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4.5.07

Traduzir-se

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos, que levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia... e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)



Escrever é traduzir-se... é transcender. O ato de traduzir-me e retraduzir-me é o que me conduz aos meus muitos acessos... e excessos...

Talvez num futuro distante algum filólogo venha a se debruçar sobre meus papéis e, numa tentativa de exegese, consiga juntar minha língua de partida à minha língua de chegada e de mim faça algum sentido. Aí então, caros leitores, vou me juntar a vocês num café de uma livraria, de um cine-clube qualquer e vou finalmente me ler... Que já será tempo de algum entendimento, meu Deus! Porque neste exato momento, meus caros, sou travessia das mais arriscadas (quase o pessach hebraico, no sentido primeiro e real do termo). E a outra margem ainda vai longe... E como desencarnado provavelmente já estarei no tempo do entendimento, me será até mais confortável e poderão mesmo reclamar para mim alguma isenção de culpa, já que "traduttori tradittori".

Enquanto isso, eu busco traduzir-me.



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

(Traduzir-se. Ferreira Gullar)



"Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia."
(Guimarães Rosa)

3.5.07

A hora do sim é um descuido do não...

A francesada tem um verbinho apropriado para definir essa sensação que venho tendo há alguns dias: hanter [obcecar, perseguir]... Bem, eu poderia usar um verbo em português, mas acho que o verbinho francês tem a força expressiva necessária para essa minha sensação (e também porque eu sou fresco mesmo e em francês fica mais chique, oras!). O fato é que a frase que encabeça essa postagem “me hante” nesses dias.

Antes, é preciso que eu diga que tive que me afastar por um tempo do mundinho virtual: problemas de conexão. E também por conta da minha última postagem, que foi meio que uma sessão de análise daquelas que deixam a gente fora de combate por algum tempo. Por mais que eu não tenha medo de me expor aqui, mas acho que ali eu meio que passei um pouco do ponto. Andaram até mesmo dizendo que eu havia pirado o cabeção na Nouvelle Vague e nos filmes de Godard. De qualquer maneira, faço aqui meu mea culpa: chamar a felicidade daqueles nomes feios todos!!! Nada a ver, tadinha... Dona Felicidade já é uma senhora e, ainda que puta – cá pra nós – merece nosso respeito. Não se escarnece assim impunemente alguém tão importante. E, além do mais, meu frágil desdém só fez foi ressaltar meu primarismo e inabilidade para lidar com minhas limitações. Essa é que é a verdade, por mais que me custe admitir isso. Discernimento nunca foi uma qualidade da qual eu pudesse me vangloriar mesmo...

E aí veio essa música do Vinícius & Toquinho, sobretudo o verso acima citado, a ricochetear na minha cabeça nesses últimos dias... e tanta coisa aconteceu nesse tempo!!! E essa tanta coisa me levou a lançar alguns “sim” quando na verdade o “não” seria o correto. Obviamente que alguns desses “sim” são revogáveis e reversíveis. Mas também é fato que mesmo um “sim” revogado, ainda que usurpador de um “não”, deixa sempre sua marca indelével por anda passa... E isso é que é foda, meus amigos!

No fundo, a vida tem o dom de me surpreender quase sempre. Não tenho muito do que me queixar, sinceramente. Coisas boas sempre aconteceram para mim com certa freqüência... e as ruins - inevitáveis que são – se eu parar pra pensar, têm grande participação minha. Tenho muita sorte com as pessoas, isso é fato. Quem sabe por ser um tanto quanto seletivo (ou por pura sorte mesmo), sempre cruzo com pessoas fantásticas. E mesmo as ruins – não menos inevitáveis – servem, de certa forma, para me fazer lembrar das boas, me mostrar o rumo do bem. E, por isso, sou grato a elas também.

É bem provável que alguns amigos estejam certos: eu não sou tão idiota quanto penso. Talvez o que acontece é que eu seja bonzinho demais. E algumas pessoas não querem isso. Tem gente que gosta mesmo é de ser maltratado (não é o meu caso). O fato é que isso sempre atraiu coisas boas pra mim, ainda bem! Não faço questão sempre da verdade, da fidelidade... mas da lealdade e da ética eu não abro mão. Sou pelo jogo limpo. Sempre. Não importa em qual tipo de relação. Não que eu faça questão de gente boazinha o tempo todo. Uma certa malícia é até mesmo necessária, mas a leviandade não. Não quero nem vou fazer parte de nada onde as regras não estejam muito claras para mim e para o outro. Cartas na mesa. SEMPRE. Até mesmo os erros devem ser cometidos conscientemente: isso é o que eu chamo de liberdade. A vida já é bastante complicada, tudo bem... mas até mesmo para a diversão é preciso confiança. Senão não rola... na boa. Vira livre arbítrio desperdiçado. Sendo assim, não vou mais desperdiçar nem um “sim”, tampouco nenhum “não”.

Talvez por isso eu tenha tão levianamente escrachado a felicidade na postagem anterior. Por não ter percebido quanto de “sim” andei distribuindo por faltar coragem para o “não” ("Par délicatesse j'ai perdu ma vie", disse Rimbaud). Aí realmente ela, a felicidade, desconfia de mim e pica a mula. Confiança, lembra? Aí só cabe então se questionar como o Maiakóvsky, quando ele brada poeticamente: “E então, que quereis?...” E ele mesmo responde: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?” Tentarei prestar mais atenção aos meus “sim” e aos meus “não” de agora em diante. Já é hora de eu tentar crescer um pouco, não acham? Parar um pouco de culpabilizar a vida como algo exterior a mim e me tocar que a parte que me cabe por meus atos me será cobrada na apresentação da conta... e aí, meus caros, pode-se até questionar a cobrança dos 10% e do couvert artístico que nem aconteceu - mas daí a querer dar calote... nem pensar. É como disse o poetinha: se a vida é uma grande ilusão, não sei... só sei que ela está com a razão.

Sei Lá... A Vida Tem Sempre Razão
(Vinícius & Toquinho)

Tem dias que eu fico
Pensando na vida
E sinceramente
Não vejo saída
Como é, por exemplo
Que dá pra entender
A gente mal nasce
Começa a morrer
Depois da chegada
Vem sempre a partida
Porque não há nada
Sem separação

Sei lá, sei lá
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá
Só sei que ela está com a razão

Ninguém nunca sabe
Que males se apronta
Fazendo de conta
Fingindo esquecer
Que nada renasce
Antes que se acabe
E o sol que desponta
Tem que anoitecer
De nada adianta
Ficar-se de fora
A hora do sim
É um descuido do não

Sei lá, sei lá
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão

Sei lá
Sei não

14.4.07

Existirmos: a que será que se destina? Parem a Stultifera Navis que eu quero descer!!!!!!!


Pode parecer loucura (e, se parece, certamente o é), mas a impressão que tenho (aliás, eu não a tenho, ela me tem... me persegue até) é a de que estou apenas ensaiando para a grande estréia do meu momento de felicidade. Só que o puto do diretor não estabeleceu nem a bat-hora nem o bat-local da mise-en-scène. Enquanto isso, essa tal de felicidade está por aí, feito uma puta qualquer pelos trottoirs e parques da vida, se entregando a todos, vadia e rameira como sempre; e eu aqui vou pegando uns pedaços de texto aqui e ali (sem rubricas do autor) e me viro com as marcações que eu mesmo crio, apesar da fraca memória.
No mais das vezes, conseguindo disfarçar minha inerente veia canastrona, faço do ensaio o espetáculo. Mas é terrivelmente foda que antes mesmo de cair o pano já foi a minha máscara que caiu. E dá-lhe ovos e tomates!!!! Mas aí me lembro que é só ensaio (e esse puto do diretor que não marca essa data!!!), e continuo na espera do grand finale. Sempre esperando, sempre ensaiando (pra quê, meu Deus?) e sempre me perguntando... Quando, onde, como, quando, onde,como... é agora? tá na hora? é agora que eu entro?... E essa dúvida parece ser o leitmotiv das minhas inquietações (que algum louco mais louco que eu poderia até mesmo confundir com traço trágico-poético). Sinceramente não me lembro de quando nem onde pela primeira vez essa dúvida mal elaborada se insurgiu contra as minhas certezas, mas posso afirmar que ela nada mudou no destino da humanidade... E nem vai mudar, se querem saber. Sou eu comigo mesmo e a minha dúvida: - Quando, meu Deus, quando a Felicidade vai chegar?
E há tempos ando assim, meio a esmo por esse emaranhado de ruas desconhecidas, sem gps, sem combustível e, como na música, "a corda quebra, o carro pára e o riacho fica fundo".... Só que eu tenho medo, ouviu?
E assim eu vou acordando de manhã em manhã, esperando que a felicidade tenha vindo bater a minha porta, ou quando muito deixado um recado. Mas a puta não manda nem um e-mail, nem telefona pra dizer "tô chegando, querido, só peguei um pouco de trânsito no caminho". Decididamente essa filha de uma égua chamada felicidade não está entre os meus contatos, nem é minha amiga no orkut. Ela está por aí (cachorrona, vaca, vadia), num dia de sol, céu azul sem nuvens, correndo, faceira e lépida. E sabem por quê? Porque a felicidade é saudável, é bonita, é malhada, corpo sarado e bronzeado. Aliás, os amigos dela, os que andam com ela pra cima e pra baixo, também o são. Eles, sortudos que são em tudo, não ficam sofrendo pelos cantos, nem chorando ausências, nem se escravizam a coisas em que não acreditam ou não merecem, e nem de longe pensaram algum dia que não merecem o que desejam. Eles são bons em tudo, os amigos dela.
Mas eu espero... sempre espero. Os nós dos dedos tamborilando no tampo da mesa, eu espero, paciente que sou. E fumo mais um cigarro, e mais um e mais um... e lá se vão um maço, dois maços, três maços... e metade do meu pulmão no cinzeiro.
É, meu velho Torquato, e o Caetano ainda te pergunta (tardiamente, é certo, mas pergunta): "Existirmos: a que será que se destina?"... Fosse eu, mudaria o verbo: a que será que se desatina... E eu faço o quê, meu velho, para parar de me sentir um maior abandonado?... O quê? Ah não, isso eu já tentei... O quê? Pra você deu certo? Mas porra, cara, você pelo menos escreveu um livro!! Eu nem isso ainda. E nem plantei uma árvore e nem tive um filho. Meus últimos dias seriam mais paupéria que os seus, pode acreditar... na boa.
Mas, voltando a falar da tal vagabunda da felicidade, teve um dia em que pensei tê-la visto me acenando e gritando lá da rua. Tava ela lá com os amiguinhos dela sortudos em tudo, fazendo um buzinaço do caralho de acordar toda a vizinhança, a mal-educada. E ainda gritava: "- Rápido, ô viado, vem aqui fora. Rápido que você já não está mais em idade de se fazer esperar!" E ainda me sacaneava, a escrota... O foda é que eu não sabia direito se devia ir ou não... E se não fosse mais ensaio? Será que eu estaria preparado? Será que já era o momento de encarar a platéia, de cara limpa, e dizer, como você disse, meu velho, num só ato, sem medo da dona Bárbara:

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim


Caguei no pau, cara. Não fui. Ou fui, mas num passinho de bebê engatinhando. Quando cheguei, já era tarde. A puta já comia pneu na esquina e os amiguinhos sortudos em tudo gargalhavam da minha cara de pastel. Não era ensaio. Só que não prestei atenção ao terceiro sinal... Diretor mais filho da puta também que nem me avisou que era a hora!
Mas, cara, na boa, qualquer dia eu desisto desse ensaio insano, ponho fogo no figurino, arrebento o cenário a marretadas, rasgo os cartazes e o texto. Alopro de vez. Porque, mesmo que eu assim por um acaso da vida (é, dizem que eles ocorrem) estreasse finalmente, quem me garante que a crítica me seria favorável? Você sabe, né, dona Bárbara é foda! E quer saber? O outono já chegou aqui no Rio. Tá tudo assim meio cinza mesmo. O que é um pé no saco mesmo é essa certeza das horas que precedem a aurora, quando me dou conta que não haverá mais noite dormida... quando muito, mal dormida. São horas indubitavelmente de solidão. Mas uma merda de solidão cheia de ruídos e vozes entrecortadas que me dizem a todo momento, numa torrente pavorosa de avisos, recadinhos babacas e conselhos do tipo "eu te disse, eu te disse, eu te disse". Vou ficar, cara, na tua Navilouca... me acomodei à Stultifera Navis. Mas não vou pular na correnteza como você. Fica para uma outra hora, valeu? Vou tentar dormir um pouco agora... A berceuse já até escolhi.. Espero que você me perdoe a obviedade, mas não resisti...

Cajuína
(Caetano Veloso)

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina



Em tempo: A puta da minha felicidade, que eu pensava que tinha ido dar uma volta na esquina com os amiguinhos dela sortudos em tudo, me ligou dizendo que está na fronteira com a Nicarágua. Está esperando a balsa pra ver se consegue asilo político em Cuba. Pode? Piraaaaaaaanha!

13.4.07

Ainda há vida inteligente (e de bom gosto) no youtube

Pois é. Há.
Perambulando por lá, é bem verdade, a gente acha um amontoado de porcarias, de colagens mal-feitas, de vídeos caseiros que nos fazem querer repensar mesmo o sentido da palavra "amador"... E é um tal de homenagens pra cá e tributos pra lá que puta que pariu... é de doer as vistas e os ouvidos. Mas vá lá... com um pouquinho de paciência e muita garimpagem, a gente consegue descobrir coisas muito boas também. Nem tudo está perdido. HÁ VIDA INTELIGENTE NO YOUTUBE, AMIGOOOOOOOOSSSSSS!!!!!!!
Prova disso é esta pérola que achei por acaso: uma linda voz de,cuja dona chama-se Cristina Motta, cantando "Mais um adeus", de Vinícius e Toquinho. E mais: além de cantar e tocar um violão muito bem, ela ainda desenha!!!!!!!!! E é modesta a ponto de dizer: "Não sou desenhista nem tampouco uma exímia violonista. Mas acho que deu pra enganar..."

Então fica assim combinado: quem souber quem é Cristina Motta me avisa, ok? Quero dar um beijo nessa mulher... na boa.

Segue a letra da música abaixo e, em seguida, o vídeo.


Mais um adeus

(Vinicius de Moraes / Toquinho)

Mais um adeus
Uma separação
Outra vez, solidão
Outra vez, sofrimento
Mais um adeus
Que não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar

Olha, benzinho, cuidado
Com o seu resfriado
Não pegue sereno
Não tome gelado
O gim é um veneno
Cuidado, benzinho
Não beba demais
Se guarde para mim
A ausência é um sofrimento
E se tiver um momento
Me escreva um carinho
E mande o dinheiro
Pro apartamento
Porque o vencimento
Não é como eu:
Não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar




Agora, me digam: é lindo ou não é?

11.4.07

Sem medo das gentilezas do coração... Feito louco pelas ruas...

Há exatos 90 anos, no dia 11 de abril de 1917, nascia José Datrino, o "amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento", ou simplesmente o Gentileza. Anos depois, no dia 17 de dezembro de 1961, na cidade de Niterói, houve um grande incêndio no circo Gran Circus Norte-Americano, o que foi considerado uma das maiores tragédias circenses do mundo. Neste incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. Na antevéspera do Natal, seis dias após o acontecimento, José acordou alegando ter ouvido "vozes astrais", segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. Pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói. Aquela foi sua morada por quatro anos. Lá, José Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar "José Agradecido", ou simplesmente "Profeta Gentileza".
Após deixar o local que foi denominado "Paraíso Gentileza", ele começou a sua jornada como personagem andarilho. A partir de 1970, percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem seu caminho. Aos que o chamavam de louco, ele respondia: - "Sou maluco para te amar e louco para te salvar".
A partir de 1980, escolheu 56 pilastras do Viaduto do Caju que vai do Cemitério do Caju até a Rodoviária Novo Rio, numa extensão de aproximadamente 1,5km. Ele encheu as pilastras do viaduto com inscrições em verde-amarelo, propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar da civilização. Durante a ECO-92, colocava-se estrategicamente no lugar por onde passavam os representantes dos povos e incitava-os a viverem a gentileza e a aplicarem gentileza em toda a Terra. Seu lema: "Gentileza gera gentileza."

Nesses tempos estranhos, de sentimentos estranhos, de atitudes estranhas, pode soar estranho um sujeito estranho numa túnica estranha, de cabelo estranho falando de uma coisa tão estranha quanto gentileza. Estranhos, entretanto, somos nós que fazemos desse estranhamento a regra, e não a exceção. Estranhos somos todos nós para os outros. Estranhos são todos os outros para nós. E assim vamos nos estranhando, nos desconhecendo, nos perdendo nas terras estranhas do nosso dia-a-dia, estabelecendo as fronteiras do nosso metro quadrado diário, exigindo passaporte e visa de quem nele ousa penetrar. Estranho e equívoco é o contato esboçado e não realizado, é a palavra ensaiada mas reprimida... De qualquer maneira, não sei se a estranheza do mundo tem jeito. Nós temos. O pronome "nós", nesse mundo estranho, compreende, quando muito, o núcleo familiar. Como esperar, então, que haja gentileza para com o outro, se o pronome "nós" não consegue nem perceber o outro? Aí então, deixa de ser um pronome para virar um substantivo plural. Substantivo esse cada vez mais difícil de se desatar... e daí todo o estranhamento. Proponho, como forma de anular tal estranhamento, a palavra franca, o toque, o abraço... O que me fez lembrar do meu amigo Othoni que, na comunidade Ame e dê vexame, faz um jogo de palavras com "abraços" e "há braços"... Ao que eu respondi:

Há braços. Há pernas. Há bocas. Há olhos. Há nervos e músculos e sangue e suores e sêmen. Há de certo sentimentos. Há palavras a traduzi-los. Há equívocos a interpretá-las. Há dores, portanto...
Há dias sim, há dias não... Adias o quê no coração?


Há braços, há todos!




Feito louco
Pelas ruas
Com sua fé
Gentileza
O profeta
E as palavras
Calmamente
Semeando
O amor
À vida
Aos humanos
Bichos
Plantas
Terra
Terra nossa mãe.

Nem tudo acontecido
De modo que se possa dizer
Nada presta
Nada presta
Nem todos derrotados
De modo que não dê pra se fazer
Uma festa
Uma festa.

Encontrar
Perceber
Se olhar
Se entender
Se chegar
Se abraçar
E beijar
E amar
Sem medo
Insegurança
Medo do futuro
Sem medo
Solidão
Medo da mudança
Sem medo da vida
Sem medo
Das gentileza
Do coração.

Feito louco pelas ruas...

(Gonzaguinha)

6.4.07

O flower power do gauche... Beads, flowers, freedom, happiness

Uma coisa é certa, isso tenho que admitir: este blog não é mais aquele, olha a cara dele!!!! De revoltadinho e desbocado no início a filosófico e zen nos últimos tempos.... Putz! Que mudança, caro Ed!!!!!
Sei lá, estou lendo um livro sobre os ’70 e talvez esteja impregnado do flower power da época. Estou aprendendo a não levar a vida tão a sério e a manter minha cabecinha e meu coraçãozinho tranqüilos... Totalmente bicho-grilo!!!!!!

My body
Is walking in space

My soul is in orbit

With God face to face

Floating, flipping

Flying, tripping



Tá bom, tá bom... continuo meio gauche e maladroit, mas mudanças ocorreram nesse percurso de alguns meses. Entretanto, toda mudança pressupõe certa angústia. Mudando, tenho tantas coisas pra fazer e vontade de fazer tantas coisas... Espero, do fundo d’alma, encontrar disposição pra fazer tudo e ter tempo pra conjugar planos e realidade. Só não consegui ainda descobrir um jeito de ser feliz. Preciso resolver isso...

Enquanto isso, vou escrevendo... ou tentando arremedos de escritos... Se alguém me perguntasse não saberia dizer se continuo escrevendo por pura falta do que fazer ou por teimosia vaidosa, ou porque não aprendi outra coisa, ou ainda por perplexidade diante da vida, por amor à verdade, por insônia ou indignação, da mesma forma que não saberia dizer se continuo escrevendo para ficar mais sábio ou mais louco. O fato é que talvez a gente sempre perca um pouco da clareza de visão na exata medida em que nos debruçamos sobre nossa própria obra, e por isso mesmo a gente costuma confundir essa complexidade de nossos esforços intelectuais e literários com um avanço de conhecimento. Mas vou escrevendo... e tentando manter o equilíbrio e a calma... Aquietai vossos corações, caros leitores!!!! O blog do Ed ainda tem muito a vos dizer... Só está um pouquinho mais reflexivo... Como falei, estou impregnado do clima make love, not war dos anos 70. Ando tendo uma nostalgia danada deste tipo de clima. Estou mesmo pensando em fazer yoga, ouvir mais vezes Ravi Shankar e Os Novos Baianos, reler Timothy Leary e Allen Ginsberg... O perigo é alguém me pegar atracado com uma cuia de arroz integral, botando banchá na orelha e falando com planta. Se pegarem isso, podem me internar que o bicho grilo passou do ponto... hehehehehe


Tudo é uma questão de manter
a mente quieta, a espinha ereta
e o coração tranqüilo


Boa Páscoa a todos!

2.4.07

Use filtro solar

Muita gente conhece o discurso musicado “O Filtro Solar”, na voz de Pedro Bial, lançado no Brasil no último programa Fantástico de 2003, na Globo, e mais recentemente lido pelo mesmo boçal na não menos boçal última edição do Big Brother Brasil. Mas o que pouca gente sabe é que a origem desse texto remete ao jornal americano Chicago Tribune, em uma crônica de autoria da colunista Mary Schmich, publicada em 1º de junho de 1997 e originalmente entitulada “Advice, like youth, probably just wasted on the young” [Conselhos, assim como juventude, provavelmente desperdiçados pelos jovens].

A crônica inocente se espalhou pela Internet e pelo mundo, gerou até boatos e confusões, e ainda em 1997 acabou ganhando uma versão musical na Austrália através do diretor de cinema Baz Luhrmann, que estava preparando um álbum de coletânea com reinterpretações de músicas de seus filmes e produções de palco. Com as palavras da crônica lidas na voz do ator Lee Perry ao som de uma batida suave, o trabalho gerou a inspiradora trilha musical entitulada “Everybody's Free (To Wear Sunscreen)” [Todos São Livres (Para Usar Filtro Solar)] naquele álbum. Em 1999, uma adaptação da faixa, editada de 7 para 5 minutos, se espalhou pelas rádios dos Estados Unidos e se tornou um grande sucesso. Em 2003, Pedro Bial gravou no Brasil a declamação de sua tradução deste texto para o português, tendo ao fundo a mesma música da versão americana.

Eis a versão integral em português do texto.



O Filtro Solar


Nunca deixem de usar filtro solar.

Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: use filtro solar. Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante. Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...

Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude. Ou então, esquece. Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude até que tenham se apagado. Mas pode crer, daqui a vinte anos, você vai evocar as suas fotos e perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia quantas, tantas alternativas se escancaravam à sua frente. E como você realmente estava com "tudo em cima". Você não está gordo, ou gorda.

Não se preocupe com o futuro. Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que "pré-ocupação" é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra. As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, que te pegam no ponto fraco às quatro da tarde de uma terça-feira modorrenta.

Todo dia enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.

Cante.

Não seja leviano com o coração dos outros, não ature gente de coração leviano.

Use fio dental.

Não perca tempo com inveja. Às vezes, se está por cima; às vezes, por baixo... A peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo.

Não esqueça os elegios que receber, esqueça as ofensas. Se conseguir isso, me ensine.

Guarde as antigas cartas de amor. Jogue fora os extratos bancários velhos.

Estique-se.

Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida. As pessoas mais interessantes que conheço não sabiam aos 22 o que queriam fazer da vida. Alguns dos quarentões mais interessantes que conheço ainda não sabem.

Tome bastante cálcio. Seja cuidadoso com os joelhos: você vai sentir falta deles.

Talvez você case, talvez não. Talvez tenha filhos, talvez não. Talvez se divorcie aos 40, talvez dance ciranda em suas bodas de diamante. Faça o que fizer, não se auto-congratule demais e nem seja severo demais com você. As suas escolhas têm sempre metade das chances de dar certo. É assim para todo mundo.

Desfrute de seu corpo, use-o de toda maneira que puder mesmo. Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele. É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir.

Dance... Mesmo que não tenha onde, além de seu próprio quarto.

Leia as instruções, mesmo que não vá segui-las depois. Não leia revistas de beleza. Elas só vão fazer você se achar feio.

Brother and Sister
Together we'll make it trough

Someday a spirit will take you

And guide you there

I know you've be hurting

But I've been waiting to be there for you

And I'll be there just helping you out

Whenever I can


Dedique-se a conhecer os seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez. Seja legal com os seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e, possivelmente, quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.

Entenda que amigos vão e vêm. Mas nunca abra mão de uns poucos e bons. Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e destinos de vida, porque quanto mais velho você ficar, mais você vai precisar das pessoas que conheceu quando jovem.

More uma vez em Nova Iorque, mas vá embora antes de endurecer. More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer. Viaje.

Aceite certas verdades inescapáveis: os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer. E quando isso acontecer, você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes e as crianças respeitavam os mais velhos.

Respeite os mais velhos.

Não espere que ninguém segure a sua barra. Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada, talvez case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois pode, de repente, acabar. Não mexa demais nos cabelos, senão quando você chegar aos 40, vai aparentar 85.

Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que os oferecem. Conselho é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.

Mas no filtro solar, acredite!

1.4.07

Os silenciosos venenos nossos de cada dia


Na tradição oriental do budismo, há uma condição da natureza humana que poderíamos chamar de uma insustentável ternura. Esta ternura se expressa de dois modos: através do medo e/ou através da coragem. Quando se expressa pelo medo, manifesta-se através do que chamamos de três venenos: a ignorância (ou inércia); o apego (ou prostração); e a raiva (ou interferência).

Estes três venenos são a matéria da qual o medo é feito. Não necessariamente um medo repentino; mas o medo que pode vir a tornar-se algo normal, quase insuspeitável — por exemplo, os sentimentos que nos empurram em direção ao aborrecimento ou à curiosidade.

Então, o que chamamos de obscurecimentos do coração e dos sentimentos, as emoções negativas, existem como efeito destes três venenos. Quando estamos sob sua influência, ocorre o que os budistas chamam de samsara.

Realmente, estar no samsara é simplesmente interpretar esta profunda percepção do modo mais fácil e óbvio, primeiramente com inércia: não temos vontade de nos mexer, de encontrar outro modo de traduzi-la. Não reagimos e, quando nos acostumamos a isso, desenvolvemos uma prostração, que chamamos de apego. É confortável, nos acostumamos a ela, gostamos dela.

Cada vez que algo altera esse estado de coisas, cada vez que há um impulso ao movimento, à não-inércia, há um sentimento de interferência e nos tornamos defensivos. É assim que a maioria dos homens sofre no seu samsara particular.

Pode-se, no entanto, encontrar outro modo de se vivenciar essa insustentável ternura: no contexto da coragem. Trata-se de ter coragem para ir mais longe, para fazer uma interpretação muito mais profunda. Ousar buscar a insustentável ternura requer muita coragem.

A ternura existe nas profundezas de todos nós — mas é difícil pra cacete para nós vermos isso e preferimos interpretar essa ternura como um tipo de fragilidade, ou mesmo de vulnerabilidade.

Assim que sentimos esta vulnerabilidade, desenvolvemos todos os tipos de estratégia para nos proteger, adotando uma atitude defensiva que, não raro, pode se tornar ofensiva. Mas, mesmo neste caso, nas profundezas de cada pessoa, esta ternura estará sempre lá. Sem ela, ninguém pode ser defensivo nem ofensivo. Quando vemos alguém puto da vida, desapontado, triste ou raivoso, sabemos que nada mais há do que um mal-entendido, uma má interpretação dessa ternura. E então a pessoa opta pelo veneno... E pelo silêncio... E corre-se o risco de eliminar o problema errado.


“Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.”


“Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.”

30.3.07

Por que, por quem escrevo... II





Adoro nomes
Nomes em ã

De coisa como rã e ímã...


(Caetano Veloso)








De novo o Caê. Ele diz gostar dos nomes em ã... Eu já gosto dos nomes em ente... Não sei por que, essa terminação me fascina. Uma palavra que adoro é premente: o que não permite demora, o que é urgente. Premente rima com gente. Gente pra mim é premente... Adoro gente. Amizade pra mim é premente. Consideração pra mim é premente. Premente é o afeto, o companheirismo, a dedicação ao outro. Disse em outra postagem que escrevo para ser lido e para que meus amigos me amem ainda mais, citando García Marques. Quem escreve descreve-se, é bem verdade. Mas também descreve outros. Descreve os seus pares. Esse retorno ao mesmo tema é para dizer que os entes que fazem a minha escritura é que me dão a minha verdadeira dimensão. Aproveito para pedir desculpa por não estar escrevendo nada tão premente assim nessa postagem. Não que o tivesse feito antes. Mas neste momento menos ainda. Vim aqui hoje mesmo só para comentar sobre os entes queridos. E isso pra mim já é muito...
Nas últimas 48 horas, cedi ao premente de rimar gentes. Já fazia algum tempo que tava querendo escrever esses entes, mas não sabia por onde começar. Havia o desejo, mas faltava a iniciativa, a motivação, o conteúdo… E sobejava a preguiça. No entanto o premente se impunha. Era preciso me dividir. Isso! Escrevo para me dividir... e para me multiplicar. Dividir para multiplicar. Escrevo para dividir com os entes coisas nem sempre tão prementes que vivencio, sentimentos, fatos marcantes, e muitas outras coisas… Enfim, para dividir com e nos entes algo do que eu sou… Nesse dividir-me, nesse partilhar de mim mesmo, espero que esses entes também se sintam motivados a dividir algo de si mesmos, efetuando-se assim a multiplicação da divisão… Sinto que uma onda de gozo me preenche quando me divido em entes… Me preenche tanto, que simplesmente não cabe só em mim… Também quero que o máximo possível de entes possam ter esse gozo premente de serem preenchidos desse jeito, ou de algum outro jeito parecido… Vamos aos entes!!!! Presentes... sempre...



GABRIEL’S HYM(e)N
a Arlete Gabriel

na feminilidade do arcanjo no nome
vem essa mulher de muitas luas
por entre ruas traçadas nos ares
anunciar-nos o gozo das horas
os pés nus a flutuar alçados em asas
por sobre as casas de uma terra outra
refletindo na janela de uma casa estranha
sua própria face desconhecida
ouvindo as vozes de carinhos ausentes
na propulsão de cada gota de sangue
sussurrante como a chuva
a queimar-lhe as veias mudas
que esbravejam para o céu acima
mas ainda assim ela sobrevive
na noite em que todos dormem
mundos encantados em sonhos despertos
em que amigos se saúdam conexos
no bálsamo de um beijo sem destino
que tem o efeito de um hino de graças
amazing grace
how sweet the sound that saved me

from the streets of philadelfia


(Edmilson BORRET – 28/03/07)



ESSA MULHER
a Miriam Assunção

Que me venha essa mulher irmã
nos seus sortilégios incestuosos
de impenetrável castidade pagã
eu menino dos olhos curiosos

Que me venha essa mulher amiga
em seus véus de nudez invisível
de entendimento claro que intriga
eu poeta do verbo raro e risível

Que me venha essa mulher fada
em encantos de bruxa nos dedos
de sorte em vôo de ave lançada
eu mortal de muitos arremedos

Que me venha essa mulher inteira
em suas várias caras e quases
de perícia esbelta e certeira
eu homem de certezas fugazes

Ela tem a magia de um rito druída
Ela tem o colo da casta madona
a flor da pele de Almodóvar assumida
o instante eterno das mulheres da zona

Ela tem o erotismo barroco dos anjos
tem o silêncio esclarecedor dos sábios
de scarlets, gildas e barbarellas os arranjos
de clarices, hildas e anaïs os alfarrábios

(Edmilson BORRET – 30/03/07)

27.3.07

Os hyperlinks do coração... Homenagem ao amigo Othoni.


Vamos criar hyperlinks para o nosso coração e visualizar numa nova janela, de afeição e carinho, o que podemos ter de melhor. Vamos acessar novas possibilidades sem abrirmos mão de algumas antigas. Vamos selecionar o que de novo e bom aparecer nessa nova janela, copiar e colar em nossas memórias. Não vamos fazer dessas novas aquisições arquivos temporários.
O coração, metafórica e metonimicamente, é o músculo involuntário mais voluntário que conheço. Ao mesmo tempo que ele bate por si só, ele bate o que a gente decidir que ele bata. E aí estão os hyperlinks que podemos criar. Uma vez li que, para a tradição semita, o coração é conhecido como um “girador”. O que primeiro poderíamos inferir dessa associação é que o homem seria um ser volúvel e inconstante, voltando-se pra cá e pra lá, ao sabor dos ventos caprichosos de seus impulsos repentinos. Pois, para muitos de nós, o ato de “girar” estaria ligado a disfunções e desvarios mil: “gira” é a pessoa adoidada, amalucada, “biruta” (biruta, como se sabe, é aquele pano cônico dos aeroportos que gira ao sabor dos ventos). Também o famoso insulto “babaca” remete em sua origem - ao contrário do que muitos sacanamente acreditam - ao verbo tupi babak, que significa simplesmente “girar”. Se para muitos, porém, esse “girar” está associado à anormalidade, para essa tradição semita não: o oscilar-se seria a função normal do centro de gravidade do homem: o coração. O girar, o oscilar, o virar... virar a página – eis aí o hyperlink!!!
O árabe aprofunda ainda mais essa questão. Nessa língua linda, literalmente, a palavra para coração, qalb, deriva diretamente de qalaba, que significa “girar”. Para a ocidentalidade, é comum a observação que a condição “normal” do homem anda meio desregulada e que sua bússola, o coração, não pára quieta:

“The heart is like the sky, a part of heaven,
But changes night and day, too, like the sky”

(Lord Byron)

Ainda que sem a associação imposta pela língua (como ocorre no árabe), nossos poetas, vez ou outra, apontam essa característica “giratória” do coração. Assim, em Autopsicografia, após descrever belissimamente os vai-e-vem e reviravoltas a que está sujeito o poeta, Fernando Pessoa conclui:

“E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.”


E em Roda Viva, de Chico Buarque:

“Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração”


E numa surpreendente coincidência com o espírito da língua árabe, diz a canção de Kleiton e Kledir:

“Ah! Vira, virou
Meu coração navegador

Ah! Gira, girou

Essa galera”


García Lorca tem um poema dedicado ao coração-girador. O título bastante sugestivo, Veleta, significa não só cata-vento, mas, metaforicamente, “persona inconstante y mudable”. O poeta, desiludido, dialoga com os ventos: todos chegaram tarde demais e a “veleta” deve, afinal, girar sem ventos...

“Las cosas que se van no vuelven nunca,
todo el mundo lo sabe,

y entre el claro gentío de los vientos

es inútil quejarse.

¿Verdad, chopo, maestro de la brisa?

¡Es inútil quejarse!

Sin ningún viento

¡hazme caso!

gira, corazón;

gira, corazón.”


Mas por que falar de coração justo hoje? Por que considerar o seu movimento giratório como possibilidade de hyperlinks? Porque hoje, exatamente hoje, um grande amigo querido lá da comunidade orkutiana Ame e dê vexame está numa mesa de cirurgia para consertar o seu girador. Os médicos lhe estão criando hyperlinks novos, não tão metafóricos, mas ainda assim possibilidades novas para o seu girar. Ao Othoni, esse nosso grande amigo, dedico esta postagem de hoje. Rezando para que tudo saia bem e para que ele possa em breve estar conosco de novo lá na comunidade.

Mas aproveito a postagem também para insistir na idéia do hyperlink e da possibilidade de se verem as coisas por uma nova janela. Não sendo embora um crente, um cristão de fé, mas enquanto apreciador dos belos textos, recorro a uma passagem bíblica para propor que o grande “giro”, a grande reviravolta do coração humano, só ocorrerá quando se cumprir, como condição prévia, o bom funcionamento de um outro órgão: o ouvido: “Ouvireis, ouvireis, mas não querereis compreender; porque o coração está embotado” (Mt 13, 14-15).

23.3.07


A MEDIDA DOS HOMENS

rasos os olhos dos homens
em que lhes pese a fundura da alma
leves suas horas noturnas
em que lhes pese o peso de anos
montanhosos seus sonhos
em que lhes pese a estatura de homens
esbeltos seus corações prêt-à-porter
em que lhes pese o grasso medo
exatas suas ruas e cidades
em que lhes pese o passo torto
rijas suas certezas poucas
em que lhes pese a carne trêmula
áridos seus terços e novenas
em que lhes pese o úmido sexo
decotadas suas ingratas atitudes
em que lhes pese o recato da amizade
canhotos seus descuidados encontros
em que lhes pese a destreza do amor
de resto resta-lhes a medida
de músculos
de sangue
de carne
de pêlos
de ossos

em que lhes pese a medida de pó

(Edmilson BORRET)

21.3.07

Segue o teu destino...


cursum vitae

"A realidade
Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos."

(Ricardo Reis)


vida vai
e vida vem
e a gente aqui
no meio da vida
esperando da vida
que conosco ela divida
a sabedoria adquirida
ora, a vida convida
é essa sua lida
à gente cabe
que a viva

(Edmilson BORRET – 21/03/07)



Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

(Fernando Pessoa, in Odes de Ricardo Reis)

19.3.07

Hoje não dá...


Os Anjos
(Renato Russo)

Hoje não dá
Hoje não dá
Não sei mais o que dizer
E nem o que pensar
Hoje não dá
Hoje não dá
A maldade humana agora não tem nome
Hoje não dá
Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma
Untada previamente
Com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja
As dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça: antes de levar ao forno
Temperar com essência de espirito de porco,
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça
Hoje não dá
Hoje não dá
Está um dia tão bonito lá fora;
E eu quero brincar
Mas hoje não dá
Hoje não dá
Vou consertar a minha asa quebrada
E descansar
Gostaria de não saber destes crimes atrozes
É todo dia agora e o que vamos fazer?
Quero voar p'ra bem longe mas hoje não dá
Não sei o que pensar e nem o que dizer
Só nos sobrou do amor
A falta que ficou.


É isso, amigos. Sinto muito, mas hoje não dá. Quem sabe amanhã.

17.3.07

VERSOS DE DESENCANTO

Enquanto em versos canto
(cantava!)
aos quatro cantos
teus mil encantos
conseguiste como
que por encanto
plantar no meu verso
o desencanto
E vens agora me dizer
sei lá de que canto
que minha falta é tanta
que te aquebranta
Porém me espanta
que teus muitos recantos
e teus tantos encontros
não te cubram o pranto
Não, não é rancor
o que agora te conto
mas por enquanto
deixa-me aqui
no meu canto
Quem sabe um dia
eu te reencontro.

(Edmilson BORRET – 17/03/07)




Eu não estava preparado para essa sua vinda de repente. Pegou-me de surpresa esse seu manque... Como recorrer não sei às musas de outrora, faço-o mais modernamente:
- Canta agora, ó Fagner, o que em meu peito explode!


Revelação

Um dia vestido

De saudade viva

Faz ressuscitar

Casas mal vividas

Camas repartidas

Faz se revelar


Quando a gente tenta

De toda maneira

Dele se guardar

Sentimento ilhado

Morto, amordaçado

Volta a incomodar

14.3.07

Por que, por quem escrevo...

Noite de Hotel

Noite de hotel
A antena parabólica só capta videoclips
Diluição em água poluída
(E a poluição é química e não orgânica)
Do sangue do poeta
Cantilena diabólica, mímica pateta

Noite de hotel
E a presença satânica é a de um diabo morto
Em que não reconheço o anjo torto de Carlos
Nem o outro
Só fúria e alegria
Pra quem titia Jagger pedia simpatia

Noite de hotel
Ódio a Graham Bell e à telefonia
(Chamada transatlântica)
Não sei o que dizer
A essa mulher potente e iluminada
Que sabe me explicar perfeitamente
E não me entende
E não me entende nada

Noite de hotel
Estou a zero, sempre o grande otário
E nunca o ato mero de compor uma canção
Pra mim foi tão desesperadamente necessário

(Caetano Veloso)




E nunca o ato mero de escrever um blog pra mim foi tão desesperadamente necessário!!!!! É catártico. Reinvento-me nas palavras. Refaço-me, descubro-me nelas. E delas me alimento. E, de certa forma, dou de comer também aos outros. É um lindo repasto.
Um antigo copidesque do jornal O Estado de São Paulo costumava dizer que uma "lauda em branco aceita tudo". Dizia isso para criticar a quantidade de sandices que se escreveu e que certamente se escreve até hoje, seja lá qual for a intenção. Talvez o meu blog seja mesmo um amontoado de sandices, talvez não... Mas isso a mim pouco importa. A lauda em branco é minha, nela eu escrevo o que eu quiser. E lê quem quiser também. De qualquer maneira, é minha terapia há alguns meses, é o meu tarja preta sem efeitos colaterais.
E aí, vieram me dizer certa vez que pouco visitavam meu blog por eu ser demasiadamente prolixo. Por serem minhas postagens muito longas. Lembrei-me de imediato de uma frase de Voltaire: "Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta."
E por que haveriam de ser curtas e concisas minhas postagens? Como exigir concisão de um cara que é um emaranhado louco de idéias? Escrever, pra mim, sempre foi muito fácil. O fluxo vem e deixo a coisa rolar. E quando me dou conta, saiu aquela verborragia toda de sempre. Eu simplesmente não entendo por que me condenam. Sou assim e pronto. Gostem ou não. Que não me leiam então, porra!
Eu preciso escrever. É vital para mim. Aliás, acho que é a única coisa que sei fazer bem nessa minha vidinha de merda. É como disse o Neruda: "Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias." E eu tenho tantas idéias... Às vezes nem sei o que fazer delas. Elas me fustigam às vezes, me mordem, me esbofeteiam. E quando finjo que não lhes dou atenção, só consigo piorar as coisas. Uma vez uma idéia me cuspiu na cara; d'outra feita, uma quase me furou os olhos. Elas exigem muita atenção as idéias. Aí a gente tem que parar o que estiver fazendo no momento para lhes ouvir. Na verdade, o ato de escrever é isso: conversar com nossas idéias. Foi Sofocleto, acho, que disse que escrever é simplesmente "uma maneira de falarmos sem que nos interrompam".
Pois é, nunca o ato mero de escrever (um blog, um diário, um poema, um recado) pra mim foi tão desesperadamente necessário. Aliás, acho que para quase todo mundo. Só que poucos se dão conta disso. Para fazer mais uma citação (como as fiz nessa postagem, não???!!!), lembrei-me agora de Saramago: "Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não." E por que escrevo então? Bom, além dessa minha necessidade quase vital, escrevo porque quero ser lido. E como de muitas citações se compôs este texto...

"Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais."
(Gabriel García Márquez)

"Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida."
(Clarice Lispector)



Evohé, amigos!

12.3.07

Libertas quae sera tamen... No equilíbrio distante... Venha, que o que vem é perfeição



Venha, meu coração está com pressa

Quando a esperança está dispersa

Só a verdade me liberta

Chega de maldade e ilusão

Venha, o amor tem sempre a porta aberta

E vem chegando a primavera

Nosso futuro recomeça:

Venha, que o que vem é perfeição...

(Perfeição, Renato Russo - 1960/1996)





Me dá um nó na garganta e meus olhos enchem d'água cada vez que ouço essa música. Aliás, cada vez que ouço quase todas as músicas que o Renato gravou. Mas essa em especial. Todo e qualquer equilíbrio parece ficar mesmo distante sem a voz dele. Renato e seus strani amori... Renato e sua solitudine... Ave, Renato! Farei do "equilíbrio distante" a minha "perfeição"...



O MARINHEIRO

Os medos do mundo são tantos.
Esperar. Retornar. Descansar.
As horas passando...
a água passando...
as gentes passando...

Escorrego entre os corpos...
Conheço essas pessoas...
Não vejo suas caras
nomes
famílias.
Não vejo as bocas. Emudeceram.
Digo que do outro lado
a vida nos espera.

Estejamos vivos para ela!

Fugir daqui. Fugir pro mar.
Ganhar o mundo.
Navios em cruzeiro
um pássaro cantando
um jogo de futebol
um discurso empolgado
um par de coxas
uma garrafa de vinho
pão e aurora surgindo
um ar de sedução e gozo
no pasto verde
na grama verde.
Nada temos senão esse lugar comum!...

A vida berra louca
pelos quatro cantos
e nos pede um beijo
(um beijo uma carícia
um golpe de amor
ainda é o maior consolo do homem).

(Edmilson BORRET)

9.3.07

E tudo não passou de um grande engano...

Sabe aqueles dias esquisitos? Quando as pessoas não são o que parecem ser... Tudo duvidoso. Quando não chove, mas também não faz sol... Quando você descobre que sua vida é uma pilhéria, uma piada de mau gosto ou de humor negro e que, ainda assim, você ri da porra toda só para não chorar... E então sobrevêm algumas lembranças... Aí fode tudo de vez. E você se dá conta de que quase doze meses da sua vida não passou de um grande engano. E você descobre que pessoas que lhe pareciam lindas no início tornaram-se feias assim da noite pro dia. Mas feias mesmo, feias por dentro, feias na alma, asquerosas, nojentas, mesquinhas, pequenas, podres.... E vem aquela ânsia de vômito só de lembrar que um dia se nutriu algum sentimento bom por essas pessoas. Talvez o grande aprendizado que advenha de tudo isso é que em nossas muitas relações, virtuais ou reais, estejamos sempre a um passo de avaliações errôneas acerca das pessoas. Por vezes super-estimamos demais algumas e subestimamos outras. Dando, porém, continuidade a esse aprendizado, lançando mão de muita disciplina e alguma orientação, em pouco tempo, a gente consegue uma reeducação geral. Retomam-se atividades que nos davam prazer, readquirem-se hábitos saudáveis, e regulam-se o sono e a alimentação. Aí então seremos pessoas muito mais dispostas e, de quebra, mais leves... Mas essa "transformação" pode ser ainda mais profunda e eficaz. A gente sente falta de tudo e de todos que considera importantes, mas, para nossa surpresa e alegria, a gente descobre também o que era excesso. E é aí que está o segredo. E, num radiante momento de clarividência e atenção para com nossos sentimentos, a gente se pergunta: “Precisamos mesmo disso? Vai nos fazer bem ou nos acrescentar alguma coisa? Qual é o saldo, a relação custo/benefício?" Portanto, pense duas vezes antes de se empanturrar com uma caixa inteira de chocolates ou se embebedar com uma garrafa de vinho ou se aniquilar com uma caixa de anti-depressivos... e faça o mesmo antes de deixar as pessoas participarem da sua vida. Afinal, "você é o que você come", "quem com porcos anda, farelos come" e "diga-me com quem andas que eu te direi quem és"...

7.3.07

A mulher nos reinventando... "Vamos de Deus mesmo"

Eu precisava refazer aquela história, o que significava voltar no tempo séculos e milênios, precipitar-me no redemoinho cósmico que me levaria... Para onde? Merda, eu não sabia, e aquilo estava me levando, e com uma rapidez assombrosa, a um estado de loucura, mas não loucura comum, loucura existencial, coisa muito séria, coisa para filósofo, não para mocinha feia. O que fazer? Vamos de Deus mesmo, pensei, em desespero, e aquilo me deu enorme alívio. (...) Eu ia de Deus. Por que Deus e não Deusa? Por que Jeová e não Astarté, a divindade que os outros povos da região veneravam? Por que barba e não face lisa, com no máximo alguns sinais ou talvez até muitos sinais? Por uma simples e definitiva razão: eu não podia começar o grande livro criando caso, ainda mais com meu patrocinador. Salomão falava em Deus, os velhos falavam em Deus, meu pai falava em Deus. Deus!, bradavam as rochas da montanha. Deus!, gritavam os pássaros, os canoros e os mudos. Deus, portanto. Na minha cabeça, Deus seria apenas a energia geradora, não uma figura antropomórfica a reinar sobre a criação. Que Salomão e outros o imaginassem como homem, a mim não importava.
(...)
“No começo criou Deus o céu e a terra.” Pronto: estava escrito. E, a frase escrita, invadiu-me súbita euforia. Comecei a rir. Ri tanto e tão alto que um dos anciãos – eles estavam na sala ao lado – veio ver o que estava acontecendo. Entrou, sem bater e – merecido castigo – encontrou-me ali, sentada à mesa, cálamo na mão, diante do pergaminho. Consumara-se, aos olhos deles, a abominação: eu estava, mesmo, escrevendo a história que até então pertencera exclusivamente a eles, aos anciãos. Não pôde se conter: soltou um berro de ódio e fugiu correndo.
A mim pouco importava. Tendo dado início à tarefa, eu agora iria em frente. “Deus disse, faça-se a luz, e a luz se fez.” Ótimo, já tínhamos luz – e trevas também, porque não havia luminosidade sem escuridão, sem sombra. (...) Dada a magnitude da tarefa, precisava andar ligeiro. Resumi a criação a seis dias, incluindo um sétimo para repouso, deixando bem claro que naquele caso a pressa não fora inimiga da perfeição. “E viu Deus quanto havia feito, e achou que estava muito bom”. Não quis colocar “ótimo”, ou “excelente”, ou “maravilhoso”, porque afinal mesmo o Todo-Poderoso precisa ser um pouco modesto. Digamos que na escala de zero a dez ele se tenha autoconferido um oito, a imperfeição correndo por conta dos répteis e da feia.
Essa introdução foi fácil. Mas eu previa dificuldades pela frente. Tratava-se da criação do primeiro homem e da primeira mulher. Os anciãos tinham escrito pilhas de pergaminhos a respeito (...). Em termos de homem e mulher, de masculino e feminino, eu simplesmente deixaria o meu instinto falar. Segundo os anciãos, Deus criara o primeiro homem a partir do barro. Eu não tinha nenhuma objeção a essa humilde matéria-prima. Mas por que o homem primeiro, e não a mulher? E por que tinha a mulher sido criada de maneira diferente? A história da costela me parecia tola, para dizer o mínimo, ou talvez até uma afronta, considerando a modéstia dessa peça anatômica.
Decidi corrigir tais equívocos mobilizando para isso as minhas próprias fantasias. Criados, o primeiro homem e a primeira mulher enamoraram-se loucamente um do outro, e aí transformaram o Éden num cenário de arrebatadora paixão. Fodem por toda parte, na grama, na areia, à sombra das árvores, junto dos rios. Fodem sem parar, como se a eternidade precedendo a criação nada mais contivesse que a paixão deles sob forma de energia tremendamente concentrada. O encontro dos dois era, portanto, uma espécie de Big-Bang do sexo, muito Big e muito Bang. Todas as posições eram usadas, todas as variantes experimentadas, isso sob o olhar curioso das cabras e dos ornitorrincos e, mais, sob o olhar benévolo de Deus.
Que, na minha versão, não os expulsava do Paraíso; ao contrário, encorajava-os: agora que descobristes o amor, podeis enfrentar a vida como ela é, a vida cheia de som e fúria.

(Moacyr Scliar, A mulher que escreveu a Bíblia.)



Como homenagem ao Dia Internacional da Mulher, quis aqui reproduzir um trecho desse romance do Moacyr Scliar. Uma mulher do nosso tempo submete-se a uma terapia de vidas passadas e descobre que numa encarnação anterior, há três mil anos, foi ela que escreveu a primeira versão da Bíblia. Ela teria sido uma das setecentos esposas de Salomão - a mais feia de todas, mas a única capaz de ler e escrever. Encantado com essa habilidade inusitada, o soberano a encarrega de escrever a história da humanidade e, em particular, a do povo judeu - tarefa a que uma junta de escribas se dedica há anos sem sucesso. Com uma linguagem que vai do mais elevado e austero discurso bíblico ao palavreado desabusado do mais baixo calão, a anônima redatora conta sua trajetória, desde o tempo em que não passava de uma simples pastora de cabras, filha de um chefe tribal obscuro. Para além de toda sátira e humor irreverente, o que mais chama atenção nesse romance é o profundo humanismo que o percorre do início ao fim. O que vemos - muito mais do que um relato de uma experiência histórica, narrado a partir de um ponto de vista declaradamente feminino, que impõe sua voz, ou seja, seu modo de contar os fatos segundo sua perspectiva - é uma gostosa reescritura da tradição, recontada sob um outro olhar, não restrito a uma elite letrada; sendo, neste caso, privilegiada a postura feminina frente ao discurso (religioso-eurocêntrico, ou seja, do homem branco, cristão e ocidental) que sempre a marginalizou.



“Quem dera
Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera
Ser o verão o apogeu da primavera
E só por ela ser

Quem sabe
O Superhomem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher”


(Gilberto Gil)

3.3.07

“O diabo na rua, no meio do redemoinho...” Viver é muito perigoso...


“Estou explicando ao senhor, que carece de um explicado. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A senvergonhice reina, tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade. Está certo, sei. Mas ponho minha fiança: homem muito homem que fui, e homem por mulheres! – nunca tive inclinação pra os vícios desencontrados. Repilo o que, o sem preceito. Então – o senhor me perguntará – o que era aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo tempo, sempre mais, às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe,e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que. Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente – tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo eu renegava. Muitos momentos."


(João Guimarães Rosa, Grande sertão:veredas)




O que faz desse romance, na minha opinião, o mais fantástico e mais belo de todos os tempos é justamente esse “não querer mais que bem-querer”, esse Deus e o Diabo digladiando no mais recôndito da alma. Além de questionar e refletir sobre seus atos passados, Riobaldo é essa antítese ambulante, esse paradoxo supremo, metáfora máxima do humano: “O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo...” E suas inquietações são parecidas com as de muitos de nós... com as minhas, pelo menos: a existência ou não do Demônio; a natureza nebulosa das relações entre o Bem e o Mal; o significado do sentimento que experimentou por uma pessoa (“Diadorim era a minha neblina”); o sentido de sua vida como jagunço; a busca de uma explicação para a condição humana...

Apesar de Grande sertão: veredas apresentar uma primorosa reconstituição realista do sertão mineiro e da vida dos jagunços, com passagens verdadeiramente épicas, os tormentos individuais de Riobaldo constituem, no mais das vezes, o questionamento do ser humano onde quer que ele esteja: no sertão de Minas, em Nova Iorque, em Paris, na Sibéria, no raio que o parta enfim. Muitas das interrogações do narrador-personagem não encontram respostas objetivas – a não ser no final do romance, e isso até certo ponto. De maneira que o clima geral da obra é de fascinante ambigüidade. A idéia que norteia a narração de Riobaldo é a fluidez de todas as coisas: “E estou contando não é uma vida de sertanejo, mas a matéria vertente.”

Quando ele afirma que o Diabo existe e não existe, quando diz que gosta de Diadorim e que não gosta, quando louva e repudia a jagunçagem, quando supõe que “querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar...”, Riobaldo constrói um universo onde nada é fixo, onde tudo muda e se transforma e onde “as pessoas ainda não foram terminadas”. Não conseguindo entender a totalidade da vida real – pelo menos, a que ele vive e na qual se insere – o protagonista-narrador tenta, de maneira pungente, ordenar o informe, esclarecer o obscuro e colher, nas paisagens hostis e resvaladiças da realidade sertaneja, a essência verdadeira do humano, se é que alguém pode encontrá-la: “A natureza da gente é muito segundas-e-sábado, tem dia e tem noite, versáveis...”

O diabo na rua, no meio do redemoinho, ri e gargalha de nossa condição, de nossos medos, da nossa não-aceitação do que a vida se nos propõe. E quanto mais a gente briga com nossos sentimentos, mais ele zomba de nós. Quem nunca teve seu momento de Riobaldo? Quem nunca se perdeu na neblina de uns olhos? Quem nunca sentiu a angelical presença do diabo nas palavras e gestos sedutores de alguém? Que atire a primeira pedra quem nunca fez seu pacto de morte e vida com o amor!!! Pois o amor, em última instância, nada mais é do que isso: um pacto de morte e vida.... Um eterno recomeçar, um morrer aos pouquinhos para, logo em seguida, renascer...

"Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Viver - não é - é muito perigoso. Por que ainda não se sabe, porque aprender-a-viver é que é viver, mesmo".

É sublime o dom da vida e, mesmo quando marcada pela dor dos limites, ela não perde seu valor nem seu sentido e merece ser amada e respeitada simplesmente porque é vida. A vida exige, de cada um de nós, um ato de contínua e inacabada coragem e as razões de viver sustentam essa capacidade de luta, sem a qual a vida perde seu verdadeiro sentido.


Você que me lê (e eu sei que você me lê, não negue), você também era a minha neblina...

28.2.07

Sexualidade e repressão

EROS E PSIQUE

...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

(Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Na Ordem Templária De Portugal)



Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

(Fernando Pessoa)



(Eros e Psique - Rodin)


O Mito

Existiu uma filha de reis, chamada
Psique, que era belíssima, ao ponto de despertar a inveja da própria deusa do amor, Vênus. Enciumada, Vênus ordena a seu filho Eros que vá até Psique, disfarçado, e a faça apaixonar-se pelo homem mais horrendo e vil da terra, como desforra contra a beleza provocadora de Psique.
Quando Eros encontra Psique para cumprir a vingança, em obediência a sua mãe Vênus, descontrola-se diante da beleza da moça e, descontrolado, espetando-se nas próprias flechas, apaixona-se perdidamente por Psique. Os oráculos transmitem ao rei, pai de Pisque, a orientação de que ela deveria ser levada a um penhasco para viver dentro de um castelo à espera de um esposo. Eros aproveitava-se e à noite, disfarçado, passa a visitá-la para amarem-se, pedindo a Psique que não tentasse conhecê-lo, evitasse vê-lo ou saber seu nome, porque somente assim a relação se tornaria eterna.

As irmãs de Psique, invejosas, convenceram-na que tal amor desconhecido seria na verdade um monstro disfarçado, uma serpente, que a mataria em determinado momento. A ingênua Psique, acreditando, preparou-se com um punhal, para na próxima noite cortar a cabeça de seu amante, o incógnito Eros. Após amarem-se, como de costume, ela decidiu matá-lo enquanto ele dormia. Mas, quando, ao pegar uma lamparina e iluminar a figura para melhor atacá-lo, viu o rosto dele e descobriu que seu objeto de amor era o próprio deus do amor, lindo e jovem, e nada de monstro, segundo a invenção das irmãs. Eros despertou, por ter-lhe caído uma gota de óleo quente da lamparina e viu-se descoberto. Sentindo-se traído em sua confiança, partiu imediatamente em vôo, encerrando a relação com Psique.

Psique, desamparada, tenta o suicídio e decide afogar-se, mas é salva pelo deus
Pan. Este a aconselha a procurar uma cura para seu problema no próprio amor. Psique - que nada sabia sobre o plano de Vênus, a mãe de Eros - foi ao encontro dela, confiante, pedir apoio. A deusa mandou torturá-la de variadas formas, mas ao fim cedeu e decidiu entregar-lhe o filho caso cumprisse quatro tarefas:
1- Separar num dia uma montanha de sementes;
2 - Pegar a lã dourada dos carneiros do deus Sol;
3 - Pegar água de uma fonte guardada por dragões; e
4 - Descer ao mundo dos mortos e pegar a caixa com a beleza da morte e entregá-la a Vênus.

Todas as tarefas foram realizadas, com apoio de muitas forças sobrenaturais, de deuses aliados e compadecidos, mas ao encontrar-se na posse da caixinha que continha a beleza da morte, Psique não resistiu à curiosidade e cometeu a imprudência de abri-la. Nesse instante uma nuvem a faz cair em sono mortal. Enquanto isso tudo acontecia, Eros recupera-se de sua ferida e vai à procura de Psique, encontrando-a desfalecida. Com uma de suas flechas do amor, Eros desperta Psique. Casam-se, com a ajuda de Júpiter, e chegam a ter uma filha chamada
Volúpia.



Há alguns anos, usei este poema do Pessoa e o mito grego para trabalhar com os alunos do Núcleo de Adolescentes Multiplicadores. Queria, com isso, introduzir a questão da sexualidade na puberdade, o despertar da psiquê para as coisas do desejo e do sexo.
O desejo, desiludido com a traição da alma por, não confiando plenamente nele e tão somente nele, ter preferido dar ouvidos ao que os outros (a sociedade) diziam contra ele, resolve dela se afastar. E aí começa toda essa busca interminável, essa luta perpétua entre, por um lado, atender seu apelo e entregar-se ao desejo e, por outro lado, comportar-se como toda alma supostamente deveria, de acordo com o que se exige de sua pretensa castidade. Até o momento que os dois – desejo e alma – descobrem que um não pode viver sem outro, que ambos se complementam, que são um só... para além de toda e qualquer moralidade.
Eis o caráter repressivo que permeia o mito de Eros e Psique (sobretudo quando pensamos na "moralidade cristã", que tão calhordamente se apoderou do mito): dois seres, enclausurados num cubículo e em suas vestes, sem rosto, enlaçados pelas convenções. Encontro sem contato (as bocas não se beijam, beijam trapos) e sem intimidade, pois, no cubículo fechado e sob os panos que cobrem seus corpos e rostos, se descobre a presença da sociedade inteira, vigiando e controlando o pobre casal (o muro a ser vencido).
O que ocorre, porém, é que Eros e Psique não são dois entes separados perpetuamente buscando um ao outro, mas que são um só e mesmo ser: Eros (o desejo) habita Psique (a alma). No poema de Fernando Pessoa, percebemos isso claramente quando o príncipe destemido busca a princesa encantada para descobrir que ele era ela. Esse desejo de indivisão e de fusão perpétua (quase sempre impossível), o laço que une desejo e alma em terno e profundo abraço (o "processo divino que faz existir a estrada"), é a sexualidade humana, perpetuamente reprimida. E só nos livraremos dessa repressão no momento em que entendermos que quando o desejo nos bate à porta da alma, esta não deve nunca lhe ficar indiferente, temer-lhe suas intenções ou delas desconfiar, sob pena de ficarmos eternamente pela metade...

26.2.07

O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não... A insustentável leveza do ser...


Foi esse meu amigo de nome diferente na foto aí em cima que me fez revisitar A Insustentável Leveza do Ser, título maravilhosa e paradoxalmente imaginado por Milan Kundera. Daniel Sulzbach Szmidt é professor também, leciona História, Geografia e Ensino Religioso lá em Campo Bom/Estrela, na rede estadual do Rio Grande do Sul. Em nossas conversas no MSN, falamos de tudo um pouco: vamos dos papos de putaria típicos dos homens, sobre bunda de mulher e conquistas sexuais às digressões sobre filosofia, Romantismo, medievalismo, poesia, música, etc. Foi ele que me mostrou o poema do Edgar Allan Poe, “Alone”, que postei há algum tempo aqui neste blog. A partir de sua paixão por Kundera, resolvi reler esse romance.

Aplaudido por uns, criticado por outros, A Insustentável Leveza do Ser parece pairar entre o romance filosófico e a mais açucarada narrativa amorosa: retrato de uma época e relato tipicamente ficcional. Mas, acima de tudo, este é um livro que mostra, de maneira ímpar e realista, a dimensão desse misterioso terreno que é o amor.
Um cirurgião tcheco, divorciado, vive envolvido naquilo a que dá o nome de “amizades eróticas”. Conhece Tereza, que trabalha num café, numa viagem que, por obra do acaso, tem que fazer à província. E se apaixonam.
Mas não é uma paixão comum (se é que existem paixões comuns). É antes uma mistura de sentimentos contraditórios, de dar sem saber o que pedir em troca, de infelicidades indefinidas, de vazios mentais cheios de nada, de uma estranha forma de amar traindo, de viver num limbo constante entre a felicidade desmesurada e o precipício.
Viajamos aos bastidores do romance, em que Kundera nos desconcerta e nos fala não como narrador, mas como escritor, não como entidade onisciente, mas como construtor de uma realidade que tem muito de auto-biográfica.
O ritmo da narrativa lembra um compasso marcado pelo peso da leveza introspectiva, e esse compasso parece ir do Andante ao Vivace, a marcação passando do binário ao quaternário, com momentos de “tempo forte”: cruzamos com a cadela de nome inspirado no romance de Tolstoi, imaginamos Sabina, a pintora e irresistível amante de Tomáz, ficamos curiosos por reler O Rei Édipo, nos espantamos com sonhos que pensávamos ser reais e com realidades que não pensávamos ser tangíveis. Refletimos não só sobre o acaso, mas também sobre a alma, a morte e o amor... o amor.
Percebemos um autor marcado pela mão pesada do comunismo soviético, um país (Tchecoslováquia) mergulhado numa profunda crise de identidade e, fundamentalmente, um povo fustigado pelo ódio à ditadura imposta.
Como eu disse há pouco, gostamos, ou não, de Milan Kundera e das suas asserções. Descobrimos que de complicado tem muito pouco, que escreve de maneira simples sobre coisas complexamente bonitas e que gosta de números, de dividir a sua obra de forma a (também) fazer dela um instrumento de análise para a ciência da Numerologia.





“O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis.
(...)

Não se pode, portanto, criticar o romance por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos (como o encontro de Vronski, Anna, a plataforma e a morte, ou como o encontro de Beethoven, Tomas, Tereza e o copo de conhaque), mas se pode, com razão, criticar o homem por ser cego a esses acasos, privando assim a vida da sua dimensão de beleza.”


(Milan Kundera, A insustentável leveza do ser)



Essa postagem é dedicada a você, meu caro amigo de nome diferente.

Aquele abraço!

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