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4.12.06

Sobre Chico, sobre Inteligência e sobre cabeças cortadas




A propósito de Holofernes e cabeças cortadas (eita que esse temazinho está recorrente aqui, hein!), acordei hoje com músicas do Chico a me bombardear a memória auditiva.

Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo

Pois é... É isso aí, justamente isso aí. Quero perder sua cabeça ou minha cabeça perder seu juízo. Uma Judith que me salve, please!... E sabe por quê? Porque me dei conta da sua burrice. Quero amar (e ser amado, obviamente) alguém à altura da minha inteligência. Chega de amores burros!!! Alguém que nem ao menos sabe se ler não irá nunca conseguir me ler. Alguém que confunde inteligência com a mediocridade imbecilizante e imbecilizada da juventude e seus deslumbramentos... oh, céus! Mas cada um tem o que merece ou, pior, o que lhe é permitido entender. Eu sou muito melhor. E eu sei disso. E isso me basta. Não está entendendo não, meu bem? Mas isso não me surpreende. Você é de uma burrice atroz. Não entende nada, nunca entendeu nada. E eu sempre fui meio grego pra você mesmo... hehehe... E o Chico continua a ribombar na minha cabeça:

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões

Vai. Fuja sim. Vai aprofundar a sua tolice e ignorância em braços desprovidos de inteligência e estofo. No fundo sei que minha intelectualidade sempre te assustou. Você mesmo disse uma vez que minhas complexas explicações te davam nos nervos. Fazer o quê? Não vou disfarçar minha inteligência para compensar e satisfazer a sua burrice... ah, isso é que não. Se você quer a superficialidade das coisas, que faça bom proveito. Realmente você não me merece. Eu sou muito pra você. E quando eu olho assim pra você e vejo a burrice estampada nas suas palavras e nas suas expectativas, me dá uma pena danada. Me dá vontade de não te ver. E o Chico continua a me falar:

Vou correndo, vou-me embora
Faço um bota-fora
Pega um lenço agita e chora
Cumpre o seu dever
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara, cara a cara
Com o que não quer ver

E eu não quero ver a mediocridade que você se tornou. Sim, mereço mais, muito mais. Amores burros nunca mais!!! Que essa história de olhos bonitos, olhar sedutor, corpinho bonito e o cacete a quatro, tudo isso pode ser bom pra você: pra mim não é não. Eu preciso de mais. Eu quero muito mais. E dá-lhe mais Chico:

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Liga não, meu bem. A culpa nem foi tão sua. Eu é que me perdi em meio as suas doces palavras e não vi o tamanho da sua pequenez. Você vê beleza e inteligência onde não há, e espera que eu veja alguma beleza e inteligência em você? Ai, pobre alma perdida e burra! Eu vou é cantar mais Chico pra você:

Apesar de você
amanhã há de ser
outro dia

~~~~~~~~~~

Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
(...)
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor



Beijos inteligentes e cultos pra você, criatura pobre de espírito!

De Judiths e Liliths, luas negras, eine andere femme fatale... tudo nome de guerra... valei-me, seu Almada! - Parte II


Explicando o post anterior... porque professor sou, e essa majestade ao menos não me fizeram perder ainda...


(Judith Beheading Holofernes - Caravaggio)


As leituras que são feitas do romance Nome de guerra, de Almada Negreiros, voltam-se sobretudo para o personagem Antunes e para questões que lhes são pertinentes, como a conquista da autonomia pessoal em confronto com a sociedade e a questão da relação amorosa e seus desdobramentos; ou também a situação do romance no estilo literário em questão, a saber: o Neo-realismo, a ficção dos presencistas e as questões de identidade/diferença em relação aos seus contemporâneos.
Mesmo que não negando essas questões, por que não deslocar a leitura e centralizar em Judite (o personagem feminino) o nosso olhar? E, com esse deslocamento, procurar o avesso do nome de guerra, Judite? Quem se esconde por trás dele? Que fantasmas da sociedade portuguesa e ocidental estão ocultos no avesso do nome?
O que Almada Negreiros faz em Nome de guerra é brincar com nomes, brincar no nome, nomear - hábito de quem lida com o hermetismo, o secreto - porque o nome traz, quando não o lírico, o drama do nome, o épico do nome, o mito do nome ou o nome que se quer. Nessa leitura de Almada vou procurar saber, no dizer do nome, o desconhecido; no avesso do nome, o provável.
Nome de guerra. O título destaca Judite, ou melhor, o avesso. Daí não centralizarmos em Antunes a nossa leitura. Por que razão Almada teria destacado logo no título a personagem e o seu avesso? Que fantasmas, que mitos perpassavam o seu tempo e escrita?
Uma Judite que não se chama assim. “Era uma vez uma rapariga chamada Judite. Mas o seu nome verdadeiro não era Judite. Só às vezes, em ocasiões muito íntimas, é que ela esteve quase para dizer tudo:
- Eu não me chamo Judite. Mas não digas nada a ninguém. O meu nome verdadeiro é...
E calou-se.
Judite é um nome a quem a Bíblia faz cortar a cabeça de Holofernes.”
E é o narrador quem primeiro nos dá indicação dos possíveis conteúdos míticos de um nome ou nomes que se ocultam atrás do Nome de guerra. A Judite bíblica venceu para os habitantes de Betúlia uma guerra que se travou apenas no acampamento de Holofernes, o qual fora enviado por Nabucodonosor, rei dos assírios, para castigar aqueles países do ocidente que se recusaram a tomar parte na sua campanha contra Medéia. Segundo o Livro de Judite, o sumo sacerdote de Betúlia (cidade próxima a Jerusalém) manda os habitantes ocuparem os desfiladeiros, enquanto Aquior chamava a atenção de Holofernes sobre a proteção divina de que gozavam os judeus, ouvindo em contrapartida a réplica de Holofernes que se gabava da divindade de Nabucodosor. Aquior é expulso do acampamento assírio e os habitantes de Betúlia, cercados e com suas provisões de água bloqueadas, entram em desespero. Ozias, o governante da cidade, decide que, depois de cinco dias, se não houver nenhuma intervenção divina, vai se render e entregar a cidade a Holofernes. Neste momento intervém Judite, sugerindo que, ao invés da rendição, ela vá ao encontro de Holofernes, a quem oferecerá seus préstimos. Depois de muitas orações, Judite vai ao encontro do general e se apresenta como sua cúmplice. Elogiada e aceita, Judite fica no acampamento, degolando o general no quarto dia, quando ele se encontrava embriagado pelo vinho. Na manhã do quinto dia, os habitantes de Betúlia atacam, encorajados pelo feito de Judite, e vencem os inimigos. Judite então é levada em triunfo pelo sumo sacerdote a Jerusalém, onde é homenageada, testemunhando até idade avançada a tranqüilidade dos habitantes de Betúlia. A relação entre as Judite é distante, as semelhantes são poucas, mas não devem ser desprezadas. Ambas se relacionam com um momento de passagem, com a resolução de um conflito, e se unem pelo laço de guerras distintas. A travada por Judite, a judia, termina com a morte do amante e trava-se apenas como tentativa de retorno a uma normalidade quebrada. Judite, a portuguesa, a prostituta, usa os seus dotes em outra guerra, que trava com a vida e com os homens, lutando pela própria sobrevivência, sem nenhum outro mérito a não ser o de fazer Antunes defrontar-se com a sua própria realidade, encontrando o seu momento de fuga da realidade para depois deixá-la, dando continuidade às sucessivas perdas de Judite, testemunhas das diferenças sociais, do conservadorismo português e da impotência feminina numa sociedade governada pelos homens. A morte, nesse romance, também assinala um momento de ruptura, mas trata-se da morte de outra mulher, Maria; porque sempre foi em suas atitudes o oposto de Judite, alienando-se da guerra. Uma Judite que não é a outra, mas que vai nos permitir essa outra leitura do texto de Almada Negreiros: mulheres que se compõem aos poucos num conflito entre os sexos.
“Ser homem ou mulher é apenas a natureza; chamar-se João ou Manuela já é a natureza mais a vida inteira: é o problema. E aconteceu-nos antes ainda de termos nascido. É a árvore genealógica. Nós somos hoje o último fruto dessa árvore secular, secularmente secular! O fruto! Mas, por mais genuíno que seja o fruto da sua árvore, esta nasce tão incomparavelmente anterior à Bíblia, e é talvez, em tão remotas origens que devemos procurar o nome que se esconde sob o nome de guerra.”
E é isso o que o romance nos pede em várias passagens: que retornemos. Um retorno à criação, num percurso que nos mostre alguns porquês: o do título Nome de guerra, o do nome Judite, o primeiro nome de Antunes, Luís, cujo significado grego é "famoso na guerra", e os sentidos de alguns conflitos.
“A árvore genealógica não funciona como ciência. É mesmo o contrário de ciência: mistério! Um mistério que se espelha só em cada um de nós! Um verdadeiro mistério humano, que ultrapassa a sociedade e a ciência, que respira ar de Arte e Religião!”
E são esses ares que devem ser inspirados pelo arqueólogo que busca a genealogia de Judite.
“A história verídica é a única que vale e pode-se contar: o primeiro homem que elas conheceram era um pulha! E cada uma teve o seu para virem juntar-se todas ali na sala de distracções, dos estranhos e do esquecimento...” Homens, mulheres, esquecimentos, o primeiro pulha... Adão. Antunes. Judite. Mulher e narrativa que nos aponta para o nome Lilith.
“Não vem tudo isto de longe, de tão longe que a memória viva não atinge, mas que apesar disso vem dirigindo-se para cada um de nós através de séculos, desencontrados, de altos e baixos, como se quis ou como pôde ser?”
Lilith também foi relegada ao esquecimento. A primeira companheira de Adão foi perdida ou removida durante a transposição da versão jeovística para a sacerdotal, e quase desaparece sem deixar vestígios na versão da Bíblia redigida pelos Papas da Igreja. De uma certa maneira, Judite é Lilith, como transfiguração do mito, ou espaço projetivo do mito; permanência que se desdobra em outras Judites, constelação de Circes, Cibeles, Reas, Maias, Dianas, Isís, Ceres, Anus, Deméteres, Ishtares, Perséfones, Hécates, Eumênides, Empusas, Lâmias, Équidinas, Erínies, Amazonas, Sereias...
A árvore genealógica de Judite nos leva a Lilith, a Lua Negra, a primeira mulher de Adão. A Judite de Antunes tem características tais que nos permite a aproximação com as representações do mito. O romance de Almada negreiros nos aponta esse caminho. A primeira companheira de Adão foi Lilith, concebida sem a costela, como no caso de Eva; mas, segundo a tradição, cheia de sangue e saliva, instigando em Adão uma insustentável perturbação que o levou a rejeitá-la. O sangue de Lilith é o sangue mestrual, metáfora alegórica para fazer perceber o caráter carnal, fisiológico, vital, instintivo da mulher. A saliva associa-se à secreção erótica. Lilith é então apontada não como mulher, mas como demônio, desde o início da relação com Adão. Lilith, como nos diz Roberto Sicuteri em seu trabalho Lilith: a lua negra, "entra no mito já como demônio, uma figura de saliva e sangue, um verdadeiro espírito deixado em estado informe por Deus; é uma companheira que apresenta fortes traços de fatalidade". O mito de Lilith, representando certamente o arquétipo da relação homem-mulher, pode ser o início da árvore genealógica que facilitaria assim a compreensão da relação Judite-Antunes e o nome que se oculta sob o nome de guerra:"o que nos guia não é o interesse teológico, mas o psicológico, pela redescoberta da lenda de Lilith, para agregá-la, como energia psíquica formadora do mito e do arquétipo, ao núcleo concernente à história da relação entre Anima e Animus e para entender as origens endopsíquicas da cisão entre 'instinto' e 'pensamento', para esclarecer finalmente o grande equívoco do primado masculino sobre a mulher sentida como inferior" (Roberto Sicuteri, Lilith: a lua negra).
A partir dessas palavras de Sicuteri, podemos compreender a relação Judite-Antunes e entendermos melhor a condição da mulher na sociedade portuguesa, mas sem esquecer que o modelo português repete-se em inúmeras outras sociedades. Enquanto a Lua Negra é descrita de forma negativa, Eva, ao contrário, é apresentada em suas belezas e ornamentos. Adão não a recusa por vê-la como ossos dos seus ossos. Já Judite seria, para Antunes, o "conhecimento carnal", a transgressão à Lei; Maria a aceitação da imagem boa, mais agradável ao Pai e à Lei. Se bem que o vivido com Lilith também é vivido com Eva. Lilith desobedece à supremacia de Adão, Eva iria desobedecer à proibição.
“A sua ligação com a Judite tinha sido uma compensação, uma desforra, um contrabalanço... de quê? A sua vida esteve toda inclinada para o lado oposto ao da Judite. Para onde? Houve um desequilíbrio para responder a outro desequilíbrio, necessário para pôr o fiel a zero, como um pêndulo vai obrigatoriamente de um a outro lado da vertical a distâncias iguais, para cumprir a semetria, a gravidade e a oscilação. O desequilíbrio era para os dois lados: a Maria e a Judite eram ambas ainda o mesmo erro!”
Deus escreve por linhas tortas. Cria Adão, Eva e a serpente. A árvore e o fruto. Deus nos permite ler de trás para frente os mitos. Esse Antunes-Adão rejeita inicialmente a primeira criação do tio-pai (o personagem tio Alves, que o leva ao meretrício e apresenta Judite a Luís Antunes) e inicia-se o conflito com Judite. “Ele tinha cometido a mais grave ofensa que pode ser feita à mulher: tinha sido indiferente para com a sua nudez!” Projeta-se a rejeição de Adão, Judite é vista como indiferença. Lilith e Eva se confundem por analogia: “Entre ele e a mulher nua a sua educação punha uma distância que não era destruída pelo desejo da carne”... até que mordesse a maçã.
Mas Antunes sente-se como o seu ancestral bíblico: “decidia fazer convergir todos os seus passos num único fito: a escolha da companheira. O motivo desta resolução estava na lembrança do que era a sua vida ultimamente, sem progresso, sem explicação, parada, inútil, nula. A causa desta estagnação era a falta de uma companheira”; "mas não se achava para Adão um adjutório semelhante a ele" (Gênesis, II, 20). Ou seja, Antunes não tinha encontrado em Maria sua igual, conheceria "Judith", a mulher da noite, antes que estivesse pronto para outra companheira... nem a primeira nem a segunda, nem a primeira nem a segunda.
Se Judite é projeção do mito de Lilith, abro aqui um parêntese para algumas observações sob a condição de inferioridade da mulher na sociedade portuguesa descrita por Almada Negreiros. As mulheres são lançadas na prostituição por uma rejeição de um "desgraçador" que as desvirginam e as abandonam depois da sedução. Poucas conseguem encontrar um homem que as aceitem por não terem sido "o primeiro", e todo um capítulo do romance é dedicado ao tema do "desgraçador". Antunes não agirá de maneira diferente, pois o conflito de sua educação é a base para deixar Judite, para não se permitir amá-la verdadeiramente, assim como o eterno conflito e os inúmeros "nãos" ancestrais não permitiram também a Judite entregar-se totalmente a Antunes. "Judith" serve como um veículo de passagem, de aprendizagem e, posteriormente, descartável.

(Trabalho apresentado para a disciplina Literatura Portuguesa II, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Novembro de 1989)


Pois é, caros leitores, houve um tempo em que eu era um ser pensante... Creiam-me! Nesse trabalhinho aí obtive a nota máxima... Oh Glória!

3.12.06

De Judiths e Liliths, luas negras, eine andere femme fatale... tudo nome de guerra... valei-me, seu Almada!


O QUE É ISSO, COMPANHEIRA?

O que é isso, companheira?
Tá pensando que é assim?
Vai chegando assim do nada
Penetra na minha festa
Nem perguntou se era bem-vinda
Batesse antes na porta...
- Ô de casa, posso entrar?
Não é assim não, companheira!
Tem que ter savoir faire
Só porque este corpo aqui
Já conheceu outros tantos
Não significa que você pode
Ir chegando e tocando nele
Tenho lá ainda dignidade
E umas certas limitações
Você pegou pesado, companheira!
Entrou de sola e se instalou
E agora, filha, o que faço
Com sua presença incômoda?
Devia ter vindo não, vagabunda!
Até fiquei sabendo por aí
Que você já foi de vários
E a todos deixou no bagaço
Uns nem agüentaram teu furor...
E muitos você ainda freqüenta
Você é uma vadia mesmo, companheira!
Aprendeu até outras línguas
Só para aumentar sua coleção
Brincadeira mais sem graça
Chegar assim de supetão
Sou moço ainda, não vê?
Quero compromisso ainda não
Não, não vem não
Se aproxima mais não
Não, por favor
Afasta essa boca negra
Não...
Me dá esse beijo não...
Putaaaaaaaaaaaaaaa...

(Edmilson BORRET – 03 de dezembro de 2006)

2.12.06

Sou homem, sou poeta... logo, sou deus



Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo a roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

(Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos – in: Obra Completa de Fernando Pessoa)


Pois é, meu caro Pessoa... Por que razão não haveria de ser ela mais verdadeira do que a que nos fizeram engolir? É tipo assim: a grande crueldade (para não dizer sacanagem) da imagem da crucificação é que ela pressupõe um eterno sofrimento, como se a humanidade estivesse determinada ao eterno fracasso e Jesus tivesse sempre de pagar os pecados daqueles que vivem na Terra, eternos pecadores. O que, de certa forma, faria desse Jesus um fracassado também. Será que toda a cristandade não consegue perceber a dinâmica desse engodo vil e mesquinho????
Iconoclasta eu??? Sou nada. Ou, pelo menos, não um iconoclasta original. Se quisesse sê-lo, estaria quase cem anos atrasado: Pessoa já o foi por todos nós. Pois a destruição desse ícone faz-se necessária em razão de suas idealizações, que escravizam os homens, tornando-os fracos. A mentira desse ideal nada mais foi até agora senão a maldição sobre a realidade. E através dela a humanidade mesma tornou-se falsa, um arremedo de si mesma até seus instintos mais básicos. Pobre humanidade... Acenda suas fogueiras, ó Humanidade! Queime Fernando Pessoa e o autor desse blog!!!! Mas morrerei insistindo que a Trindade é essa: ser homem, ser poeta e ser deus...

1.12.06

Memórias...


Segundo dizem, a memória é a capacidade de reter, recuperar, armazenar e evocar informações disponíveis; seja internamente, na cachola (memória humana), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial).
A memória humana focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e vai se deteriorando com porra da idade (tipo assim como eu, que ando esquecendo até o que disse no post anterior, saca?). A gente tá sempre juntando pedaços de memória e conhecimentos a fim de gerar novas idéias, ajudando a tomar decisões do dia-a-dia.
Os psicólogos e neurologistas distinguem uma tal de memória declarativa de uma outra chamada memória não-declarativa,ou memória procedural (Não se espantem, caros leitores, com todo esse meu conhecimento de causa! Li essa merda num site aí qualquer...). Grosso modo, a memória declarativa armazena o saber que algo se deu, e a memória não-declarativa o como isto se deu.
Ou seja, filósofos, psicólogos, sociólogos e antropólogos tendem a ocupar-se da memória declarativa, enquanto neurobiólogos tendem a se ocupar da memória procedural.
E os putos-vampiros dos psicólogos ainda distinguem dois tipos de memória declarativa, a memória episódica e a memória semântica. Fariam parte da memória episódica as lembranças de acontecimentos específicos; e da memória semântica, as lembranças de aspectos gerais.
Resumindo a porra toda, memória, segundo diversos estudiosos, é a base do conhecimento. E como tal, deve ser trabalhada e estimulada. É através dela que damos significado ao cotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida. Bom, esclerosados como eu estão fudidos então, né? Bem que eu suspeitava que meu cotidiano anda sem muito significado ultimamente... Mas, na boa, esse papo de experiência acumulada sempre me pareceu meio furado também. É como aquela história que diz que experiência é um carro no qual só funcionam os faróis traseiros. Ou seja, se tiver um lamaçal mais à frente, vai atolar mesmo... Hehehehe
Mas já que de memórias estamos falando, e antes que eu esqueça o que vim postar aqui hoje, peço-lhes, caros leitores, que não atentem tanto para certas lembranças e memórias. Algumas delas, às vezes, podem desenterrar monstros que a gente achava para sempre confinados e acorrentados lá naquele quarto escuro... E aí, se a porta se abre por descuido, só há uma solução: Run, Forrest, run!!!!!




Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)








JANEIRO/88

me recordo
do vôo das gaivotas
o sol queimando
o vento batendo
um sorriso coberto
de preguiça e areia
ai que saudades tenho!

(Edmilson BORRET)




Memória da Pele


Eu já esqueci você, tento crer
Seu nome, sua cara,
seu jeito, seu odor
Sua casa, sua cama,
sua carne, seu suor
Eu pertenço à raça da pedra dura
Quando enfim juro que esqueci
Quem se lembra de você em mim,
em mim
Não sou eu, sofro e sei
Não sou eu, finjo que não sei,
não sou eu
Sonho bocas que murmuram
Tranço em pernas que procuram, enfim...
Não sou eu, sofro e sei
Quem se lembra de você em mim,
eu sei, eu sei...

Bate é na memória da minha pele
Bate é no sangue que bombeia na minha veia
Bate é no sangue que borbulhava na sua taça
E que borbulha agora na taça da minha cabeça

Eu já esqueci você, tento crer
Nesses lábios que meus lábios sugam de prazer
Sugo sempre, busco sempre a sonhar em vão
Cor vermelha, carne da sua boca,
coração

(João Bosco / Wally Salomão)





Eu falei que era pra deixar a porra desse bicho quieto lá no quarto escuro... Vocês não me ouvem, caramba... Olha aí o resultado... Run, Forrest, run!!!!



"Haja hoje para tanto ontem"
(Paulo Leminski)

30.11.06

Saudades do que nunca fui nem mais serei...



A CONSOADA DO INSONE

É como um sopro quente
que me bafeja ao ouvido
a essa hora da noite funda
e me conduz ao mais insondável
de todos os meus cômodos
E essa hora é a mais tenebrosa e a mais exata
(porquanto se agiganta na podridão das minhas veias)
É quando eu ouço meus gritos
e mais ninguém além de mim
É quando todas as poéticas são inúteis
e todas as filosofias
e todos os deuses
Tudo me perpassa com uma certeza cruel
E meus olhos marejam
ao menor estímulo das lembranças vãs
Entendo-me cada vez mais
rumo ao abismo dos meus dias
e pareço querer o desenho dos meus passos
Ao mesmo tempo em que pareço ansiar
o canto de um galo que me arranque
a toda essa noturna clareza dos sentidos
Todos os cinzeiros abarrotados já
o pulmão destroçado já
e a mão parada no gesto
da indecisão de acender
o pavio ao explosivo último
e fatal...
Meus poetas preferidos estão mortos
meus amigos estão mortos
meus amores estão mortos
e o meu dia não foi nada bom...
Ouço o ranger dos meus ossos
o chiar dos meus alvéolos
o crepitar da minha pele
e esse gosto de sangue e pólvora
que insiste em me seguir
aonde quer que eu vá
E o meu campo nem lavrado foi -
folhas secas se acumulam pelo solo
Não vi os Brasis dos meus livros
nem as Américas dos meus filmes
nem as Europas dos meus desejos de carne
Não tive tempo de limpar a casa
(a “Indesejada das gentes” me chegou de supetão)
E a mesa até posta foi
mas faltaram tantos convidados
Sinto no entanto para breve
o momento da consoada...
Inspira-me ao menos, ó meu poeta,
a escrever meu último poema!

(Edmilson BORRET – às 3:30 da manhã do dia 30 de novembro de 2006)




O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

(Manuel Bandeira)

29.11.06

Mulheres do meu Brasil varonil, um tostão da minha voz para vocês!


"Você vê os meus cachos? Me olhe de novo"– diz a propaganda idiota.


Por que eu iria querer olhar só pros seus cachos? Se você for realmente interessante eu vou te olhar é de qualquer jeito, mesmo você sendo careca, sua cacheada superficial do cacete! Porra, é foda! Mas quando o assunto é publicidade de cosméticos, por que as mulheres são sempre ridicularizadas?
Ou será que não é o Brasil patriarcal (e o mundo inteiro, notadamente a ocidentalidade) que estaria precisando de um cremezinho para as rugas????? Putz! A noção de beleza feminina está mais muxibenta que meu saco!!!!! E tome Revlon, e L’Oréal, e Herbal’s Life, e Avon, e Natura e o cacete! E a perguntinha incômoda: “Querida, você já pensou em emagrecer enquanto dorme?” Ao que a minha amiguinha Daia respondeu hilariamente:
“Sim, eu já pensei em emagrecer enquanto durmo! Também pensei em fazer luta-livre enquanto cago, em aprender russo, tcheco e aramaico enquanto assisto à tv, em fazer mestrado e doutorado enquanto ando de ônibus, e inclusive desenvolvi uma técnica muito interessante que me permite almoçar e escovar os dentes simultaneamente...”

Hahahahaha... Valeu, Daia!
Aí vieram me perguntar por que eu enalteço tanto a mulherada. É citação aqui no blog, é depoimento, é poema e o escambal... Ora bolas, por quê... Bom, primeiro porque elas me paparicam. E eu adoooooro ser paparicado. Sim, mesmo tendo sido um cara sempre muito independente e auto-suficiente, eu adoro. Mamãe me paparicava, minhas irmãs me paparicam, e as moçoilas que conheci vida afora sempre me paparicaram também. Sempre me encherem de mimos, cafunés e beijinhos gostosos. Aí, o neguinho aqui se derrete todo. Que essa porra é bom demais!!! E o mané aí que não gosta de um paparico, que atire a primeira pedra. (Vai! Pode atirar, seu puto! Ainda tenho certa flexibilidade e reflexo para me abaixar ou me desviar numa guinada rápida na hora exata da pedrada) Segundo - e talvez mais importante - porque mulher é foda, meu camarada! Não tem jeito: bobeou, dançou. Elas têm a porra do tal do sexto sentido, saca? É. Parece que te adivinham. Te sacam no primeiro olhar. Te reviram por dentro e te põem a nu sem piedade. Eu é que não serei burro de entrar num embate com elas. Vou perder bonito!!! É a velha história: se não podes vencer teu inimigo, junta-te a ele. Eu tô é do lado delas mesmo. Vou enaltecê-las sim e colocar meu rabinho entre as pernas que eu não sou besta.
Mas também é o seguinte: eu não embarco nesse papo babaca de divinizar a mulherada só por causa do seu ventre não. Esse é mais um dos malefícios reducionistas da mentalidade patriarcal, ocidental, judaico-cristã. Por conta desse papo é que puseram, durante muito tempo, a mulher num pedestal bem alto, mas esqueceram de colocar uma escadinha ali ao lado para o caso de ela querer dar uma descidinha de vez em quando (nem que seja pra dar uma mijadinha). Tiveram que pular, coitadas! E além do mais, por esse prisma, as mulheres que não podem engravidar então não teriam nada de divinas, né? Porra! Sacanagem! Quer saber? Santas e putas deveriam ser todas as mulheres. E esse é que o barato da coisa. Elas são santas enquanto putas. E putas enquanto santas. Nós, ou somos putos ou somos santos. Homem não tem meio-termo: essa é a mais triste das verdades. Nós temos é meio-das-pernas, para onde parece termos canalizado a presença ou a ausência da santidade ou da putaria. E o meio-das-pernas não admite meio-termo. Ou tá mole ou tá duro. Não riam: é sério! Mulher parece não nos exigir tanto o meio-das-pernas e, ao mesmo tempo, parece não abdicar dele: é isso que nos funde a cabeça. Mas vai lá! Ainda assim estou com elas. Como eu já disse, eu sou sensato.
Hoje, por exemplo, eu fiz uma mulher feliz. E olha que nem foi por causa do meu pau (que, modéstia à parte, é bem acima dos padrões). Fiz uma mulher feliz porque lhe toquei os sentidos (não sei se o sexto ou qual outro). Escrevi-lhe um poema. E nessa história de escrever, parece que a gente se aproxima um pouco mais da feminilidade. Não sei, mas eu sempre achei que o dom da palavra é primazia das mulheres. Moacyr Scliar também achava isso ao nos brindar com seu delicioso e satírico livro A mulher que escreveu a Bíblia, onde uma mulher do nosso tempo submete-se a uma terapia de vidas passadas e conclui que numa encarnação anterior, há três mil anos, foi ela que escreveu a primeira versão da Bíblia. Legal seria se fosse verdade, não? Nossa! Muita coisa poderia ter sido diferente.
Mas sim, fiz uma mulher feliz hoje ao lhe escrever um poema. E outros já escrevi para outras mulheres. E outros continuarei a escrever. Aqui mesmo neste blog, vocês, caros leitores, já tiveram a oportunidade de ler duas homenagens a duas mulheres incríveis: a Miriam e a Divina. Agora faço mais quatro beldades felizes: a guerreira Celeste lá na França (que num conto de fadas ao avesso, viu seu príncipe transformar-se em sapo, e sapo feio), minha grande amiga Filomena (Filó, Fifi, Fiona, como queiram), a linda Isabel (ou Sininho ou Bel, ou BELdade) e a forte Valéria Olivier (a Val).
À parte toda essa babaquice sem sentido que falei aí em cima, saibam, mulheres, que adoro vocês!!!!



DEPOIMENTO A CELESTE

Petite fille venue du ciel
aérienne, cosmique
La voûte elle-même qui nous recouvre
Couleur bleu céleste, azur
Demeure céleste, paradis
Manne céleste, nourriture de l'âme
Voix céleste, chant pour nos oreilles
Armée céleste, ange, angellus,
messagère divine à caractères humains
Celeste... c'est l'est
c'est l'ouest
c'est le nord
c'est le sud
Voilà mon amie Céleste!

(Edmilson BORRET - Junho de 2006)




DEPOIMENTO A FILOMENA

FILÓ...
FILÓ...
FILÓ...
FILO-sofia pura...
FILO-logia do linguajar quotidiano...
FILO-dermia no toque suave
das mãos de fada...
FILO-genia das idéias abstratas...
FILO-neísmo sempre crescente...
FILO-tecnia digna das musas..
Teu nome é prefixo dos mais belos,
significando amiga e amante.
Teu nome é também espécie de tecido leve
que cobre a candura e a pureza das mulheres
em forma de véu.
FILOMENA, teu nome é homenagem a santa virgem mártir.
Rendo homenagem a essa grande amiga,
conhecida aos poucos,
em gotas homeopáticas e eficazes.
Confesso minha FILOginia
aos pés dessa grande e maravilhosa mulher!!!
Ave, Filó, gratia plena!
LUMENA - pax cumte - FI!


(Edmilson BORRET - Agosto de 2006)




VESTIDA PARA NÃO SE MATAR
a Isabel Goulart

Cobre teu corpo de pedrarias e ouro
Tua boca, do mais sensual carmim
Nos teus olhos, o mais fino delineador
A sombra mais provocativa
O rímel mais ousado que possuíres
Um vestido do mais caro tafetá
Que te revele as ancas de deusa pagã
E o colo de santa no altar
Decerto que te cairá bem
Cobre tuas pernas com a seda
Da fina meia que as revele
E teu sexo, com a textura da renda branca
Cobre-te de sensualidade proposital
Não te cubras mais de dores
Temores e perdidos amores
Já tens por ora
Tuas cólicas, teus mênstruos
Para que buscar mais?
Não cubras mais tuas noites
De infrutífera e vã vigília
Nem tua garganta da secura
Das pílulas e gotas -
Esta merece o calor redondo e macio
Do mais caro vinho
Ou do mais abusado champanhe...
Cobre-te de estima e zelo, mulher!
E a nós seja dado
Cobrir-te de admiração e desejo
E se te ferirem o coração
Fura aos olhos do insano
Com o salto do scarpin
Que te emoldura os pés de gueixa
Que uma certa crueldade vingativa
Só fará por te acrescer
Mais charme e sedutora beleza...

Sim, cobre teu corpo de pedrarias e ouro
E teus sonhos, cobre-os de cuidados...

(Edmilson BORRET – Outubro de 2006)




VALÉRIA NÃO GOSTA DE CHÁ DE PANELA
a Val Olivier

Valéria não gosta
de chá de panela
nem chá de cadeira
nem chá de cidreira
Valéria quer mesmo
é despedida de solteira
com gatos em sua soleira
Paus de cenoura, tomate e bombril
é coisa de Amélia
não é de Valéria
Não se é puta porque pariu
Não se é santa porque não abriu
Entre a puta e a santa
de norte a sul do Brasil
há alma de Valérias tanta
e homem sem alma não ver fingiu
Mas Valéria ainda canta
e leciona e cozinha e desenha
no tecido de materna manta
rosas vermelhas e girassóis
E palavra doce empenha
no linguajar de seus lençóis
Valéria amou, namorou, casou
e em filosofia de biscoito
Valéria um dia se perguntou
do nada no meio do coito
se mais deu porque recebeu
(mulher perguntando desmonta a gente)
ou só recebeu porque enfim deu
Resposta não tendo
ou a tendo de meia-sola
Valéria deu mais linha à pipa
Pouco não quer
que é mulher de escola
E cara a cara com a fera
Valéria se fez mais bela
De boazinha fez-se boa
e não gosta mais de chá de panela.

(Edmilson BORRET – Novembro de 2006)

28.11.06

Começou a circular o Expresso 2222...

... que parte direto de Bonsucesso pra depois.


Pra depois de tudo e depois de nada. Pra depois de Gil, depois de mim e depois de você. Nesse trem não há parada, é louca descida declive abaixo, pra dentro do abismo que se fundou da partida à chegada. Os poucos trôpegos e temerários passageiros que ainda restam – uns atiraram-se há pouco das janelas, outros mais sensatos nem embarcaram – tentam manobras tontas e cansadas. As mãos já sangram pelos vidros quebrados in case of emmergency. Freios não tem mais a locomotiva. Engodo foi para sangrar mãos e braços e pernas e coração. Todas as cabines escancaram-se. Todas as valises vieram abaixo. Segredos se espalharam pelo chão do vagão. E lá ficaram em meio aos estilhaços de copos e restos de comidas e cubos de gelos da última bebida exótica de um longínquo país dos trópicos. SOS lançados na vastidão da noite gélida desaparecem e não fazem mais sentido. Nada mais faz sentido nessa viagem. A plataforma de embarque lá atrás ficou, num 26 de abril qualquer. Viagem longa, tormentosa, tortuosa, claustrofóbica – com raros momentos de calmaria, e tantos outros de turbulência ante o descarrilamento inevitável na curva não menos evitável. Que soem todos os apitos na noite. O abismo está mais à frente. Descerrem-se as cortinas às janelas da alma para que não se veja o impacto final. Basta senti-lo. Na imensidão branca dessas terras estrangeiras, arremete o 2222 para seu destino inesperado e escama o gelo dos trilhos. Povoam a cabeça do incauto passageiro das terras quentes canções de Gil e poemas de sua gente: lá de Minas lhe vêm versos terminais e últimos. Como terminal e última é essa viagem da qual muito pouco restará, senão destroços no fundo abissal. Ainda assim os versos lhe chegam aos ouvidos e ele chora de saudade de sua língua....


RESÍDUO

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

(Carlos Drummond de Andrade)

27.11.06

Did I disappoint you or let you down???!!!

Should I be feeling guilty or let the judges frown?
'Cause I saw the end before we'd begun,
Yes I saw you were blinded and I knew I had won.
So I took what's mine by eternal right.
Took your soul out into the night.
and may be over but it won't stop there,
I am here for you if you'd only care.
You touched my heart you touched my soul,
changed my life and all my goals.
And love is blind and that I knew when,
My heart was blinded by you...

(James Blunt)



CARTAS DE AMOR

Quanto a mim....
O amor passou.
Eu só lhe peço que não faça como a gente vulgar,
e não me volte a cara quando passe por si,
nem tenha de mim uma recordação
em que entre o rancor.
Fiquemos, um perante o outro,
como dois conhecidos desde a infância,
que se amaram um pouco quando meninos, e,
embora na vida adulta
sigam outras afeições,
conservam num escaninho de alma,
a memória do seu amor antigo e inútil.

(Fernando Pessoa)

"Avec le coeur battant jusqu'à la dernière battue"


Nascido em 1916, Léo Ferré foi um dos cultores mais singulares e controversos da grande “chanson” francesa. Viveu uma vida intensa de êxitos artísticos e de recusa do conformismo e das idéias prontas. Anarquista e milionário, solitário e solidário, iconoclasta e violentamente terno, Léo morreria em 1993, aos 77 anos.
Filho de Joseph e de Charlotte, respectivamente o chefe de pessoal do Cassino de Monte Carlo e uma costureira. Desde os quatro anos de idade, que inventava músicas e dirigia orquestras imaginárias. Após ter concluído o Liceu, na Itália, foi para Paris estudar Direito e cursar Ciências Políticas.
Durante a Segunda Guerra (1939-45), trabalhou na Rádio Monte Carlo, como locutor, técnico de som e pianista, deixando para trás a sua formação acadêmica, tão incompatível com uma vida tão à margem de todas as regras.
Em 1946, regressou a Paris, onde começou a atuar em bares e cabarés e onde conheceu Edith Piaf, que interpretaria algumas das suas produções e incitaria Ferré a fazer carreira na Cidade-Luz, uma longa e gloriosa carreira que se inicia no cabaré Le Boeuf sur le toît e se estende por toda parte, onde se podia ouvir a boa música e poesia francesas. Ao mesmo tempo, dá concertos na Federação Anarquista e começa a fazer furor nos caveaux de Saint-Germain-des-Prés, onde pontificam os cantores existencialistas Juliette Greco, George Brassens, Mouloudji, etc.
Em 1954, Léo Ferré é contratado para fazer a primeira parte de um espetáculo de Josephine Baker, no Olympia de Paris, onde a sua canção “Paris Canaille” o torna definitivamente célebre. No mesmo ano, dirige a sua “Symphonie Interrompue”, na Ópera de Mote Carlo, escreve Poète, vos papiers e produz o álbum “Les Fleurs du Mal”, onde põe música na poesia de Baudelaire. Seria o princípio de uma obra musical ao serviço da poesia francesa: Apollinaire, Verlaine, Rimbaud, Aragon e ele próprio, Ferré, também um grande poeta da língua francesa. A fabulosa carreira de Léo Ferre deveu-se, em parte, à influência da grande cantora Cathérine Sauvage, que apostou na alta qualidade do cantor, poeta, músico e maestro monegasco.
Em 1962, Ferré veria censurada a sua canção “Mon Général”, obviamente dedicada a De Gaulle e à sua autoritária V República.
Nos episódios do Maio de 68, atua na “Mutualité” para os estudantes que o aclamam euforicamente, agitando as bandeiras negras e vermelhas da Revolução. “Foi em Maio de 68 que realmente eu tive 20”, disse o poeta-cantor do amor e da anarquia, o autor de “Ni Dieu, ni Maître” e de “Thank you, Satan”. Léo Ferré atua na Federação Anarquista e as suas canções “Amour Anarchie” e “L’Été 68” tornam-se hinos da revolta estudantil. Os mesmos estudantes que o glorificam são também os mesmos que o criticam e atacam, devido à sua imensa fortuna, recebendo o epíteto de “Anarquista de Rolls-Royce” (ele que preferia o Mercedes…) e de “fascista vermelho”, conforme o insulto telefônico do cantor Yves Montand, um recém-dissidente do Partido Comunista Francês.
Mas Ferré estava acima desses e de outros maniqueísmos. Segundo Pierre Bénichou, do Nouvel Observateur, era antipático, anarco-mediático, mal-humorado, apaixonado pelas feias, revoltado-oportunista, milionário, falso humanista, kitsch, em suma, um Poeta. Um poeta que afirmava “não sou violento na vida, sou violento nas palavras”. Para ele, o êxito tinha de ser conquistado ao inimigo, a consagração tinha de ser imposta aos sacanas, a oração era sempre acompanhada de uma ameaça. O “anarcriador”, como lhe chamou José Jorge Letria, era um ser polêmico, incatalogável e indomável, que exigia um preço baixo para os ingressos dos seus concertos e que declarava, provocatório: “Tenho dinheiro, é verdade. E então? Vou ter de descer à rua, para distribui-lo? Porque sou Anarquista?”. É também provocatoriamente que intitula uma sua canção “O Anarquista de Luxo”.
Nos anos 80, desaparece dos olhares públicos, auto-exila-se na Toscana (Itália), com a mulher e os filhos, na sua luxuosa propriedade de Castellina, na companhia de um piano e de um sintetizador. Daí em diante, todas as suas canções são mensagens de desespero, e escreve, naquele isolamento, belos e pungentes poemas. Aos 60 anos, Ferré é um homem doente e inconsolável, de luto por si próprio, pela sua violência, pela sua grande Revolução que nunca acontecerá. Os seus últimos álbuns são publicados entre 1985 e 1990.
Em 14 de Julho de 1993, morria, vitimado por um cancro nos intestinos, o homem que cantava “A mon enterrement”, onde dizia que no seu enterro “não queria ver mais ninguém senão mortos”. Uma vez, no palco, contou que havia recebido um telefonema, em que uma voz lhe disse: “Alô, sou a Morte, gosto bastante do que você faz”, ao que o cantor respondeu: “Eu também…”.
O poeta não tinha medo da morte, antes se sentia fascinado por ela: “Deve ser uma mulher extraordinária, a Morte. Pega-nos na não e seguimos com ela para qualquer lugar. Somos obrigados. E é precisamente esse ‘qualquer lugar’que me fascina e me faz com que não tenha medo da morte (…) Quero assistir à minha morte, o centésimo de segundo em que tudo oscila. Mas, de qualquer maneira, não compro ingresso”.


Hehehehe... Não sei por que, mas (me perdoem a falta de modéstia) me identifico demais com esse cara!!!! “Avec le coeur battant jusqu’à dernière battue”... Com o coração batendo até a última batida... Imagino Léo Ferré, como eu, gritando a plenos pulmões: “Gauches são vocês, meus caros!”... Hahahahaha
Aliás, tem uma música dele de que gosto muito, mas muito mesmo, chamada “Avec le temps”, onde ele fala das coisas e das pessoas que a gente um dia acreditou serem tão importantes em nossa vida mas que, parando para refletir um pouco, a gente vê que não passaram de meras ilusões... E das ilusões eu quero é distância agora...


Avec le temps
(Léo Ferré)

Avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
on oublie le visage et l'on oublie la voix
le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
l'autre qu'on devinait au détour d'un regard
entre les mots, entre les lignes et sous le fard
d'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
avec le temps tout s'évanouit

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'as un' de ces gueules
à la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
l'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
avec le temps, va, tout va bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
on oublie les passions et l'on oublie les voix
qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
et l'on se sent floué par les années perdues
alors vraiment
avec le temps on n'aime plus

26.11.06

E vou é embora pra Pasárgada antes que essa porra exploda de vez!!!!!!


Muito pouca coisa ou quase nada me comove atualmente... na boa. Portanto, senhores, não me venham falar de suas dores e de seus amores. Assim mesmo: com bastante eco pra que reverbere bem em seus ouvidos moucos. Dores eu tenho as minhas. Amores eu tive os meus. Cada um que carregue sua própria cruz e não venha encher o meu saco. E também não me venham falar das crianças famintas no mundo, dos flagelados das guerras, dos doentes nos leitos dos hospitais. Tampouco me convidem para uma marcha pela paz, pelo desarmamento, pela defesa do meio-ambiente ou o que quer que seja. Primeiro porque sou preguiçoso e sedentário pra cacete para me enfiar em qualquer tipo de marcha. Segundo porque estou realmente cagando para os problemas do mundo. Quando foi que eu me tornei esse poço de insensibilidade? Em que momento exato eu desisti da compaixão pelos meus irmãos? Difícil precisar. Deve ter sido numa tarde ou numa manhã dessas aí qualquer de pura frustração e tédio. Sei lá, porra! Não lembro nem o que comi no café da manhã de hoje. Vou lá lembrar quando foi que parei de ter solidariedade e compaixão para com as dores alheias? “Mas Ed, e o engajamento político de antes? E o perigo da destruição em massa? Do aquecimento global? Da dizimação dos povos pelas doenças e pragas? Da hecatombe nuclear?” Mas que se foda a hecatombe nuclear!!! Pouco me importa as bombas que os escrotos donos do mundo quiserem lançar um na cabeça do outro, se minha bomba interna foi ativada há tempos e sei lá quando ela vai explodir, caralho!!!! Pra mim o que vier a partir de agora é lucro. Ô Bandeira, arruma um cantinho aí pra mim em Pasárgada, valeu? Tô chegando, meu velho! Meus companheiros aqui não estão entendendo nada, coitados. E eu tô dando choque. Sou uma bomba de nêutrons ambulante. Se eu lhes ofusco a vista, senhores, coloquem-me em quarentena então, ora essa!!!!!


ALTA VOLTAGEM

Tudo plugado
Tudo me ardendo
Tá tudo assim queimando em mim
Como salva de fogos
(Adriana Calcanhoto)



Numa manhã cinza e inacabada
tudo ardeu em mim em segundos
E aquela presença absoluta
circulando em mim contínua
elétrica e indetectável
ricocheteando em minhas células
Como numa noite de São João
a vista turvou para o céu pontilhado
o cruzeiro de ponta a cabeça
inverteu a polaridade dos meus dias
e a festa acabou mais cedo...
Mas poeta cambaleante e fraco
ainda tentei em versos tímidos
seguir a procissão das horas restantes
visitando antigos altares
rememorando nos ex-votos
a carne trêmula e trigueira
que andava à mostra e nua
nos templos urbanos da luxúria
ora envolta em vapores de eucalipto
ora difusa pela fumaça e projetores...
Chegada a noite no entanto
não era mais uma metrópole a atravessar
mas a certeza do silêncio
da casa inabitada onde outrora
o tilintar de taças, o resvalar de corpos
davam a vã promessa de um longo caminho...
O copo d’água sobre o criado-mudo
repousa em prisma à meia-luz
antes de conduzir garganta abaixo
o milagre científico e único que
dissimula a contento essa ardência
sem contudo aniquilá-la...
De uma ponta a outra do meu corpo
em correntes de múltiplos ampères
assola-me paradoxal voltagem...
Só isolante achado da modernidade
protegerá incauto e ávido amante
a desafiar temerário e louco
a fulminância de minhas descargas.

(Edmilson BORRET – num dia qualquer de outubro de 2006)

25.11.06

Antônia e as dores do mundo me fuderam...


Sexta-feira à noite. Nada pra fazer. Globo, a soberana, impera. Segundo episódio de Antônia. Lá pelas tantas uma das personagens se pergunta: “Quando a gente espera que a pessoa seja o que ela não é, o erro é da pessoa ou a gente é que esperou errado?”.

Aí fode tudo. Toda essa marra que a gente vem tentando manter nos últimos dias parece desaparecer assim feito fumaça. Dá vontade de pedir arrego. Voltar atrás...

Cheguem mais perto, caros leitores... mais perto... mais perto ainda... um pouco mais... Tá um pouco escuro, mas se vocês firmarem bem a vista vão conseguir ver direitinho. Aí está, aí está: o que vocês estão vendo talvez não se repita por um bom tempo. O grande Ed, o altivo Ed, o sarcástico Ed, o revoltado Ed, o pedra de gelo Ed tá aqui... caído, doído, murrando as paredes de desespero e dor... Cheguem mais perto, senhoras e senhores! Deliciem-se com a cena! Que fique registrado em todos os anais que ele teve um momento de pedir penico!
Mas é só por hoje, ok? É só o efeito desencadeado por uma frase besta, num programa besta, dita por uma personagem besta, embalada por uma música mais besta ainda...

As Dores do Mundo

O teu olhar caiu no meu
A tua boca na minha se perdeu
Foi tudo lindo, tão lindo foi
Que eu nem me lembro o que veio depois

A tua voz dizendo amor
Foi tão bonito que o tempo até parou
De duas vidas uma se fez
E eu me senti
Nascendo outra vez

E eu vou esquecer de tudo
As dores do mundo
Não quero saber quem fui mas de quem sou
E vou esquecer de tudo
As dores do mundo
Só quero saber do seu
Do nosso amor

(Hyldon)



É isso aí. Considerem essa postagem apenas como um grande parênteses. Só o tempo necessário do Ed enxugar as lágrimas, lavar o rosto e retornar com força total. Daqui a pouco ele volta. Mais ácido que nunca, mais resoluto, mais decidido, mais endurecido, mais seguro de si...


Só queria saber pra quê que existem esses programinhas melosos na tv... na boa.

24.11.06

Aulinha nº 1: sobre prefixos



-falaê prof
- Fala aí, rapaz!
- td blz?
- Tudo na paz.
- ae fui lah no seu blog
- Verdade? E aí? O que achou?
- pow manero
- [emoticon de surpresa]
- mas tem umas parada lah q naum intendi mto naum, tipo akela parada da infelicidade e do prefixo
- Uhum
- vc tava querendo falar do amor neh naum?
- Mais ou menos... Quer dizer: sim e não
- mas como assim eh uma questão de prefixo?
- [emoticon de espanto]
- tipo assim esse tal de guimaraes eh professor de port tb neh?
- [emoticon de espanto] [emoticon de espanto] [emoticon de espanto]
- sei lah, me lembrei dakelas suas aulas chatas sobre prefixo, sufixo, radical, akelas paradas toda lah
- Poxa, rapaz! Legal que vc tenha lembrado. Ao menos algo ficou, né não?
- pode cre, mas ae akele papo sobre amor, vc deve sacar legaw sobre essa parada de amor neh naum?
- Saco não, rapaz.
- pow mas vc diz lah q vc ta apaixonado
- Tá, cara, eu digo. Mas e daí? Quem foi que disse que o fato de alguém estar apaixonado ou amando lhe confere sabedoria ou conhecimento de causa sobre o assunto AMOR?
- ??????????
- !!!!!!!!!!!!!
- rsrsrsrsrsrs vlw mas voltando a parado do prefixo...


E aqui encerro a transcrição dessa insólita conversa no MSN. Se eu continuasse, seria uma puta dupla sacanagem: com vocês, caros leitores, e com meu estimado e anônimo ex-aluno. Aliás, ex-aluno é foda, não? É igual ex-mulher, ex-marido, ex-caso, ex-qualquer porra... Quando a gente pensa que foi, volta. Parece aqueles filmes e suas múltiplas continuações: tem sempre a parte II, a revanche, sei lá mais o quê. Mas eu gosto muito dos meus ex-alunos, na boa. Meu Orkut e meu MSN estão repletos deles. Tem jeito não: professor uma vez, professor sempre. Quem foi rei não perde a majestade... hehehehe
Mas dessa conversa surgiu material para essa postagem. Espero que meu ex (tô falando do aluno, ok) leia isso aqui: vai me economizar algumas horas no MSN...

Com relação aos prefixos e a postagem à qual ele se referia, veio-me a idéia de discorrer um pouco mais sobre o tema que eu já havia decidido não mais abordar: o famigerado AMOR. De início, o que é um prefixo? O Aurélio diz o seguinte: "Sílaba(s) que antecede(m) a raiz de uma palavra, modificando-lhe o significado e formando palavra nova". Isso posto, vamos ao AMOR. Essa babaquice que nos assola de vez em quando decorre de dois prefixos que, invariavelmente, induzem qualquer pessoa menos avisada ao erro, a saber: os prefixos mal- e sub-. Toda e qualquer busca de entendimento (ou não entendimento) do AMOR advém da adição bizarra desses dois prefixos ao objeto dessa busca. Daí, teremos o surgimento das palavras “subentendido” e “mal-entendido” (emprego do hífen é papo pra outra aula, ok?) Pois é, tudo pode começar com os subentendidos, os joguinhos de sedução, as palavrinhas doces, o papo cerca-lourenço. Aí então, o indivíduo, pouco versado nessas questões mais metafóricas do que metalingüísticas, acaba por desestruturar seu próprio discurso interno. E , quando vê, já é tarde: mergulhou de cabeça nesse reino da palavra, do logos, do verbo – e o VERBO se faz CARNE. Mas então, ocorre também que o interlocutor seja não só um grande mestre no domínio do verbo e da carne, um grande sedutor, mas também versado em outra língua. Ou seja: o indivíduo achava que se falava uma única língua, mas havia uma segunda, anterior e mais presente em seu interlocutor. Não um substrato, mas a língua oficial mesmo. E é aí que entra o segundo prefixo. Quando o interlocutor vem e diz que tudo não passou de um grande mal-entendido. Resumindo: o que começou com lindos subentendidos resultou num insolúvel mal-entendido e o indivíduo apaixonado que se foda para tentar entender como ele se deixou levar por esse papo furado de AMOR. E agora eu pergunto: quem foi que disse que a Gramática está dissociada da vida real? Vejam aí como a Gramática pode explicar um amor não-correspondido, caros leitores!
E você, meu querido ex-aluno, aproveitou bem a aula?


Caralho! Sem querer, acho que essa aulinha serviu não só para ex-aluno como para ex-qualquer porra também...



Andrea Doria

Às vezes parecia que, de tanto acreditar
Em tudo que achávamos tão certo,
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais:
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços de vidro.
Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente,
Quase parecendo te ferir.
Não queria te ver assim -
Quero a tua força como era antes.
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada.
Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.
Eu sei - é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar,
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim.
Nada mais vai me ferir.
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui
E com a minha própria lei.
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais,
como sei que tens também...

(Renato Russo)

23.11.06

José revisited


E agora, José?
O fogo acabou

A noite pifou

E você não gozou

E agora, José?

Diante de seus olhos

desfilam em gritarias

algumas bichas em transe

enquanto outras

mais adiante

envaidecem cacetes suplicantes

E você ainda

tenta um negócio

em troca de sua boca

apinhada de murmúrios

com um pederasta

que na confusão

de luzes e faróis

desaparece deixando apenas

o cheiro do talco

E agora, José?

Cadê sua graça?

Seu jeans apertado

sua louca vontade

seu cinismo dosado

sua praça

sua pica de ouro

sua voz - e agora?

Em estado de

degradação pública

você espera, José

E se esconde de

policiais que investigam

seu corpo com olhos

de maledicências

Se você gritasse

Se você uivasse

Se você gemesse

Mas você não geme

Você é burro, José

De madrugada

sem ônibus que

o acolha e o leve

de volta à fantasia

do subúrbio imaculado

você caminha, José

Ora pisando em poças

de esperma despejado

ora esbarrando em

funcionários públicos

disfarçados pelo sono

você caminha, José

José, para onde?


(Edmilson BORRET)
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