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28.5.11

'Os livro' do MEC nas visões magistrais do Wisnik e do Faraco


Os menino pega o peixe, nós pega os peixe, nós pega os livro por uma vida melhor... Tauba, probrema, rebocar, arredar (arreda daí, mininu!), coisar.... Ah, os falares da minha terra! Saudades das lições de Mattoso Câmara e daquelas do meu mestre Carlos Eduardo Falcão Uchôa na UFF!!... Saudades do 'barrer' que só a 'bassoura' de minha vó sabia o que era!!... Saudades do Arnesto que devia ter 'ponhado' um recado na porta!!... Como é bom poder ouvir alguns 'nóis vai' ou 'a gente vamus'... Como é bom saber que esse povo, esse povo matreiro e espontâneo, esse povo que tem sua gramática inata - do momento em que nasce (analfabeto como a mãe do presidente) até o momento mágico em que as primeiras palavras lhe saem da boca - como é bom saber que esse mesmo povo contribui para que a língua seja para sempre língua e não tratado... Como é bom saber que essa língua, daqui a alguns anos, terá (pela força desse mesmo povo) se espatifado, se estilhaçado, se transformado em muitas, terá sido levada nas asas de pássaros-falantes, terá polinizado e feito florir um jardim de possibilidades... Um jardim como aquele onde um dia se destacou a última flor do lácio, latim em pó... Esse povo nunca falou errado. Quiçá sejamos nós que nunca nos permitimos ouvir certo...

"e as gentes no seu
linguajar gostoso
espontâneo
prosivivendo paixões
da maneira
que as satisfaz."

(Edmilson Borret)


Dito isso, passo a palavra ao Wisnik e ao Faraco. Dois exemplos de sensatez em meio a tanta polêmica apedeuta.

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ANALFABETISMO FUNCIONAL
José Miguel Wisnik *

Não resisto a voltar à discussão sobre o livro de Heloísa Ramos, "Para uma vida melhor", oficializado pela chancela do MEC. Falei dele e da polêmica que ele despertou, na semana passada, mas os efeitos sintomáticos que o livro desencadeou ainda ficam ressoando demais. Talvez porque eu tenha sabido da notícia, revoltante em sua miudeza obscurantista, de que o deputado Átila Nunes, do PSL do Rio, apresentou projeto de lei para que se proíba a distribuição do livro nas escolas do estado. Suponho que esse Átila não vai conseguir esterilizar os caminhos por onde passa, como o rei dos hunos que lhe dá nome, mas a sua proposta é cheia de sinais reveladores. O artigo de José Sarney na "Folha de S. Paulo", invocando Fernando Pessoa em nome da unidade linguística da pátria, também não me fez bem.

O que dá às reações o seu caráter de sintoma de alguma outra coisa é a desproporção entre o que se lê em "Para uma vida melhor", dentro do seu contexto próprio, e as afirmações de que ele convida perigosamente ao abandono da concordância gramatical em nome de uma permissiva e perversa norma inculta a ser adotada generalizadamente. Como eu já disse aqui, o capítulo expõe com elegância procedimentos para se escrever com limpidez, justificando-os pela necessidade de fazê-lo em certos contextos. Extrai esses princípios de coesão, clareza e propriedade das necessidades do próprio texto que se escreve, balizados pela norma culta, sem tomá-la como a verdade universal que ela não é. Faz isso tão bem que acaba demonstrando na prática, em bom português, que a escrita segundo padrões decantados pela tradição, em seu estado atual e vivo, não deveria ter vergonha de se apresentar aos estudantes e professores como um instrumento modelar a ser adotado como tal. Afinal, há de ser por algum motivo forte, maior do que aqueles que ele mesmo apresenta, que o livro pratica o padrão linguístico que ele relativiza.

Este é o meu reparo filosófico e pedagógico, a meu ver de grandes consequências, a ser considerado pela autora e pelo MEC: aceitar-se a multiplicidade das falas como um substrato cultural democrático, sem preconceitos, sim, mas afirmar também a ampla validade, não meramente circunstancial, dos padrões decantados pela língua escrita como um repertório a ser atingido, praticado e renovado, pelo seu longo alcance.

Tudo isso que acabo de dizer faz parte de uma conversa esclarecida, sobre um trabalho pedagógico honesto, que teve o mérito, mesmo que não buscado, de tocar numa questão tabu. Já a extensão das reações escandalizadas adquire a dimensão do sintoma, a merecer uma psicanálise coletiva. Por que será que é tão insuportável que se admita com naturalidade as variantes linguísticas dos falares, e por que se teme com tanta ênfase que a menção desse fato nas escolas vá nos arrastar irremediavelmente para o pântano do caos linguístico?

Porque esse pântano patina sob os próprios pés de quem fala. Nesse sentido, o projeto de lei do deputado do PSL é um índice hilariante. O projeto pretende proibir "qualquer livro, didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à norma culta ou que viole de alguma forma o ensino correto da gramática de nosso idioma nacional". Querer que a literatura obedeça aos gramáticos oficiais, sob pena de retirada do mercado, só pode ser o delírio de quem tropeça na língua portuguesa a cada frase. É o que acontece no projeto de lei do deputado, que estende a sua justificativa a outros tipos de livro que "acabam fazendo apologia a questões criminais ou despertam precocemente o libido dos jovens, incentivando conceitos distorcidos da verdade social".

"Apologia a questões criminais"? O deputado não é forte em regência nem no apuro semântico dos termos. "O libido dos jovens"? Será que é isso mesmo que estou lendo? Se for, então esse Átila é um perigoso devastador da língua portuguesa.

O exemplo folclórico tem valor de sintoma, na sua caricatura. José Sarney, ao afirmar erradamente que se resolveu no Brasil "criminalizar quem fala corretamente", diz que "defender a língua é defender a pátria", acrescentando: "eis a origem da famosa frase de Fernando Pessoa: "A minha pátria é a língua portuguesa"". Mas Fernando Pessoa não está dizendo nessa frase do "Livro do desassossego", em tom sentencioso, que a língua está a serviço da defesa da pátria ("a língua portuguesa é a minha pátria"). Está invertendo esse raciocínio e dizendo que o seu compromisso de escritor é com a língua livre e criadora ("minha pátria é a língua portuguesa").

É o que se vê nos textos de Pessoa reunidos no livro "A língua portuguesa", onde começa dizendo abertamente que a palavra falada é democrática e segue os usos. "Se a maioria pronuncia mal uma palavra, temos que a pronunciar mal. Se a maioria usa de uma construção errada, da mesma construção teremos que usar." O maior poeta do século não está preconizando o erro, está constatando que a língua falada é um fenômeno de massa que segue suas próprias leis, independente de qualquer norma, e arrasta os falantes para os seus usos coletivos. Não muito diferente do livro distribuído pelo MEC. A palavra escrita, por outro lado, dizia Pessoa, impõe suas necessidades e tem as suas regras como lastro. O escritor está livre delas, porque faz com a língua o que quiser. O povo também está livre delas. O Estado, no entanto, através da escola, deve ensiná-las como algo que nos serve de baliza e adianto.

Não como uma prisão às regras. Para podermos estar mais livres delas.

* José Miguel Soares Wisnik é professor de Teoria Literária na USP.

FONTE: Jornal O Globo, de 28/05/2011


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POLÊMICA VAZIA
Carlos Alberto Faraco*

O desvelamento da nossa cara linguística tem incomodado profundamente certa intelectualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão.

Corre pela imprensa e pela internet uma polêmica sobre o livro didático Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático (do MEC) para escolas voltadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo seus críticos, o livro, ao abordar a variação linguística, estaria fazendo a apologia do “erro” de português e desvalorizando, assim, o domínio da chamada norma culta.

O tom geral é de escândalo. A polêmica, no entanto, não tem qualquer fundamento. Quem a iniciou e quem a está sustentando pelo lado do escândalo, leu o que não está escrito, está atirando a esmo, atingindo alvos errados e revelando sua espantosa ignorância sobre a história e a realidade social e linguística do Brasil.

Pior ainda: jornalistas respeitáveis e até mesmo um conhecido gramático manifestam indignação claramente apenas por ouvir dizer e não com base numa análise criteriosa do material. Não podemos senão lamentar essa irresponsável atitude de pessoas que têm a obrigação, ao ocupar o espaço público, de seguir comezinhos princípios éticos.

Se o fizessem, veriam facilmente que os autores do livro apenas seguem o que recomenda o bom senso e a boa pedagogia da língua. O assunto é a concordância verbal e nominal – que, como sabemos – se realiza, no português do Brasil, de modo diferente de variedade para variedade da língua. Há significativas diferenças entre as variedades ditas populares e as variedades ditas cultas. Essas diferenças decorrem do modo clivado como se constituiu a sociedade brasileira. Ou seja, a divisão linguística reflete a divisão econômica e social em que se assentou nossa sociedade, divisão que não fomos ainda capazes de superar ou, ao menos, de diminuir substancialmente.

Muitos de nós acreditamos que a educação é um dos meios de que dispomos para enfrentar essa nossa profunda clivagem econômica e social. Nós linguistas, por exemplo, defendemos que o ensino de português crie condições para que todos os alunos alcancem o domínio das variedades cultas, variedades com que se expressa o mundo da cultura letrada, do saber escolarizado.

Para alcançar esse objetivo, é indispensável informar os alunos sobre o quadro da variação linguística existente no nosso país e, a partir da comparação das variedades, mostrar-lhes os pontos críticos que as diferenciam e chamar sua atenção para os efeitos sociais corrosivos de algumas dessas diferenças (o preconceito linguístico – tão arraigado ainda na nossa sociedade e que redunda em atitudes de intolerância, humilhação, exclusão e violência simbólica com base na variedade linguística que se fala). Por fim, é preciso destacar a importância de conhecer essa realidade tanto para dominar as variedades cultas, quanto para participar da luta contra o preconceito linguístico.

É isso – e apenas isso – que fazem os autores do livro. E não somente os autores desse livro, mas dos livros de português que têm sido escritos já há algum tempo. Subjacentes a essa direção pedagógica estão os estudos descritivos da realidade histórica e social da língua portuguesa do Brasil, estudos que têm desvelado, com cada vez mais detalhes, a nossa complexa cara linguística.

Desses estudos nasceu naturalmente a discussão sobre que caminhos precisamos tomar para adequar o ensino da língua a essa realidade de modo a não reforçar (como fazia a pedagogia tradicional) o nosso apartheid social e linguístico, mas sim favorecer a democratização do domínio das variedades cultas e da cultura letrada, domínio que foi sistematicamente negado a expressivos segmentos de nossa sociedade ao longo da nossa história.

O desvelamento da nossa cara linguística, porém, tem incomodado profundamente certa intelectualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão. Preferem, então, apegar-se dogmática e raivosamente à simplicidade dos juízos absolutos do certo e do errado. Mostram-se assim pouco preparados para o debate franco, aberto e desapaixonado que essas questões exigem.

* Carlos Alberto Faraco, linguista, foi professor de português e reitor da UFPR.

FONTE: Jornal Gazeta do Povo (PR), em 19/05/2011



3.5.11

Justice has been done... Really?


A sensação que tenho é que estamos vivendo uma grande farsa. Todos os jornais que leio, todas as páginas de notícias na internet, todas as tv’s do mundo – tudo repetindo o mesmo sentimento: “justice has been done”. E se eu não me policio, corro o risco de acreditar mesmo que alguma justiça foi feita. Uma justiça bem ao gosto americano, uma justiça que não reconhece nenhum Estado de Direito, uma justiça baseada na lei de talião, uma justiça como a que se vê em passagens do Velho Testamento. Aqui no caso, olho por olhos, dente por dentes: o sangue que escorreu de duas torres enfim vingado na foto-montagem de um corpo atirado às vagas do mar.

Vejo americanos felizes pelas ruas, festejando, comemorando, dançando e gargalhando. Uma festa pela morte! Vejo comparações estranhas com velhos fantasmas de ditadores sanguinários – o que justificaria a morte. Hitlers, Mussolinis, Stalins, Saddams e toda uma longa corja de vultos negros assassinos voltam correndo para o inferno acompanhados de mais um representante do Mal. O Mal, mais uma vez, foi vencido. O sol há de brilhar mais uma vez. A luz há de chegar aos corações. A câmera, primeiro em plano fechado, enquadra o rosto de um presidente-herói saudando a multidão mundial; depois, num plano aberto, vai subindo numa grua e faz um longo take épico, panorâmico, dos rostos felizes quase em transe, das bandeirolas em punho, das crianças alçadas aos ombros de pais orgulhosos do american way life.

Um filme. É isso: um filme. Minha sensação de estar vivendo uma grande farsa vai, pouco a pouco, esvaecendo. Já não sei mais o que é realidade, o que é ficção. Roteiristas muito bem treinados, enredo perfeito, atores maravilhosos, fotografia, efeitos especiais, figurino e maquiagem – tudo perfeito.

Tudo perfeito... se não fosse tudo tão velho! Tão velho quanto o mundo, tão velho quanto o homem e sua barbárie em nome de deus, da família, da propriedade, da pátria e da liberdade. Dominus dominium juros além.

Saio caminhando, feito um zumbi, um extraterrestre, um Neo em sua Nabucodonozor tentando furar caminho em meio a uma gente risonha e festejante, a noticiários que me chegam de todos os cantos e que me convidam para a nova era. Entro na primeira biblioteca pública que encontro e vou direto às estantes dos livros de História. Quero um pouco de realidade, uma lufada de ar fresco. Folheio (em dúvida mesmo sobre a real validade do que leio) compêndios e mais compêndios sobre impérios que se ergueram graças à dormência dos sentidos de milhares de milhões de seres humanos. Impérios e seus governantes que atacaram outras nações, que mataram, que saquearam. E sempre com o aval de todo o restante da humanidade. Eram homens de bem – que se registre! Se atacaram, se mataram, se saquearam, foi tudo por um bem maior: a Liberdade. Mas, no meu entender deturpado pela minha condição de zumbi, não eram homens de bem. Eram loucos. O problema é que eram loucos que se tornaram representantes de Impérios. E, a partir do poder, podiam moldar a humanidade toda à sua loucura: e a isso se chamou de engenharia social.

Fecho o livro que folheio. Olho em volta. A alegria reinante parece que vai durar a noite toda. Estão todos inebriados. Saio da biblioteca. Toda cultura parece inútil agora. Preciso voltar para casa. Tomo as ruas mais uma vez tentando, com muito esforço, não esbarrar na alegria alheia. Chego em casa, fecho as janelas, cerro as cortinas, desligo a tv. Lá de fora ainda me vêm o som de alguns fogos ao longe, de algumas gargalhadas e festejos. Por que só eu não estou no clima de festa?

No escuro, tateio as paredes e vou até os meus CDs. Preciso de uma música para abafar tanta comemoração que vem lá de fora. Enquanto escolho o cd, penso que no justice has been done at all. Mas o que posso eu contra o senso comum no final das contas? Acho, finalmente, o cd que procurava...


Faces sob o sol, os olhos na cruz
Os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã

Vão levar ao reino dos minaretes a paz na ponta dos arietes

A conversão para os infiéis

....
Ah como é difícil tornar-se herói
Só quem tentou sabe como dói
Vencer Satã só com orações
....

Ê andá pa catarandá que Deus tudo vê
Ê anda, ê ora, ê manda, ê mata

Responderei não!

24.4.11

Deus feito em casa

(Photo by Ray Bartkus)


O texto a seguir, infelizmente, não foi escrito por mim: o que mata de inveja, confesso. Quando o li, entretanto, pensei: não posso deixar de colocá-lo em meu blog. Ao lê-lo, inclusive, cheguei mesmo a pensar em deixar de ser ateu... Só teria que bolar o nome para a minha religião.

O texto é um passo-a-passo incrível, um manual perfeito para os adeptos do "faça-você-mesmo". Inteligente, hilário e sarcástico, é um texto que merece ser amplamente divulgado. Se, como já observou Aristóteles, "o homem é o único animal que ri", quero me valer dessa característica da minha humanidade. O riso liberta o indivíduo do medo de deuses e demônios. Se o homem tiver a liberdade de rir, o que o impedirá de afrontar a autoridade instituída e, no limite, seus próprios deuses, com o seu riso? Toda religião se fundamenta no temor. Paradoxalmente, o crente ama e teme a divindade; aceita-a e voluntariamente submete-se. Em alguns contextos históricos, o medo chega mesmo a se tornar terror – como escapar de um deus onipresente e onisciente? E se a divindade é a do Antigo Testamento, então poderá parecer colérica e ameaçadora. E, de qualquer forma, seus sacerdotes, os que falam em seu nome, nos lançarão diante do horror que ameaça consumir nosso corpo e alma. Em nome dele, e pelo terror das trevas, surgem os dispostos a fazer cruzadas e combater as heresias, nem que seja preciso consumir no fogo corpos e almas. O temor é, portanto, fundamental, e quem ri tende a não temer.

Gostei do texto, portanto, porque ele me fez dar boas risadas. E isso só me basta!


Clique AQUI para conhecer a fonte original do texto.




Deus feito em casa

Muitas culturas têm um deus. E considerando que todas essas culturas são diferentes entre si, todos esses deuses acabam sendo diferentes entre si também.

Se você quer ter um deus particular (um só seu), não é tão complicado assim. Diga que seu deus existe e mande que os outros provem em contrário. Muito simples, não é? Ah, mas aí é que está! Para se criar um deus, é preciso seguir certas “regrinhas”.

Este artigo mostra como criar seu próprio “Deus Home-Made”. Come with us e que seu deus o acompanhe.

1 – SÓ ELE EXISTE

Bom, pra princípio de conversa, somente o seu deus existe. Ele é único e exclusivo. Você acredita nele e isso é o suficiente para provar tal existência. Quem duvidar que prove o contrário, ora essa! Assim, quem não acreditar em seu deus é ateu. Pouco importa se são judeus, cristãos, muçulmanos, seguidores de deidades pagãs etc. São todos ateus e ponto final!

Ignore os princípios da Lógica. Exija que provem que seu deus é apenas uma piada e que não existe de fato. Não dê a mínima se te disserem que não se pode provar uma inexistência, isso é papo de ateu ignorante. Seu deus existe, é real e o ama de verdade. Os ateus? Ora, seu deus os odeia (assim como você os odeia também) e vai mandá-los pro inferno, para sofrimentos terríveis. Entretanto, sendo você uma pessoa boa e justa, estará orando para que seu deus os perdoe (coisa que você sabe que nunca acontecerá). Você fica parecendo um cara legal, seu deus fica com duas personalidades e todos os que o contrariarem irão pro inferno, tendo medo e se afastarão de você, mostrando o quanto você está certo.

Quer coisa melhor que isso?

2 – SEU DEUS SABE TUDO

Ora, convenhamos, um deus que se preze tem que saber tudo. Senão, para que alguém precisaria dele? Contrate um economista e fim de papo! Mas, você está criando uma religião e não um cargo no Ministério da Fazenda. Assim, seu deus sabe tudo de tudo sobre tudo. Sabe até o que as pessoas não fizeram, mas queriam fazer. E o que é melhor: Disse tudo a você, pois você é o enviado dele (não, não foi um trocadilho com relação à sua opção sexual).

Desse modo, você – oh, Profeta! – também sabe tudo; e não caia na conversa de incrédulos que dizem que suas acusações são infundadas. Seu deus nunca o enganaria, não é mesmo? Condene severamente, amaldiçoe e execre em público todos aqueles que o contrariarem, não esquecendo de orar pela graça do seu deus a essas pobres almas pecadoras (coisa que você não faz a menor questão que aconteça).

3 – SEU DEUS ESTÁ EM TODO LUGAR

Olha só, seu deus tem que estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Se aquele deus lá (o tal daqueles caras largados no deserto, junto com bosta de cabra) era onipresente, por que o seu não seria? Afinal, o seu deus é único e verdadeiro, enquanto que o deles é falso, obviamente. Se o deusinho deles fosse verdadeiro, ele teria se apresentado para você. Ele fez isso? Não, mas o seu deus sim! Em quem você prefere acreditar?

Assim, o seu omniultrapowermegafucker deus pode ver onde estão os pecadores, para ferrá-los depois. Afinal, é estando em todos os lugares que ele sabe de tudo, não é mesmo? E se te perguntarem como ele precisa estar em algum lugar se ele sabe tudo, chame esta pessoa de herética, berre que é blasmacho… quero dizer, blasfêmia. Condene-a ao inferno, jogue algumas maldições sobre a família dela e grite alucinadamente. Nossa legislação ainda está proibindo assassinatos, e este seria o único método de fazê-la parar. Logo, NÃO PARE!!!

Não esqueça de terminar com a frase: Meu deus te ama.

4 – SEU DEUS É BOM

Claro! Afinal, ele é deus. E todo deus é bondoso, certo? Errado! O SEU deus é bondoso! Os deuses dos outros não são porque não existem. Se existissem, não haveria monoteísmo. E você sabe muito bem que seu deus lhe disse que ele era o único deus que existia; e você, como um bom fiel (e poderoso profeta), vai acreditar em tudo o que o senhor seu deus fala, é óbvio!

Entretanto, convém notar que seu deus fica irritado às vezes e pune as pessoas. Isso acontece sim, é verdade, e é tudo por culpa de quem? Dele que as criou? Claro que não, ora bolas! A culpa é de quem não entendeu o que seu deus disse. E se ninguém mais ouviu o que seu deus falou, é porque são pecadores. E nós sabemos que pecadores merecem ir pro inferno.

Pode ser que algumas pessoas inocentes sofram, mas quem garante que bebezinhos não se tornariam pérfidos ateus? Seu deus sabe de tudo, logo ele vai punir o bebezinho logo de uma vez. Esta geração atual já nasce endiabrada mesmo. Vide aquela garota do filme do exorcista. Aquele padre molenga achou que ela era boazinha. Se ela realmente fosse, teriam feito uma continuação do filme? Pense nisso.

No final das contas, seu deus é o cara mais legal que você conhece. O pessoal que sofre, mas dizia acreditar nele, não passam de mentirosos. Somente o verdadeiro fiel tem graças infinitas. Se não tiver, é porque seu deus quer testar a fé deles, mesmo sendo omnisciente. Logo, é necessário que você seja instrumento do seu deus e comece a perseguir e imputar dor e sofrimento a quem o rodeia. Vai que eles são espiões dos falsos deuses? De qualquer forma, a pessoa tem que saber que não é fiel ao seu deus. Mesmo sendo um bebezinho de colo. E você – oh, Profeta! – é aquele que ajudará o seu deus nesta Missão Santa, que não tem nada de impossível. Ou você acha que Tom Cruise faria melhor?

5 – DEUS TE ESCOLHEU

Bom, tomando por base que você criou o deus, é justo supor que você (e ninguém mais) é o mensageiro dele. E é simples de entender.

Você criou um deus. Mas só fez isso porque seu deus existe e lhe disse isso pessoalmente. Você sentiu ele penetrar em… humm… err… bem, ele entrou em você (espiritualmente, é claro) e isso o inspirou divinamente. Seu deus só fala com você e ninguém mais, porque mesmo sendo onipresente, ele sente que precisa de um porta-voz na Terra. E sendo o porta-voz dele, você usa a inspiração para espalhar a Boa Nova. Qual é a Boa Nova? Seu deus existe, ama todo mundo, mas vai destruir todo aquele que pensar em dizer que o profeta dele (no caso, você) é totalmente maluco.

Quem não acreditar, terá a misericórdia do seu deus (enquanto arde no fogo do inferno). Até mesmo o Hank pensa duas vezes de contrariá-lo e Chuck Norris passa batido.

Qualquer mente esclarecida ao mínimo saberá na verdade que você não criou nada. Seu deus é que lhe fez ter esta idéia – esta inspiração divina, digamos assim – pois ele precisava de um mensageiro fiel e um profeta à altura da grandiosidade dele. Logo, o escolhido foi… VOCÊ!! Pouco importa se a descrição do seu deus se pareça contigo. É normal, já que fomos feitos à imagem e semelhança dele, mesmo tendo tantos indivíduos completamente diferentes um dos outros.

Portanto, cabe a você – oh Escolhido – impor… hã, quero dizer… pregar o culto ao deus supremo. Quem vai lhe contestar? Um bando de céticos que não sabem de nada? Condene-os ao inferno e está tudo certo. Teu deus te ouvirá. Afinal, quer maior teste de fé que aceitar você, meu caro Profeta, que seu deus é único e que todos devem fazer o que você manda? Afinal, você é o Escolhido. Mas, evite andar de casacão preto e óculos escuros e jamais – JAMAIS!! – tome qualquer pílula ou comprimido na cor vermelha. Isso é coisa do diabo (daqui a pouco saberemos mais sobre isso).

6 – SEU DEUS FEZ TUDO

Precisava dizer isso? Ora, se o seu deus é único e poderoso, claro que ele fez o Universo há… bem, não importa quando foi, importa? E não acredite em cientistas. Como diz o reverendo Homer Simpson: “Fatos… Bah! Pode-se provar qualquer coisa com eles”.

A parada é a seguinte: Numa hora de ociosidade, seu deus resolveu criar tudo. Muito bem, ele criou. E para quê? Para que nos mundos… digo, neste mundo aparecessem seres que o adorassem. Simples, não? Afinal, se ele é deus, a nossa obrigação é cairmos de joelhos perante ele (e a você também, já que é o emissário); e quem não quiser… bem, é um ateu desgraçado e vai sofrer penas infernais de dar dó.

Mas, como você avisou antes, seu deus não terá pena de ninguém. Mas, tenha certeza: Seu deus ama todo mundo, pois é clemente e misericordioso.

7 – O NOME DO SEU DEUS

Deus, ora bolas! Que outro nome ele precisa ter? Os outros que tenham, já que não passam de demônios mesmo. O único deus que existe é o seu, lembre-se disso.

8 – HISTÓRIAS CÓPIA/COLA

Em qualquer religiãozinha ridícula, vagabunda e mequetrefe que vemos por aí, os deuses (bem chulés também) passam por histórias grandiosas e épicas. Tendo isso em mente, você pode se perguntar: O que meu deus fez de extraordinário?

Bem, meu caro Profeta, a resposta é simples: Tudo aquilo e ainda mais!

Pensa comigo. Seu deus fez tudo de tudo, certo? Os outros deuses não passam de historinhas inventadas (que perdem de 1000 a zero para as do Cebolinha). Seu deus hiper-mega-ultra é muito superior. E se as outras culturas possuem aquelas histórias é porque copiaram das aventuras de seu deus.

Não interessa se você o criou agora, isso não é relevante. Seu deus sempre existiu, isto é fato! E se ele sempre existiu, todos falavam dele, apesar de darem nomes diferentes. Não importa! Seu deus é “O Cara” e todos os pecadores estavam falando dele, quando criaram suas mitologias estúpidas.

Assim, eles apenas tiveram contato com seu deus, mas como porcos pecadores que são, ignoraram o “hômi” e agora estão pagando por isso. Isso significa que todas aquelas histórias foram baseadas em acontecimentos VERÍDICOS ordenados pelo SENHOR seu deus.

E tudo começou com uma chuvarada imensa que alagou tudo inclusive as montanhas mais altas (o fato da água ter aparecido do nada é irrelevante. Seu deus fode pode tudo).

E quem duvidar só pode ser um ateu desgraçado e você sabe melhor do que eu o que acontece com hereges. Afinal, você é o inspirado.

9 – O DIABO

Não existe somente mocinhos bons numa história. Sempre há aqueles que matam, estupram, pilham, saqueiam, mutilam, escravizam, massacram e agem com selvageria extrema em guerras sangrentas e desnecessárias.

Um cético pode lhe interromper neste ponto e dizer que tudo isso fora muitas vezes causadas em nome das religiões. O que você fará? Resposta: Rirá com desdém. Por quê? Ora, Profeta, simplesmente porque não foi o seu deus (o único e verdadeiro deus que existe), mas sim obra do diabo.

O diabo, cramunhão, pé-de-bode, capiroto, bicho-feio, demo e nomes afins retratam a mesma coisa: qualquer pseudodeusinho pé-rapado que não seja o seu deus. Afinal, seu deus é único. Os demais deuses (todos falsos) são contra ele. O diabo é uma figura que se contrapõe ao seu deus, assim: todos aqueles deuses são demônios. Simples!

Aqueles dois céticos chatos de um certo Blog inconveniente podem argumentar dizendo que se seu deus criou tudo, logo criou o diabo também e, assim, é responsável por tudo. E daí? Eles que falem! Eles foram tocados pelo seu deus? Não, mas você foi (espiritualmente, claro). Eles entendem a beleza disso? Claro que não. São alarmistas fantasiosos e, pior de tudo, céticos (arghhhhhhhh).

Assim o que lhe resta? Sacudir a cabeça, insistir que seu deus é bom, o capeta não é, eles estão influenciados pelo maligno e acabarão no inferno. Mas, como você é uma boa pessoa, rezará muito para que eles encontrem a luz do seu deus, amém.

10 – CONTRADIÇÕES

Seguinte. Seu deus precisa dar algumas instruções. Essas instruções (devidamente repassadas por você) podem ser compreendidas ou não. Não é problema seu se tem idiotas no mundo que não compreendem o senhor seu deus. Esses são infiéis e merecem o inferno.

E o fato de haver discrepâncias e contradições, só ressalta o valor espiritual de suas palavras, pois a letra cata e o espírito mexirica. Ou algo similar a isso.

Isso significa que seu deus é sábio e confundiu todo mundo para que ele pudesse saber quem é o verdadeiro fiel. Afinal, ele é omnisciente, mas as pessoas não. E estes precisam ser testados, para que usem seu livre arbítrio e sigam da melhor forma possível tudo o que já tinha sido predestinado pelo seu deus omnibondoso, já que ele mandará quem não fez direito nenhuma de suas instruções lá pras profundezas do inferno.

Isso não é lindo? Ai, Ai…

10.4.11

Fronteira




“Há uma saudade da vida,
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença,
da mão de puro mistério,
...que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição”

(Trecho do poema "Fronteira", do poeta curitibano Tasso da Silveira, 1895/1968, apresentado no Fantástico de hoje)

9.4.11

"Vivemos esperando dias melhores"

(Autoria da foto: Edmilson Borret - 11/12/2009)


Hoje, sábado (09/04/11), não pretendo fazer absolutamente nada além de vivenciar, enfim, meu profundo luto; algo que para mim se faz necessário até mesmo para recuperar o equilíbrio, para manter o discernimento que o momento exige e para, principalmente, tentar fugir à espetacularização desta tragédia por uma mídia profundamente irresponsável, calhorda, leviana e desrespeitosa.

Em situações de comoção como essa, tendemos a procurar explicações: a dor rejeita palavras de conforto, a dor não anestesiada lateja tentando entender o que, no fundo, não se explica. Nenhuma explicação caberia para esta situação. Não farei, de forma alguma, nenhuma consideração sobre o racismo, sobre os crimes de ódio (os "hate crimes", como dizem os americanos) por conta da misoginia, sobre a demonização do islamismo, sobre o bullying nas escolas, sobre a cultura de violência no ambiente escolar ou sobre o abandono e a desvalorização da educação pública por décadas de total descaso. Esses são, sem dúvida alguma, problemas sérios para os quais devemos buscar continuamente soluções efetivas. Esses problemas, entretanto, não dão conta de explicar o que ocorreu na minha escola no fatídico dia 07 de abril de 2011.

Não cabe agora, tampouco, exigir que as escolas (públicas ou privadas) se transformem em bunkers. Como bem observou o ministro Haddad ontem lá na escola em entrevista coletiva, se as escolas vierem a se transformar no modelo de segurança exigido pela opinião pública insuflada pela mídia, teremos qualquer coisa outra, menos uma escola. Vale lembrar também que a Tasso sempre foi uma escola com um perfil acolhedor, referência na região do modelo inclusivo e da participação da comunidade; e assim pretendemos que ela continue sendo. Ademais, nossa escola conta com, pelo menos, dois dispositivos que a cultura moderna desde George Orwell já vinha preconizando como pressuposto de segurança e controle: a escola possui portões eletrônicos e câmeras na entrada, no pátio e nos corredores. E aí eu pergunto: do que tudo isso adiantou? Escolas americanas, além das câmeras de segurança, têm detectores de metais; nem eles impediram massacres como o que aconteceu há doze anos em Columbine e quinta-feira na minha escola. Até mesmo a Finlândia, país tido como modelo da melhor educação pública do mundo, já vivenciou tragédia semelhante a essa.

Tampouco cabe agora condenar os proselitismos religiosos que surgem na esteira dessa tragédia. Como ateu que sou, não vou de forma alguma aqui condenar as religiões pela lavagem cerebral que algumas denominações costumam fazer nas cabeças de jovens como o Wellington. Embora eu saiba que, se aproveitando da tragédia, surgirão setores da sociedade conservadores e oportunistas afirmando que não temos "deus no coração" e que, por isso, estamos pagando caro: calhordas religiosos infiltrados na política, como o infeliz fundamentalista cristão deputado Marco Feliciano, já afirmaram isso com todas as letras. Surgirão outros do estilo dele e de um Bolsonaro que pregarão uma cartilha de etiquetas cada vez mais retrógadas para nossos adolescentes e exigirão - tudo em nome de deus, da pátria e da família - medidas de segurança máxima em nossas escolas oprimindo ainda mais os adolescentes. Os fantasmas da Educação Moral e Cívica e do Ensino Religioso (confessional ou plural, obrigatório ou opcional) surgirão como a luz no fim do túnel, a esperança única para essa sociedade tão deturpada, segundo a visão dessas pessoas... Não. Não vou me ater a essa discussão. Até porque tudo que poderia falar sobre isso eu já deixei claro em postagens anteriores bem mais bombásticas onde exponho minhas opiniões sobre o tema.

Hoje, com a calma e serenidade que o meu momento de luto me traz, quero apenas falar de esperança, de reconstrução e de otimismo. Como educador e, principalmente, como professor da escola onde a tragédia aconteceu, preciso manter esse estado de espírito otimista e esperançoso para poder acolher nossos alunos quando eles regressarem. Esse meu blog que sempre foi conhecido por sua postura questionadora, escrachada, iconoclasta e zombeteira, hoje muda um pouco o tom.

O jornal Extra, de forma totalmente irresponsável, achou no Youtube um vídeo que criei no final do ano passado em homenagem aos formandos e tentou fazer um pouco mais de sensacionalismo: destacou uma frase dita por um dos formandos no vídeo num contexto totalmente outro e colocou-a como uma forma de vaticínio da tragédia que ocorreu na quinta-feira. Imediatamente (em menos de 48 horas) os acessos ao vídeo subiram de parcos 500 para mais de 40.000 até agora. Curiosamente, o tiro saiu pela culatra para o jornal. Ao invés de suscitar reações de espanto diante da tal "premonição" do aluno e assim corroborar a visão do jornalista (ir)responsável pela matéria, o vídeo só fez aumentarem as mensagens de apoio e solidariedade; além de suscitar nas pessoas os sentimentos de esperança e otimismo dos quais falei acima. A música que utilizei, o poema e o depoimento dos alunos, tudo isso vai servir de material necessário agora à reconstrução do nosso espaço escolar. Os versos que abrem o poema de Oswaldo Montenegro serão doravante quase que nosso lema, quase que nosso projeto político-pedagógico:

"Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio"


Mais adiante no poema, outros dois versos espelham exatamente a atitude que norteará nosso trabalho para recuperar a confiança e a alegria tanto de alunos quanto de professores e funcionários:

"Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba"


É isso. Como diz a música do vídeo, "vivemos esperando dias melhores, dias em que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo". No momento, estamos nos esforçando para nos mantermos melhores na dor. Mas chegará o dia em que ela, a dor, estará superada (não apagada nem esquecida, mas superada) e poderemos novamente ser MELHORES EM TUDO...




3.4.11

Fait divers


Tinha a faca e o queijo nas mãos.
Cortou os pulsos
e entupiu as veias de colesterol.

(Edmilson Borret)

1.4.11

Sobre um escroto chamado Jair Bolsonaro


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Ah, já ia me esquecendo...


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Em tempo: E vocês acham mesmo que vou dar mais espaço na mídia pra esse idiota? Tenho mais o que fazer.

Mas para quem quiser um texto bem lúcido, bacana mesmo, sensato e tals sobre esse escroto, sugiro uma postagem de uma blogueira de quem sou fã e que sigo sempre. Na minha opinião, ela já disse tudo que nós (pessoas esclarecidas) gostaríamos de dizer sobre esse fanfarrão. Confiram no Escreva Lola Escreva. Só clicar AQUI.

30.3.11

(Autoia da foto: Edmilson Borret - 30/12/2009)


A MORTE DA POESIA


A poesia erguia-se no fim da rua
desafiadora... a mão no ar
Tinha descido da laje
aos pulos
e ziguezagueado nos becos
A poesia tinha dentes brancos
na noite negra sem lua
A poesia arfava
tentava uma saída
Nenhuma porta
nenhum barraco
nenhum latão de lixo
para dar guarida à poesia
Eles vieram
arrastaram a poesia
levaram-na pro descampado
barbarizaram com a poesia
e deram-lhe 10 tiros na cara

Ninguém viu, ninguém ouviu
Era noite alta – dizem
Melhor não falar da poesia!

O que se sabe é que era linda...

No dia seguinte tinha uma poesia
estampada no jornal
Lindos dentes brancos
em meio à tinta preta...


(Edmilson Borret – 30/03/2011)

25.3.11



A Carne

a carne crua, nua
a carne sua - e freme
a carne sua (quisera minha)
tão jovem a carne pura
tão firme a carne dura
dura a carne horas no olhar
some a carne em segundos
ante o desejo de tocar
morre em meus lábios o delírio
pulsa na carne meu martírio

aguardo vencido
em visível palidez senil
o momento único, certo
de cingir a carne
de trazê-la ao perto
de fugir às regras
na trágica certeza do grilhão
face a juvenil tentação

evita no entanto a carne
a mácula do meu abraço
esvai-se risonha e fresca
e deixa-me nos olhos cansaço

minha alma de artista
pode quase nada
diante da carne
senão louvar a carne
jamais traduzir da carne
aprumada e exata beleza
em enfadonha existência
assumem meus nervos esta saudável tristeza

e como nas horas em que o sol agoniza
o que mais se quer é a lâmina da gentileza
é fugir à ilegal vergonha que nos humaniza
ganhar os mares... ir morrer em Veneza

(Edmilson Borret)

23.2.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte final (por enquanto)

(Autoria da foto: Edmilson Borret - 11/09/2010)


A questão é que muita gente parece desconhecer o que é ser ateu. Como já tentei deixar claro nas postagens anteriores, basicamente, ser ateu é não precisar de um deus nem de deuses para justificar os próprios atos. Não é simplesmente "negar" a existência de deus(es): isso poderia parecer uma simples pirracinha infantil, coisa de adolescente rebelde sem causa. Ser ateu, pelo menos como eu entendo ser ateu de forma consciente, é assumir a responsabilidade de estar vivo e viver conforme a própria consciência, fruto do funcionamento cerebral. E o espanto geral advém justamente daí. Como assumir a responsabilidade por estar vivo????!!!

Nesse sentido, minha maneira de encarar as coisas aproxima-se muito do existencialismo ateu de Sartre. Segundo ele, o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Paradoxalmente, Sartre nos propõe a ideia de liberdade como uma pena, por assim dizer: "O homem está condenado a ser livre". Se, como Nietzsche afirmava, já não havia a existência de um deus que pudesse justificar os acontecimentos, a ideia de destino, com Sartre, passa a ser inconcebível, sendo então o homem o único responsável por seus atos e escolhas. Nossas escolhas são direcionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, o homem é um ser que "projeta tornar-se deus". Nesse sentido, dentro dessa perspectiva, recorrer a uma suposta ordem divina representa apenas uma incapacidade humana de arcar com as próprias responsabilidades. O existencialismo sartriano confere assim uma importância crucial à responsabilidade individual: cada escolha da nossa vida traz consigo a obrigação de responder por nossos próprios atos, um encargo que torna o homem o único responsável pelas consequências de suas decisões. E cada uma dessas escolhas provoca mudanças que não podem ser desfeitas, de forma a modelar o mundo de acordo com seu projeto pessoal. Assim, perante suas escolhas, o homem não apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a humanidade.

Diante disso, proponho uma experiência a todos: tire deus(es) do palco da
existência e veja. Perceba o que sobra. O que sobra? A mesma vida de sempre... contudo muito mais "ameaçadora" pelo fato de exigir a própria tomada de decisões ao invés de depositarem-se tais decisões em alguém ou algo além de "si mesmo". Perceba que não tem mais ninguém observando seus atos além de você mesmo e assim qualquer coisa que você faça estará de acordo apenas com a sua vontade, não a vontade de um ser superior a você. Pense nisso.

A crença em deus antes de ser uma necessidade é o maior dos vícios. Ela expressa imaturidade e a necessidade de um Pai guiando os próprios passos de quem estiver "viciado" em acreditar num "pastor", num condutor. É alienante e altamente prejudicial ao desenvolvimento pleno da potencialidade humana.Visto por essa perspectiva, um ateu só perdeu o vício, como alguém que deixa de fumar, como alguém que deixa de beber, como alguém que deixa de se drogar e entorpecer... (Talvez por isso mesmo, eu não seja tão radical em relação aos teístas – desde que eles não tentem me converter, que fique claro. Pois como tabagista inveterado que sou, sei o que é viver no vício). Um ateísta sabe que ele é o responsável por qualquer atitude que venha a tomar. Daí a opção pela Ética acima de tudo.

Entretanto, há algumas questões para as quais deus e a espiritualidade aparentemente seriam a resposta. Questões essas que, de certa forma, quem se põe a responder pode vir a cair na tentação viciosa de fundamentar-se na crença em deus(es) ou em espíritos a fim de validar as possíveis respostas. Vamos a algumas dessas questões, como numa espécie de FAQ:


1) Como a matéria sem vida cria vida?

A resposta seria: através da vontade de deus? Ou...

Um segredo? Qualquer porção de matéria que contenha os ingredientes necessários ao desenvolvimento de organismos simples, ganha vida no decorrer do tempo sob as condições propícias ao desenvolvimento de tal vida. O universo parece ser apto ao desenvolvimento de vida. A matéria parece ser apta a desenvolver seres conscientes em algum ponto da jornada evolutiva... Mas e aí? Acrescentar um ingrediente em algo não faz desse ingrediente uma necessidade. A menos que se prove que SEM tal ingrediente a vida não se forma, coisa que parece que está prestes a ser comprovada. Ou seja, estamos prestes a comprovar que bastam os ingredientes e as condições necessárias ao surgimento da vida para que ela simplesmente ecloda, apareça. Mas isso é prova da existência de deus ou apenas uma das várias qualidades da matéria que ainda não conhecemos totalmente?

2) Como se dá a percepção extrassensorial?

A espiritualidade parece ter a resposta mas...

Somos animais como todos os demais. Temos sentidos que ainda não conhecemos. Alguns animais têm sentidos mais apurados que outros, percebem variações sutis na atmosfera, vibrações sutis na forma de sons inaudíveis mas que podem ser sentidos pelas partes moles ou ocas do organismo. Nós percebemos estes sons inaudíveis, percebemos o campo magnético da Terra, percebemos de que forma está tudo interligado na teia da vida... Mas isso é prova de que deus existe, ou apenas uma das condições de se estar vivo e imerso num sistema fechado onde tudo co-participa e é co-dependente? A suposta "ligação" entre as pessoas a quilômetros de distância pode ser simplesmente fruto de algum sentimento que as une e isto sim deveria ser estudado, a forma como o amor faz romper barreiras entre o eu e o outro. Mas o amor é prova da existência de deus? Ou é algo imanente da própria vida? O que é o amor para que possa ser confundido com um algo mais além de nós mesmos?


3) Como a matéria sem propósito criou o propósito e a ordem?

Mas, quem vê tal ordem? Quem vê tal propósito senão nós mesmos? O universo é um caos que nós percebemos ser ordenado. A inteligência é capaz de ver tal ordem. Mas isso é prova de que deus existe? Ou a necessidade de ver tal ordem nasce justamente da necessidade de compreender o caos? Ver padrões e paradigmas indica que algo está sendo compreendido; nosso cérebro funciona assim: ele seleciona partes desconexas e as agrupa conforme as semelhanças encontradas entre elas. Onde está deus na ordem que NÒS mesmos emprestamos ao universo?



4) E a reencarnação... como se explica sem a existência de espíritos e deus(es)?

Você sabe como o cérebro funciona? Eu não sei. Nem os cientistas sabem completamente. Mas estão pesquisando ao invés de atribuirem as qualidades desse órgão à existência de um deus ou de uma consciência migratória. Sabe-se hoje em dia que tudo o que experimentamos nasce do equilíbrio físico-químico das reações que desencadeiam os pulsos elétricos a serem transmitidos em cadeia pelos neurônios dentro do cérebro. Ampute-se uma parte disso, lesione-se alguma região lá dentro da cabeça de um indivíduo e a personalidade diferenciada por algum ou outro atributo já não existe mais...



Assim, só para concluir, ser ateu não é negar a maravilha, o grandioso, o magnífico. É simplesmente não precisar de explicações com base na fé cega para algo que carregamos com nós mesmos... Tire deus agora e o que sobra? O universo, toda a maravilha e beleza que nós experimentamos a partir de nossa inteligência e nossa capacidade de vermos padrões e ordenação. Não há palavras para se descrever o fato de sermos partes disso tudo e termos inteligência para perceber a grandiosidade e a infinidade contida em cada porção mínima de matéria. Quem já leu sobre a física de partículas, sobre mecânica quântica já faz uma idéia. A maravilha não para no átomo, ela adentra ainda mais esse mundo diminuto estendendo-se para além dos limites de nossa compreensão. Para que deus e tudo o que nos condicionamos a acreditar que ele represente para nós? Já não basta estarmos vivos e experimentando o mundo? Para que um regente supremo de nossos atos além de nós mesmos? E se tudo é imensamente maior do que percebemos, para que cedermos a uma certeza que é a fé na existência de deus?


Percebem onde quero chegar? Ser ateu é ater-se ao presente e simplesmente vivê-lo. É estar ancorado no meio do nada que se faz tudo quando é observado e vivenciado a partir da inteligência seja ela humana ou animal, seja ela inerente à matéria ou não, não importa.



Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

(CAEIRO, Alberto. O guardador de rebanhos)

14.2.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte II

(Autoria da Foto: Edmilson Borrret - 22/01/2011)


A postagem anterior suscitou, nos comentários, justamente as reações que eu já imaginava. Duas pessoas que tenho em alta estima, embora apresentando uma opinião diversa da minha, sustentaram suas argumentações baseadas num discurso muito bem articulado. Já outras (não só nos comentários, mas pelo Orkut ou mesmo por e-mail) nada mais fizeram do que repetir o proselitismo típico dos teístas. Houve quem tenha dito, por exemplo, que não existem ateus, que o homem sempre vai acreditar em alguma força que move o Universo. Bom, acreditar em alguma força que move o Universo não significa não ser ateu. Alguém aí precisa rever seus conceitos ou de força ou de ateu... Houve quem tenha dito também (e essa é uma argumentação que me faz mijar de rir) que minha convicção me torna tão crente ao contrariar um teísta que acaba se tornando a mesma coisa que esse teísta sente por seu deus. Só há uma pequena diferença entre a minha convicção e aquela dos teístas. A minha convicção parte de evidências, a dos teístas parte da fé cega. A questão é que teístas são apaixonadamente contra a evolução, e eu sou apaixonadamente a favor dela. Paixão por paixão, estamos no mesmo nível. E isso, para algumas pessoas, pode significar que somos igualmente fundamentalistas. O que não é verdade. Como bem observou Dawkins em seu Deus: um delírio, “quando dois pontos de vista contrários são manifestados com a mesma força, a verdade não está necessariamente no meio dos dois. É possível que um dos lados esteja simplesmente errado. E isso justifica a paixão do outro lado”.

“Os fundamentalistas sabem no que acreditam e sabem que nada vai mudar isso. A citação de Kurt Wise na página 366 diz tudo: "[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição". A diferença entre esse tipo de compromisso apaixonado com os fundamentos bíblicos e o compromisso igualmente apaixonado de um verdadeiro cientista com as evidências é tão grande que é impossível exagerá-la. O fundamentalista Kurt Wise declara que todas as evidências do universo não o fariam mudar de opinião. O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que "acredite" na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências. Como disse J. B. S. Haldane, quando questionado sobre que tipo de evidências poderia contradizer a evolução: "Fósseis de coelho no Pré-cambriano". Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: "Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista".”

(Richard dawkins, Deus: um delírio)


E aí vieram me perguntar por que insistir nessa batalha inglória de defender minhas ideias ateístas com unhas e dentes. Por que continuar dando murro em ponta de faca. Por que arriscar o nome em praça pública. Por que submeter-me aos olhares de soslaio, às desconfianças, aos cochichos ao passar. Por que fazer tanta questão de bradar a plenos pulmões NÃO ACREDITO EM DEUS.

Porque sim. Porque é necessário.

Durante muito tempo, os ateus sempre passaram por minoria pelo simples fato de que, normalmente, não se expõem, não se mostram, NÃO SE ASSUMEM. Só que, na minha opinião, isso é mais do que natural: para alguém que não acredita em deus, ir para a rua dizê-lo em voz alta faz aparentemente tanto sentido como andar por aí com um cartaz no peito onde se lê “Eu não acredito no Abominável Homem das Neves” ou “Os rios correm para o mar”. Para um ateu, não acreditar em deus é tão óbvio como não conseguir respirar debaixo de água. E é por isso que nós, ateus, temos andado desligados e isolados, ocupados com as nossas vidas e sem perder muito tempo explicando aos outros que coisas como deuses, unicórnios e gnomos PURA E SIMPLESMENTE NÃO EXISTEM. Mas também é por isso que passamos por uma minoria e que temos pouca expressão social.

O fato é que nós ateus não somos ingênuos como querem crer os teístas. Da mesma forma como não há provas da existência de deus (e, caso alguém afirme categoricamente que ele existe, o ônus da prova recai sobre quem afirmar), também não há provas de que ele "não existe" e nenhum ateísta se engajará em buscar as provas de uma "não existência", uma vez que não há meios de provar que algo não existe. Contudo, há meios sim de aceitar a existência de algo que comprovadamente existe. Portanto, para um ateu deixar de ser ateu bastaria que alguém provasse a existência de deus, coisa que os teístas em sua fé em deus ainda não foram capazes de provar... E aí? Qual o problema em ser ateu? Se para que deus exista basta que se creia nele, alguém que negue a necessidade de crer em deus não pode ser tomado como portador de uma fé cega... apenas alguém não preocupado com o que não faz falta.

Se bem que eu, cá comigo, acredito haver muito mais ateus nesse mundo do que os que se declaram como tal. O problema é que esses “enrustidos”, mesmo não acreditando em porra de deus nenhum, se cagam de medo de admitir isso até para si próprios. “Vai que o tal deus exista e me castigue por pensar diferente. Melhor eu continuar fingindo que acredito, por via das dúvidas.” Aliás, essa fé de que os teístas tanto se gabam, para mim nada mais é do que um cagaço sem tamanho. Temer e respeitar a deus, eis o que eles dizem. Temer e respeitar!!! Um dos leitores que comentou a postagem anterior deixa isso bem claro em suas palavras: “A infelicidade humana não é projeto divino...é fruto da nossa teimosia em viver longe dos sonhos de Deus, em insistir fazer as coisas do nosso jeito (...)Faz-se necessária uma inversão no modo de conceber e vivenciar a relação de Deus com o homem: levar a sério a absoluta primazia de Deus que nos criou e continua nos criando por amor, única e exclusivamente por amor.” Sei lá... pode ser que eu esteja enganado, mas, na minha parca opinião, amar alguém não deveria significar impor a esse alguém meus sonhos ou exercer sobre esse alguém minha primazia. Alguém aí também precisa rever seus conceitos sobre amor...

Existe aquele famoso grito de guerra dos ativistas que diz que o povo unido jamais será vencido. E a verdade é que o ateísmo tem sofrido algumas derrotas por não estar unido o suficiente, enquanto que os crentes (deístas, teístas e até politeístas) continuam a espalhar os seus credos e mitologias pelo nosso planeta. Se há coisa que todas as religiões têm em comum é o apelo à união e isso eles sabem fazer muito bem. E não podemos nos dar ao luxo de continuar perdendo terreno, não só por uma questão de bom senso mas sobretudo por uma questão de evolução.

Em pleno século XXI, vivemos num planeta onde pessoas matam pessoas por acreditarem em diferentes amigos imaginários; onde bilhões de dólares são jogados pelo ralo e desviados por cultos, crenças e credos; onde se subjugam, torturam e culpabilizam seres humanos em nome da fé; onde se negam evidências científicas básicas, como a teoria da evolução; onde se impede o estudo e o combate a doenças com a desculpa de dogmas; onde humanos escravizam humanos em nome de entidades mitológicas. Se você acha isto normal, talvez esteja na hora de recorrer a ajuda profissional.

A maioria das pessoas dirá: “Pois a culpa é da religião”. E isso é fato. Mas grande parte da culpa é também dos ateus.

Podemos até custar a admitir, mas perante o presente cenário mundial, um ateu calado é um ateu permissivo, que fecha os olhos à realidade e dá de ombros. Um ateu que não se manifesta, que não tenta contribuir para a mudança da maré e para a progressão da humanidade é um cúmplice no crime. É como tentar manter-se de costas para a vala comum da humanidade, na esperança de que ela desapareça.

Por isso, se ser ateu é ser alguém clarificado, então tem que ser também alguém com voz. Se ser ateu é ser alguém com um diferente nível de consciência, então é também ser alguém que contribui para a mudança.

E para mudarmos as coisas, não podemos continuar calados. Certo?

Certo.

29.1.11

Por que digo ao mundo que sou ateu – parte I

(Menino, Renato Lucas Pereira de Alencar, um dos cariocas que ajudou no voluntariado em prol da região serrana - Foto: Rafael Moraes - Ag. O Dia)



Lembro-me de uma conversa que travei algum tempo atrás com uma colega de trabalho, uma doçura de senhora chamada D. Beth. Gosto muito de conversar com ela. É uma daquelas senhorinhas que acho que todo mundo gostaria de ter como avó: amável, carinhosa, prestativa, sempre disposta ao diálogo e às novidades não obstante a idade avançada. D. Beth é católica praticante: vai à missa com frequência, comunga e se confessa, cumpre o jejum da quaresma, etc. Mas embora sendo ela uma católica praticante e eu um ateu convicto, mantemos uma relação ótima; conversamos muito sobre muitas coisas. E fui numa dessas conversas que ela me falou: “Você não é ateu. Você não tem nada de ateu. Você se preocupa com as pessoas, está sempre tentando ajudá-las, se comove fácil com as injustiças e as desumanidades: você tem um coração bom demais.” Eu agradeci os elogios, claro; mas contra-argumentei que o fato de sermos ateus não nos torna menos humanos nem humanitários. O “amar ao próximo como a si mesmo” nunca foi mérito apenas dos que se dizem cristãos ou tementes a um deus qualquer. Muito antes do advento da cristandade, a caridade já era uma característica inerente ao ser humano. Todas as civilizações antes da cultura judaico-cristã sempre tiveram valores de grande respeito e caridade pela condição humana. Velhos, doentes, crianças, mulheres; qual cultura alguma vez os deixou de proteger social e juridicamente? Da antiga cultura egípcia aos gregos e romanos, dos celtas aos indígenas sul-americanos do século XVI e às religiões animistas dos negros africanos; enfim, em todas as culturas ditas pagãs de que temos conhecimentos, sempre se valorizaram a preocupação com o próximo e a igualdade entre os homens. Assim sendo, não podemos dizer que a caridade tenha uma origem histórica e cultural definida porque o homem é bom. O homem sempre foi bom. O homem não passou a ser bom com o cristianismo. E isso é algo que precisa ficar bem claro, porque a religião levou a maioria das pessoas a pensar que os cristãos são os que mais contribuem para que a caridade exista (senão os únicos), e que os não-crentes são sempre egoístas, pessoas amargas sem preocupações com a luta e as dores dos menos afortunados.



Pensando nessa questão do não-egoísmo dos teístas (e, sobretudo, dos cristãos), não posso deixar de me reportar à tragédia recente que se abateu sobre os moradores da região serrana do Rio de Janeiro. Não é novidade alguma que em situações de tragédias como essa as pessoas demonstram todo seu potencial para a caridade, para praticar o amor ao próximo. Haja vista a quantidade de doações que foi recolhida, sem falar na mobilização de inúmeros voluntários que ajudaram no resgate das vítimas e na oferta de algum conforto nos abrigos para os quais elas foram levadas. Obviamente que não foram só os teístas que se empenharam na solidariedade durante esse episódio da tragédia na região serrana: muitos ateus, com toda certeza, fizeram sua parte. Como eu disse acima, o homem sempre foi bom... mesmo que, por vezes, ele não tenha muita consciência disso; mesmo que, por vezes, a demonstração dessa bondade necessite ser desencadeada por uma tragédia de tão enormes proporções. Porém (e sempre tem um “porém”) algumas atitudes e reações muito me espantaram durante a tragédia das chuvas. E esse espanto adveio justamente por conta de algumas declarações de teístas cristãos que sobreviveram à tragédia. Foi curioso observar como quase todos eles, em entrevistas aos meios de comunicação, lançavam pérolas do tipo: “Foi deus que livrou a mim a minha família”. Opa! Deus livrou esse sobrevivente e sua família da tragédia mas não livrou outros? Então vamos pensar! Pode ser que esses que não foram poupados fossem ateus, não fossem cristãos... Mas putz! Mais de 800 ateus só na região serrana do Rio de Janeiro??? Não, claro que não: dos que morreram, talvez 1% apenas fosse ateu, ou até menos. Pode ser também que os que morreram fossem pessoas más que mereciam esse castigo divino, como os habitantes de Pompéia subitamente cobertos pelas cinzas e lama do Vesúvio ou como os cananeus de Sodoma e Gomorra. Também não, claríssimo que não: várias crianças morreram e, com certeza, muita gente de boa índole. Como entender então que esse deus tão piedoso tenha poupado a vida a alguns e tenha deixado outros sucumbirem? Não lhes parece também um egoísmo nada caridoso quando um cristão diz “deus livrou a mim e a minha família” durante tragédias como essa?


Mas aí vêm os teólogos de plantão e os defensores da crença para dizer que deus tem seus desígnios e seus planos. Ora, ora... eu até tento (juro que tento) respeitar as crenças das pessoas, mas justificar a sobrevivência de alguns e a morte de tanto outros como desígnios de deus, como uma etapa de um plano divino maior!!!! Forte demais pra minha cabeça, na boa... Como podem os teístas afirmar isso? E pior, como podem vangloriar-se os sobreviventes por terem escapado segundo a vontade desse mesmo deus? Nem nas explicações mais estapafúrdias dos dispensensacionalistas poderíamos encontrar respostas para tantas vidas ceifadas assim de uma só vez. O quê??!! Um arrebatamento de 800 almas só ali na região serrana, é isso?? Que desígnios são esses, que plano é esse? Que deus tão bom é esse que “livra a mim e a minha família” mas não livra o vizinho e a família dele? Por essa lógica estúpida, esse seria um deus que escolhe, que seleciona, segundo seus desígnios e seu plano maravilhoso. Ora bolas! Seleção por seleção, prefiro acreditar naquela natural proposta por Darwin. Prefiro acreditar que uns respiram melhor e por mais tempo debaixo d’água ou soterrados na lama. Prefiro acreditar que uns têm uma maior resistência (natural ou adaptada) para suportar mais tempo sob escombros. Prefiro acreditar que uns tiveram aquele insigth, aquele instinto de sobrevivência que é marca do reino animal ao qual pertencemos, e se retiraram milésimos de segundos antes do barranco desmoronar, da pedra rolar, da onda gigante passar ou da casa cair... um milésimo de segundo pode fazer uma diferença e tanto: a diferença entre permanecer vivo e sucumbir!


Prefiro acreditar na seleção natural a acreditar na seleção desse deus dos desígnios e dos planos. Pelo menos, na seleção natural, estou livre de cabrestos, de convenções estúpidas e de temores. Pelo menos, na seleção natural, não entro em conluio com um deus impeodoso que gosta de brincar de batalha naval ou um jogo de tabuleiro qualquer e aponto meu dedo para qual dos meus semelhantes deve morrer ou não. Pelo menos, na seleção natural, não sou obrigado a viver toda uma vida de privações de prazeres e de joelhos dobrados para, num momento qualquer, ser arrancado a essa vida sem nenhuma explicação, como o vizinho e sua família. Não preciso ter vínculos com nenhuma realidade supra-humana, estou livre para decidir por mim mesmo, sem medo de estar indo contra ou esperando estar a favor de algum tipo de supra-consciência à qual se deva obediência cega. Posso reduzir minha crenças a um número limitado delas, focadas no “aqui e agora”. Posso me saber ligado aos meus semelhantes não por algum tipo de poder sobrenatural, mas simplesmente pelo fato de APENAS ser um ser humano convivendo entre os demais seres humanos e de acordo com as leis humanas e naturais.


Vivendo conforme as regras da seleção natural, eu não espero nenhuma recompensa por meus atos senão aquelas que os outros seres humanos possam me oferecer... se eu assim merecer. Posso cortar todos os excessos e enxergar a vida pela perspectiva humana, sem a necessidade de deificá-la ou deificar o que quer que seja. É claro que, vivendo conforme as regras da seleção natural, eu posso ter fé. Fé em mim mesmo e nos meus semelhantes. Mas não uma fé que me cega, pelo contrário. Uma fé que me faz abrir os olhos para o que está acontecendo a fim de que se tomem as medidas necessárias, sem acreditar numa outra justiça maior do que aquela que possa ser levada a cabo por mim mesmo ou pelos desígnios humanos. Medidas necessárias essas que não foram tomadas pelos governantes que sempre fecham os olhos para a pobreza dos que os elegem, pelos agentes gananciosos da especulação imobiliária que implantam mansões e jacuzzis onde deveria haver vegetação nativa e também, por que não, pelos mais desprovidos que insistem em morar em áreas de risco mesmo sabendo que são áreas de risco.


Ao sobrevivente que se regozijou em cadeia nacional na tevê por deus ter livrado a ele a sua família eu digo: não foram os desígnios divinos mas sim os desígnios humanos os responsáveis por toda essa tragédia. Não venha me dizer que você e sua família foram escolhidos por deus para sobreviver e mais de 800 pessoas foram escolhidas para morrer, senão eu vou dizer que esse seu deus é um crápula, um tirano, um sanguinário. Essas outras mais de 800 pessoas rezaram e acreditaram tanto quanto você. O que faz de você e sua família melhores que elas? Que egoísmo absurdo é esse que leva os teístas a acreditarem que eles possam ser poupados por seu deus e outros não numa situação de tragédia? Cadê a caridade cristã nesse tipo de pensamento? Ah sim... o plano divino.


Eu também, como aliás todo ser humano, tenho cá comigo os meus planos de vida. Planos mais imediatos, planos para o futuro. Mas em nenhum desses meus planos está incluído o sacrifício de mais de 800 vidas de uma só vez... É que meus planos são bem modestos, sabe?

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