Seguidores

17.1.07

Vou-me embora pra Floripa

Lá sou amigo do Sílvio e da Bel
Lá tenho a bebedeira que quero

No copo que escolherei...



Hehehehehe....

O blog sofrerá uma pausa de uma semana. Vou conhecer novas terras e novas gentes. Mais material e vivências que, com certeza, serão compartilhados aqui com vocês, caros leitores.
Aos que me seguem aqui cotidianamente (os que o declaram e os que não), deixo-lhes o tempo para refletirem sobre o que já escrevi até aqui: para alguns, mensagens de amor e carinho; para outros, recados diretos e na cara; para outros ainda, palavras de difícil compreensão (números são números, letras são letras); e para outros enfim, matéria para literatura de terceira.
Assim é o Ed: para gregos e troianos!

Oh! tristeza me desculpe
Estou de malas prontas

Hoje a poesia

Veio ao meu encontro

Já raiou o dia

Vamos viajar.

Vamos indo de carona

Na garupa leve

Do vento macio

Que vem caminhando

Desde muito longe

Lá do fim do mar.

(...)

Mas pode ficar tranqüila,

Minha poesia,

Pois nós voltaremos

Numa estrela guia

Num clarão de lua

Quando serenar.

Ou talvez até quem sabe,

Nós só voltaremos

No cavalo baio

No alazão da noite

Cujo o nome é raio,

Raio de luar.

(João de Aquino / Paulo César Pinheiro)


Prenant la route qui mène
A mes rêves d'enfant
Sur des îles lointaines
Où rien n'est important
Que de vivre
(...)
Je fuirais laissant là mon passé
Sans aucun remords
Sans bagage et le coeur libéré
En chantant très fort

Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil...

(Charles Aznavour)

Até a volta!

14.1.07

É isso aí... mais Ana Carolina...



Eu, particularmente, não gosto muito de versões de músicas estrangeiras. Salvo raras exceções (“Fascinação”, com a Elis e “Não chore mais”, com o Gil), na maioria das vezes, a versão fica muito aquém do original. Mas aqui, Ana Carolina conseguiu algo fenomenal: manter o mesmo clima da música de Damien Rice.
Nove em cada dez pessoas que ouvem e gostam do irlandês Damien Rice o conheceram através do filme Closer: Perto Demais. Quando “The Blower’s Daughter” começa a tocar, logo no início do filme, acompanhando os passos de Natalie Portman e Jude Law, a sensação transmitida pelo conjunto - música, clima, paisagem, personagens - pode ser resumida em uma palavra: encantador!
O filme é sexy e sofisticado, mas esses adjetivos são utilizados da maneira mais perigosa possível. Há mesmo uma turma enfurecida com o filme de Mike Nichols, especialmente as adolescentes que acreditam naquele grande amor para a vida toda (bom, não só as adolescentes, né?). Mas Closer é a mais pura verdade, sem floreios nem firulas e na sua pior faceta. O filme atesta o papel cada vez menor do afeto nas relações "amorosas" contemporâneas. E o faz com tamanha perspicácia. Em Closer as palavras são como tratores e as pessoas as usam para atropelar umas as outras. Não há sabão que limpe a boca suja de Closer. E a música encanta e comove mesmo...

The Blowers Daughter

(Damien Rice)


And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her sky


I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes...


And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial


I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes...


Did I say that I loathe you?

Did I say that I want to

Leave it all behind?


I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind...

My mind...my mind...

'Til I find somebody new


Mas, como eu falei, Ana Carolina consegue manter esse mesmo clima da canção original (e, por conseguinte, do filme também). Coisa que só pessoas iluminadas como ela são capazes de realizar. Pois o que você imagina que irá acontecer quando você se apaixonar? O que espera ganhar? Você quer que a pessoa torne-se parte de você? Que a companhia dela seja o bastante? E se, por acaso, um de vocês desistir ou mudar de opinião? Você estaria disposto a arrasar a pessoa que te arrastou para sua ilusão de como a felicidade deveria ser, apenas para tentar ver se você consegue ser só um pouquinho mais feliz com isso? Isso é correto? E quando contamos a verdade, somos mais heróicos do que quando mentimos, mesmo que a verdade vá arrasar vidas e corações para sempre? A resposta, se é que há uma, é que no momento em que pararmos de idealizar romances (que são uma distração, mas não são amor de verdade), poderemos realmente desfrutar de quem está ao nosso lado, realmente descobrir as pessoas com quem vivemos e, portanto, nossos relacionamentos...

E, para arrematar tudo isso, ainda tem a participação pra lá de especial de Seu Jorge. É bom demais!!!!





É Isso Aí
(Damien Rice / vers.: Ana Carolina)

É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre
É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar

É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar de te olhar

13.1.07

É mágoa

(Ana Carolina)

É mágoa
Já vou dizendo de antemão
Se eu encontrar com você
Tô com três pedras na mão
Eu só queria distância da nossa distância
Saí por aí procurando uma contramão
Acabei chegando na sua rua
Na dúvida qual era a sua janela
Lembrei que era pra cada um ficar na sua
Mas é que até a minha solidão tava na dela
Atirei uma pedra na sua janela
E logo correndo me arrependi
Foi o medo de te acertar
Mas era pra te acertar
E disso eu quase me esqueci
Atirei outra pedra na sua janela
Uma que não fez o menor ruído
Não quebrou, não rachou, não deu em nada
E eu pensei: talvez você tenha me esquecido
Eu só não consegui foi te acertar o coração
Porque eu já era o alvo de tanto que eu tinha sofrido
Aí nem precisava mais de pedra
Minha raiva quase transpassa a espessura do seu vidro
É mágoa
O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto
Se eu for embora não sou mais eu
Água de torneira não volta
E eu vou embora
Adeus



O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto...



11.1.07

Discurso: 100... Prática: 0



“Ainda não tinha aprendido o quanto a natureza humana é contraditória; não sabia quanta hipocrisia existe nas pessoas sinceras, quanta baixeza existe nos nobres de espírito, nem quanta bondade existe nos maus.”

(William Somerset Maugham)


Hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis, ambos significando representar ou fingir.



Na boa, estou cansado dessas pessoas com um discursozinho todo lindinho, arrumadinho, magnificamente libertário, politicamente correto... mas que, na prática, são uns escrotos reacionários do cacete.

" Ôôô , ôô
Gente estúpida

Ôôô , ôô

Gente hipócrita"

O que é mais foda é que parece que esses escrotos acabam acreditando em seus discursozinhos falsos. São seduzidos por suas próprias palavras, na mesma medida em que tentam seduzir seus interlocutores. São uma coisa e querem parecer outra. E se perdem de si mesmos...

"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara. "


Há uma dissociação enorme entre o ser e o parecer. Jean-Jacques Rousseau teceu essa argumentação no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, no início da segunda metade do século XVIII. É essa dissociação entre o ser e o parecer que permitiu ao filósofo um olhar crítico sobre a modernidade no seu alvorecer. Explicando um pouco: se tivermos como referência as sociedades tradicionais e a própria cultura ocidental até o início da modernidade, percebemos que as pessoas tinham lugares muito definidos na cadeia do ser; o que elas deveriam fazer e, inclusive, falar, estava dado. A dissociação entre o que se é e o que se aparenta ser simplesmente não se punha, não tinha sentido e, com ela, também não tinha sentido a fissura entre o dizer e o fazer e a fissura entre o ser e o fazer. Essa fissura, no entender de Rousseau, só fez alargar-se. Talvez tenhamos chegado ao seu ponto culminante, pois aquilo que algumas pessoas são - quando sabem quem são - escondem, diminuem, espezinham; só é permitida a emergência do parecer, das máscaras, daquilo que Jung chama de persona. As máscaras lhes permitem realizar no social um pequeno fragmento do seu ser - o restante permanece atrofiado, reprimido. Não sei se odeio ou se, na verdade, tenho pena desses falsários das palavras e das relações...


Histoire de faussaires

Se découpant sur champ d'azur
La ferme était fausse bien sûr,
Et le chaume servant de toit
Synthétique comme il se doit.

Au bout d'une allée de faux buis,
On apercevait un faux puits
Du fond duquel la vérité
N'avait jamais dû remonter.

Et la maîtresse de céans
Dans un habit, ma foi, seyant
De fermière de comédie
A ma rencontre descendit,
Et mon petit bouquet, soudain,
Parut terne dans ce jardin
Près des massifs de fausses fleurs
Offrant les plus vives couleurs.

Ayant foulé le faux gazon,
Je la suivis dans la maison
Où brillait sans se consumer
Un genre de feu sans fumée.

Face au faux buffet Henri deux,
Alignés sur les rayons de
La bibliothèque en faux bois,
Faux bouquins achetés au poids.

Faux Aubusson, fausses armures,
Faux tableaux de maîtres au mur,
Fausses perles et faux bijoux
Faux grains de beauté sur les joues,
Faux ongles au bout des menottes,
Piano jouant des fausses notes
Avec des touches ne devant
Pas leur ivoire aux éléphants.

Aux lueurs des fausses chandelles
Enlevant ses fausses dentelles,
Elle a dit, mais ce n'était pas
Sûr, tu es mon premier faux pas.

Fausse vierge, fausse pudeur,
Fausse fièvre, simulateurs,
Ces anges artificiels
Venus d'un faux septième ciel.

La seule chose un peu sincère
Dans cette histoire de faussaire
Et contre laquelle il ne faut
Peut-être pas s'inscrire en faux,
C'est mon penchant pour elle et mon
Gros point du côté du poumon
Quand amoureuse elle tomba
D'un vrai marquis de Carabas.

En l'occurrence Cupidon
Se conduisit en faux-jeton,
En véritable faux témoin,
Et Vénus aussi, néanmoins
Ce serait sans doute mentir
Par omission de ne pas dire
Que je leur dois quand même une heure
Authentique de vrai bonheur.

(Georges Brassens)

10.1.07

Mono-logar

Vou me permitir, para o desespero dos gramáticos, reinventar a etimologia de monologar.



Não mais de mono ("único"; "sozinho") + logos ("palavra"; "discurso"). Modernamente, meu chiste etimológico vai considerar logar como o neologismo verbal a partir de login ("conectar", na linguagem da informática). Assim, logamos quotidianamente sós e aqui na rede trasmutamos o "mono" em "pluri", "multi". Mas, ironicamente, esse reagrupamento virtual da diáspora só tende a deixar mais evidente e ululante o isolamento do real. "Logamos" para buscar aqui na rede aquilo a que fugimos fora dela. Estamos nos encastelando em nossos quartos, escritórios e salas diante da telinha e o mundo lá fora parece se fazer mais virtual que o cibernético. Perdi uma amiga da minha lista do orkut. Ela abandonou o site de relacionamento com a seguinte justificativa: "O Orkut aproxima os que estão longe e afasta os que estão próximos". Talvez um pouco categoricamente radical sua assertiva, mas nem por isso de toda irrefutável. Perdemos a capacidade do abraço e do olho no olho. O toque assusta e incomoda. Assistimos atônitos e impotentes ao retorno à tribalidade e ao bairrismo. E isso em plena era da globalização! E talvez exatamente por conta dessa globalização... E isso é grave!
Fica, disso tudo, aquela sensação de que algo não foi dito, não foi sentido, não atualizado (no sentido de "tornar ato"), não foi concretizado. E assim, mais tarde, já velhinhos (ou talvez nem tão velhinhos assim) a gente vai perceber o quanto perdemos por conta desse nosso medo arraigado de encarar o outro, de abraçá-lo, beijá-lo, tocá-lo, sentar para escutá-lo, dizer-lhe de boca e pulmão cheios: "Porra! Como é bom poder ter você aqui comigo!!!" Mas aí talvez será tarde... E só nos restará cantar as palavras do Ivan Lins e do Vitor Martins:

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...

Minha irmã me ligou há algum tempo no celular. Depois que coloquei a tal da internet sem limites, o telefone fixo aqui de casa não pára livre, vivo plugado na internet... Sim, minha conexão ainda é discada!!!!!!
Ela me ligou, a voz embargada, puta da vida e me disse as palavras mais duras que já ouvi em toda minha vida talvez. Perguntou-me como posso me esquecer de ir visitá-la, morando há apenas quinze minutos de ônibus. Como posso, em um ano de vida da minha sobrinha e afilhada, só ter ido vê-la 3 ou 4 vezes. Tentei argumentar que pouco tenho saído de casa depois da morte do meu grande amigo-irmão há alguns meses atrás. Mas, no fundo, eu sei que estava mentindo não só pra ela, mas pra mim mesmo. Aí ela perguntou por que ela não consegue falar comigo pelo telefone fixo e por que eu não ligo pra ela, já que pra ela é mais complicado por questões financeiras mesmo. Foi aí que a coisa fudeu de vez: disse-lhe que passava quase o dia todo na internet, no orkut e no msn, conversando com amigos. Senti que, do outro lado, o mundo dela pareceu desabar. E só então percebi a canalhice da minha atitude. Ela desligou dizendo que qdo eu achasse um tempinho entre tanta atividade social que eu fosse lá na minha antiga casa, nem tanto por ela, mas para ver minha sobrinha-afilhada crescer. E desligou chorosa. Fiquei mal pra caralho!!!! Veio-me imediatamente à mente aquela cena do filme Hair em que aquela negra canta lindamente uma canção em pleno Central Park coberto de neve, questinando o marido que a abandonou com o filho nos braços para ir se juntar a um grupo de hippies:

How can people be so heartless
How can people be so cruel
Easy to be hard
Easy to be cold

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be proud
Easy to say no

And especially people
Who care about strangers
Who care about evil
And social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd?
How about a needing friend?
I need a friend

How can people be so heartless
You know I'm hung up on you
Easy to give in
Easy to help out

And especially people
Who care about strangers
Who say they care about social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd
How about a needing friend?
I need a friend

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be hard
Easy to be cold
Easy to be proud
Easy to say no


O que me doeu não foram as palavras duras da minha irmã, mas ter me dado conta que ela está coberta de razão...

8.1.07

Confesso que vivi...



“Meu caminho junta-se ao caminho de todos. E em seguida vejo que desde o sul da solidão fui para o norte que é o povo, o povo ao qual minha humilde poesia quisera servir de espada e de lenço para secar o suor de suas grandes dores e para dar-lhes uma arma na luta pelo pão.”
Pablo Neruda





Em 12 de julho de 1904 — há mais de cem anos portanto — nasce Neftali Ricardo Reys Basoalto. No pequeno lugarejo em que nasceu, Parral, a 340 quilômetros de Santiago, ou em qualquer outro lugar, os nascimentos fazem parte do cotidiano. Nada há de especial. Seus pais são personagens comuns: ele é José del Carmen Reys Morales, maquinista de um trem lastreiro; ela, Rosa Basoalto Reys, professora, morta de tuberculose um mês depois de o menino nascer. Outra personagem entra no enredo de Neftali — Trinidad Candia Marverde — a segunda esposa de seu pai a quem ele acha incrível ter de chamar de madrasta já que ela é o anjo tutelar de sua infância, diligente e doce, com senso de humor camponês, e a bondade ativa e infatigável. Rodolfo e Laura — seus irmãos, filhos de seu pai e de Trinidad — são mais dois personagens do enredo nerudiano.



Nos primeiros cinco anos, Neftali corre sua infância pelas veredas de Parral ao sabor da chuva, do vento e do frio. Ternos anos, pouco registrados pela memória do garoto. Mudou-se com a família para Temuco — cidade pioneira, dessas sem passado, com grandes lojas de ferragem ostentando desenhos dos produtos à venda porque muitos compradores são índios e não sabem ler. Aliás, os araucanos, que lá vivem, são acossados primeiro pelos espanhóis; depois, pelos próprios chilenos. Neste mesmo ano, 1910, Neftali é matriculado no Liceu, cuja diretora, mais tarde, seria a escritora Gabriela Mistral — Prêmio Nobel de Literatura em 1945. Gabriela Mistral e seu tio Orlando Masson, poeta e fundador do Diário de Temuco, estimulam suas incursões poéticas.


“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.
Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”


Depois dos anos de Liceu, o poeta vai para faculdade em Santiago do Chile e incorre em novas descobertas e desconhecimentos. Assume a timidez inimaginável para o autor dos Cantos Gerais:


“A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser.”



A nomeação de Pablo Neruda para ser cônsul do Chile em Rangum inicia uma nova fase na vida do poeta que conhece um novo mundo nos lugares remotos que vive e passa a ter uma percepção mais ampla do homem:


“O poeta não pode temer o povo. Pareceu-me que a vida fazia uma advertência e me ensinava para sempre uma lição: a lição da honra oculta, da fraternidade que não conhecemos e da beleza que floresce na escuridão.”



Sua relação com Federico Garcia Lorca e com a Espanha estão sacramentadas no caderno “Espanha no coração”. O poeta vive a guerra civil espanhola e tais vivências influenciam de forma marcante sua literatura e o seu ingresso no Partido Comunista, seu encontro com a União Soviética, os escritores em ebulição em Moscou, a esperança de que o grande continente alçasse o grande vôo de uma nova verdade. “A revolução é a vida e os preceitos buscam seu próprio túmulo.” Neruda sente necessidade de escrever para os seus semelhantes, no caminho do humanismo enraizado nas aspirações do ser humano. Assim começou a escrever os Cantos Gerais.



Neruda nunca esqueceu suas raízes, sempre esteve ligado aos acontecimentos políticos e sociais de sua pátria. Aliás, em sua poesia podemos observar sempre a alusão às raízes, desde as tenras da infância nos bosques chilenos aos alicerces de convicções que nosso poeta construiu e floresceu em seus poemas.

Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais as que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.”



O último capítulo é sobre a vida e a morte de Salvador Allende, primeiro marxista eleito presidente da República na América Latina em 1970, morto durante o golpe que do depôs em 11 de setembro de 1973. Neruda escreveu-o poucos dias após aos fatos que culminaram na morte do governante e morreu no mesmo mês, em 23 de setembro de 1973.



Pablo Neruda, pseudônimo criado por Neftali Ricardo Reyes Basoalto ainda na juventude para esconder a autoria dos poemas de seu pai, viajou o mundo inteiro e divulgou sua poesia e seus ideais humanísticos pelos diversos povos e culturas.



Como o próprio poeta afirmou em sua autobiografia: “...a história é escrita pelos vencedores ou pelos que desfrutaram da vitória.” Pablo Neruda é um vitorioso, venceu os preconceitos e as tantas perseguições políticas e criou uma obra literária lida no mundo inteiro - uma leitura obrigatória para toda a humanidade.

"Em minha pátria, prendem-se mineiros. E os soldados mandam mais que os juízes."

"Mudou a sociedade, mudaram a época e a moda. As fábricas transformaram-se em deusas. Os deuses associados produziram salsichas, armamentos, automóveis. As guerras santas desta época foram as do petróleo. Os hereges que não se prosternarem ante os pagodes petrolíferos foram exterminados, não pela cimitarra ardente, nem pela cruz cheia de pregos, mas pelos golpes da polícia, pela tortura e pelas prisões."

"Coube a mim sofrer e lutar, amar e cantar: couberam-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e o do sangue. Que mais quer um poeta?"

"E todas as alternativas, desde o pranto até os beijos, desde a solidão até o povo, perduram em minha poesia, atuam nela porque vivi para minha poesia e minha poesia sustentou minhas lutas."

"E se muitos prêmios alcancei, prêmios fugazes como mariposas de pólen fugitivo, alcancei um prêmio maior, um prêmio que muitos desdenham mas que é na realidade inatingível para muitos. Cheguei através de uma dura lição de estética e de busca, através de labirintos da palavra escrita, a ser poeta do meu povo. Meu prêmio é esse e não os livros e os poemas traduzidos ou os livros escritos para descrever ou dissecar minhas palavras."

"A poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha."

"O poeta não é um 'pequeno deus'. Não, não é um 'pequeno deus'. Não está assinalado por um destino cabalístico superior ao dos que exercem outros misteres ou ofícios. Expressei amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se acredita um deus. Ele cumpre sua majestosa e humilde tarefa de amassar, enfornar, cozer e estragar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária."


"E se o poeta chega a alcançar essa singela consciência, poderá também a singela consciência converter-se em parte de um colossal artesanato, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos."

"... o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a humanidade."

"Penso com alegria que tudo o que vivi e escrevi serviu para aproximar-nos. O primeiro dever do humanista e a tarefa fundamental da inteligência é assegurar o conhecimento e o entendimento entre todos os homens. Vale muito ter lutado e cantado, vale muito ter vivido se o amor me acompanha."

" Nunca entendi a luta senão para que esta termine."


(Fragmento dos livros Confesso que vivi e Para nascer nasci, de Pablo Neruda.Ed. Difel, 1977)




----------------------------------------------

Sim, confesso que vivi. Confesso, outrossim, que morri. E assim vou morrendo para a vida e revivendo da morte. Quotidianamente. Didaticamente. E estabeleço minha aprendizagem nesse eterno ir e vir. Do funeral ao luto de mim mesmo, do luto de mim mesmo à ressurreição, toda a fugacidade do momento se expande e se agiganta consoante meus movimentos na direção da minha gnose e de meus mistérios. Sou Perséfone masculinizada ou Hades feminilizado. Sou morte e vida. Severa e severina. Carrego em meu ser a morte e a vida. Entendo-me mais que barro; mas lamaçal, lodo, mangue – onde toda a biodiversidade reina de par com a podridão dos restos mortais dos homens que aí se aventuram em busca de seus caranguejos. Homens, caranguejos, poetas e lama – tudo oriundo da mesma matéria líquida. Tudo destinado à mesma certeza sólida dos solos. À mesma certeza etérea do esquecimento.
Sim, confesso que vivi. Confesso, outrossim, que morri...

(Edmilson Borret)

7.1.07

Alteridades...



Olhar o defeito do outro


A mulher olhou através sua janela, apontou para o quintal da vizinha e disse ao marido:

- Há dias venho observando como é encardida a roupa da vizinha. Eu teria vergonha de pendurar no varal uma roupa tão mal lavada. Isso é relaxamento, um desleixo... Na verdade, acho que é preguiça.

O tempo passava... e, cada vez que ela voltava a observar, as roupas tinham um aspecto pior. Certo dia, uma surpresa! Ao reparar nas roupas da vizinha, ficou abismada. Estavam brancas, limpinhas, as cores vivas.

- Criou vergonha, disse ela. Perdeu a preguiça e esfregou mais, ou então trocou a marca do sabão.

- Nada disso, replicou o marido. Fui eu que lavei.

- Lavou a roupa da vizinha?

- Não, mulher, lavei o vidro da janela. Era ele que estava encardido.


(Desconheço o autor)




Não se vê aquilo que não está no olhar. Ver não é “fenômeno ótico” ou biológico. Faz parte da maneira como se codifica e decodifica o mundo que nos circunda. Ver é codificar e decodificar. É, antes de tudo, maneira de interpretar, de dar sentido, de criar e reconhecer conexões e mediações entre instâncias óticas. Olhar é “ouvir” mediações e instaurar paralelos, identidade/diferença; é identificar nosso “cheiro” e garantir territórios; é “apalpar” o conhecido e se espantar com o outro, podendo, assim, vê-lo como outro; é “degustar”, com horror ou prazer, alteridades; é vivenciar como a única realidade, ou a realidade privilegiada, o real criado pelo social.
O “espanto” ao ver o estranho, o não sociabilizado, o “fora do costume”, nos leva, labirinticamente, à idéia de “educação dos sentidos”. Nesse século visual, o olhar conquistou seu lugar e, ao mesmo tempo, foi desvendado. Não se vê como os animais: vê-se aquilo que determinada sociedade instaura como instância visível, seus possíveis, impossíveis e variantes, as formas, seu movimento esperado ou a dialética entre essas mesmas dinâmicas. Até mesmo ver além dos limites acontece nas virtualidades vivas das redes ficcionais da práxis. O encontro com o desconhecido, como a garrafa de coca-cola no filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, ou os encontros dos europeus com “outros povos” nos faz recodificar, dando ao “caos” os significados e as redes simbólicas de sentido e segurança, “esquecendo” seu nada-para-nós. O olhar não suporta o nada: sem reconhecimento não há o ver; sem um projetar profundo, que é uma maneira de não ver, não conseguimos ver.
Todo olhar é olhar histórico. Ele não é uma função, mas um desdobrar e um projetar interioridades sociais, sendo instaurado como algo a ser conhecido ou reconhecendo esse mesmo conhecido. Principalmente porque sua instauração se dá dentro de redes culturais e seu exercício é sempre “proposta” dessas mesmas redes: não vemos senão essas “grades” e suas projeções.A partir desse fundamento, ver é sempre ver um mundo codificado, logo, ver é processo contínuo e profundo de codificação, decodificação e recodificação. A “realidade” não é algo dado, mas estrutura simbólica instituída sócio-historicamente. Tanto a codificação quanto a decodificação são processos indispensáveis “à existência das práxis sociais que conhecemos”. Sem essas “operações” seria impossível manter a estabilidade da antroposfera que nos permite reconhecer o outro, se reconhecer e reconhecer um mundo que nos cerca com suas funções, necessidades e valores.
Vendo, podemos instaurar as mediações necessárias ao entendimento do social como um todo. Mas esse ver apresenta-se como um “ouvir”: as mediações não são vistas, mas feitas sem se ver, fora do mundo das formas. Os nexos são impalpáveis, pertencendo mais ao “universo auditivo” que ao escultural do visível. Não vemos a relação entre as coisas a não ser quando se tornam visíveis. O olho lê sem ver, reconhecendo a possibilidade entre as coisas e sua normalidade. Com isso coloca-se existencialmente a “identidade” e a “diferença" enquanto reconhecimento de si e do outro. O olho é o instrumento da alteridade cultural: aquilo que identifica o nós cultural separando essa identidade do existir do outro. O olhar carrega todo o arsenal ideológico disponível numa sociedade, não conseguindo, por vias não críticas, se libertar desse fundamento inescapável por sua própria atuação.
Sendo o olhar sempre o “olhar de um mundo”, a ocidentalidade é também uma grande maneira de ver e de impor esse ver como "a visão". O olhar ocidental é aquele que perdeu a certeza de ser o olhar de determinada sociedade e se disse o real do olhar. Vemos como nosso-deus “vê” o mundo e a cristandade vê aqueles que não são cristãos. A milenar prepotência do nosso olhar funda-se nesse mítico que sempre se considerou miticamente além do mítico. É olhar de determinado poder ordenador de instâncias sociais. Não é olhar descompromissado, mas olhar de certa moralidade: é olhar que julga e separa, aproximando ou distanciando o outro daquele deus que consideramos o único. É aquele que aponta o certo e o errado. Olhar que garante a vida ou a morte: aquilo que está próximo ao olhar, fraternalmente unido e certo, ou aquilo que está distante e é o outro a ser morto, devorado, escravizado, marginalizado, aprisionado ou esquecido.
O olhar no ocidente é o primeiro acesso ao monstruoso desvio ou o espelho-inverso do irmão. O criado e mantido por deus versus aquilo que se perdeu e outro criador o guiou à perdição. É olhar que “se criou” amando o outro para transformá-lo num igual: esse amor cessa na hora em que o outro recusa a deixar de ser ele mesmo ou se recusa a servir. O olhar ocidental não suporta a verdadeira igualdade. O olhar ocidental é olhar masculino, falus inescapável da Razão. Esse olhar duro é, na verdade, o nosso olhar. Essa dureza é a mesma do nosso real, tem todas as suas asperezas, todas as suas arestas finas e dolorosas. Toda a história do ocidente é a história desse olhar sobre si mesmo e sobre as outras sociedades e de como esse olhar de olho-gordo, olhar-secante, fixo e guloso, olhar da Medusa, formatou realidades completamente diferentes numa hegemonia duvidosa mas “sempre” mantida pelas armas do olhar e pelo olhar das armas. Noite e dia, olhar diuturno: olhar pornográfico fundando sua temporalidade. Olhar inescapável dentro dos sonhos, dentro do desejo, dentro de casa, dentro da carne e do lugar de trabalho, o olhar dentro da fala. O inferno está, no ocidente, sartrianamente, no olhar dos outros: olhar juiz, carcereiro e carrasco. Olhar que, no capitalismo, torna-se o olhar da coisa: reificado e reificador. Ele não vê mais senão coisas e relação entre coisas, como se os sujeitos fossem invisíveis. Relações sociais produtoras de mercadorias criando o olhar: o olhar do capital. E como a lógica do capital tornou-se a única fundamentação lógica do mundo, o olhar passa a ser o olhar dessa lógica. E somente esse olhar pode “passear”, como um grande olho metafísico carregando seu paraíso à tiracolo.
O turista só é possível no capital tornado fundamento vivo da sociedade. Antes do capitalismo não existiam turistas ou o olhar do turista. O viajante não é turista. Seu olhar é diferente. É ainda olhar tradicional. Julga mas não dissolve: acrescenta ao seu saber vivido os mundos fora do seu mundo.
O olhar do turista, olhar reificado por excelência, é sem profundidade: transparencializa sem se impor, olha sem se comprometer, olha sem olhar. Antes de olhar possui a certeza estabelecida por informações prévias. O olhar do turista não encontra o outro, mas estereótipos, modelos, esquemas. Seu olhar não é instrumento do vivido e da experiência, mas da confirmação. Ele não leva o mundo do outro para o campo vivo de um saber humano. Ele plasma, seja em fotos, filmes ou em narrativas esquemáticas, apenas o prefigurado e suas variáveis inesperadas. Vê as paredes do templo mas não sente, entende ou deseja naquela fé.
É o olhar das coisas sobre os homens. É o olhar permitido: o olhar do lazer, entretempo do tempo do trabalho. Não é o olhar da busca, mas o olhar do descanso da coisa sobre as coisas. Não é o olhar criador, mas o olhar da reprodução do capital descansando, em férias.

(Alberto Lins Caldas)



Geralmente, o defeito que notamos no outro são os nossos próprios defeitos projetados.

Ou, como disse Sarte no Huis clos: L'enfer, c'est les autres.

5.1.07

Doces mentiras



"Quanta verdade tristonha

Ou mentira risonha uma carta nos traz

E assim pensando, rasguei sua carta e queimei

Para não sofrer mais"
...



Porque eras assim, sob a toalha lunar


porque eras assim, sob a toalha lunar
e as estrelas debruçadas sobre ti, respirando
as tuas suspeitas noturnas. E ríamos mais
de vinte vezes por noite como
um ator antigo, que despe e veste
o próprio interior: ou como feiticeiros
com delicadas argolas de madrepérolas nos seios.
Mas também, às vezes, éramos barcas
muito pálidas, as proas perdidas no silêncio,
navegando devagar, com uma tristeza aberta e
pura por vento. E as nossas mãos abertas
eram velas, enlaçando, velejando. Nós,
finalmente, reduzidos a nós próprios
ao mesmo tempo.

(...)
e imagino agora todo o canibalismo
da tua docilidade, de onde emergia
um jardim intenso, onde teus olhos
adotavam nuvens. E eu, um alguém a serviço
dessa terra de borboletas, vivia entre
tulipas, piscinas de pólen, e me deitava
ao zumbido alado da vida intacta.
E enquanto trazias a virgem noite reclinada
sobre teus cabelos, quando a brisa
afaga as flores com doces mentiras, eu
tentava salvar-te de mim mesmo, de tua
terrível eternidade dentro
de mim. Observando. O quieto
navegar de estrelas em teus gestos revelando
que o teu sorriso é o universo
que tomba e te faz cócegas.

(Marcelo Sorrentino)



ACIDENTE DE PERCURSO


Teu mundo me veio de há pouco

e nele me perdi

Nessa one-way road impiedosa

teus faróis me iluminaram

antes que me lançasse longe

agonizante

o veículo que louco e vão

tentavas controlar...

Rastros de sangue na pista

sirenes e balbúrdia

O ar me falta e a dor consome

Pedestres se achegam

uns curiosos, outros indiferentes...

Nenhum beijo no asfalto!!!

A vida como ela é...

Sinais de vida no corpo inerte

Tum... tum... tum... tum...

- Afastem-se, senhores! Deixem-no respirar...

Tum... tum... tum... tum...

Tua imagem me vem em flashes...

Teus versos não são pra mim

Teu choro não é por mim

Nunca serei teu mundo

Não estou na tua pele

Não cuidarás desse pássaro aqui ferido

Não velarás meu sono

Não serei o fogo que te consome

Não cantarás pra mim

as músicas que te emocionam

Nem me verás nos filmes

que te encantam...

Tum... tum... tum... tum...

Tum... tum... tum...

Tum... tum...

Tum...


(Edmilson BORRET)

Da palavra arrancada à flor da pele

Quando todo silêncio é prefiguração de murmúrios. Quando toda palavra lançada foi vã. Mutilada. Conspurcada. Ultrajada. Abandonada. E sobeja no peito arfante a vontade urgente de desferir-te o soco final. De quebrar-te a cara. Arrebentar-te os dentes. E chutar-te as costelas. Puxar-te pelos cabelos. Arrastar-te por toda a cidade. Para a zombaria geral de todos os teus vizinhos. E amigos. E parentes. Gargalhar da tua roupa em farrapos. Colocar meu pau pra fora. Luzidio. Sob a luz pálida da lua. Fazer a dança da chuva. Rodear teu corpo ensangüentado. Mijar nos teus cortes e ferimentos. Escarrar na tua cara. Escarnecer de tuas quinquilharias. E banhar-te de lua, chuva, mijo, sangue e escarro. Não me apiedar de ti. E virar-te as costas em paz. E seguir rua abaixo. Assoviar um samba-canção. Olhar as casas do teu bairro evoluído e limpo. E parar no quiosque ao final da rua. Servir-me de uma farta porção de fritas. Parar sob a luz do poste. Ver meu rosto na vitrine em frente. E sentir um prazer brutal. Novo. E com as mãos ainda sujas do teu sangue. Lambuzadas do óleo das fritas. Bater de todas as punhetas a mais precípua. E esporrar nas tuas lembranças. Limpar as mãos no sobretudo. E sentir que recuperei minha palavra... E meu juízo...

(Edmilson BORRET – 05/01/07)





O que será que será?

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

(Chico Buarque)

3.1.07

View from the top...



Lying in my bed
I hear the clock tick
and think of you
Caught up in circles,
confusion is nothing new
Flashback, warm nights,
almost left behind
suitcase of memories,
time after

sometimes you picture me
I'm walking too far ahead
You're calling to me,
I can't hear what you've said
Then you say - go slow - I fall behind -
the second hand unwinds

If you're lost you can look and you will find me
Time after time
If you fall I will catch you - I'll be waiting
Time after time

After my picture fades and darkness has turned to gray
watching through windows,
you're wondering if I'm ok
Secrets stolen from deep inside
the drum beats out of time

time after time
time after time
time after time
time after time

(Cindy Lauper / R. Hyman)


"Segredos roubados bem do interior,
O tambor bate sem ritmo..."

"Socorro, alguém me dê um coração!!! Que esse já não bate nem apanha..."


Filmes babacas também trazem algumas mensagens bem interessantes às vezes (ainda que tão babacas quanto...) Aí a loirinha sem sal da Gwyneth descobre que por mais alto que a gente tente alçar nossos vôos de independência e renúncia, todo piloto vai sempre precisar de um co-piloto... Sobretudo nos momentos de nevoeiro...

Senhores passageiros, queiram manter os cintos até aterrissarmos, por favor!

Putz! Mister Barreto fumou maconha com bosta de vaca dessa vez, hein! Caralho!

1.1.07

Feliz Aniversário, Daia !!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Putz! Essa mulher é especial até nisso. Veio ao mundo no primeiro dia do ano só para ofuscar os fogos de Copa. Ela não nasceu, ELA ESTREOU !!!! Assim ela não aniversaria, ela nasce a cada ano... Réveillon dos que lhe querem bem, alvorecer de promessas de felicidades para aqueles de quem ela se paroxima... Mulher bombril: de mil e uma utilidades, de mil e um adjetivos... Mil e uma palavras não bastariam para defini-la... mas ficarei como uma muito bem empregada por sua maninha: a Daia é fodona!!!!!!!!





THE DAIA’S WONDERFUL WORLD

labuta num mundo de sonhos
mora na terra dos meus sonhos
acorda na vida dos seus sonhos
ela é Maria como as outras
de Fátima, de Lurdes, da Conceição
maria de todas, maria de verdade
maria solidária, maria maria
je vous salue marie pleine de grace
que coisa mais linda mais cheia de graça
é preciso ter manha, é preciso ter graça
é preciso ter sonho sempre...
ela assiste à novela das oito
como quem lê saramago e nothomb
e ri e chora e canta e gargalha
na sua voz de tagarela estridente
mãe, amante, poliglota, concierge
passista de pantuflas e pijama
ela é carioca da gema, ela é bamba
almoça e escova os dentes num só tempo
assovia e chupa cana e roda a saia
roda, corre, salta e nunca desmaia
e ri de si própria... ela é a Daia

(Edmilson BORRET – 01/01/07)

30.12.06

Feliz Ano Velho !!!!



Dias Melhores


Vivemos esperando
Dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás

Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor, melhores na dor

Melhores em tudo

Vivemos esperando
O dia em que seremos para sempre
Vivemos esperando
Dias melhores para sempre

(Rogério Flausino)





RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade)

29.12.06

Por toda a minha vida...


Eita que a Vênus Platinada conseguiu mais uma vez... Não sei devido a esse meu estado à flor da pele ou sei lá o quê, mas a homenagem que a dona Globo fez à Elis Regina hoje à noite me deixou assim meio em estado de choque. Por toda a minha vida” foi o título do programa em homenagem à cantora. Quase 25 anos após sua morte, Elis continua sendo a maior de todas as cantoras que o Brasil já conheceu. Sou fã de muitas outras cantoras, mas Elis é algo que não se explica... A inflexão, a respiração, as sílabas perfeitamente delineadas, a postura no palco, a mise-em-scène, a dramaticidade, tudo, absolutamente tudo fazia dela única no cenário da nossa música popular brasileira. Fiquei aqui atônito, revendo entrevistas, falas, musicais e a biografia de Elis... Se me perguntarem, não saberei dizer qual é minha música preferida na voz dela. É uma infinidade de coisas fantásticas que essa mulher gravou, sempre imprimindo seu toque único: tudo na voz de Elis assumia uma roupagem nova... a velha roupa colorida... Se tentar definir uma mulher é tarefa muito difícil, traduzir Elis é impossível. Esta mulher fenomenal tornou-se um mito. Até hoje ainda sinto a dor da falta que ela faz... Lembro-me ainda hoje de um programa na Globo chamado Elis Regina Carvalho Costa em que ela declamava um lindo poema antes de cantar “Aprendendo a jogar”, poema esse em que ela se reconhecia uma estrela... É isso: agora e sempre ela será uma estrela...


Agora o braço não é mais um braço
erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha
um traço
um rastro espelhado e brilhante
e todas as figuras são assim
um agrupamento de pontos
de partículas
um quadro de luzes
de impulsos
um processamento de sinais
e assim
dizem, recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne
escorrem todo o sangue
afinam os ossos em fios luminosos
e aí estou
pelas casas, pelas cidades
parecida comigo
um rascunho
Uma forma nebulosa, feita de luz e de sombras.
Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela.


Mas se ainda assim insistirem em me perguntar que música eu escolheria para homenagear esse mito-mulher hoje, eu sem dúvida alguma escolheria “Aos nossos filhos”. Não sei, mas me parece que essa música transmite tudo o que ela não teve tempo de dizer, parece um pedido de socorro, algo que ela parecia estar querendo gritar ao levar à boca aquele maldito copo naquele fatídico 19 de janeiro de 1982... Aos 36 anos, Elis Regina, a melhor cantora do Brasil, foi achada morta, trancada em seu quarto, onde tomara a derradeira dose de cocaína...


Aos Nossos Filhos

Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim...

Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas,


Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim...

E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim...

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...

(Ivan Lins/Vitor Martins)



O problema é que Elis era demais para seu tempo... Era demais até para ela mesma...




"Me tomam por quem? Uma imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo".

"Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé".


"Quem não deu suas mancadas?"


"Meu problema são 10 centímetros a mais; então estaria tudo resolvido".


"Me apaixonei pela minha voz".


"Neste país, só há duas que cantam: Gal e eu".








Por Toda A Minha Vida

Oh! meu bem-amado
Quero fazer-te um juramento, uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente tua e amar-te como nunca
Ninguém jamais amou
Ninguém
Oh! meu bem amado, estrela pura aparecida
Eu te amo e te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo quanto existe
Oh! meu amor

(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

28.12.06

Alone



Numa conversa com um novo amigo de orkut discorríamos sobre a solidão. Amigo de nome diferente - Daniel Sulzbach Szmidt - gaúcho, também professor. Fomos de Milan Kundera a Edgar Allan Poe, passando por Barthes. Falamos da solidão inata e da incompatibilidade de almas. Num dado momento da conversa ele me mostrou um poema do Poe. Foi amor à primeira leitura. Não conhecia tal poema. Meu amigo de nome diferente foi dormir. Fiquei aqui sozinho a me embriagar nas palavras da minha mais nova paixão... “Tudo o que amei, amei sozinho”... Essas palavras não paravam de ribombar na minha cabeça... Fui lá nas minhas reminiscências buscar eco para elas. Me vi garoto, tal como Poe, trilhando caminhos diferentes, falando línguas outras que ninguém compreendia... criador da minha própria filologia... Hoje, homem feito, pareço ainda seguir esse desenho que meus passos traçaram desde muito cedo. É algo de que não tento mais escapar há tempos. Moldou-se em mim essa tendência para o caminhar vazio, como a máscara da Tabacaria que, quando a quis tirar, “estava colada à cara”... Mas ao menos meu linguajar me é próprio, e disso me orgulho... Posso prescindir de meus irmãos, posso prescindir dos amores todos, posso prescindir de toda vã companhia... só não posso prescindir de mim mesmo... De mim não abro mão... Da criança que fui ao homem feito que me tornei pouco restou senão essa profunda e dolorosa lucidez... Fiz-me homem na dor do ver mais do que os outros viam... E na ofuscante beleza dessa dor, ceguei-me para toda e qualquer possibilidade outra que não o caminhar sozinho...


SOZINHO

Não fui na infância como os outros
e nunca vi como outros viam.

Minhas paixões eu não podia

tirar de fonte igual à deles;

e era outra a origem da tristeza,

e era outro o canto que acordava

o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.

Assim na minha infância, na alva

da tormentosa vida, ergueu-se,

no bem, no mal, de cada abismo,

a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,

da rubra escarpa da montanha,

do sol que todo me envolvia

em outonais clarões dourados;

e dos relâmpagos vermelhos

que o céu inteiro incendiavam;

e do trovão, da tempestade,

daquela nuvem que se alteava,

só, no amplo azul do céu puríssimo

como um demônio, ante meus olhos.


(Edgar Allan Poe)




FILOLOGIA ROMÂNTICA

Tenho cá comigo
minha própria gramática
meus próprios adjetivos
minha própria regência
Trago na língua
o sabor controvertido
das conotações diversas
Sujeito oculto
E oculto devo me manter
Sob pena de ser feito
inexistente
pela chacota dos puristas
Quem sabe um novo tempo
uma nova sintaxe das relações
novos paradigmas...
A coordenação anulando
ancestrais processos
de subordinação...
Os amores todos
no mesmo campo semântico
Nenhuma regra ou exceção
E as gentes no seu
linguajar gostoso
espontâneo
prosivivendo paixões
da maneira
que as satisfaz.

(Edmilson BORRET)


UM HOMEM FEITO

Se algum dia num banquete patriarcal
dignarem-se a erguer um brinde em minha homenagem,
largo o garfo, espreito meu pai na cabeceira, subo na cadeira
e para que ninguém duvide de minha sanidade:
— É realmente o dia mais feliz da minha vida!
Comovido, agradeço os sinceros aplausos,
papai disfarça uma lágrima
e volto a destroçar o peru,
certo de que não foi ainda dessa vez
que sucedeu um escândalo em família.

(Edmilson BORRET)



Lembro-me de quando era criança e via,
Como hoje não posso ver,
A manhã raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim
Mas para a vida.
Porque então eu, (não sendo consciente)
Eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria.
Hoje vejo a manhã e tenho alegria.
E fico triste.
Eu vejo como via, mas por trás dos olhos, vejo-me vendo.
E só com isso, se obscurece o sol,
O verde das árvores é velho,
E as flores murcham antes de aparecidas.

(Fernando Pessoa)

27.12.06

Piquenique no front...



Não. Não é da peça do Arrabal que estou falando não. Mas não deixa de ter lá seu lado "absurdo"... Falo desses espíritos sem luz que, do nada, vêm assombrar nosso scrapbook lá no orkut... Gente nojenta!!!!
Eu hein, Rosa! Bandeira branca acenando da outra trincheira a essa altura do campeonato???!!!! Estou me sentindo o próprio Zapo (personagem da peça do espanhol Fernando Arrabal), numa esdrúxula situação em que mamãe e papai chegam para uma visita-piquenique em pleno front de guerra - personagens meio lesados e ingênuos, meio anestesiados, ignorando todas as atrocidades que rolam nos bastidores de uma guerra.... Ou então nem tão lesados assim. O que me faz pensar que é muita vontade de correr o risco de levar um tiro nas fuças ou uma bela porrada na cara mesmo. Pode uma porra dessas????!!!! Proselitismo pra cima de moi ? Nossa! Quanto altruísmo! Quanta bondade no coração! Que gesto lindo!... Sei lá, mas é o que já falei aqui uma vez: bondade demais não me inspira muita confiança. Há algo de podre no reino da Dinamarca! ("Quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens? O Sombra sabe!") Quer vir pro front? Que venha então. Mas eu não me responsabilizo se cair de cara na lama do fosso das trincheiras, valeu? Ah, não fode, porra!!!!! Depois, eu é que sou o anormal....
Bonzinhos de merda, arrependei-vos enquanto é tempo!!!! Senhor, perdoai-os! Eles não sabem o que fazem nem o que dizem, coitados...



Camisa de Força

Quero ouvir você dizer que eu estou doente
Que não sei mais o que faço
Que me perdi completamente
Quero ouvir a sua voz gritar que enlouqueci
Que meu riso é feito pranto e que meu pranto ri
Pois não faz mal, ninguém corre mais que a corça
No Natal me dê uma camisa de força

Quero ver no jornal que eu bato berro e brigo
Mas quem sonhou dormiu comigo e ganhou mais um amigo
Seu conselho é que a bebida é minha inimiga,
Mas me protege e do seu frio ao menos me abriga
Não faz mal o que brilha é a loucura
Passa aqui a garrafa que eu devolvo a cura

Quero ver a grande fila no final do mundo
Toda a gente se empurrando desse jeito imundo
Quero ver a sua cara olhar o viramundo
E Deus me atender primeiro porque sou vagabundo

Mas não faz mal é dos loucos todo o céu
Sou criança bem doce mais gostosa que o mel.

(Angela Rô Rô)


Porra! Se não tem mais o que fazer, vai fazer tricô com as tias, vai preparar a quermesse lá da paróquia. Quem foi que disse que eu tenho lá vocação para o bom ladrão? Estou muito bem aqui na minha cruz. Vai cantar de bonzinho em outro calvário, vai! Que merda!

26.12.06

On se cogne la tête, on tombe par terre en hurlant de douleur... Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima...


A Volta Por Cima
(Paulo Vanzolini)

Chorei, não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima


O dito popular “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” é normalmente usado na tentativa de reanimar alguém que esteja passando por alguma espécie de problema. Não obteve um bom desempenho em um teste? Foi reprovado(a) em uma disciplina? Perdeu o emprego? A(o) namorada(o) o(a) abandonou? O que geralmente se ouve é: “Acontece. Agora é levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. Evitando entrar em grandes discussões sobre o real valor e o que realmente representam esta e outras “frases de efeito” (quase todas elas imbecis e babacas em sua grande maioria), vou simplesmente fazer duas colocações sobre a expressão em questão. Em primeiro lugar, antes de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, é preciso aceitar, admitir, que se levou o tombo. Em segundo lugar, a ordem em que as ações devem ser tomadas é extremamente importante, de modo que, após admitido o tombo, o primeiro passo é levantar, para então sacudir a poeira e enfim dar a volta por cima. Mas aí eu pergunto: dar a volta por cima de quê... ou de quem? Porque para dar a volta por cima de alguém, pressupõe-se no mínimo dar uma bela cagada na cabeça desse(a) filho(a) da puta que te derrubou ou então dar-lhe um belo de um chute nas costelas ou nos fundilhos ao passar. E então eu faço mais uma pergunta: seria dar a volta por cima ou simplesmente passar por cima? Porque no coração de quem levou o tombo, a vontade é fazer o outro cair também: passar por cima, amassar mesmo, reduzir a pó, fazer virar sucata, sem nenhuma poeira pra sacudir. Sem essa de relevar, de ser superior, de esquecer. Papinho cristão babaca do cacete. Espírito de Natal já passou. Foda-se! Quer saber? "Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor..." Porque só quem está caído no chão sabe o quanto são babacas essas palavras de consolo desse dito popular mais babaca ainda.
Mas qual de nós não é babaca ao menos uma vez na vida? E viva toda a babaquice do mundo!!! Da mais acadêmica à mais popular!!!

Ok... mas a música do Paulo Vanzolini é um clássico. Como referência tá valendo ainda... Fazer o quê?



Eu quero quer sempre aquilo com quem eu simpatizo,
e eu torno-me sempre, mais cedo ou mais tarde aquilo com quem eu simpatizo.
E eu simpatizo com tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
e são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores tanto,
porque ser inferior é diferente de ser superior,
e isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Eu simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter
com outros eu simpatizo pela falta dessas mesmas qualidades
e com outros ainda eu simpatizo por simpatizar com eles
porque eu sou rei, absoluto na minha simpatia
basta que ela exista para que eu tenha razão de ser!

(Fernando Pessoa)

25.12.06

I Don't Feel Good Today...




O cantor norte-americano James Brown, conhecido como "o pai do soul", morreu nesta segunda-feira (25/12/06), aos 73 anos, em um hospital de Atlanta. Brown morreu à 1h45 no Emory Crawford Long Hospital, no qual estava internado desde domingo (24/12/06) devido a uma pneumonia.
Célebre por uma voz imponente e seus frenéticos movimentos, Brown, também conhecido como "Senhor Dinamite", se tornou famoso com canções como "I Got You (I Feel Good)", "Papa's Got a Brand New Bag", "Please Please Please" e "Living in America". Seu sentido inovador de ritmo o transformou em um dos músicos americanos com maior influência nos últimos 50 anos, junto a nomes como Elvis Presley e Bob Dylan.
Além de transformar o gospel em rhythm and blues e soul, James Brown também influenciou o surgimento de estilos como o rap, o funk e a música disco. Mick Jagger, Michael Jackson e David Bowie, entre outros, admitiram ter se inspirado no ícone da música negra.
O sucesso de Brown "Say it Loud (I'm Black and I'm Proud)" ("Diga alto, sou negro e orgulhoso"), tornou-se hino dos direitos humanos durante os turbulentos anos 1960. Ele tocou a música na posse de Richard Nixon na Presidência dos EUA, em 1969 - em ação que prejudicou temporariamente sua popularidade entre jovens negros.
Brown costumava trocar de ternos uma dúzia de vezes durante um show e dançava freneticamente no palco. Uma vez disse que queria esgotar o público e "dar às pessoas mais do que esperavam- queria cansá-las".
O cantor gravou mais de 800 canções durante sua carreira. Emplacou mais de 119 músicas nas paradas de sucessos e lançou mais de 50 álbuns. Entrou no Hall da Fama do Rock and Roll e recebeu um prêmio Grammy pela carreira musical, em 1992.
Além de lançar discos e fazer shows, Brown construiu também um império de negócios, incluindo uma série de estações de rádio e sua própria empresa de produções. Tinha uma grande frota de carros caros e um avião. Durante sua vida, ganhou fama de ser o homem que mais trabalhava na área artística.

Nascido em um subúrbio de Barnwell (Carolina do sul) em 1933, James Joseph Brown Jr. superou uma infância marcada pela miséria e a marginalização, após ser abandonado aos 4 anos por seus pais e deixado aos cuidados de parentes e amigos. Cresceu nas ruas de Augusta (Geórgia), onde cantava e dançava para pagar por sua vaga no quarto de um bordel.
Abandonou a escola na sétima série e começou a trabalhar colhendo algodão, engraxando sapatos, lavando carros e pratos e fazendo faxina em lojas.
Aos 16 anos, foi condenado a passar três anos em um reformatório por roubar carros. Ao sair, e em meio a uma carreira semiprofissional como boxeador, uniu-se ao grupo de gospel de Bobby Byrd, cuja família acolheu Brown.
A banda, rebatizada como Famous Flames, assinou um contrato em 1956 com a King Records de Cincinnati e quatro meses depois a canção "Please Please Please" se transformou em seu primeiro título a alcançar o topo das paradas de sucesso.
Foi um show em Nova York, no teatro Apollo, no Harlem, que ajudou Brown a dar seu primeiro grande passo na carreira, com a gravação de uma apresentação ao vivo em 1961.
Durante os anos 60, lançou canções que se tornaram clássicos de seu repertório, como "Papa's Got a Brand New Bag", "I Got You (I Feel Good)", "Get Up (I Feel Like Being a Sex Machine)" e "I'm Black and I'm Proud", enquanto se envolvia com drogas, álcool e atos de violência, que lhe trouxeram problemas com a Justiça.
Na década de 70, com a morte de seu filho Teddy em um acidente de trânsito, e a competição com a disco music, a carreira de Brown dava sinais de fraqueza. Nos anos 80, participou de filmes como "Os Irmãos Cara-de-Pau" e "Rocky 4", que tinha na trilha sonora o sucesso "Living in America", que lhe valeu um Grammy em 1987. O sucesso dos filmes e da canção apresentaram James Brown a uma nova geração de fãs.
Em 1988, Brown foi condenado a seis anos por posse de drogas e armas. Ele foi preso após uma perseguição em alta velocidade pelos estados da Georgia e da Carolina do Sul, depois que a polícia disparou nos pneus do seu veículo.
O cantor passou mais de dois anos na prisão, após os quais se dedicou a trabalhar com jovens músicos de rap e hip hop, que viram nele, apesar de seus erros, um modelo que conseguiu superar a miséria e marginalização de sua infância.
Em fevereiro de 1991, foi libertado sob a condição de nunca dirigir e ter armas de fogo. Dois anos depois, Brown lançou o álbum "Universal James", que continha sucessos como "Can't Get Any Harder", "How Long" e "Georgia-Lina". Outro álbum de estúdio, "I'm Back", com a canção "Funk On Ah Roll", foi lançado em 1998.
Em 2004 teve diagnosticado um câncer de próstata, o que o levou a se submeter a uma cirurgia. Continuou sua carreira, em apresentações e estúdios como o show de 2005 na Grã-Bretanha e os duetos gravados com os cantores britânicos Will Young e Joss Stone.
Brown foi casado quatro vezes e teve pelo menos seis filhos, o último deles com sua mais recente mulher, a backing vocal Tommie Raye Hynie.



Say it Loud (I'm Black and I'm Proud)
(James Brown)

Now we demand a chance to do things for ourserlf
We're tired of beatin' our head against the wall
And workin' for someone else
We're people, we're just like the birds and the bees
We'd rather die on our feet
Than be livin' on our knees
Say it loud, I'm black and I'm proud





I Love You, Yes I Do
(James Brown)

I love you, yes I do
I love you, yes I do
I'm yours my whole life through
Since I first laid eyes on you

You love me, yes you do
You need me, I need you
I'm yours my whole life through
I love you, yes I do

I guess you knew it from the start
From the day you took my heart
You're the one girl, always, and mine
Darling you're my guiding star
I must be forever where you are
You set my world on fire

I love you, yes I do
I need you, yes I do
I'm yours my whole life through
Since I first laid eyes on you

I know you know it's true
I love you, yes I do
I love you, yes I do
Related Posts with Thumbnails