm em comum é o apelo à união e isso eles sabem fazer muito bem. E não podemos nos dar ao luxo de continuar perdendo terreno, não só por uma questão de bom senso mas sobretudo por uma questão de evolução.

Em pleno século XXI, vivemos num planeta onde pessoas matam pessoas por acreditarem em diferentes amigos imaginários; onde bilhões de dólares são jogados pelo ralo e desviados por cultos, crenças e credos; onde se subjugam, torturam e culpabilizam seres humanos em nome da fé; onde se negam evidências científicas básicas, como a teoria da evolução; onde se impede o estudo e o combate a doenças com a desculpa de dogmas; onde humanos escravizam humanos em nome de entidades mitológicas. Se você acha isto normal, talvez esteja na hora de recorrer a ajuda profissional.

A maioria das pessoas dirá: “Pois a culpa é da religião”. E isso é fato. Mas grande parte da culpa é também dos ateus.

Podemos até custar a admitir, mas perante o presente cenário mundial, um ateu calado é um ateu permissivo, que fecha os olhos à realidade e dá de ombros. Um ateu que não se manifesta, que não tenta contribuir para a mudança da maré e para a progressão da humanidade é um cúmplice no crime. É como tentar manter-se de costas para a vala comum da humanidade, na esperança de que ela desapareça.

Por isso, se ser ateu é ser alguém clarificado, então tem que ser também alguém com voz. Se ser ateu é ser alguém com um diferente nível de consciência, então é também ser alguém que contribui para a mudança.

E para mudarmos as coisas, não podemos continuar calados. Certo?

Certo.

29.1.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte I

(Menino, Renato Lucas Pereira de Alencar, um dos cariocas que ajudou no voluntariado em prol da região serrana - Foto: Rafael Moraes - Ag. O Dia)



Lembro-me de uma conversa que travei algum tempo atrás com uma colega de trabalho, uma doçura de senhora chamada D. Beth. Gosto muito de conversar com ela. É uma daquelas senhorinhas que acho que todo mundo gostaria de ter como avó: amável, carinhosa, prestativa, sempre disposta ao diálogo e às novidades não obstante a idade avançada. D. Beth é católica praticante: vai à missa com frequência, comunga e se confessa, cumpre o jejum da quaresma, etc. Mas embora sendo ela uma católica praticante e eu um ateu convicto, mantemos uma relação ótima; conversamos muito sobre muitas coisas. E fui numa dessas conversas que ela me falou: “Você não é ateu. Você não tem nada de ateu. Você se preocupa com as pessoas, está sempre tentando ajudá-las, se comove fácil com as injustiças e as desumanidades: você tem um coração bom demais.” Eu agradeci os elogios, claro; mas contra-argumentei que o fato de sermos ateus não nos torna menos humanos nem humanitários. O “amar ao próximo como a si mesmo” nunca foi mérito apenas dos que se dizem cristãos ou tementes a um deus qualquer. Muito antes do advento da cristandade, a caridade já era uma característica inerente ao ser humano. Todas as civilizações antes da cultura judaico-cristã sempre tiveram valores de grande respeito e caridade pela condição humana. Velhos, doentes, crianças, mulheres; qual cultura alguma vez os deixou de proteger social e juridicamente? Da antiga cultura egípcia aos gregos e romanos, dos celtas aos indígenas sul-americanos do século XVI e às religiões animistas dos negros africanos; enfim, em todas as culturas ditas pagãs de que temos conhecimentos, sempre se valorizaram a preocupação com o próximo e a igualdade entre os homens. Assim sendo, não podemos dizer que a caridade tenha uma origem histórica e cultural definida porque o homem é bom. O homem sempre foi bom. O homem não passou a ser bom com o cristianismo. E isso é algo que precisa ficar bem claro, porque a religião levou a maioria das pessoas a pensar que os cristãos são os que mais contribuem para que a caridade exista (senão os únicos), e que os não-crentes são sempre egoístas, pessoas amargas sem preocupações com a luta e as dores dos menos afortunados.



Pensando nessa questão do não-egoísmo dos teístas (e, sobretudo, dos cristãos), não posso deixar de me reportar à tragédia recente que se abateu sobre os moradores da região serrana do Rio de Janeiro. Não é novidade alguma que em situações de tragédias como essa as pessoas demonstram todo seu potencial para a caridade, para praticar o amor ao próximo. Haja vista a quantidade de doações que foi recolhida, sem falar na mobilização de inúmeros voluntários que ajudaram no resgate das vítimas e na oferta de algum conforto nos abrigos para os quais elas foram levadas. Obviamente que não foram só os teístas que se empenharam na solidariedade durante esse episódio da tragédia na região serrana: muitos ateus, com toda certeza, fizeram sua parte. Como eu disse acima, o homem sempre foi bom... mesmo que, por vezes, ele não tenha muita consciência disso; mesmo que, por vezes, a demonstração dessa bondade necessite ser desencadeada por uma tragédia de tão enormes proporções. Porém (e sempre tem um “porém”) algumas atitudes e reações muito me espantaram durante a tragédia das chuvas. E esse espanto adveio justamente por conta de algumas declarações de teístas cristãos que sobreviveram à tragédia. Foi curioso observar como quase todos eles, em entrevistas aos meios de comunicação, lançavam pérolas do tipo: “Foi deus que livrou a mim a minha família”. Opa! Deus livrou esse sobrevivente e sua família da tragédia mas não livrou outros? Então vamos pensar! Pode ser que esses que não foram poupados fossem ateus, não fossem cristãos... Mas putz! Mais de 800 ateus só na região serrana do Rio de Janeiro??? Não, claro que não: dos que morreram, talvez 1% apenas fosse ateu, ou até menos. Pode ser também que os que morreram fossem pessoas más que mereciam esse castigo divino, como os habitantes de Pompéia subitamente cobertos pelas cinzas e lama do Vesúvio ou como os cananeus de Sodoma e Gomorra. Também não, claríssimo que não: várias crianças morreram e, com certeza, muita gente de boa índole. Como entender então que esse deus tão piedoso tenha poupado a vida a alguns e tenha deixado outros sucumbirem? Não lhes parece também um egoísmo nada caridoso quando um cristão diz “deus livrou a mim e a minha família” durante tragédias como essa?


Mas aí vêm os teólogos de plantão e os defensores da crença para dizer que deus tem seus desígnios e seus planos. Ora, ora... eu até tento (juro que tento) respeitar as crenças das pessoas, mas justificar a sobrevivência de alguns e a morte de tanto outros como desígnios de deus, como uma etapa de um plano divino maior!!!! Forte demais pra minha cabeça, na boa... Como podem os teístas afirmar isso? E pior, como podem vangloriar-se os sobreviventes por terem escapado segundo a vontade desse mesmo deus? Nem nas explicações mais estapafúrdias dos dispensensacionalistas poderíamos encontrar respostas para tantas vidas ceifadas assim de uma só vez. O quê??!! Um arrebatamento de 800 almas só ali na região serrana, é isso?? Que desígnios são esses, que plano é esse? Que deus tão bom é esse que “livra a mim e a minha família” mas não livra o vizinho e a família dele? Por essa lógica estúpida, esse seria um deus que escolhe, que seleciona, segundo seus desígnios e seu plano maravilhoso. Ora bolas! Seleção por seleção, prefiro acreditar naquela natural proposta por Darwin. Prefiro acreditar que uns respiram melhor e por mais tempo debaixo d’água ou soterrados na lama. Prefiro acreditar que uns têm uma maior resistência (natural ou adaptada) para suportar mais tempo sob escombros. Prefiro acreditar que uns tiveram aquele insigth, aquele instinto de sobrevivência que é marca do reino animal ao qual pertencemos, e se retiraram milésimos de segundos antes do barranco desmoronar, da pedra rolar, da onda gigante passar ou da casa cair... um milésimo de segundo pode fazer uma diferença e tanto: a diferença entre permanecer vivo e sucumbir!


Prefiro acreditar na seleção natural a acreditar na seleção desse deus dos desígnios e dos planos. Pelo menos, na seleção natural, estou livre de cabrestos, de convenções estúpidas e de temores. Pelo menos, na seleção natural, não entro em conluio com um deus impeodoso que gosta de brincar de batalha naval ou um jogo de tabuleiro qualquer e aponto meu dedo para qual dos meus semelhantes deve morrer ou não. Pelo menos, na seleção natural, não sou obrigado a viver toda uma vida de privações de prazeres e de joelhos dobrados para, num momento qualquer, ser arrancado a essa vida sem nenhuma explicação, como o vizinho e sua família. Não preciso ter vínculos com nenhuma realidade supra-humana, estou livre para decidir por mim mesmo, sem medo de estar indo contra ou esperando estar a favor de algum tipo de supra-consciência à qual se deva obediência cega. Posso reduzir minha crenças a um número limitado delas, focadas no “aqui e agora”. Posso me saber ligado aos meus semelhantes não por algum tipo de poder sobrenatural, mas simplesmente pelo fato de APENAS ser um ser humano convivendo entre os demais seres humanos e de acordo com as leis humanas e naturais.


Vivendo conforme as regras da seleção natural, eu não espero nenhuma recompensa por meus atos senão aquelas que os outros seres humanos possam me oferecer... se eu assim merecer. Posso cortar todos os excessos e enxergar a vida pela perspectiva humana, sem a necessidade de deificá-la ou deificar o que quer que seja. É claro que, vivendo conforme as regras da seleção natural, eu posso ter fé. Fé em mim mesmo e nos meus semelhantes. Mas não uma fé que me cega, pelo contrário. Uma fé que me faz abrir os olhos para o que está acontecendo a fim de que se tomem as medidas necessárias, sem acreditar numa outra justiça maior do que aquela que possa ser levada a cabo por mim mesmo ou pelos desígnios humanos. Medidas necessárias essas que não foram tomadas pelos governantes que sempre fecham os olhos para a pobreza dos que os elegem, pelos agentes gananciosos da especulação imobiliária que implantam mansões e jacuzzis onde deveria haver vegetação nativa e também, por que não, pelos mais desprovidos que insistem em morar em áreas de risco mesmo sabendo que são áreas de risco.


Ao sobrevivente que se regozijou em cadeia nacional na tevê por deus ter livrado a ele a sua família eu digo: não foram os desígnios divinos mas sim os desígnios humanos os responsáveis por toda essa tragédia. Não venha me dizer que você e sua família foram escolhidos por deus para sobreviver e mais de 800 pessoas foram escolhidas para morrer, senão eu vou dizer que esse seu deus é um crápula, um tirano, um sanguinário. Essas outras mais de 800 pessoas rezaram e acreditaram tanto quanto você. O que faz de você e sua família melhores que elas? Que egoísmo absurdo é esse que leva os teístas a acreditarem que eles possam ser poupados por seu deus e outros não numa situação de tragédia? Cadê a caridade cristã nesse tipo de pensamento? Ah sim... o plano divino.


Eu também, como aliás todo ser humano, tenho cá comigo os meus planos de vida. Planos mais imediatos, planos para o futuro. Mas em nenhum desses meus planos está incluído o sacrifício de mais de 800 vidas de uma só vez... É que meus planos são bem modestos, sabe?

6.1.11

Ano novo, vida nova... Será mesmo?


(Autoria da foto: Edmilson Borret - 31/12/2010)


Não querendo ser chato, mas já sendo... alguém já parou pra pensar no seu real sentido dessa frasezinha tão clichê? Eu diria que ela reflete uma atitude nada incentivadora, uma visão nada heróica (ou estóica, como queiram) da vida, visão essa inventada e disseminada por algum sujeito insatisfeito com o que foi sua vidinha no ano que passou.

Por que será que todo ano falamos a mesma porra? Que no próximo ano a vida recomeçará, que tudo será diferente, que isso e aquilo e blá blá blá... Por que insistimos em repetir o maldito slogan “Ano novo, vida nova”? Parece piada, né? Mas é como se nossas vidas fossem regidas por cronômetros de 12 meses, que serão zerados ao final de dezembro. Coloca-se janeiro como o mês oficial das mudanças, da renovação e de todas as esperanças... But, what a surprise!!!...continuamos todos, absolutamente todos, com a mesma vidinha que, por conta de nossos desejos insanos e ilógicos, deveria ter acabado no ano anterior.

Mas o fato é que não existe nem uma, nem umazinha razão cientificamente lógica para toda essa pré-disposição emocional que move os corações e mentes dessas pessoas. Porque, se assim o fosse, toda a civilização estaria embarcando nesse espírito de renovação. Mas sabemos que isso só acontece aqui no Ocidente. O restante do mundo não está nem aí para a queima de fogos na Time Square, na Avenida Paulista ou em Copacabana. Esse fato, na verdade, só mexe com a sociedade ocidental de matriz cristã (Américas, Europa, partes da Oceania, etc.). Outras regiões do mundo, apesar de toda a globalização, apesar de toda a influência da colonização anglo-ibérica, possuem diferentes matrizes de contagem do tempo, levando-as a terem comemorações distintas da nossa. Enfim, enquanto estamos entre Natal e Ano Novo, outras regiões estão nos seus dias mais ordinários. Ou seja: nenhuma mudança astral ou exotérica ocorre no mundo por conta da mudança no calendário. Nenhuma lua, nenhum sol, nenhuma estrela no céu vai fazer a vida de ninguém tomar um novo rumo a partir de 1º de janeiro...

Assim, entre dezembro e janeiro, todos os anos no Ocidente, comemora-se o Natal, festa do nascimento de Jesus Cristo (ponto de partida da contagem dos anos), e o Ano Novo: início de mais um ciclo em nosso calendário, contado a partir de 1º de janeiro. Mas é só isso, gente: início de mais um ciclo no calendário... nada a mais que isso!!! O calendário cristão é solar, tem 365 dias (ou 366) ou doze meses. Seguimos o calendário gregoriano, usado desde o século XVI, mas há também o calendário Juliano (usado na Igreja Ortodoxa).

Já no judaísmo, por exemplo, o primeiro mês do calendário chama-se Nissan (equivale, no calendário gregoriano, a 30 dias entre março e abril), mas o Ano Novo judaico começa em Tirshei (entre setembro e outubro). Os judeus iniciaram a contagem do seu calendário em 7 de outubro do ano 3760 a.C que, segundo eles, é o dia da Criação do mundo. Portando, eles estão no ano 5770. Caraca! Os caras estão adiantados pra cacete!!!!! rsrs

No islamismo, por outro lado, seu calendário (que é lunar) começa com a Hégira, a fuga de Maomé de Meca para Medina, em 622 d.C. O ano começa no 1º de MuHarram. Como existem diferenças de dias entre os anos lunares e solares, as datas de início do ano islâmico, com relação ao calendário gregoriano, sofrem diversas mudanças. Em 2010, o 1º MuHarram foi em 7 de dezembro. Já em 2011, será em 26 de novembro. O calendário chinês, curiosamente, é lunissolar: tem 354 dias. Mas, a cada oito anos, são acrescentados mais 90 dias ao ano, para que haja sincronia entre o ano solar e o lunar. Enquanto estamos em 2011, os chineses já estão no ano 4708. Outro povo que está disparado na nossa frente... rsrs

O Japão usava um calendário lunissolar, mas, a partir de desdobramentos da Revolução Meiji, em 1873, resolveu adotar o calendário gregoriano também. O calendário hindu, apesar de coincidir com o gregoriano na contagem de dias e de anos bissextos, é contado a partir de 79 d.C. No entanto, na Índia, há uma enorme confusão, pois existem mais de 30 calendários regionais.

Ou seja... o ano que se inicia pode até ser novo para a ocidentalidade, verdade! Mas nossa vida é a mesma! O mundo, como um todo, é o mesmo! Ou alguém duvida que na primeira segunda-feira, logo após o período festivo, voltemos todos para nossas mesmas rotinas, nossos mesmos escritórios, nossos mesmos empregos? O fato é que continuamos com o mesmo carro, a mesma casa (ou o mesmo lote sob o viaduto), os mesmos amigos. Mantemos as mesmas manias, a mesma personalidade, os mesmos problemas... Só ficamos mais velhos, aliás como toda a humanidade. Então só me cabe perguntar: onde, cacete, está a tal da vida nova????

Mas vejam bem... Não é que eu seja contra o fato de as pessoas terem esperanças. Pelo contrário, acho até louvável. Esperança traz o sonho de um futuro melhor, dá forças para seguir em frente. Isso é fato! O que coloco em xeque não é a presença dela, mas sua ausência. A esperança não deveria ser incensada somente à meia-noite do dia 31 de dezembro, e sim nos acompanhar em todos os dias do ano. Sou a favor das mudanças. Acho que elas são necessárias sempre quando algo não está no seu devido lugar, mas elas não devem, necessariamente, ocorrer após os fogos de Copacabana ou depois que as sete ondas passarem sob nossos pés. E sim quando as oportunidades surgirem, seja em janeiro, em março, em agosto ou em novembro.

Tenham esperanças! Efetuem mudanças em suas vidas sempre que acharem necessário! Mantenham seus sonhos; nunca se desfaçam deles! Mas façam isso sempre que puder. O dia primeiro do ano é só mais um dia após o outro. Janeiro é só mais um mês. Nossa vida é um ciclo de atos nossos... não de anos, não de meses. Pois, como já disse Drummond... Para ganhar um Ano Novo / que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo...”



RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

4.12.10

Dança, meu anjo!


(Autoria da foto: Edmilson Borret - 06/03/2010)



Dança meu anjo!
Deixa as asas na cadeira
E dança!
A vida cá fora
não anda lá essas coisas
Por isso, dança!

Dança conforme a música
Dança conforme o peito
A justeza do traço
no itinerário do braço -
tua óbvia indulgência.

Salta do mistério do chão
envolve teu corpo
no sem-forma do ar
Que assim te amamos mais:
lá do alto nos buscas
nos recompões da dureza –
de novo homens viramos
porquanto leves,
perenes.

O corpo em delito flagrante
gestos exatos inocentam
Por isso, dança!

Deixa as asas na cadeira
E dança!

(Edmilson Borret – 03/12/2010)

17.10.10

Alguma coisa está fora da ordem...

Pedofilia, sorvete Kibon, Illuminatis e o Dispensacionalismo




Hoje recebi um e-mail da minha amiga Isabel Goulart, a Bel que já até cantei aqui mesmo neste blog num dos poemas que mais gostei de ter escrito. O e-mail alertava para os prováveis símbolos da pedofilia, símbolos esses que um relatório do FBI teria levantado em 2007. Segundo tal relatório, os "boylovers" (eufemismo anglófono para "pedófilo") se fazem (re)conhecer e identificar através de três símbolos que denotariam suas predileções: se preferirem meninos, usam um pequeno triângulo, envolto por um triângulo maior. O triângulo grande significa um homem adulto; o triângulo menor, um garoto. Se o boylover quiser enfatizar a pequenez dos garotos que ele cobiça, o pedófilo usa então a logo do “pequeno boylover”, que é mais arredondado e mais fino que símbolo do boylover, como se representasse “ter sido desenhado por uma criança”. Se, por outro lado, os pedófilos preferem meninas, se identificam com um coração menor envolto por um maior. Já os pedófilos sem preferência sexual indicam seu bizarro entusiasmo com um símbolo de uma borboleta composta por dois corações grandes e dois pequenos. Segundo o relatório do FBI, tais símbolos estariam sendo utilizados em websites, roupas, jóias e até mesmo em moedas. Vejam a seguir, cópia do documento do FBI:






O e-mail repassado pela minha querida amiga Bel alerta ainda para o fato de que "eles" poderiam estar entre nós e que se, por caso, virmos alguém usando algum desses símbolos em anéis, cordões, pulseiras, broches, etc, devemos avisar imediatamente as autoridades. Fico aqui imaginando o quanto de patrulhamento isso poderia gerar. Fui até mesmo verificar meu novo anel de prata para me certificar que nenhuma das inscrições nele possa ser confundida com símbolos ou logos pedófilos. (pausa para respirar aliviado)

Mas então fui à busca de mais informações sobre esses tais símbolos. A internet, atualmente, é um terreno fértil para alarmismos de toda sorte. Se, a cada vez que recebemos e-mails desse tipo, não formos verificar a autenticidade das informações, corremos o risco de estarmos propagando mentiras sob pretexto de "boas intenções". Afinal, até mesmo um ateu convicto como eu sabe que de boas intenções o inferno está mais lotado que trem da Central às 5 da tarde. Realmente, numa pesquisa rápida pelo Google, descobre-se que o FBI publicou tal relatório. Não havendo mais tantos subversivos mundo afora, notadamente na América Latina, os caras agora têm tempo de sobra para ficarem catalogando símbolos e logos por aí. Tudo muito útil e relevante! Sinceramente, não sei como a UNESCO ainda não conferiu ao FBI o status de patrimônio cultural da humanidade...

Entretanto, numa das entradas propostas pelo Google na tal pesquisa que fiz, deparei-me com um site chamado Ecocídio. A princípio, até parece um site legal, com matérias bem esclarecedoras sobre meio ambiente, sobre alternativas naturais para a sustentabilidade, sobre o monopólio e o lobby de algumas empresas não comprometidas o desenvolvimento sustentável do planeta, etc. A princípio... Porque, quando a gente começa a se aprofundar na leitura dos artigos do site, imediatamente a gente percebe o verdadeiro propósito do mesmo: mais um dos milhares de sites preocupados em abrir os olhos da humanidade para o perigo iminente que paira sobre nós e nossos filhos... a ascensão do Anticristo preparada pelos Illuminatis. Ai, ai, ai.... sim, de novo eles! Seria apenas mais um site, se o autor do texto não chegasse ao absurdo de associar a pedofilia aos Illuminatis na figura de William Hesketh Lever, presidente da Unilever. Isso mesmo!! O presidente da maior corporação mundial seria não só um pedófilo mas também um illuminati e isso ficaria claro pela escolha que a Kibon, uma das empresas do conglomerado Unilever, passou a adotar a partir do ano de 2000: o logo dos corações concêntricos. Mijei de rir! E para vocês mijarem de rir também, eis aqui o tal logo. Clicando nele, vocês poderão ler essa "maravilha" de texto:




Bom, já mijaram bastante? Então esqueçamos as mijadas e passemos às cagadas! Porque é assim que encaro toda essa história de illuminatis: uma grande cagada! Tem um pessoal aí vendo teoria da conspiração em tudo, notadamente alguns setores do Cristianismo. Segundo esse bando de acéfalos, há um grupo de pessoas agindo nos bastidores da História desde o século XVIII, influenciando governos e nações, a fim de proclamar o reino do Anticristo na Terra. Numa rápida pesquisa no YouTube, podemos achar inúmeros vídeos que "provam" a ação dos illuminatis em vários eventos recentes ou não da história da humanidade. Até a gripe suína seria obra desses satânicos!!!

Modernamente, essa ameaça atende pelo nome de Illuminatis, numa referência clara aos Illuminati da Baviera (uma sociedade secreta da era do Iluminismo fundada em 1 de maio de 1776); mas ela já teve outros nomes em outras épocas, indo desde a Maçonaria até os Templários. No fundo, tanto illuminatis, quanto maçons, rosa-cruzes, templários e tantos outros seriam apenas as várias faces de um mesmo monstro chamado "o Priorado de Sião". Pesquisas já levadas a cabo por Baigent, Leigh e Lincoln em seu O santo graal e a linhagem sagrada, apoiadas sobretudo nos "Manuscritos do Mar Morto" de Qumran mas também em vários outros documentos, apontam sim para uma sociedade secreta que remontaria aos primeiros cristãos e à cisão que se deu, àquela época, entre o cristianismo paulino e aquele desenvolvido pelo núcelo do qual Madalena teria feito parte. Esse segundo grupo (o de Madalena) é que estaria por trás do Priorado do Sião, seria a linhagem sagrada merovíngia, os descendentes de Jesus que lutam desde então para reassumir o trono de Israel: a tal da "serpent rouge" que teria, até os dias de hoje, descendentes vivos ainda na França reclamando o trono. Foram considerados, desde sempre, como satânicos e hereges pelo Cristianismo, justamente por pregarem que Jesus não teria divindade alguma; mas que teria casado e tido filhos como qualquer judeu normal da sua época. Durante muito tempo fez-se de tudo para que se acreditasse que toda essa documentação do Priorado de Sião era ultra secreta e que a Igreja de Roma fez de tudo para escondê-la, inclusive com a pena capital da fogueira para os hereges templários, cátaros ou albigenses. Mas, de uma hora para outra, sobretudo depois da publicação do livro de Baigent, Leigh e Lincoln, essa história virou moda. Aí surgiu um tal de Dan Brown que popularizou de vez a babaquice toda com o seu O código da Vinci. Dizem as más línguas, inclusive, que Dan Brown nada mais seria que um "ghost writer" do Vaticano para ridicularizar toda essa teoria do Priorado do Sião. Se foi essa intenção ou não da Igreja, eu, particularmente, acho que ele conseguiu.

Obviamente que, para fazer frente à grandiosidade de toda essa história que poderia abalar uma fé de mais de 2000 anos, setores mais conservadores e fundamentalistas do Cristianismo (leia-se evangélicos neopentecostais) precisariam criar toda essa teoria da conspiração. E é aí que entram os dispensacionalistas. O dispensacionalismo é uma doutrina teológica e escatológica cristã que afirma que a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, envolvendo o arrebatamento e um período de sete anos de tribulação, após o qual ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de deus na Terra. E que essa batalha do Armagedon acontecerá quando o Anticristo surgir. Sim, aquele mesmo Anticristo para o qual os illuminatis (face moderna do Priorado) estariam preparando o terreno há muito tempo. A palavra "dispensação" deriva-se de um termo latino que significa "administração" ou "gerência", ou seja, se refere ao modo como deus interage com a humanidade e administra sua verdade em diferentes períodos de tempo. Segundo essa doutrina, seriam sete dispensações ao todo e nós já estaríamos no sexta: a última seria a do reino milenar, do qual só poderiam usufruir os que, não tendo sido arrebatados, sobrevivessem ao Armagedon do Apocalipse 20. O dispensacionalismo prega uma interpretação consistentemente literal das Escrituras, em particular da profecia bíblica. E isso é interessante justamente para mostrar como essa teologia acredita que o próprio Jesus vai caminhar de novo sobre a Terra para reclamar seu trono. Isso vai de encontro ao que teoricamente pregariam os satânicos illuminatis adoradores de Baphomet que insistem que eles sim vão reconduzir o verdadeiro rei de Israel ao trono que lhe é de direito.

O mais curioso, no entanto, é que para esses partidários da teoria da conspiração, os EUA seriam a nação do Anticristo. Quase todos os presidentes americanos seriam illuminatis e estariam conspirando para a tal Nova Ordem Mundial. Esses loucos tentam provar por A+B que há símbolos illuminatis por toda a parte na cultura americana. O mais conhecido desses símbolos seria o "olho que tudo vê", que aparece no grande selo dos EUA e na nota de 1 dólar. Afirmam que sociedades secretas como a "Skull and Bones", cujo símbolo é uma caveira com ossos em forma de cruz, seriam o ramo dos illuminatis nos EUA que pretendem, em última instância, estabelecer um governo mundial por meio de assassinatos, corrupção, chantagem, controle dos bancos e outras entidades financeiras, infiltração nos governos, e causando guerras e revoluções, com a finalidade de colocar seus próprios membros em posições cada vez mais altas da hierarquia política e de substituir todas as religiões e nações com o humanismo e um governo mundial único. Chegam ao ponto de afirmar que esses mesmos presidentes seriam aliados de outros líderes mundiais igualmente satânicos, como Saddam Hussein e Hitler. Afirmam que os EUA teriam apoiado o holocausto, por exemplo. Não percebem, esses imbecis, a incoerência de tal afirmação! Se, como expus acima, os illuminatis nada mais são que a versão moderna do Priorado, que estaria tentando regressar uma linhagem diretamente descendente da casa de Davi ao trono de Israel, como eles poderiam estar de acordo com a matança de milhares de judeus? Ou será que eu perdi alguma coisa nesse emaranhado todo de conspirações e lutas pelo poder????


Símbolo da Skull and Bones (Caveira e Ossos). Teorias conspiratórias
afirmam que a Skull And Bones seja o ramo americano dos Illuminatis.




A pirâmide com "o olho que tudo vê" e o lema Novus Ordo Seclorum
no Grande Selo dos Estados Unidos, é considerado um símbolo dos Illuminatis.




Enfim, é uma bobajada só tanto de um lado quanto de outro. O que só demonstra o mal que religiões e crenças podem fazer às pessoas. Enquanto mitologia, é tudo muito fascinante: nem Homero conseguiria criar um universo de mitos, símbolos, heróis e deuses de tal envergadura. O grande problema, porém, é que para os teístas isso não é mitologia. E pessoas têm morrido através dos séculos por conta disso. E tantas outras, acredito eu, morrerão nesse embate infindável entre as forças do bem e do mal.

Embate, aliás, que já se faz notar no próprio seio da crença evangélica. As denominações várias que pululam por aí se engalfinham e se acusam mutuamente de estarem ligadas ao satanismo e aos illuminatis. Li recentemente, no blog de um cristão reformado conservador, uma matéria hilária que ele escreve sobre o fato da "burrice gospel" (sic) estar atualmente inclusive acusando o craque Kaká de pertencer aos illuminatis e pregar o satanismo. Embora discordando de muita besteira que esse tal cristão reformado conservador escreve, gostei do jeito irônico e sarcástico como ele se refere aos seus "irmãos de fé" mais fundamentalistas e até mesmo dei boas risadas. Para quem quiser dar boas risadas também, só clicar AQUI.
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