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5.6.07

Acionar o "foda-se" exige bem menos do que imaginamos



Aqueles que me conhecem bem sabem que, há muito tempo, acionei o botão "liga o foda-se e seja feliz". Revoltadinho eu? Iconoclasta? Irresponsável? Talvez sim, talvez não... De qualquer maneira, acionar o "foda-se" tem sido um puta exercício de sobrevivência...

Um belo dia você acorda e se dá conta de que nem todos aqueles sonhos faziam sentido, que a porta emperrou, que a porra do telefone não vai tocar. E fica aí, na expectativa de que as coisas mudem, mas nada acontece. E daí? Foda-se!
Um belo dia você acorda e não sabe mais qual o seu papel nesse mondo cane. Aí você sai do trabalho, senta a bunda numa cadeira de bar e decide resolver o mundo. E acredita piamente que vai conseguir... tsc tsc tsc tsc tsc... Desista, amigo! O mundo tem suas próprias engrenagens... E posso jurar que uma ou mais de uma dessas engrenagens produz um som repetido e sarcástico, como um mantra bem sacana a ecoar: "Foda-se... foda-se... foda-se..."
E no final do dia, ainda atônito, você ajeita o travesseiro, sente seus pés formigando, fecha os olhos para tentar entender o propósito disso tudo...até que o novo dia venha e você perceba que suas dores, dúvidas e dívidas continuam ali... Desistir de tudo? Lógico que não. Liga o "foda-se", amigo!

Sabe aquelas pequenas coisas que te irritam, tiram você do prumo e você, muito dificilmente, tem como evitar? Foda-se pra elas!
Comportamento inesperado e injusto das pessoas que te rodeiam? Fossa por conta dos acontecimentos infelizes da vida? Preocupações demasiadas? Puto por ter levado a culpa por algo que não fez, papagaiao comeu milho e você levou a fama? O leite ferveu e entornou? O pneu furou? O chuveiro queimou? A mulher fugiu com outro? O pau broxou justo naquele momento em que não poderia de maneira nenhuma?
Pois bem...pra isso tudo eu ando dizendo: "Foda-se!!!"

Tentei explicar repetidas vezes, a pessoa não se deu ao trabalho de querer entender? Foda-se!
Pensei que o filho-da-puta era meu amigo, mas me passou a perna? Foda-se!
Os merdinhas que me cercam são um bandinho de hipócritas? Foda-se!
Há coisas que nós, sinceramente, não podemos modificar. Então, ficar batendo cabeça pra quê?! Sofrer pra quê?!

Por essas e por outras que eu ando acionando o "foda-se" sempre que possível! É um maravilhoso exercício mental! Experimente você também!


Mundo Cruel
(José Miguel Wisnik)

Desce desse galho em que te escondes
Sai desse céu sem ninguém
Onde não vês luz nem horizontes
Onde não vês nada além
Pára de ficar rolando tempo
Lamentando e alimentando dentro
A ferida do tormento
Também sei a dor de que te poupas
Sim, o mundo é cruel
Mas eu te pergunto, com que roupas
Vais contracenar o teu papel?
Pára de ficar rolando o tempo...
Da cilada má, da trama e a rede
Que o destino armou pra ti
Tu fizeste a cama, o colchão e a parede
Do teu próprio quarto de dormir
Pára de ficar rolando o tempo...
Já não há o que, de que, com que
Que te resguarde
Joga a tua carta, enfim
Antes do acaso arder, antes que tarde
Antes do verão ter fim
Não vou prosseguir nesta toada
Não vou insistir, dizer mais nada
Deixe que te diga o vento
Pára de ficar rolando o tempo...


Em tempo: Se chiar resolvesse, sal de fruta não morria afogado.

26.5.07

Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada




engraçado como um verso que cantei várias vezes de repente assume, neste meu momento, um significado quase visceral... alegria não existe sem tristeza, dor não existe sem felicidade... da mesma maneira que silêncio não existe sem som, nem sombra sem luz...

meu amigo, há dias para sonhar, e tantos outros para entender... há dias para planejar, e tantos outros para empreender... dias para ganhar, outros para perder... dias para desistir, virar as costas e desistir da vida, e tantos outros para amá-la com todas as forças... há dias para se recolher, negar e se distanciar, dias de ausência e de saudade, e outros tantos para acordar e começar tudo de novo... e em todos esses dias, nós... nós, de posse de nossos coraçõezinhos imbatíveis e corajosos... e olha, meu amigo, que eu entendo bem de lágrimas, daquelas lágrimas que transbordam, escorrem, e rolam pelo rosto doendo feito queimadura... eu entendo bem de lágrimas, furtivas ou não... mas também entendo de alegria... e isso na mesma e exata proporção...

pois é, meu amigo, eu com meus cansaços e com minha vontade às vezes louca de fugir e só voltar depois de muito, muito tempo, acho que andei também meio deprimido, triste cansado, doente, irado e com medo... não sei ao certo... mas ela estava sempre ali: a calada e teimosa esperança... e aí eu decidi que vou voltar a sorrir... e isso é mais que um desejo, é uma escolha... é uma decisão inadiável...

um velho índio norte-americano descreveu certa vez seus conflitos internos: “dentro de mim existem dois lobos, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom; os dois estão sempre brigando”... quando então lhe perguntaram qual dos lobos ganharia a briga, o sábio índio parou, refletiu e respondeu: “aquele que eu alimento”...

não estaria na hora, meu amigo, de pararmos de alimentar o lobo malvado que habita em nós? não estaria ele matando nossa risada? believe me, my friend, pode levar um certo tempo, pode até custar algumas conquistas ou mesmo a segurança e tranqüilidade de relacionamentos que se acreditavam perenes, mas é preciso voltar a sorrir como antes... a mim me foi preciso apenas um período de descanso para que eu percebesse a falta que me fazem os meus sorrisos... e como é bom vê-los de novo se refletindo no rosto dos amigos e colegas... uma coisa te digo, meu amigo, from this moment on, com a destreza que me foi dada, me tornarei perito em risadas...

e se você, meu amigo, ainda não pôde compreender as razões desse verso de “Vaca Profana” intitulando esta postagem, sugiro que escute de novo a música, que preste atenção aos versos e tente perceber, na gradação a que eles induzem, a associação que fiz, ao pensar nos meus momentos de antes, no seu momento de agora (fora o “leite mau”!!!), evoluírem através do nosso controle, escolha e decisão (“movida madrileña ...”) para devolverem às nossas vidas, em lucros (leite bom), os custos da existência... mas não se avexe não, amigo, amanhã tudo pode acontecer... inclusive nada... e além do mais, como diz a música: “de perto, ninguém é normal”...

um brinde às lágrimas que passaram e às que virão... mas, na boa, eu respeito muito mais a minha risada...




FELICIDADE REALISTA
(Martha Medeiros)


A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.

Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.

E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando.

Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.

Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum.

Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.

Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.

A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.

Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormentam e provocam inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade...

"O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."

10.5.07

Saravah ! Un peu du Brésil pour les amis français

Je songe avant tout à mes amis français, déshérités et malhereux en ce moment "sarkozyen". C’est pourquoi je leur fait ce cadeau pour alléger leurs maux en espérant que leurs coeurs ulcérés se soulageront un peu, parce qu’il faut toujours espérer en des temps meilleurs... Voici un peu de la poésie, de la culture, de la musique et de l’esprit brésiliens pour eux !

S’étant passionné pour le Brésil et pour sa musique, en tant qu’ami de Baden Powell, Pierre Barouch avait chanté un morceau de la chanson "Samba da Benção", de Baden e Vinícius de Moraes, dans le film Un homme, Une femme (1966), de Claude Lelouch, si bien qu’il a contribué à la popularisation de la musique brésilienne en France. Trois ans après il débarquerait au Brésil pour tourner le documentaire Saravah ("Samba da Benção" était devenu "Samba Saravah" dans le film de Lelouch). Ce documentaire je ne l’ai pas encore, je viens de le commander. Voici pourtant la scène du film de 1966 où la chanson de Baden e Vinícius a été chantée pour la première fois en français... Pour les brésiliens qui sont en France en ce moment, je crois que ce sera de la pure nostalgie... Saravah ! Ça (ra) va!

Samba Saravah
(Vinícius de Moraes e Baden Powell – version : Pierre Barouh)

Etre heureux, c'est plus ou moins ce qu'on cherche,
J'aime rire, chanter et je n'empêche
Pas les gens qui sont bien d'être joyeux.
Pourtant, s'il est une samba sans tristesse,
C'est un vin qui ne donne pas l'ivresse;
Un vin qui ne donne pas l'ivresse,
Non, ce n'est pas la samba que je veux.

J'en connais que la chanson incommode,
D'autres pour qui ce n'est rien qu'une mode,
D'autres qui en profitent sans l'aimer.
Moi, je l'aime et j'ai parcouru le monde,
En cherchant ses racines vagabondes;
Aujourd'hui, pour trouver les plus profondes,
C'est la samba-chanson qu'il faut chanter.

On m'a dit qu'elle venait de Bahia,
Qu'elle doit son rythme et sa poésie
À des siècles de danse et de douleur.
Mais quel que soit le sentiment qu'elle exprime,
Elle est blanche de formes et de rimes,
Blanche de formes et de rimes,
Elle est nègre, bien nègre, dans son coeur.




Estou pensando, antes de tudo, nos meus amigos franceses, deserdados e infelizes nesse momento "sarkoziano". E é por isso que lhes faço esse pequeno mimo como consolo das dores na intenção de que seus coraçõzinhos feridos se aliviem um pouco, pois é preciso que se espere sempre por dias melhores... Eis aqui um pouco da poesia, da cultura, da música e do espírito brasileiros para eles!

Apaixonado pelo país e por sua música e amigo de Baden Powell, Barouh cantou um trecho em francês da música "Samba da Bênção", de Baden e Vivícius de Moraes, na trilha sonora do filme
Um Homem, Uma Mulher (1966), de Claude Lelouch, contribuindo para a popularização da música brasileira na França. Três anos depois, o ator gravou no Brasil o documentário Saravah ("Samba da Bênção" havia se tornado "Samba Saravah" na trilha do filme). Ainda não tenho esse documentário, acabo de encomendá-lo; mas aqui está a cena do filme de 1966 em que a música de Baden e Vinícius foi cantada pela primeira vez em francês.... Para os brasileiros que estão na França nesse momento, acho que será nostalgia pura... Saravá!

Samba da benção

(Vinícius de Moraes e Baden Powell)


É melhor ser alegre que ser triste

Alegria é a melhor coisa que existe

É assim como a luz no coração


Mas pra fazer um samba com beleza

É preciso um bocado de tristeza

É preciso um bocado de tristeza

Senão, não se faz um samba não


Fazer samba não é contar piada

E quem faz samba assim não é de nada

O bom samba é uma forma de oração


Porque o samba é a tristeza que balança

E a tristeza tem sempre uma esperança

A tristeza tem sempre uma esperança

De um dia não ser mais triste não


Ponha um pouco de amor numa cadência

E vai ver que ninguém no mundo vence

A beleza que tem um samba, não


Porque o samba nasceu lá na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração

8.5.07

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Altair Malacarne...

... A criar confusões de prosódia e um profusão de paródias que encurtem dores...


E criem sabores. Sabores capixabas. Sabores de Altair, o nosso Alta. Altair tem verve. Altair tem verbo. E por tê-lo, tem orações exatas e pias. Altair escreve bem como ninguém. Altair é alegria dos amigos. E delicioso de ler e ouvir. Altair é histórias. Altair acarinha a língua como quem possui uma mulher. Mais do que língua-mãe, faz dela esposa, irmã, filha e concubina.

Num gesto da mais desavergonhada tietagem, criei uma comunidade para o Altair no orkut. Altair e suas "romildas" surgiu da necessidade de render homenagem a esse malabarista das palavras. As suas "romildas" (mais do que a puta Romilda que o desvirginou) nada mais são do que isso: as suas histórias. As histórias que o penetraram, o atravessaram e, de certa forma, o desvirginaram também quotidianamente. Filho de agricultores capixabas, resultado da cruza de italianos com portugueses, negros e índios, esse grande homem muito nos tem a contar. De São Domingos do Norte a São Gabriel da Palha, da entrada no seminário ao acidente vascular cerebral, tudo parece ter impregnado de profunda e triste beleza essa alma de muitas vivências e outras tantas querências.

Altair e sua língua é irreverência. Altair dá língua para a língua. Altair lambe a língua. Feito gata e sua cria. Altair fala de "paus" e "bucetas" como se de conectivos lingüísticos falasse. Elos que são. Mais que "paus" e "bucetas" são anafóricos que pegam de trás. Catafóricos que lançam à frente. Altair é usuário e abusário da língua. Altair tem a língua da mata, dos bichos, dos homens... Poderia passar horas falando de Altair. E não conseguiria dizer nada. Altair não cabe nas minhas palavras. Quisera um dia eu encontrasse Altair e pudesse abraçá-lo. Só isso: abraçá-lo. Sem mediação de palavaras. Que nessa hora palavara dita de certo atrapalha. Seria melhor palavra tátil. Gustativa. E eu ia gostar de sentir a minha língua roçar na língua malacarniana.

Hoje Altair escreveu. Li. Gostei.


Quando cheguei no seminário, fui brincar com os ostros meninos no pátio. No corre-corre, gritei: "PEGA ÊLI!"
Todo mundo me olhou e riu.
-Que qui foi?
-Ocê tá falan'u errad'u. O cert'u é PEGA-O.
Foi terrível. Senti saudade de casa. Senti saudade de minha mãe. Ela me ensinou as primeiras palavras do Português, a língua que seria meu espelho do mundo. Era tão gostoso: "Minin'u, vai drumi. Lembra di rezá".
Desde aquele dia, tenho que manejar duas Línguas Portuguesas. Uma na rua, outra no banco. Uma na sala, outra na cozinha. Sei que as duas são irmâs uterinas. Mas são irmãs preconceituosas. Uma exclui o espaço da outra. A que serve pra andar na mata não serve pra requerer aposentadoria. Embora as duas irmãs usem o mesmo sutiâ. A mesma calcinha. As mesmas "intimidades".

Será que não poderíamos ter uma só para todos no Brasil?

(Altair Malacarne)


Língua
(Caetano Veloso)

Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homen
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e Maria da
Fé e Arrigo Barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corísco
Hollyood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Lívros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem


6.5.07

Os olhos do Fagner

Ok, ok, tudo bem. Podem até vir me dizer que o cara já está meio caidinho, meio passado e coisa e tal. E podem até mesmo me censurar e dizer que essa história de ficar admirando os olhos de outro homem é coisa de viado... (há muito tempo que já deixei de me importar com o que pensam ou deixam de pensar de mim, sobretudo quando a questão é a sexualidade)... Mas uma coisa ninguém pode negar: os olhos do Fagner, desde quando ele era bem novinho - como no vídeo aí abaixo - até os dias de hoje, têm uma coisa qualquer que magnetiza, que emociona, que encanta. E esse eterno jeitinho dele de nordestino do "último pau de arara", sempre com essa aparência frágil e franzina, parece que nos cativa à primeira vista. Obviamente que, como todo nordestino, há também - por trás de toda essa aparência de fragilidade - os sulcos e traços do rosto que denotam toda a força desse nosso povo sofrido (ainda que ele particularmente possa até não ter sofrido as agruras dos retirantes da seca). De qualquer maneira, quando o vejo em fotos ou em vídeos, consigo perceber essa harmonia perfeita da fragilidade e da força. E, convenhamos - pelo menos neste vídeo aqui - ele tem, sei lá, um quê de Bruce Lee e de Che Guevara, não?
O fato é que, muito embora ele tenha descambado para o filão mais romântico-brega nos últimos trabalhos, eu gosto muito do Fagner. Foi um artista de extrema importância na minha adolescência e juventude...

Quando penso em você, fecho os olhos de saudade... Ave, Fagner!


CANTEIROS
(Composição: Fagner / sobre poema de Cecília Meireles)

Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento
Pode ser até manhã, cedo claro feito dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Prá correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida.



5.5.07

Sobre homens e mulheres

Possivelmente estarei incorrendo no maior mico da minha vida ao me debruçar sobre esse tema. Mas hoje tive uma experiência nada agradável ao atender o pedido de uma grande amiga para ingressar numa comunidade do orkut. E por conta disso senti a necessidade de escrever. Sou assim: incomodou, eu escrevo.


A proposta da comunidade seria justamente discutir o velho e eterno embate entre homens e mulheres -como se isso fizesse algum sentido. No meu parco entender das coisas, homens são homens e mulheres são mulheres. E pronto. Isso deveria bastar, não? Por que tentar buscar diferenças quando estamos falando, em última instância, de pessoas? E pessoas são, antes de qualquer coisa, sentimentos. Bons ou ruins, nobres ou vis, simples ou complexos, mas sentimentos, porra! E então me vi lá nessa comunidade cercado pela torpeza maior que pode assolar o ser humano: a dificuldade para o afeto puro e simples. Era um desfile absurdo de nicks estranhos desfiando um amontoado de asneiras que me irritava profundamente: tinha um tal de “LordKazzado”, tinha um tal de “1 Brasa Mora”, tinha até mesmo um tal de “Lex Luthor” (e o Super-Homem, caramba? e o verão como apogeu da primavera, cadê?). E as comunidades em que essas figuras grotescas estavam inscritas!!!! Misoginia digna de tratamento psiquiátrico, caso grave mesmo, para internação e camisa de força... Só para se ter uma idéia, um dos nicks criativos aí citados parece ter percorrido todo o orkut atrás de comunidades que tratam a mulher como lixo: “Mulé é bicho burro mermo”, “São tudo umas vagabunda”, “Amigo de mulher é cabeleireiro”, "Elas preferem os canalhas", e por aí vai... Antes que eu tivesse que fazer uso de toda a minha cartela de Plasil, eu pulei fora da tal comunidade da minha amiga. Não sem antes expressar todo o meu incômodo com tamanho pensamento torto. Então, a anta neanderthalesca das comunidades aí citadas ainda veio com um discursozinho babaca, mal embasado, pobre e ortograficamente mal escrito sobre a minha “visão limitada acerca da hipocrisia da nossa atual sociedade, principalmente quando se refere às mulheres que se colocam num altar acima do bem e do mal, continuando-se a fazer vistas grossas perante o comportamento fútil das mesmas”... Puta que pariu! Tenho alunos da 8ª série que conseguem produzir textos mais densos que isso, na boa!


Com todo o respeito e carinho que tenho por essa minha amiga, mas criar uma comunidade para discutir diferenças entre homens e mulheres requer uma mais bem elaborada lista de convidados e uma maior seletividade de cabeças pensantes. Senão, corre-se o risco de cair na discussão do sexo dos anjos... feita por sexólogos de mesa de bar...


Quando nos propomos a pensar na diferença sexual, a primeira pergunta que se impõe é a mais elementar: por que a raça humana está dividida em homens e mulheres? Se não sabemos responder a esta pergunta, dificilmente poderemos saber em que consiste ser homem ou mulher, dificilmente poderemos entender como têm de ser as relações entre eles.

Nós, homens e mulheres, temos muitas coisas em comum: a dignidade humana, a inteligência, a capacidade de iniciativa, a responsabilidade, a necessidade de afeto, carinho, segurança e, por que não, de sexo também. No essencial, temos uma mesma natureza, que adquire matizes diferentes segundo se expresse em masculino ou em feminino. Temos quase tudo em comum. Onde reside a diferença sexual??? A única resposta possível e convincente repousa no campo da fisiologia: a necessidade de gerar filhos. Se não fosse necessário ter filhos, as pessoas não se dividiriam em homens e mulheres. Ou então as relações de amor e sexo entre homens e mulheres seriam distintas das que são agora. No entanto, se existe o amor e o sexo entre homem e mulher, é porque existem homens e mulheres. E isto leva-nos a considerar que aquilo que é específico e diferenciador do homem é ser um possível pai, e aquilo que é específico e diferenciador da mulher é ser uma possível mãe. O resto é comum a homens e mulheres. E ponto.


Não satisfeito com o leque de asneiras desfiado, o mesmo babaca do nick e das comunidades sui generis acima citado ainda me sai com essa pérola sobre a “Ame e dê vexame”, comunidade que tenho no orkut: “E sua comunidade ADV é rídicula cara. Não passa de um incentivo a bajulação, tornando os homens cada vez mais capachos das mulheres. Se declare para a sua amada e se jogue no chão pra que ela limpe os pés nas suas costas”... Muito provavelmente esse rapaz tem algum problema sexual grave, algo talvez que lhe ocasiona uma distensão traumática da região retofuricular. Eu aconselharia o coitado a procurar o doutor Agamenon, psicoprocotologista de renome, para cuidar do seu caso, pois “este tipo de distensão, se não tratada a tempo, pode se agravar e resultar numa ruptura dos ligamentos e desabamento da prega-rainha, estrutura nervimuscular que dá sustentação ao pavilhão lombo-retofuricular do indivíduo diletante”, palavras desse renomado profissional... hehehehehe


Mas voltando à seriedade necessária à discussão, lamento que esse indivíduo possua essa tão arraigada dificuldade para se declarar a sua amada. É um infeliz que vai viver constantemente um embate. Mas não embate entre homens e mulheres, e sim o embate entre ele e ele mesmo, coitado. Tenho plena consciência que o pequeno parvo nunca virá até aqui ler este texto, mas deixo aqui dois exemplos de homem e mulher que souberam magnificamente levar ao extremo a bajulação ao sexo oposto, numa linda declaração associada ao ato de homem e mulher deporem as armas um diante do outro... E eu assinaria embaixo os dois textos!!!!




Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

(...)

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.


(Vinícius de Moraes)




Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !


Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !


"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !


E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim !
..."


(Florbela Espanca)

4.5.07

Traduzir-se

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos, que levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia... e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)



Escrever é traduzir-se... é transcender. O ato de traduzir-me e retraduzir-me é o que me conduz aos meus muitos acessos... e excessos...

Talvez num futuro distante algum filólogo venha a se debruçar sobre meus papéis e, numa tentativa de exegese, consiga juntar minha língua de partida à minha língua de chegada e de mim faça algum sentido. Aí então, caros leitores, vou me juntar a vocês num café de uma livraria, de um cine-clube qualquer e vou finalmente me ler... Que já será tempo de algum entendimento, meu Deus! Porque neste exato momento, meus caros, sou travessia das mais arriscadas (quase o pessach hebraico, no sentido primeiro e real do termo). E a outra margem ainda vai longe... E como desencarnado provavelmente já estarei no tempo do entendimento, me será até mais confortável e poderão mesmo reclamar para mim alguma isenção de culpa, já que "traduttori tradittori".

Enquanto isso, eu busco traduzir-me.



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

(Traduzir-se. Ferreira Gullar)



"Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia."
(Guimarães Rosa)

3.5.07

A hora do sim é um descuido do não...

A francesada tem um verbinho apropriado para definir essa sensação que venho tendo há alguns dias: hanter [obcecar, perseguir]... Bem, eu poderia usar um verbo em português, mas acho que o verbinho francês tem a força expressiva necessária para essa minha sensação (e também porque eu sou fresco mesmo e em francês fica mais chique, oras!). O fato é que a frase que encabeça essa postagem “me hante” nesses dias.

Antes, é preciso que eu diga que tive que me afastar por um tempo do mundinho virtual: problemas de conexão. E também por conta da minha última postagem, que foi meio que uma sessão de análise daquelas que deixam a gente fora de combate por algum tempo. Por mais que eu não tenha medo de me expor aqui, mas acho que ali eu meio que passei um pouco do ponto. Andaram até mesmo dizendo que eu havia pirado o cabeção na Nouvelle Vague e nos filmes de Godard. De qualquer maneira, faço aqui meu mea culpa: chamar a felicidade daqueles nomes feios todos!!! Nada a ver, tadinha... Dona Felicidade já é uma senhora e, ainda que puta – cá pra nós – merece nosso respeito. Não se escarnece assim impunemente alguém tão importante. E, além do mais, meu frágil desdém só fez foi ressaltar meu primarismo e inabilidade para lidar com minhas limitações. Essa é que é a verdade, por mais que me custe admitir isso. Discernimento nunca foi uma qualidade da qual eu pudesse me vangloriar mesmo...

E aí veio essa música do Vinícius & Toquinho, sobretudo o verso acima citado, a ricochetear na minha cabeça nesses últimos dias... e tanta coisa aconteceu nesse tempo!!! E essa tanta coisa me levou a lançar alguns “sim” quando na verdade o “não” seria o correto. Obviamente que alguns desses “sim” são revogáveis e reversíveis. Mas também é fato que mesmo um “sim” revogado, ainda que usurpador de um “não”, deixa sempre sua marca indelével por anda passa... E isso é que é foda, meus amigos!

No fundo, a vida tem o dom de me surpreender quase sempre. Não tenho muito do que me queixar, sinceramente. Coisas boas sempre aconteceram para mim com certa freqüência... e as ruins - inevitáveis que são – se eu parar pra pensar, têm grande participação minha. Tenho muita sorte com as pessoas, isso é fato. Quem sabe por ser um tanto quanto seletivo (ou por pura sorte mesmo), sempre cruzo com pessoas fantásticas. E mesmo as ruins – não menos inevitáveis – servem, de certa forma, para me fazer lembrar das boas, me mostrar o rumo do bem. E, por isso, sou grato a elas também.

É bem provável que alguns amigos estejam certos: eu não sou tão idiota quanto penso. Talvez o que acontece é que eu seja bonzinho demais. E algumas pessoas não querem isso. Tem gente que gosta mesmo é de ser maltratado (não é o meu caso). O fato é que isso sempre atraiu coisas boas pra mim, ainda bem! Não faço questão sempre da verdade, da fidelidade... mas da lealdade e da ética eu não abro mão. Sou pelo jogo limpo. Sempre. Não importa em qual tipo de relação. Não que eu faça questão de gente boazinha o tempo todo. Uma certa malícia é até mesmo necessária, mas a leviandade não. Não quero nem vou fazer parte de nada onde as regras não estejam muito claras para mim e para o outro. Cartas na mesa. SEMPRE. Até mesmo os erros devem ser cometidos conscientemente: isso é o que eu chamo de liberdade. A vida já é bastante complicada, tudo bem... mas até mesmo para a diversão é preciso confiança. Senão não rola... na boa. Vira livre arbítrio desperdiçado. Sendo assim, não vou mais desperdiçar nem um “sim”, tampouco nenhum “não”.

Talvez por isso eu tenha tão levianamente escrachado a felicidade na postagem anterior. Por não ter percebido quanto de “sim” andei distribuindo por faltar coragem para o “não” ("Par délicatesse j'ai perdu ma vie", disse Rimbaud). Aí realmente ela, a felicidade, desconfia de mim e pica a mula. Confiança, lembra? Aí só cabe então se questionar como o Maiakóvsky, quando ele brada poeticamente: “E então, que quereis?...” E ele mesmo responde: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?” Tentarei prestar mais atenção aos meus “sim” e aos meus “não” de agora em diante. Já é hora de eu tentar crescer um pouco, não acham? Parar um pouco de culpabilizar a vida como algo exterior a mim e me tocar que a parte que me cabe por meus atos me será cobrada na apresentação da conta... e aí, meus caros, pode-se até questionar a cobrança dos 10% e do couvert artístico que nem aconteceu - mas daí a querer dar calote... nem pensar. É como disse o poetinha: se a vida é uma grande ilusão, não sei... só sei que ela está com a razão.

Sei Lá... A Vida Tem Sempre Razão
(Vinícius & Toquinho)

Tem dias que eu fico
Pensando na vida
E sinceramente
Não vejo saída
Como é, por exemplo
Que dá pra entender
A gente mal nasce
Começa a morrer
Depois da chegada
Vem sempre a partida
Porque não há nada
Sem separação

Sei lá, sei lá
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá
Só sei que ela está com a razão

Ninguém nunca sabe
Que males se apronta
Fazendo de conta
Fingindo esquecer
Que nada renasce
Antes que se acabe
E o sol que desponta
Tem que anoitecer
De nada adianta
Ficar-se de fora
A hora do sim
É um descuido do não

Sei lá, sei lá
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão

Sei lá
Sei não

14.4.07

Existirmos: a que será que se destina? Parem a Stultifera Navis que eu quero descer!!!!!!!


Pode parecer loucura (e, se parece, certamente o é), mas a impressão que tenho (aliás, eu não a tenho, ela me tem... me persegue até) é a de que estou apenas ensaiando para a grande estréia do meu momento de felicidade. Só que o puto do diretor não estabeleceu nem a bat-hora nem o bat-local da mise-en-scène. Enquanto isso, essa tal de felicidade está por aí, feito uma puta qualquer pelos trottoirs e parques da vida, se entregando a todos, vadia e rameira como sempre; e eu aqui vou pegando uns pedaços de texto aqui e ali (sem rubricas do autor) e me viro com as marcações que eu mesmo crio, apesar da fraca memória.
No mais das vezes, conseguindo disfarçar minha inerente veia canastrona, faço do ensaio o espetáculo. Mas é terrivelmente foda que antes mesmo de cair o pano já foi a minha máscara que caiu. E dá-lhe ovos e tomates!!!! Mas aí me lembro que é só ensaio (e esse puto do diretor que não marca essa data!!!), e continuo na espera do grand finale. Sempre esperando, sempre ensaiando (pra quê, meu Deus?) e sempre me perguntando... Quando, onde, como, quando, onde,como... é agora? tá na hora? é agora que eu entro?... E essa dúvida parece ser o leitmotiv das minhas inquietações (que algum louco mais louco que eu poderia até mesmo confundir com traço trágico-poético). Sinceramente não me lembro de quando nem onde pela primeira vez essa dúvida mal elaborada se insurgiu contra as minhas certezas, mas posso afirmar que ela nada mudou no destino da humanidade... E nem vai mudar, se querem saber. Sou eu comigo mesmo e a minha dúvida: - Quando, meu Deus, quando a Felicidade vai chegar?
E há tempos ando assim, meio a esmo por esse emaranhado de ruas desconhecidas, sem gps, sem combustível e, como na música, "a corda quebra, o carro pára e o riacho fica fundo".... Só que eu tenho medo, ouviu?
E assim eu vou acordando de manhã em manhã, esperando que a felicidade tenha vindo bater a minha porta, ou quando muito deixado um recado. Mas a puta não manda nem um e-mail, nem telefona pra dizer "tô chegando, querido, só peguei um pouco de trânsito no caminho". Decididamente essa filha de uma égua chamada felicidade não está entre os meus contatos, nem é minha amiga no orkut. Ela está por aí (cachorrona, vaca, vadia), num dia de sol, céu azul sem nuvens, correndo, faceira e lépida. E sabem por quê? Porque a felicidade é saudável, é bonita, é malhada, corpo sarado e bronzeado. Aliás, os amigos dela, os que andam com ela pra cima e pra baixo, também o são. Eles, sortudos que são em tudo, não ficam sofrendo pelos cantos, nem chorando ausências, nem se escravizam a coisas em que não acreditam ou não merecem, e nem de longe pensaram algum dia que não merecem o que desejam. Eles são bons em tudo, os amigos dela.
Mas eu espero... sempre espero. Os nós dos dedos tamborilando no tampo da mesa, eu espero, paciente que sou. E fumo mais um cigarro, e mais um e mais um... e lá se vão um maço, dois maços, três maços... e metade do meu pulmão no cinzeiro.
É, meu velho Torquato, e o Caetano ainda te pergunta (tardiamente, é certo, mas pergunta): "Existirmos: a que será que se destina?"... Fosse eu, mudaria o verbo: a que será que se desatina... E eu faço o quê, meu velho, para parar de me sentir um maior abandonado?... O quê? Ah não, isso eu já tentei... O quê? Pra você deu certo? Mas porra, cara, você pelo menos escreveu um livro!! Eu nem isso ainda. E nem plantei uma árvore e nem tive um filho. Meus últimos dias seriam mais paupéria que os seus, pode acreditar... na boa.
Mas, voltando a falar da tal vagabunda da felicidade, teve um dia em que pensei tê-la visto me acenando e gritando lá da rua. Tava ela lá com os amiguinhos dela sortudos em tudo, fazendo um buzinaço do caralho de acordar toda a vizinhança, a mal-educada. E ainda gritava: "- Rápido, ô viado, vem aqui fora. Rápido que você já não está mais em idade de se fazer esperar!" E ainda me sacaneava, a escrota... O foda é que eu não sabia direito se devia ir ou não... E se não fosse mais ensaio? Será que eu estaria preparado? Será que já era o momento de encarar a platéia, de cara limpa, e dizer, como você disse, meu velho, num só ato, sem medo da dona Bárbara:

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim


Caguei no pau, cara. Não fui. Ou fui, mas num passinho de bebê engatinhando. Quando cheguei, já era tarde. A puta já comia pneu na esquina e os amiguinhos sortudos em tudo gargalhavam da minha cara de pastel. Não era ensaio. Só que não prestei atenção ao terceiro sinal... Diretor mais filho da puta também que nem me avisou que era a hora!
Mas, cara, na boa, qualquer dia eu desisto desse ensaio insano, ponho fogo no figurino, arrebento o cenário a marretadas, rasgo os cartazes e o texto. Alopro de vez. Porque, mesmo que eu assim por um acaso da vida (é, dizem que eles ocorrem) estreasse finalmente, quem me garante que a crítica me seria favorável? Você sabe, né, dona Bárbara é foda! E quer saber? O outono já chegou aqui no Rio. Tá tudo assim meio cinza mesmo. O que é um pé no saco mesmo é essa certeza das horas que precedem a aurora, quando me dou conta que não haverá mais noite dormida... quando muito, mal dormida. São horas indubitavelmente de solidão. Mas uma merda de solidão cheia de ruídos e vozes entrecortadas que me dizem a todo momento, numa torrente pavorosa de avisos, recadinhos babacas e conselhos do tipo "eu te disse, eu te disse, eu te disse". Vou ficar, cara, na tua Navilouca... me acomodei à Stultifera Navis. Mas não vou pular na correnteza como você. Fica para uma outra hora, valeu? Vou tentar dormir um pouco agora... A berceuse já até escolhi.. Espero que você me perdoe a obviedade, mas não resisti...

Cajuína
(Caetano Veloso)

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina



Em tempo: A puta da minha felicidade, que eu pensava que tinha ido dar uma volta na esquina com os amiguinhos dela sortudos em tudo, me ligou dizendo que está na fronteira com a Nicarágua. Está esperando a balsa pra ver se consegue asilo político em Cuba. Pode? Piraaaaaaaanha!

13.4.07

Ainda há vida inteligente (e de bom gosto) no youtube

Pois é. Há.
Perambulando por lá, é bem verdade, a gente acha um amontoado de porcarias, de colagens mal-feitas, de vídeos caseiros que nos fazem querer repensar mesmo o sentido da palavra "amador"... E é um tal de homenagens pra cá e tributos pra lá que puta que pariu... é de doer as vistas e os ouvidos. Mas vá lá... com um pouquinho de paciência e muita garimpagem, a gente consegue descobrir coisas muito boas também. Nem tudo está perdido. HÁ VIDA INTELIGENTE NO YOUTUBE, AMIGOOOOOOOOSSSSSS!!!!!!!
Prova disso é esta pérola que achei por acaso: uma linda voz de,cuja dona chama-se Cristina Motta, cantando "Mais um adeus", de Vinícius e Toquinho. E mais: além de cantar e tocar um violão muito bem, ela ainda desenha!!!!!!!!! E é modesta a ponto de dizer: "Não sou desenhista nem tampouco uma exímia violonista. Mas acho que deu pra enganar..."

Então fica assim combinado: quem souber quem é Cristina Motta me avisa, ok? Quero dar um beijo nessa mulher... na boa.

Segue a letra da música abaixo e, em seguida, o vídeo.


Mais um adeus

(Vinicius de Moraes / Toquinho)

Mais um adeus
Uma separação
Outra vez, solidão
Outra vez, sofrimento
Mais um adeus
Que não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar

Olha, benzinho, cuidado
Com o seu resfriado
Não pegue sereno
Não tome gelado
O gim é um veneno
Cuidado, benzinho
Não beba demais
Se guarde para mim
A ausência é um sofrimento
E se tiver um momento
Me escreva um carinho
E mande o dinheiro
Pro apartamento
Porque o vencimento
Não é como eu:
Não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar




Agora, me digam: é lindo ou não é?

11.4.07

Sem medo das gentilezas do coração... Feito louco pelas ruas...

Há exatos 90 anos, no dia 11 de abril de 1917, nascia José Datrino, o "amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento", ou simplesmente o Gentileza. Anos depois, no dia 17 de dezembro de 1961, na cidade de Niterói, houve um grande incêndio no circo Gran Circus Norte-Americano, o que foi considerado uma das maiores tragédias circenses do mundo. Neste incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. Na antevéspera do Natal, seis dias após o acontecimento, José acordou alegando ter ouvido "vozes astrais", segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. Pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói. Aquela foi sua morada por quatro anos. Lá, José Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar "José Agradecido", ou simplesmente "Profeta Gentileza".
Após deixar o local que foi denominado "Paraíso Gentileza", ele começou a sua jornada como personagem andarilho. A partir de 1970, percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem seu caminho. Aos que o chamavam de louco, ele respondia: - "Sou maluco para te amar e louco para te salvar".
A partir de 1980, escolheu 56 pilastras do Viaduto do Caju que vai do Cemitério do Caju até a Rodoviária Novo Rio, numa extensão de aproximadamente 1,5km. Ele encheu as pilastras do viaduto com inscrições em verde-amarelo, propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar da civilização. Durante a ECO-92, colocava-se estrategicamente no lugar por onde passavam os representantes dos povos e incitava-os a viverem a gentileza e a aplicarem gentileza em toda a Terra. Seu lema: "Gentileza gera gentileza."

Nesses tempos estranhos, de sentimentos estranhos, de atitudes estranhas, pode soar estranho um sujeito estranho numa túnica estranha, de cabelo estranho falando de uma coisa tão estranha quanto gentileza. Estranhos, entretanto, somos nós que fazemos desse estranhamento a regra, e não a exceção. Estranhos somos todos nós para os outros. Estranhos são todos os outros para nós. E assim vamos nos estranhando, nos desconhecendo, nos perdendo nas terras estranhas do nosso dia-a-dia, estabelecendo as fronteiras do nosso metro quadrado diário, exigindo passaporte e visa de quem nele ousa penetrar. Estranho e equívoco é o contato esboçado e não realizado, é a palavra ensaiada mas reprimida... De qualquer maneira, não sei se a estranheza do mundo tem jeito. Nós temos. O pronome "nós", nesse mundo estranho, compreende, quando muito, o núcleo familiar. Como esperar, então, que haja gentileza para com o outro, se o pronome "nós" não consegue nem perceber o outro? Aí então, deixa de ser um pronome para virar um substantivo plural. Substantivo esse cada vez mais difícil de se desatar... e daí todo o estranhamento. Proponho, como forma de anular tal estranhamento, a palavra franca, o toque, o abraço... O que me fez lembrar do meu amigo Othoni que, na comunidade Ame e dê vexame, faz um jogo de palavras com "abraços" e "há braços"... Ao que eu respondi:

Há braços. Há pernas. Há bocas. Há olhos. Há nervos e músculos e sangue e suores e sêmen. Há de certo sentimentos. Há palavras a traduzi-los. Há equívocos a interpretá-las. Há dores, portanto...
Há dias sim, há dias não... Adias o quê no coração?


Há braços, há todos!




Feito louco
Pelas ruas
Com sua fé
Gentileza
O profeta
E as palavras
Calmamente
Semeando
O amor
À vida
Aos humanos
Bichos
Plantas
Terra
Terra nossa mãe.

Nem tudo acontecido
De modo que se possa dizer
Nada presta
Nada presta
Nem todos derrotados
De modo que não dê pra se fazer
Uma festa
Uma festa.

Encontrar
Perceber
Se olhar
Se entender
Se chegar
Se abraçar
E beijar
E amar
Sem medo
Insegurança
Medo do futuro
Sem medo
Solidão
Medo da mudança
Sem medo da vida
Sem medo
Das gentileza
Do coração.

Feito louco pelas ruas...

(Gonzaguinha)

6.4.07

O flower power do gauche... Beads, flowers, freedom, happiness

Uma coisa é certa, isso tenho que admitir: este blog não é mais aquele, olha a cara dele!!!! De revoltadinho e desbocado no início a filosófico e zen nos últimos tempos.... Putz! Que mudança, caro Ed!!!!!
Sei lá, estou lendo um livro sobre os ’70 e talvez esteja impregnado do flower power da época. Estou aprendendo a não levar a vida tão a sério e a manter minha cabecinha e meu coraçãozinho tranqüilos... Totalmente bicho-grilo!!!!!!

My body
Is walking in space

My soul is in orbit

With God face to face

Floating, flipping

Flying, tripping



Tá bom, tá bom... continuo meio gauche e maladroit, mas mudanças ocorreram nesse percurso de alguns meses. Entretanto, toda mudança pressupõe certa angústia. Mudando, tenho tantas coisas pra fazer e vontade de fazer tantas coisas... Espero, do fundo d’alma, encontrar disposição pra fazer tudo e ter tempo pra conjugar planos e realidade. Só não consegui ainda descobrir um jeito de ser feliz. Preciso resolver isso...

Enquanto isso, vou escrevendo... ou tentando arremedos de escritos... Se alguém me perguntasse não saberia dizer se continuo escrevendo por pura falta do que fazer ou por teimosia vaidosa, ou porque não aprendi outra coisa, ou ainda por perplexidade diante da vida, por amor à verdade, por insônia ou indignação, da mesma forma que não saberia dizer se continuo escrevendo para ficar mais sábio ou mais louco. O fato é que talvez a gente sempre perca um pouco da clareza de visão na exata medida em que nos debruçamos sobre nossa própria obra, e por isso mesmo a gente costuma confundir essa complexidade de nossos esforços intelectuais e literários com um avanço de conhecimento. Mas vou escrevendo... e tentando manter o equilíbrio e a calma... Aquietai vossos corações, caros leitores!!!! O blog do Ed ainda tem muito a vos dizer... Só está um pouquinho mais reflexivo... Como falei, estou impregnado do clima make love, not war dos anos 70. Ando tendo uma nostalgia danada deste tipo de clima. Estou mesmo pensando em fazer yoga, ouvir mais vezes Ravi Shankar e Os Novos Baianos, reler Timothy Leary e Allen Ginsberg... O perigo é alguém me pegar atracado com uma cuia de arroz integral, botando banchá na orelha e falando com planta. Se pegarem isso, podem me internar que o bicho grilo passou do ponto... hehehehehe


Tudo é uma questão de manter
a mente quieta, a espinha ereta
e o coração tranqüilo


Boa Páscoa a todos!

2.4.07

Use filtro solar

Muita gente conhece o discurso musicado “O Filtro Solar”, na voz de Pedro Bial, lançado no Brasil no último programa Fantástico de 2003, na Globo, e mais recentemente lido pelo mesmo boçal na não menos boçal última edição do Big Brother Brasil. Mas o que pouca gente sabe é que a origem desse texto remete ao jornal americano Chicago Tribune, em uma crônica de autoria da colunista Mary Schmich, publicada em 1º de junho de 1997 e originalmente entitulada “Advice, like youth, probably just wasted on the young” [Conselhos, assim como juventude, provavelmente desperdiçados pelos jovens].

A crônica inocente se espalhou pela Internet e pelo mundo, gerou até boatos e confusões, e ainda em 1997 acabou ganhando uma versão musical na Austrália através do diretor de cinema Baz Luhrmann, que estava preparando um álbum de coletânea com reinterpretações de músicas de seus filmes e produções de palco. Com as palavras da crônica lidas na voz do ator Lee Perry ao som de uma batida suave, o trabalho gerou a inspiradora trilha musical entitulada “Everybody's Free (To Wear Sunscreen)” [Todos São Livres (Para Usar Filtro Solar)] naquele álbum. Em 1999, uma adaptação da faixa, editada de 7 para 5 minutos, se espalhou pelas rádios dos Estados Unidos e se tornou um grande sucesso. Em 2003, Pedro Bial gravou no Brasil a declamação de sua tradução deste texto para o português, tendo ao fundo a mesma música da versão americana.

Eis a versão integral em português do texto.



O Filtro Solar


Nunca deixem de usar filtro solar.

Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: use filtro solar. Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante. Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...

Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude. Ou então, esquece. Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude até que tenham se apagado. Mas pode crer, daqui a vinte anos, você vai evocar as suas fotos e perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia quantas, tantas alternativas se escancaravam à sua frente. E como você realmente estava com "tudo em cima". Você não está gordo, ou gorda.

Não se preocupe com o futuro. Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que "pré-ocupação" é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra. As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, que te pegam no ponto fraco às quatro da tarde de uma terça-feira modorrenta.

Todo dia enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.

Cante.

Não seja leviano com o coração dos outros, não ature gente de coração leviano.

Use fio dental.

Não perca tempo com inveja. Às vezes, se está por cima; às vezes, por baixo... A peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo.

Não esqueça os elegios que receber, esqueça as ofensas. Se conseguir isso, me ensine.

Guarde as antigas cartas de amor. Jogue fora os extratos bancários velhos.

Estique-se.

Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida. As pessoas mais interessantes que conheço não sabiam aos 22 o que queriam fazer da vida. Alguns dos quarentões mais interessantes que conheço ainda não sabem.

Tome bastante cálcio. Seja cuidadoso com os joelhos: você vai sentir falta deles.

Talvez você case, talvez não. Talvez tenha filhos, talvez não. Talvez se divorcie aos 40, talvez dance ciranda em suas bodas de diamante. Faça o que fizer, não se auto-congratule demais e nem seja severo demais com você. As suas escolhas têm sempre metade das chances de dar certo. É assim para todo mundo.

Desfrute de seu corpo, use-o de toda maneira que puder mesmo. Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele. É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir.

Dance... Mesmo que não tenha onde, além de seu próprio quarto.

Leia as instruções, mesmo que não vá segui-las depois. Não leia revistas de beleza. Elas só vão fazer você se achar feio.

Brother and Sister
Together we'll make it trough

Someday a spirit will take you

And guide you there

I know you've be hurting

But I've been waiting to be there for you

And I'll be there just helping you out

Whenever I can


Dedique-se a conhecer os seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez. Seja legal com os seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e, possivelmente, quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.

Entenda que amigos vão e vêm. Mas nunca abra mão de uns poucos e bons. Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e destinos de vida, porque quanto mais velho você ficar, mais você vai precisar das pessoas que conheceu quando jovem.

More uma vez em Nova Iorque, mas vá embora antes de endurecer. More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer. Viaje.

Aceite certas verdades inescapáveis: os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer. E quando isso acontecer, você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes e as crianças respeitavam os mais velhos.

Respeite os mais velhos.

Não espere que ninguém segure a sua barra. Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada, talvez case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois pode, de repente, acabar. Não mexa demais nos cabelos, senão quando você chegar aos 40, vai aparentar 85.

Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que os oferecem. Conselho é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.

Mas no filtro solar, acredite!

1.4.07

Os silenciosos venenos nossos de cada dia


Na tradição oriental do budismo, há uma condição da natureza humana que poderíamos chamar de uma insustentável ternura. Esta ternura se expressa de dois modos: através do medo e/ou através da coragem. Quando se expressa pelo medo, manifesta-se através do que chamamos de três venenos: a ignorância (ou inércia); o apego (ou prostração); e a raiva (ou interferência).

Estes três venenos são a matéria da qual o medo é feito. Não necessariamente um medo repentino; mas o medo que pode vir a tornar-se algo normal, quase insuspeitável — por exemplo, os sentimentos que nos empurram em direção ao aborrecimento ou à curiosidade.

Então, o que chamamos de obscurecimentos do coração e dos sentimentos, as emoções negativas, existem como efeito destes três venenos. Quando estamos sob sua influência, ocorre o que os budistas chamam de samsara.

Realmente, estar no samsara é simplesmente interpretar esta profunda percepção do modo mais fácil e óbvio, primeiramente com inércia: não temos vontade de nos mexer, de encontrar outro modo de traduzi-la. Não reagimos e, quando nos acostumamos a isso, desenvolvemos uma prostração, que chamamos de apego. É confortável, nos acostumamos a ela, gostamos dela.

Cada vez que algo altera esse estado de coisas, cada vez que há um impulso ao movimento, à não-inércia, há um sentimento de interferência e nos tornamos defensivos. É assim que a maioria dos homens sofre no seu samsara particular.

Pode-se, no entanto, encontrar outro modo de se vivenciar essa insustentável ternura: no contexto da coragem. Trata-se de ter coragem para ir mais longe, para fazer uma interpretação muito mais profunda. Ousar buscar a insustentável ternura requer muita coragem.

A ternura existe nas profundezas de todos nós — mas é difícil pra cacete para nós vermos isso e preferimos interpretar essa ternura como um tipo de fragilidade, ou mesmo de vulnerabilidade.

Assim que sentimos esta vulnerabilidade, desenvolvemos todos os tipos de estratégia para nos proteger, adotando uma atitude defensiva que, não raro, pode se tornar ofensiva. Mas, mesmo neste caso, nas profundezas de cada pessoa, esta ternura estará sempre lá. Sem ela, ninguém pode ser defensivo nem ofensivo. Quando vemos alguém puto da vida, desapontado, triste ou raivoso, sabemos que nada mais há do que um mal-entendido, uma má interpretação dessa ternura. E então a pessoa opta pelo veneno... E pelo silêncio... E corre-se o risco de eliminar o problema errado.


“Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.”


“Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.”

30.3.07

Por que, por quem escrevo... II





Adoro nomes
Nomes em ã

De coisa como rã e ímã...


(Caetano Veloso)








De novo o Caê. Ele diz gostar dos nomes em ã... Eu já gosto dos nomes em ente... Não sei por que, essa terminação me fascina. Uma palavra que adoro é premente: o que não permite demora, o que é urgente. Premente rima com gente. Gente pra mim é premente... Adoro gente. Amizade pra mim é premente. Consideração pra mim é premente. Premente é o afeto, o companheirismo, a dedicação ao outro. Disse em outra postagem que escrevo para ser lido e para que meus amigos me amem ainda mais, citando García Marques. Quem escreve descreve-se, é bem verdade. Mas também descreve outros. Descreve os seus pares. Esse retorno ao mesmo tema é para dizer que os entes que fazem a minha escritura é que me dão a minha verdadeira dimensão. Aproveito para pedir desculpa por não estar escrevendo nada tão premente assim nessa postagem. Não que o tivesse feito antes. Mas neste momento menos ainda. Vim aqui hoje mesmo só para comentar sobre os entes queridos. E isso pra mim já é muito...
Nas últimas 48 horas, cedi ao premente de rimar gentes. Já fazia algum tempo que tava querendo escrever esses entes, mas não sabia por onde começar. Havia o desejo, mas faltava a iniciativa, a motivação, o conteúdo… E sobejava a preguiça. No entanto o premente se impunha. Era preciso me dividir. Isso! Escrevo para me dividir... e para me multiplicar. Dividir para multiplicar. Escrevo para dividir com os entes coisas nem sempre tão prementes que vivencio, sentimentos, fatos marcantes, e muitas outras coisas… Enfim, para dividir com e nos entes algo do que eu sou… Nesse dividir-me, nesse partilhar de mim mesmo, espero que esses entes também se sintam motivados a dividir algo de si mesmos, efetuando-se assim a multiplicação da divisão… Sinto que uma onda de gozo me preenche quando me divido em entes… Me preenche tanto, que simplesmente não cabe só em mim… Também quero que o máximo possível de entes possam ter esse gozo premente de serem preenchidos desse jeito, ou de algum outro jeito parecido… Vamos aos entes!!!! Presentes... sempre...



GABRIEL’S HYM(e)N
a Arlete Gabriel

na feminilidade do arcanjo no nome
vem essa mulher de muitas luas
por entre ruas traçadas nos ares
anunciar-nos o gozo das horas
os pés nus a flutuar alçados em asas
por sobre as casas de uma terra outra
refletindo na janela de uma casa estranha
sua própria face desconhecida
ouvindo as vozes de carinhos ausentes
na propulsão de cada gota de sangue
sussurrante como a chuva
a queimar-lhe as veias mudas
que esbravejam para o céu acima
mas ainda assim ela sobrevive
na noite em que todos dormem
mundos encantados em sonhos despertos
em que amigos se saúdam conexos
no bálsamo de um beijo sem destino
que tem o efeito de um hino de graças
amazing grace
how sweet the sound that saved me

from the streets of philadelfia


(Edmilson BORRET – 28/03/07)



ESSA MULHER
a Miriam Assunção

Que me venha essa mulher irmã
nos seus sortilégios incestuosos
de impenetrável castidade pagã
eu menino dos olhos curiosos

Que me venha essa mulher amiga
em seus véus de nudez invisível
de entendimento claro que intriga
eu poeta do verbo raro e risível

Que me venha essa mulher fada
em encantos de bruxa nos dedos
de sorte em vôo de ave lançada
eu mortal de muitos arremedos

Que me venha essa mulher inteira
em suas várias caras e quases
de perícia esbelta e certeira
eu homem de certezas fugazes

Ela tem a magia de um rito druída
Ela tem o colo da casta madona
a flor da pele de Almodóvar assumida
o instante eterno das mulheres da zona

Ela tem o erotismo barroco dos anjos
tem o silêncio esclarecedor dos sábios
de scarlets, gildas e barbarellas os arranjos
de clarices, hildas e anaïs os alfarrábios

(Edmilson BORRET – 30/03/07)

27.3.07

Os hyperlinks do coração... Homenagem ao amigo Othoni.


Vamos criar hyperlinks para o nosso coração e visualizar numa nova janela, de afeição e carinho, o que podemos ter de melhor. Vamos acessar novas possibilidades sem abrirmos mão de algumas antigas. Vamos selecionar o que de novo e bom aparecer nessa nova janela, copiar e colar em nossas memórias. Não vamos fazer dessas novas aquisições arquivos temporários.
O coração, metafórica e metonimicamente, é o músculo involuntário mais voluntário que conheço. Ao mesmo tempo que ele bate por si só, ele bate o que a gente decidir que ele bata. E aí estão os hyperlinks que podemos criar. Uma vez li que, para a tradição semita, o coração é conhecido como um “girador”. O que primeiro poderíamos inferir dessa associação é que o homem seria um ser volúvel e inconstante, voltando-se pra cá e pra lá, ao sabor dos ventos caprichosos de seus impulsos repentinos. Pois, para muitos de nós, o ato de “girar” estaria ligado a disfunções e desvarios mil: “gira” é a pessoa adoidada, amalucada, “biruta” (biruta, como se sabe, é aquele pano cônico dos aeroportos que gira ao sabor dos ventos). Também o famoso insulto “babaca” remete em sua origem - ao contrário do que muitos sacanamente acreditam - ao verbo tupi babak, que significa simplesmente “girar”. Se para muitos, porém, esse “girar” está associado à anormalidade, para essa tradição semita não: o oscilar-se seria a função normal do centro de gravidade do homem: o coração. O girar, o oscilar, o virar... virar a página – eis aí o hyperlink!!!
O árabe aprofunda ainda mais essa questão. Nessa língua linda, literalmente, a palavra para coração, qalb, deriva diretamente de qalaba, que significa “girar”. Para a ocidentalidade, é comum a observação que a condição “normal” do homem anda meio desregulada e que sua bússola, o coração, não pára quieta:

“The heart is like the sky, a part of heaven,
But changes night and day, too, like the sky”

(Lord Byron)

Ainda que sem a associação imposta pela língua (como ocorre no árabe), nossos poetas, vez ou outra, apontam essa característica “giratória” do coração. Assim, em Autopsicografia, após descrever belissimamente os vai-e-vem e reviravoltas a que está sujeito o poeta, Fernando Pessoa conclui:

“E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.”


E em Roda Viva, de Chico Buarque:

“Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração”


E numa surpreendente coincidência com o espírito da língua árabe, diz a canção de Kleiton e Kledir:

“Ah! Vira, virou
Meu coração navegador

Ah! Gira, girou

Essa galera”


García Lorca tem um poema dedicado ao coração-girador. O título bastante sugestivo, Veleta, significa não só cata-vento, mas, metaforicamente, “persona inconstante y mudable”. O poeta, desiludido, dialoga com os ventos: todos chegaram tarde demais e a “veleta” deve, afinal, girar sem ventos...

“Las cosas que se van no vuelven nunca,
todo el mundo lo sabe,

y entre el claro gentío de los vientos

es inútil quejarse.

¿Verdad, chopo, maestro de la brisa?

¡Es inútil quejarse!

Sin ningún viento

¡hazme caso!

gira, corazón;

gira, corazón.”


Mas por que falar de coração justo hoje? Por que considerar o seu movimento giratório como possibilidade de hyperlinks? Porque hoje, exatamente hoje, um grande amigo querido lá da comunidade orkutiana Ame e dê vexame está numa mesa de cirurgia para consertar o seu girador. Os médicos lhe estão criando hyperlinks novos, não tão metafóricos, mas ainda assim possibilidades novas para o seu girar. Ao Othoni, esse nosso grande amigo, dedico esta postagem de hoje. Rezando para que tudo saia bem e para que ele possa em breve estar conosco de novo lá na comunidade.

Mas aproveito a postagem também para insistir na idéia do hyperlink e da possibilidade de se verem as coisas por uma nova janela. Não sendo embora um crente, um cristão de fé, mas enquanto apreciador dos belos textos, recorro a uma passagem bíblica para propor que o grande “giro”, a grande reviravolta do coração humano, só ocorrerá quando se cumprir, como condição prévia, o bom funcionamento de um outro órgão: o ouvido: “Ouvireis, ouvireis, mas não querereis compreender; porque o coração está embotado” (Mt 13, 14-15).

23.3.07


A MEDIDA DOS HOMENS

rasos os olhos dos homens
em que lhes pese a fundura da alma
leves suas horas noturnas
em que lhes pese o peso de anos
montanhosos seus sonhos
em que lhes pese a estatura de homens
esbeltos seus corações prêt-à-porter
em que lhes pese o grasso medo
exatas suas ruas e cidades
em que lhes pese o passo torto
rijas suas certezas poucas
em que lhes pese a carne trêmula
áridos seus terços e novenas
em que lhes pese o úmido sexo
decotadas suas ingratas atitudes
em que lhes pese o recato da amizade
canhotos seus descuidados encontros
em que lhes pese a destreza do amor
de resto resta-lhes a medida
de músculos
de sangue
de carne
de pêlos
de ossos

em que lhes pese a medida de pó

(Edmilson BORRET)

21.3.07

Segue o teu destino...


cursum vitae

"A realidade
Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos."

(Ricardo Reis)


vida vai
e vida vem
e a gente aqui
no meio da vida
esperando da vida
que conosco ela divida
a sabedoria adquirida
ora, a vida convida
é essa sua lida
à gente cabe
que a viva

(Edmilson BORRET – 21/03/07)



Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

(Fernando Pessoa, in Odes de Ricardo Reis)

19.3.07

Hoje não dá...


Os Anjos
(Renato Russo)

Hoje não dá
Hoje não dá
Não sei mais o que dizer
E nem o que pensar
Hoje não dá
Hoje não dá
A maldade humana agora não tem nome
Hoje não dá
Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma
Untada previamente
Com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja
As dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça: antes de levar ao forno
Temperar com essência de espirito de porco,
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça
Hoje não dá
Hoje não dá
Está um dia tão bonito lá fora;
E eu quero brincar
Mas hoje não dá
Hoje não dá
Vou consertar a minha asa quebrada
E descansar
Gostaria de não saber destes crimes atrozes
É todo dia agora e o que vamos fazer?
Quero voar p'ra bem longe mas hoje não dá
Não sei o que pensar e nem o que dizer
Só nos sobrou do amor
A falta que ficou.


É isso, amigos. Sinto muito, mas hoje não dá. Quem sabe amanhã.

17.3.07

VERSOS DE DESENCANTO

Enquanto em versos canto
(cantava!)
aos quatro cantos
teus mil encantos
conseguiste como
que por encanto
plantar no meu verso
o desencanto
E vens agora me dizer
sei lá de que canto
que minha falta é tanta
que te aquebranta
Porém me espanta
que teus muitos recantos
e teus tantos encontros
não te cubram o pranto
Não, não é rancor
o que agora te conto
mas por enquanto
deixa-me aqui
no meu canto
Quem sabe um dia
eu te reencontro.

(Edmilson BORRET – 17/03/07)




Eu não estava preparado para essa sua vinda de repente. Pegou-me de surpresa esse seu manque... Como recorrer não sei às musas de outrora, faço-o mais modernamente:
- Canta agora, ó Fagner, o que em meu peito explode!


Revelação

Um dia vestido

De saudade viva

Faz ressuscitar

Casas mal vividas

Camas repartidas

Faz se revelar


Quando a gente tenta

De toda maneira

Dele se guardar

Sentimento ilhado

Morto, amordaçado

Volta a incomodar

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