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16.2.07

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Quem me vê assim caído, fodido e magoado, pode até pensar que eu já era.... mas não, estou apenas fazendo uma retirada estratégica... Que o leão aqui não se entrega, mesmo lhe cortando a juba...
"Sou bravo, sou forte
Sou filho do Norte
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi!"

E todos os filhos da puta que tentarem me sacanear, podem esperar porque...
"O vento que venta aqui
É o mesmo que venta lá

E volta pro mandingueiro

A mandinga de quem mandigar

Mas que malandro sou eu

Pra ficar dando colher de chá

Se eu não tiver colher, vou deitar e rolar


Quaquaraquaquá, quem riu

Quaquaraquaquá, fui eu

Quaquaraquaquá, quem riu

Quaquaraquaquá, fui eu


Ainda sou mais eu"


E "vamu qui vamu" que eu quero mais é botar pra quebrar!!!!




Quando o carnaval chegar

(Chico Buarque)

Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei sambar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo molhado de maracujá
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar


PARCEIROS
"E tecemos na junção dos corpos
Uma linda e louca guirlanda."

(Alita Diana)


Jeans justo nas pernas.
T-shirt. Azzaro. Vou.
Respiro. Toc-toc. Espero.
Uau! Cê vai arrasar!
Vamos pela noite
onde todos os gatos
são pardos
negros
brancos...
Olhos e bocas: via que te quero Ápia!
Anjos azuis, boêmios, gaivotas e papagaios.
Desafios à lei do encaixe perfeito...
Milenar... Tão familiar!
Não é bom que o homem esteja só.
Olhai os lírios do campo!
Caras-metades ignoram Selene mãe.
Num impulso te ofereço flores.
Rapte-me. Capte-me uma mensagem à toa.
Te faria um madrigal
um soneto
um rondó
um concreto.
Mas como libertinagem pouca é Bandeira
e a noite põe em cima
o tesão original dos filhos de Deus,
segura essa: ¡Usted me gusta!

(Edmilson BORRET)

15.2.07

Em minha poesia já não tem mais seu nome

"Et dire que j'ai gaché des années de ma vie, j'ai voulu mourir, j'ai eu mon plus grand amour pour une femme qui ne me plaisait pas, qui n'était pas mon genre."
(Proust)





Já Foi

(Cidade Negra)

Te dei a minha vida
E uma parte do meu coração
Esquece as nossas dúvidas
Bom caminho é liberdade
Bom caminho não é prisão

Te dei a minha vida
E uma parte do meu coração
Esquece as nossas dúvidas
Bom caminho é liberdade
Bom caminho não é prisão

Quando o sentimento voa
Bate as asas algo de bom... algo de bom
Sentimento alado,
Choro chorado... uouou
Pare de reclamar da vida
Não adianta se você fez o que fez
Não adianta achar a chave pra partida
Se você não está disposto a correr

Riscou...uoou
Apagou da minha vida...iéiéiéié
Em minha poesia já não tem mais
Já não tem seu nome... seu nome
É... acabou, já foi...já foi
Eu não quero estar só
Mas já estou uoou
Iéiéié é, é... acabou
Chegou ao fim...
Se eu não quero acreditar
A dor me faz despertar... despertar... despertar...
despertar... despertar...


Iéiéié é, é... acabou
Chegou ao fim...
Se eu não quero acreditar
A dor me faz...
Despertar... despertar... despertar... despertar...
Despertar ...


"La passion amoureuse est un délire; mais le délire n'est pas étrange; tout le monde en parle, il est désormais apprivoisé. Ce qui est énigmatique, c'est la perte de dérire: on rentre dans quoi? (...) ... c'est l'épreuve de réalité qui me montre que l'objet aimé a cessé d'exister. Dans le deuil amoureux, l'objet n'est ni mort, ni éloigné. C'est moi qui décide que son image doit mourir (et cette mort, j'irai peut-être jusqu'à la lui cacher). Tout le temps que durera ce deuil étrange, il me faudra donc subir deux malheurs contraires: souffrir de ce que l'autre soit présent (continuant, malgré lui, à me blesser) et m'attrister de ce qu'il soit mort (tel du moins que je l'aimais). Ainsi je m'angoisse (vieille habitude) d'un téléphone qui ne vient pas, mais dois me dire en même temps que ce silence, de toute manière, est inconséquent, puisque j'ai décidé de faire mon deuil d'un tel souci: il appartenait seulement à l'image amoureuse d'avoir à me téléphoner: cette image disparue, le téléphone, qu'il sonne ou non, reprend son existence futile."

(Roland Barthes, Fragments d'un discours amoureux)


End of a love affair
(Billie Holyday)

So I walk a little too fast and I drive a little too fast
And I'm reckless it's true, but what else can you do at the
End of a love affair?

So I talk a little too much, and I laugh a little too much
And my voice is too loud, when I'm out in a crowd
So that people are apt to stare

Do they know, do they care, that it's only that I'm lonely
And low as can be?
And the smile on my face isn't really a smile at all!

So I smoke a little too much, and I drink a little too much
And the tunes I request are not always the best
But the ones where the trumpets blare!

So I go at a maddening pace, and I pretend that it's taking
Your place
But what else can you do, at the end of a love affair?

14.2.07

Sobre homens e corações



"Eu tenho um coração maior que o mundo
tu, formosa Marília, bem o sabes;

um coração, e basta,

onde tu mesma cabes"


(Tomás Antônio Gonzaga)




Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.

Nele não cabem nem as minhas dores.

Por isso gosto tanto de me contar.

Por isso me dispo,

por isso me grito,

por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:

preciso de todos.


Sim, meu coração é muito pequeno.

Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.

A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.

Mas também a rua não cabe todos os homens.

A rua é menor que o mundo.

O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.

Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.

Viste as diferentes cores dos homens,

as diferentes dores dos homens,

sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso

num só peito de homem... sem que ele estale.


(...)

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.

Só agora descubro

como é triste ignorar certas coisas.

(Na solidão de indivíduo

desaprendi a linguagem

com que homens se comunicam.)


(Carlos Drummond de Andrade)



GRANDEZAS & MISÉRIAS

Nada foi dito.
Pensa-se muito
mas nada é dito.
E teu futuro não espelha
grandeza nenhuma.
No meu coração
sei que a fábula é única.
O tempo passa
a história o enfrenta.
No fundo do meu coração
percebo a miséria de se estar.
No meu coração sei que nada foi dito.
No meu coração - e eu o tenho.
Tu bem sabes, Marília -
eu quase tenho um coração
maior que o mundo.

(Edmilson BORRET)

12.2.07

We'll find a new way of living


Somewhere
(Leonard Bernstein/Stephen Sondhein)

There's a place for us
Somewhere a place for us
Peace and quiet and open air
Wait for us
Somewhere
There's a time for us
Someday a time for us
Time together with time to spare
Time to learn
Time to care
Someday, somewhere
We'll find a new way of living
We'll find there's a way of forgiving
Somewhere
There's a time for us
Someday a time for us
Time together with time to spare
Time to learn
Time to care
Someday, somehow
We'll find a new way of living
We'll find there's a way of forgiving
Somewhere
There's a place for us
A time and a place for us
Hold my hand and we're half way there
Hold my hand
And I'll take you there
Somehow
Someday, somewhere


Por mais doloroso que seja o momento, o "olho por olho, dente por dente" nunca foi nem nunca será a solução. Será que todos embruteceram?

10.2.07

A barbárie de nossa juventude transviada

O que pode haver em comum entre o filme Cama de gato, o caso do menino João Hélio Fernandes de 6 anos e o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos?


O longa de estréia de Alexandre Stockler, Cama de Gato, de 2002, segue alguns preceitos do movimento Dogma 95, dos dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars von Trier, preceitos esses que foram “abrasileirados” no que o diretor paulista batizou de Manifesto Trauma. Privilegiando uma atuação espontânea e natural, os atores parecem não ter recebido um roteiro prévio e a ação se desenrola livre de controle externo, como numa improvisação coletiva. Em Cama de Gato, o apelo sexual serve apenas para criar polêmica e chocar o espectador. Numa cena, o personagem interpretado por Caio Blat faz sexo oral numa colega de escola, com um realismo capaz de colocar em dúvida se na longa cena de estupro, praticado logo depois por ele e outros dois amigos, houve ou não penetração.

Cristiano (Caio Blat), Chico (Rodrigo Bolzan) e Gabriel (Cainan Baladez) são três amigos inseparáveis que se envolvem numa espiral de violência que só tende a aumentar pela completa incapacidade do trio em controlar seus atos. Eles não são assassinos por natureza, mas apenas três garotos mimados de classe média que cometem um crime e se complicam ainda mais ao tentar esconder a autoria.
Cristiano recebe a visita de uma colega, com quem planeja se divertir, sem que ela saiba que seus dois amigos permanecerão escondidos e se apresentarão para um “ménage” quando ela menos esperar. Mas a moça não concorda e acaba sendo estuprada pelos rapazes. Eles perdem o controle da situação e, ao final, percebem que ela está morta (na verdade, ela está apenas inconsciente, mas isso eles só viriam a descobrir mais tarde, quando ateiam fogo ao suposto cadáver para dar sumiço no corpo da jovem).
A mãe de Cristiano chega inesperadamente e o pânico toma conta do filho que tenta impedir que ela suba ao quarto e encontre o corpo da garota. Mas ela se assusta com a aparição repentina de um deles, rola a escada e quebra o pescoço.
Com dois cadáveres em casa, os desastrados amigos se culpam pelo ocorrido e tentam encontrar uma saída para a situação. Eles querem se livrar dos corpos, apagar todos os vestígios que os liguem aos crimes, e ainda encontrar um tempinho para ir a uma festa.
A história chega a parecer cômica por toda sua inverossimilhança. O filme pretende ser uma crítica ao atual estado em que se encontra o país.
Cristiano, Francisco e Gabriel são três jovens de classe média que moram em São Paulo, com a típica alienação juvenil dos dias de hoje. Todos com muitas frases feitas na cabeça e nenhum senso de realidade. Assim que terminam o ensino médio, saem pela noite paulistana em busca de diversão. O filme faz um retrato dos dilemas de uma juventude dos anos 90 e focaliza uma geração diante de um dilema: de um lado uma necessidade quase fisiológica de se divertir; de outro, uma preocupação contínua de se estabelecer em uma sociedade que oferece cada vez menos oportunidades. Na noite de horrores na qual os garotos mergulham, o entretenimento confunde-se com a violência, assim como a preocupação de se estabelecer na sociedade confunde-se com a tragédia humana.


Nesses dias atuais em que jovens arrastam até a morte um menino de 6 anos por 7 quilômetros preso pelo lado de fora ao cinto de segurança de um carro, após terem cometido um assalto; ficamos a nos perguntar para onde caminha a nossa juventude. João Hélio Fernandes foi barbaramente despedaçado, vítima da crueldade de dois jovens: um de 18 anos, outro de 16. O crime ocorreu na noite de quarta, 7 de fevereiro. Por volta das 21h, a comerciante Rosa Cristina Fernandes Vieites voltava em seu carro de um culto em um centro espírita, com os filhos João Hélio e Aline. Ao passar por um cruzamento na zona norte do Rio, foi abordada por dois homens - que mais tarde, presos, diriam à polícia que portavam um revólver de plástico. Rosa e Aline saíram rapidamente do carro, mas a mãe não conseguiu retirar o filho de 6 anos, que sofria de hiperatividade e tinha dificuldades motoras e de fala. No banco traseiro e com cinto de segurança, João Hélio tentava sair do carro quando os ladrões arrancaram. Ficou pendurado no veículo e foi arrastado por um percurso de sete quilômetros, com o carro em alta velocidade e pessoas na rua gritando para que o motorista parasse. Os pneus do carro passaram várias vezes sobre o corpo que ficou dilacerado, com vários ossos expostos e sem a cabeça. O próprio pai de um dos assassinos – Diego, de 18 anos – entregou o filho à polícia.


Bom, os autores de tão bárbaro crime não eram “filhinhos de papai” como os personagens de classe média do filme Cama de gato. O que não diminui em nada a culpabilidade e o caráter hediondo dos atos de Diego e de seu comparsa menor de idade. Mas, gostaria de levar os leitores desse blog a refletir acerca de um e-mail que recebi hoje, onde é questionada a culpabilidade de nossos jovens consoante sua posição social e o seu poder aquisitivo. Assim como no filme Cama de gato, houve há alguns anos atrás um outro crime bárbaro que chocou a nação: um índio foi queimado vivo por jovens de classe média alta em Brasília. E hoje todos eles estão aí livres, sem terem pagado por seu crime também hediondo. Segue o texto do e-mail que recebi:


“Os autores do monstruoso crime que resultou na morte brutal de um menino de seis anos no Rio devem ser colocados lado a lado com os rapazes de classe média alta que há cerca de dez anos queimaram vivo um índio morador de rua em Brasília. Os dois grupos merecem a mesma execração pública, o mesmo tratamento inclemente da mídia e a mesma punição da justiça. Os pais dos rapazes de Brasília, em vez de ficarem usando de artifícios espúrios para descolar empregos públicos com salário inicial de R$ 6.000,00 para seus filhos criminosos (que deveriam estar cumprindo pena), devem mirar-se no exemplo do porteiro que denunciou o próprio filho à polícia no caso ocorrido no Rio. Ou será que o crime de Brasília foi menos monstruoso e menos estarrecedor que o daqui? E alguém ainda acredita que o crescente clima de violência que apavora as cidades brasileiras vai ser resolvido punindo-se apenas aqueles que já nascem castigados por um esquema cada vez mais excludente, cada vez mais injusto, cada vez mais concentrador de renda?”

(Jaime Coelho)



Não tenho a mínima idéia de quem seja Jaime Coelho. O texto, como eu disse, me foi repassado por um amigo via e-mail: mas, sem dúvida, o mesmo nos leva a pensar numa série de coisas que estão erradas nessa nossa sociedadezinha de merda.


Baader-Meinhof Blues
(Legião Urbana)

A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais
E você passa de noite e sempre
Vê apartamentos acesos
Tudo parece ser tão real
Mas você viu esse filme também
Andando nas ruas pensei que podia ouvir
Alguém me chamando, dizendo meu nome
Já estou cheio de me sentir vazio
Meu corpo é quente e estou sentindo frio
Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber
Afinal, amar o próximo é tão démodé
Ô ô ô
Essa justiça desafinada é tão humana e tão errada
Nós assistimos televisão também, qual é a diferença?
Não estatize meus sentimentos
Pra seu governo, o meu estado é independente
Já estou cheio de me sentir vazio
Meu corpo é quente e estou sentindo frio
Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber
Afinal, amar o próximo é tão démodé


9.2.07

Gota d'água

"Sempre achei interessantíssima a metáfora gasta da "gota d'água". Nem na minha maior curiosidade infantil cheguei a contar quantas gotas d'água, afinal, cabem num copo. Sei que são muitas. Muitas mesmo. E quem pode imaginar que é uma, apenas uma que irá derrubar todas as outras? Algumas pessoas dizem qu eu faço 'tempestade em copo d'água', mas na verdade, eu faço tempestade em GOTA D'ÁGUA, porque um copo inteiro é muita coisa. Uma gota é o suficiente para tornados e enchentes. Desde que, claro, o copo já esteja cheio. Mas o copo não enche do dia pra noite. E é isso que todos esquecem.
(...)

Um dia a gente se apaixona. Pode demorar pra um, ser frequente pra outro, mas é inevitável: seja por culpa Freud, seja por coração burro, todo mundo, cedo ou tarde, se apaixona. E desapaixona. O primeiro namoro não deu certo, tudo bem, bola pra frente. O segundo também não. Poxa vida, mas o segundo era tão legal... O terceiro... O quarto, o quinto, o sexto o décimo! O que acontece? Isso mesmo, bingo! Gota d'água. Existe alguém na vida de todo mundo que é uma gota d'água. Não é igual a ninguém. Transborda. E depois da tempestade, a única verdadeira bonança de que se tem notícias é a sensação de que mais ninguém sera gota d'água. Terá que se encher outro copo, porque aquele passou do limite. E acho muito difícil alguém querer enfrentar outro copo, depois que um sangrou.

A gente compra uma roseira. Linda, estonteante. Murcha. A gente segue o que diz no rótulo, consulta um jardineiro, compra adubo, mas a bichinha resolve murchar. Compra-se outra. Murcha. E assim vai. Gota d'água? Plantas artificiais.

A gente come carne. Muita e sempre. Dá indigestão. Toma remédio. Vomita. É chamado prum churrasco, tenta ir de leve. Dá no mesmo. Vomita mais ainda. Gota d'água? Virar vegetariano.

A gente casa uma vez, leva chifre. A segunda, chifre de novo. A terceira, mais um pouquinho de chifre. Gota d´'agua? Vira-se gay ou põe-se a pôr chifre em todo mundo.

A gente tem um melhor amigo. Decepciona. Passa o tempo, vem outro. Magoa. Uns anos depois, mais um. Some sem explicação. Gota d'água? Rendemos de homenagem a solidão.

As gotas d'águas são bem mais frequentes do que se imagina. Cada pessoa tem seu ritmo. Talvez seja por isso que um não respeita as gotas d'água do outro. Passei por uma enorme gota d'água agora. Enorme que ninguém entende por que é enorme, pois que imaginaram ser só mais uma gota. Porém, quem foi que disse que a gota d'água também não é só gota? A diferença é que a gota d'água esgota.

Toda gota d'água, assim se chama, por fazer-se gota em nossos olhos.
Lágrimas são, uma a uma, gotas d'água. E quando cada uma pinga no chão, a gente sabe (mesmo que não diga) exatamente por que foi. Não mais me importa que me digam que minhas gotas d'águas são sempre invenção. Se for, foi a última gota d'água inventada. Isso é o suficiente para enxugar as gotas de água que caem dos olhos e esperar que aquela gota d'água, tão forte e única e destrutiva, seque. Sim, só quando uma gota d'água seca, é que estamos preparados para recomeçar a encher o copo (ou o saco, se preferirem...). E isso leva tempo. Muito tempo. Tempo suficiente pra que a gota, agora seca, pudesse ter regado a roseira plantada, que ameaçava murchar..."


(Samelly Xavier)



Achei esse texto num dos muitos blogs que pululam por aí (assim como o meu... hehehehe) e adorei. Tanto que resolvi postá-lo aqui. Demais quando ela diz que "toda gota d'água assim se chama, por fazer-se gota em nossos olhos". Também ando colhendo minhas gotas d'água amiúde, às vezes em lencinhos, outras vezes nas costas das mãos mesmo... Que gotas d'água são o adubo necessário para as nossas roseiras do dia-a-dia: puro espinho no longo inverno, mas que belas rosas na primavera!!!





Gota d'água
(Chico Buarque)

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Pode ser a gota d'água

8.2.07

Música, letra, voz, cabelos e músculos.... adoro essa mulher!!!!

Aqui
(Antônio Villeroy/Ana Carolina)

Aqui
Eu nunca disse que iria ser
A pessoa certa pra você
Mas sou eu quem te adora
Se fico um tempo sem te procurar
É pra saudade nos aproximar
E eu já não vejo a hora
Eu não consigo esconder
Certo ou errado, eu quero ter você
Ei, você sabe que eu não sei jogar
Não é meu dom representar
Não dá pra disfarçar
Eu tento aparentar frieza mas não dá
É como uma represa pronta pra jorrar
Querendo iluminar
A estrada, a casa, o quarto onde você está
Não dá pra ocultar
Algo preso quer sair do meu olhar
Atravessar montanhas e te alcançar
Tocar o seu olhar
Te fazer enxergar e se enxergar em mim
Aqui
Agora que você parece não ligar
Que já não pensa e já não quer pensar
Dizendo que não sente nada
Estou lembrando menos de você
Falta pouco pra me convencer
Que sou a pessoa errada
Eu não consigo esconder...








Não dá pra disfarçar
Eu tento aparentar frieza mas não dá
É como uma represa pronta pra jorrar
Querendo iluminar
A estrada, a casa, o quarto onde você está
Não dá pra ocultar
Algo preso quer sair do meu olhar
Atravessar montanhas e te alcançar
Tocar o seu olhar
Te fazer enxergar e se enxergar em mim



Agüenta, coração!!!!!!!!!

5.2.07

Perto do coração selvagem de Clarice




Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
(Clarice LISPECTOR. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)



Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é, sem dúvida, um dos livros mais fantásticos que já li. A história de Lóri (Loreley, a sereia germânica que seduzia os navegantes do Reno; a sereia de Campos a quem Ulisses resiste, fechando-se a seus encantos, até que eles mesmos se tornem encantados) nos encanta justamente pelo fato de tudo estar por acontecer. Absolutamente nada é imediato, o conhecimento da personagem se constrói lentamente, como se a natureza estivesse acumulando a seiva da vida, mas sem perder o sentido de sua precariedade. A narrativa parece mostrar o próprio mistério da experiência. E daí talvez advenha o estranhamento da estrutura e da linguagem do romance: ignoramos o início, desconhecemos o fim. A narrativa parte de uma vírgula inicial e original, vírgula essa que tem a forma do nosso ancestral espermatozóide, também original. Vírgula essa que parece sinalizar uma continuação de um não sei quê de desconhecido que apenas aumenta o sentido de precariedade. Enquanto os dois pontos finais fazem dessa narrativa algo extremamente incômodo, isto é, acentuam nosso desconhecimento do fim. Talvez porque Lóri e Ulisses sejam pessoas tão comuns - professora primária, professor universitário - de suas vidas só temos poucas indicações, quadros pintados meio a distância, momentos já vividos. Vidas comuns, mas vividas com intensidade, com o prazer e dor de seres jogados num mundo, onde a felicidade é quase sempre uma ficção. Um encontro, um amor, um caso. Tudo muito humano, "demasiado humano".
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é um livro inclassificável e é impossível qualquer tentativa de comparação. Ao término da leitura, lembrei-me um pouco de A náusea, de Sartre: os dois são livros que falam da angústia do nada, a construção do sujeito pela construção do amor. Mas Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é diferente. A narrativa, apesar de linear, não tem início, meio e fim, porque só tem meio. Como um meio-termo.

Era uma noite muito bonita: parecia com o mundo. O espaço escuro estava todo estrelado, o céu em eterna muda vigília. E a terra embaixo com suas montanhas e seus mares.
Lóri estava triste. Não era uma tristeza difícil. Era mais como uma tristeza de saudade. Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano é só.
(Clarice LISPECTOR. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)


O que acontece na verdade com Lóri é que - por algum motivo que nem ela mesma sabe qual - ela tinha, por medo, cortado a dor de sua vida. Só com Ulisses viria aprender que não se podia cortar a dor, senão se sofreria o tempo todo.
Ao contrário dos niilistas que buscavam a verdade, mas não podiam suportar o aparecimento dessa verdade, Lóri constata e aceita a verdade da existência. Reconhece que todo prazer que desconsiderar a dor ou ignorá-la, graças à aparente e passageira plenitude da felicidade, é necessariamente um prazer falsificado. Ou a gente vive essa dor ou corre o risco de viver como a narrativa do romance: sem início e sem fim, só meio. Meio-termo...


Meio-termo

Ah! Como eu tenho me enganado
Como tenho me matado
Por ter demais confiado
Nas evidências do amor

Como tenho andado certo
Como tenho andado errado
Por seu carinho inseguro
Por meu caminho deserto

Como tenho me encontrado
Como tenho descoberto
A sombra leve da morte
Passando sempre por perto
E o sentimento mais breve
Rola no ar e descreve

A eterna cicatriz
mais uma vez
Mais de uma vez
Quase que fui feliz

A barra do amor é que é meio ermo
A barra da morte é que ela não tem meio-termo


(Lourenço Baeta / Cacaso)





4.2.07


NÃO SE PERCA DE VOCÊ

Não se perca de você, meu amor
Não é seu esse caminho
que trilham seus pés atônitos
Não coloca esse vazio
nos seus abraços
A água que transborda
de seus olhos virou correnteza
que afoga seu coração
na próxima curva do rio
Não abra assim a sua porta
para a doce mentira
das muitas vozes
Não queira trazer ao colo
todas as crianças
que você se tornou
Não ponha na alma
esse desânimo disfarçado de prazer
Cuidado na estrada, mon enfant
Sua rota de colisão
me faz perder o sono:
esses passos já foram os meus
Não volte muito tarde, meu amor
Seu prato está no forno
A chave no tapete da soleira
Limpe os pés ao entrar
Lave o seu corpo maculado
seu sexo insatisfeito e tosco
Apague as luzes ao vir deitar
E não esqueça que eu te amo

(Edmilson BORRET – 04/02/07)

3.2.07


CONTRA-DANÇA
O importante é o que fazemos com o que fizeram de nós.
(Jean-Paul Sartre)


Não tenho certeza
mas acho que hoje estou feliz
De qualquer maneira
vou me fingir de morto
e não tocar muito no assunto
Vai que essa senhora danada
Tristeza chamada
(que mulher é,
e sortilégios elas têm:
tão suscetíveis!)
resolve me dar uma rasteira...
Para todos os efeitos
foi só um cochilo
do acaso
Algumas plumas na alma
uma certa purpurina no coração
e uma maquiagem discreta
E lá vou eu!
Ainda que o salto quebre
que a meia desfie
terei ao menos
ensaiado uma contra-dança.

(Edmilson BORRET – 03/02/07)

1.2.07

Voltando de Floripa...

Sobre amizades, sobre toques, sobre o tempo necessário para me perceber, sobre a descoberta de mim mesmo...


Aqui estão três pessoas lindas que eu só conhecia virtualmente e que tive o prazer de conhecer pessoalmente em Floripa: meu irmãozão Sílvio, sua esposa Sílvia e a nossa querida e linda Isabel (a Bel). Foi algo inenarrável ter encontrado essas três almas. Conversando com a Bel no MSN, após a minha volta, ela me falou da questão do toque; da necessidade que ela tem de tocar as pessoas, de lhes sentir o calor da pele, e de como ela pegava no meu braço enquanto caminhávamos lá em Floripa. Então, e só então talvez, comecei a me dar conta do quanto não nos permitimos o toque. O quanto temos medo do toque, da reação do outro ao nosso toque, do que ele poderá achar. E assim, nos fechamos em nossas vidinhas cheias de “não-me-toque”. A Bel ficou preocupada com o que eu poderia achar de seus apertos em meu braço enquanto caminhávamos. Eu achei ótimo. Também abracei e toquei muito meu irmãozão Sílvio, acariciei-lhe a barriga e a careca... Hehehehehehe... Foi bom. Foi muito bom.

Essa viagem, mais do que simples turismo, foi a ocasião para eu me repensar sob muitos aspectos. Foram 10 dias afastado do virtual. O que me fez rever certos posicionamentos, apagar alguns medos e soltar algumas amarras. O tempo necessário para o meu tão almejado “exílio do imaginário”. Percebi-me. Pus-me a nu. Literalmente. Fui, pela primeira vez, a uma praia de nudismo. E não só como observador. Tirei a roupa em público. E gostei. Adorei. Sentir-me nu, em contato com o vento, com a água do mar. E saber que ninguém estava nem aí para o meu corpo magro, encurvado e fora de forma. A Praia da Galheta vai ficar para sempre na minha memória como o momento mágico em que rompi meus limites. Foi bom. Foi muito bom.



Voltei um pouco diferente de quando parti. Mais seguro de mim mesmo. Mais confiante. Mais eu. Disposto a novas descobertas. A novas possibilidades. Encontrei amigos novos lá, amigos que só existiam no virtual. Reencontrei amigos antigos cá, ainda no virtual. E percebi, assim, que o virtual e o real são, por vezes, as duas faces de uma mesma moeda. Basta querermos. Foi bom. Foi muito bom.

De repente me veio à mente uma música da Vanusa, meio brega talvez, muito antiga, mas que traduz bem essa minha nova disposição para as coisas.


Mudanças

( Vanusa e Sérgio Sá)


Hoje eu vou mudar
Vasculhar minhas gavetas
Jogar fora sentimentos e
Ressentimentos tolos
Fazer limpeza no armário
Retirar traças e teias
E angustias da minha mente
Parar de sofrer
Por coisas tão pequeninas
(...)


Hoje eu vou mudar

Por na balança a coragem

Me entregar no que acredito

Pra ser o que sou sem medo

Dançar e cantar por hábito

E não ter cantos escuros

Pra guardar os meus segredos

Parar de dizer

"Não tenho tempo pra vida"

Que grita dentro de mim...

Me libertar


Hoje eu vou mudar

Sair de dentro de mim

Não usar somente o coração

Parar de contar os fracassos

Soltar os laços

E prender as amarras da razão

Voar livre

Com todos os meus defeitos

Pra que eu possa libertar os meus direitos

E não cobrar dessa vida

Nem rumos e nem decisões


Hoje eu preciso e vou mudar

Dividir no tempo e

Somar no vento

Todas as coisas que um dia sonhei conquistar

...



E foi bom. Foi muito bom...

17.1.07

Vou-me embora pra Floripa

Lá sou amigo do Sílvio e da Bel
Lá tenho a bebedeira que quero

No copo que escolherei...



Hehehehehe....

O blog sofrerá uma pausa de uma semana. Vou conhecer novas terras e novas gentes. Mais material e vivências que, com certeza, serão compartilhados aqui com vocês, caros leitores.
Aos que me seguem aqui cotidianamente (os que o declaram e os que não), deixo-lhes o tempo para refletirem sobre o que já escrevi até aqui: para alguns, mensagens de amor e carinho; para outros, recados diretos e na cara; para outros ainda, palavras de difícil compreensão (números são números, letras são letras); e para outros enfim, matéria para literatura de terceira.
Assim é o Ed: para gregos e troianos!

Oh! tristeza me desculpe
Estou de malas prontas

Hoje a poesia

Veio ao meu encontro

Já raiou o dia

Vamos viajar.

Vamos indo de carona

Na garupa leve

Do vento macio

Que vem caminhando

Desde muito longe

Lá do fim do mar.

(...)

Mas pode ficar tranqüila,

Minha poesia,

Pois nós voltaremos

Numa estrela guia

Num clarão de lua

Quando serenar.

Ou talvez até quem sabe,

Nós só voltaremos

No cavalo baio

No alazão da noite

Cujo o nome é raio,

Raio de luar.

(João de Aquino / Paulo César Pinheiro)


Prenant la route qui mène
A mes rêves d'enfant
Sur des îles lointaines
Où rien n'est important
Que de vivre
(...)
Je fuirais laissant là mon passé
Sans aucun remords
Sans bagage et le coeur libéré
En chantant très fort

Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil...

(Charles Aznavour)

Até a volta!

14.1.07

É isso aí... mais Ana Carolina...



Eu, particularmente, não gosto muito de versões de músicas estrangeiras. Salvo raras exceções (“Fascinação”, com a Elis e “Não chore mais”, com o Gil), na maioria das vezes, a versão fica muito aquém do original. Mas aqui, Ana Carolina conseguiu algo fenomenal: manter o mesmo clima da música de Damien Rice.
Nove em cada dez pessoas que ouvem e gostam do irlandês Damien Rice o conheceram através do filme Closer: Perto Demais. Quando “The Blower’s Daughter” começa a tocar, logo no início do filme, acompanhando os passos de Natalie Portman e Jude Law, a sensação transmitida pelo conjunto - música, clima, paisagem, personagens - pode ser resumida em uma palavra: encantador!
O filme é sexy e sofisticado, mas esses adjetivos são utilizados da maneira mais perigosa possível. Há mesmo uma turma enfurecida com o filme de Mike Nichols, especialmente as adolescentes que acreditam naquele grande amor para a vida toda (bom, não só as adolescentes, né?). Mas Closer é a mais pura verdade, sem floreios nem firulas e na sua pior faceta. O filme atesta o papel cada vez menor do afeto nas relações "amorosas" contemporâneas. E o faz com tamanha perspicácia. Em Closer as palavras são como tratores e as pessoas as usam para atropelar umas as outras. Não há sabão que limpe a boca suja de Closer. E a música encanta e comove mesmo...

The Blowers Daughter

(Damien Rice)


And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her sky


I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes...


And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial


I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes...


Did I say that I loathe you?

Did I say that I want to

Leave it all behind?


I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind of you

I can't take my mind...

My mind...my mind...

'Til I find somebody new


Mas, como eu falei, Ana Carolina consegue manter esse mesmo clima da canção original (e, por conseguinte, do filme também). Coisa que só pessoas iluminadas como ela são capazes de realizar. Pois o que você imagina que irá acontecer quando você se apaixonar? O que espera ganhar? Você quer que a pessoa torne-se parte de você? Que a companhia dela seja o bastante? E se, por acaso, um de vocês desistir ou mudar de opinião? Você estaria disposto a arrasar a pessoa que te arrastou para sua ilusão de como a felicidade deveria ser, apenas para tentar ver se você consegue ser só um pouquinho mais feliz com isso? Isso é correto? E quando contamos a verdade, somos mais heróicos do que quando mentimos, mesmo que a verdade vá arrasar vidas e corações para sempre? A resposta, se é que há uma, é que no momento em que pararmos de idealizar romances (que são uma distração, mas não são amor de verdade), poderemos realmente desfrutar de quem está ao nosso lado, realmente descobrir as pessoas com quem vivemos e, portanto, nossos relacionamentos...

E, para arrematar tudo isso, ainda tem a participação pra lá de especial de Seu Jorge. É bom demais!!!!





É Isso Aí
(Damien Rice / vers.: Ana Carolina)

É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre
É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar

É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar de te olhar

13.1.07

É mágoa

(Ana Carolina)

É mágoa
Já vou dizendo de antemão
Se eu encontrar com você
Tô com três pedras na mão
Eu só queria distância da nossa distância
Saí por aí procurando uma contramão
Acabei chegando na sua rua
Na dúvida qual era a sua janela
Lembrei que era pra cada um ficar na sua
Mas é que até a minha solidão tava na dela
Atirei uma pedra na sua janela
E logo correndo me arrependi
Foi o medo de te acertar
Mas era pra te acertar
E disso eu quase me esqueci
Atirei outra pedra na sua janela
Uma que não fez o menor ruído
Não quebrou, não rachou, não deu em nada
E eu pensei: talvez você tenha me esquecido
Eu só não consegui foi te acertar o coração
Porque eu já era o alvo de tanto que eu tinha sofrido
Aí nem precisava mais de pedra
Minha raiva quase transpassa a espessura do seu vidro
É mágoa
O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto
Se eu for embora não sou mais eu
Água de torneira não volta
E eu vou embora
Adeus



O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto...



11.1.07

Discurso: 100... Prática: 0



“Ainda não tinha aprendido o quanto a natureza humana é contraditória; não sabia quanta hipocrisia existe nas pessoas sinceras, quanta baixeza existe nos nobres de espírito, nem quanta bondade existe nos maus.”

(William Somerset Maugham)


Hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis, ambos significando representar ou fingir.



Na boa, estou cansado dessas pessoas com um discursozinho todo lindinho, arrumadinho, magnificamente libertário, politicamente correto... mas que, na prática, são uns escrotos reacionários do cacete.

" Ôôô , ôô
Gente estúpida

Ôôô , ôô

Gente hipócrita"

O que é mais foda é que parece que esses escrotos acabam acreditando em seus discursozinhos falsos. São seduzidos por suas próprias palavras, na mesma medida em que tentam seduzir seus interlocutores. São uma coisa e querem parecer outra. E se perdem de si mesmos...

"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara. "


Há uma dissociação enorme entre o ser e o parecer. Jean-Jacques Rousseau teceu essa argumentação no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, no início da segunda metade do século XVIII. É essa dissociação entre o ser e o parecer que permitiu ao filósofo um olhar crítico sobre a modernidade no seu alvorecer. Explicando um pouco: se tivermos como referência as sociedades tradicionais e a própria cultura ocidental até o início da modernidade, percebemos que as pessoas tinham lugares muito definidos na cadeia do ser; o que elas deveriam fazer e, inclusive, falar, estava dado. A dissociação entre o que se é e o que se aparenta ser simplesmente não se punha, não tinha sentido e, com ela, também não tinha sentido a fissura entre o dizer e o fazer e a fissura entre o ser e o fazer. Essa fissura, no entender de Rousseau, só fez alargar-se. Talvez tenhamos chegado ao seu ponto culminante, pois aquilo que algumas pessoas são - quando sabem quem são - escondem, diminuem, espezinham; só é permitida a emergência do parecer, das máscaras, daquilo que Jung chama de persona. As máscaras lhes permitem realizar no social um pequeno fragmento do seu ser - o restante permanece atrofiado, reprimido. Não sei se odeio ou se, na verdade, tenho pena desses falsários das palavras e das relações...


Histoire de faussaires

Se découpant sur champ d'azur
La ferme était fausse bien sûr,
Et le chaume servant de toit
Synthétique comme il se doit.

Au bout d'une allée de faux buis,
On apercevait un faux puits
Du fond duquel la vérité
N'avait jamais dû remonter.

Et la maîtresse de céans
Dans un habit, ma foi, seyant
De fermière de comédie
A ma rencontre descendit,
Et mon petit bouquet, soudain,
Parut terne dans ce jardin
Près des massifs de fausses fleurs
Offrant les plus vives couleurs.

Ayant foulé le faux gazon,
Je la suivis dans la maison
Où brillait sans se consumer
Un genre de feu sans fumée.

Face au faux buffet Henri deux,
Alignés sur les rayons de
La bibliothèque en faux bois,
Faux bouquins achetés au poids.

Faux Aubusson, fausses armures,
Faux tableaux de maîtres au mur,
Fausses perles et faux bijoux
Faux grains de beauté sur les joues,
Faux ongles au bout des menottes,
Piano jouant des fausses notes
Avec des touches ne devant
Pas leur ivoire aux éléphants.

Aux lueurs des fausses chandelles
Enlevant ses fausses dentelles,
Elle a dit, mais ce n'était pas
Sûr, tu es mon premier faux pas.

Fausse vierge, fausse pudeur,
Fausse fièvre, simulateurs,
Ces anges artificiels
Venus d'un faux septième ciel.

La seule chose un peu sincère
Dans cette histoire de faussaire
Et contre laquelle il ne faut
Peut-être pas s'inscrire en faux,
C'est mon penchant pour elle et mon
Gros point du côté du poumon
Quand amoureuse elle tomba
D'un vrai marquis de Carabas.

En l'occurrence Cupidon
Se conduisit en faux-jeton,
En véritable faux témoin,
Et Vénus aussi, néanmoins
Ce serait sans doute mentir
Par omission de ne pas dire
Que je leur dois quand même une heure
Authentique de vrai bonheur.

(Georges Brassens)

10.1.07

Mono-logar

Vou me permitir, para o desespero dos gramáticos, reinventar a etimologia de monologar.



Não mais de mono ("único"; "sozinho") + logos ("palavra"; "discurso"). Modernamente, meu chiste etimológico vai considerar logar como o neologismo verbal a partir de login ("conectar", na linguagem da informática). Assim, logamos quotidianamente sós e aqui na rede trasmutamos o "mono" em "pluri", "multi". Mas, ironicamente, esse reagrupamento virtual da diáspora só tende a deixar mais evidente e ululante o isolamento do real. "Logamos" para buscar aqui na rede aquilo a que fugimos fora dela. Estamos nos encastelando em nossos quartos, escritórios e salas diante da telinha e o mundo lá fora parece se fazer mais virtual que o cibernético. Perdi uma amiga da minha lista do orkut. Ela abandonou o site de relacionamento com a seguinte justificativa: "O Orkut aproxima os que estão longe e afasta os que estão próximos". Talvez um pouco categoricamente radical sua assertiva, mas nem por isso de toda irrefutável. Perdemos a capacidade do abraço e do olho no olho. O toque assusta e incomoda. Assistimos atônitos e impotentes ao retorno à tribalidade e ao bairrismo. E isso em plena era da globalização! E talvez exatamente por conta dessa globalização... E isso é grave!
Fica, disso tudo, aquela sensação de que algo não foi dito, não foi sentido, não atualizado (no sentido de "tornar ato"), não foi concretizado. E assim, mais tarde, já velhinhos (ou talvez nem tão velhinhos assim) a gente vai perceber o quanto perdemos por conta desse nosso medo arraigado de encarar o outro, de abraçá-lo, beijá-lo, tocá-lo, sentar para escutá-lo, dizer-lhe de boca e pulmão cheios: "Porra! Como é bom poder ter você aqui comigo!!!" Mas aí talvez será tarde... E só nos restará cantar as palavras do Ivan Lins e do Vitor Martins:

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...

Minha irmã me ligou há algum tempo no celular. Depois que coloquei a tal da internet sem limites, o telefone fixo aqui de casa não pára livre, vivo plugado na internet... Sim, minha conexão ainda é discada!!!!!!
Ela me ligou, a voz embargada, puta da vida e me disse as palavras mais duras que já ouvi em toda minha vida talvez. Perguntou-me como posso me esquecer de ir visitá-la, morando há apenas quinze minutos de ônibus. Como posso, em um ano de vida da minha sobrinha e afilhada, só ter ido vê-la 3 ou 4 vezes. Tentei argumentar que pouco tenho saído de casa depois da morte do meu grande amigo-irmão há alguns meses atrás. Mas, no fundo, eu sei que estava mentindo não só pra ela, mas pra mim mesmo. Aí ela perguntou por que ela não consegue falar comigo pelo telefone fixo e por que eu não ligo pra ela, já que pra ela é mais complicado por questões financeiras mesmo. Foi aí que a coisa fudeu de vez: disse-lhe que passava quase o dia todo na internet, no orkut e no msn, conversando com amigos. Senti que, do outro lado, o mundo dela pareceu desabar. E só então percebi a canalhice da minha atitude. Ela desligou dizendo que qdo eu achasse um tempinho entre tanta atividade social que eu fosse lá na minha antiga casa, nem tanto por ela, mas para ver minha sobrinha-afilhada crescer. E desligou chorosa. Fiquei mal pra caralho!!!! Veio-me imediatamente à mente aquela cena do filme Hair em que aquela negra canta lindamente uma canção em pleno Central Park coberto de neve, questinando o marido que a abandonou com o filho nos braços para ir se juntar a um grupo de hippies:

How can people be so heartless
How can people be so cruel
Easy to be hard
Easy to be cold

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be proud
Easy to say no

And especially people
Who care about strangers
Who care about evil
And social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd?
How about a needing friend?
I need a friend

How can people be so heartless
You know I'm hung up on you
Easy to give in
Easy to help out

And especially people
Who care about strangers
Who say they care about social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd
How about a needing friend?
I need a friend

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be hard
Easy to be cold
Easy to be proud
Easy to say no


O que me doeu não foram as palavras duras da minha irmã, mas ter me dado conta que ela está coberta de razão...

8.1.07

Confesso que vivi...



“Meu caminho junta-se ao caminho de todos. E em seguida vejo que desde o sul da solidão fui para o norte que é o povo, o povo ao qual minha humilde poesia quisera servir de espada e de lenço para secar o suor de suas grandes dores e para dar-lhes uma arma na luta pelo pão.”
Pablo Neruda





Em 12 de julho de 1904 — há mais de cem anos portanto — nasce Neftali Ricardo Reys Basoalto. No pequeno lugarejo em que nasceu, Parral, a 340 quilômetros de Santiago, ou em qualquer outro lugar, os nascimentos fazem parte do cotidiano. Nada há de especial. Seus pais são personagens comuns: ele é José del Carmen Reys Morales, maquinista de um trem lastreiro; ela, Rosa Basoalto Reys, professora, morta de tuberculose um mês depois de o menino nascer. Outra personagem entra no enredo de Neftali — Trinidad Candia Marverde — a segunda esposa de seu pai a quem ele acha incrível ter de chamar de madrasta já que ela é o anjo tutelar de sua infância, diligente e doce, com senso de humor camponês, e a bondade ativa e infatigável. Rodolfo e Laura — seus irmãos, filhos de seu pai e de Trinidad — são mais dois personagens do enredo nerudiano.



Nos primeiros cinco anos, Neftali corre sua infância pelas veredas de Parral ao sabor da chuva, do vento e do frio. Ternos anos, pouco registrados pela memória do garoto. Mudou-se com a família para Temuco — cidade pioneira, dessas sem passado, com grandes lojas de ferragem ostentando desenhos dos produtos à venda porque muitos compradores são índios e não sabem ler. Aliás, os araucanos, que lá vivem, são acossados primeiro pelos espanhóis; depois, pelos próprios chilenos. Neste mesmo ano, 1910, Neftali é matriculado no Liceu, cuja diretora, mais tarde, seria a escritora Gabriela Mistral — Prêmio Nobel de Literatura em 1945. Gabriela Mistral e seu tio Orlando Masson, poeta e fundador do Diário de Temuco, estimulam suas incursões poéticas.


“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.
Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”


Depois dos anos de Liceu, o poeta vai para faculdade em Santiago do Chile e incorre em novas descobertas e desconhecimentos. Assume a timidez inimaginável para o autor dos Cantos Gerais:


“A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser.”



A nomeação de Pablo Neruda para ser cônsul do Chile em Rangum inicia uma nova fase na vida do poeta que conhece um novo mundo nos lugares remotos que vive e passa a ter uma percepção mais ampla do homem:


“O poeta não pode temer o povo. Pareceu-me que a vida fazia uma advertência e me ensinava para sempre uma lição: a lição da honra oculta, da fraternidade que não conhecemos e da beleza que floresce na escuridão.”



Sua relação com Federico Garcia Lorca e com a Espanha estão sacramentadas no caderno “Espanha no coração”. O poeta vive a guerra civil espanhola e tais vivências influenciam de forma marcante sua literatura e o seu ingresso no Partido Comunista, seu encontro com a União Soviética, os escritores em ebulição em Moscou, a esperança de que o grande continente alçasse o grande vôo de uma nova verdade. “A revolução é a vida e os preceitos buscam seu próprio túmulo.” Neruda sente necessidade de escrever para os seus semelhantes, no caminho do humanismo enraizado nas aspirações do ser humano. Assim começou a escrever os Cantos Gerais.



Neruda nunca esqueceu suas raízes, sempre esteve ligado aos acontecimentos políticos e sociais de sua pátria. Aliás, em sua poesia podemos observar sempre a alusão às raízes, desde as tenras da infância nos bosques chilenos aos alicerces de convicções que nosso poeta construiu e floresceu em seus poemas.

Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais as que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.”



O último capítulo é sobre a vida e a morte de Salvador Allende, primeiro marxista eleito presidente da República na América Latina em 1970, morto durante o golpe que do depôs em 11 de setembro de 1973. Neruda escreveu-o poucos dias após aos fatos que culminaram na morte do governante e morreu no mesmo mês, em 23 de setembro de 1973.



Pablo Neruda, pseudônimo criado por Neftali Ricardo Reyes Basoalto ainda na juventude para esconder a autoria dos poemas de seu pai, viajou o mundo inteiro e divulgou sua poesia e seus ideais humanísticos pelos diversos povos e culturas.



Como o próprio poeta afirmou em sua autobiografia: “...a história é escrita pelos vencedores ou pelos que desfrutaram da vitória.” Pablo Neruda é um vitorioso, venceu os preconceitos e as tantas perseguições políticas e criou uma obra literária lida no mundo inteiro - uma leitura obrigatória para toda a humanidade.

"Em minha pátria, prendem-se mineiros. E os soldados mandam mais que os juízes."

"Mudou a sociedade, mudaram a época e a moda. As fábricas transformaram-se em deusas. Os deuses associados produziram salsichas, armamentos, automóveis. As guerras santas desta época foram as do petróleo. Os hereges que não se prosternarem ante os pagodes petrolíferos foram exterminados, não pela cimitarra ardente, nem pela cruz cheia de pregos, mas pelos golpes da polícia, pela tortura e pelas prisões."

"Coube a mim sofrer e lutar, amar e cantar: couberam-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e o do sangue. Que mais quer um poeta?"

"E todas as alternativas, desde o pranto até os beijos, desde a solidão até o povo, perduram em minha poesia, atuam nela porque vivi para minha poesia e minha poesia sustentou minhas lutas."

"E se muitos prêmios alcancei, prêmios fugazes como mariposas de pólen fugitivo, alcancei um prêmio maior, um prêmio que muitos desdenham mas que é na realidade inatingível para muitos. Cheguei através de uma dura lição de estética e de busca, através de labirintos da palavra escrita, a ser poeta do meu povo. Meu prêmio é esse e não os livros e os poemas traduzidos ou os livros escritos para descrever ou dissecar minhas palavras."

"A poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha."

"O poeta não é um 'pequeno deus'. Não, não é um 'pequeno deus'. Não está assinalado por um destino cabalístico superior ao dos que exercem outros misteres ou ofícios. Expressei amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se acredita um deus. Ele cumpre sua majestosa e humilde tarefa de amassar, enfornar, cozer e estragar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária."


"E se o poeta chega a alcançar essa singela consciência, poderá também a singela consciência converter-se em parte de um colossal artesanato, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos."

"... o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a humanidade."

"Penso com alegria que tudo o que vivi e escrevi serviu para aproximar-nos. O primeiro dever do humanista e a tarefa fundamental da inteligência é assegurar o conhecimento e o entendimento entre todos os homens. Vale muito ter lutado e cantado, vale muito ter vivido se o amor me acompanha."

" Nunca entendi a luta senão para que esta termine."


(Fragmento dos livros Confesso que vivi e Para nascer nasci, de Pablo Neruda.Ed. Difel, 1977)




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Sim, confesso que vivi. Confesso, outrossim, que morri. E assim vou morrendo para a vida e revivendo da morte. Quotidianamente. Didaticamente. E estabeleço minha aprendizagem nesse eterno ir e vir. Do funeral ao luto de mim mesmo, do luto de mim mesmo à ressurreição, toda a fugacidade do momento se expande e se agiganta consoante meus movimentos na direção da minha gnose e de meus mistérios. Sou Perséfone masculinizada ou Hades feminilizado. Sou morte e vida. Severa e severina. Carrego em meu ser a morte e a vida. Entendo-me mais que barro; mas lamaçal, lodo, mangue – onde toda a biodiversidade reina de par com a podridão dos restos mortais dos homens que aí se aventuram em busca de seus caranguejos. Homens, caranguejos, poetas e lama – tudo oriundo da mesma matéria líquida. Tudo destinado à mesma certeza sólida dos solos. À mesma certeza etérea do esquecimento.
Sim, confesso que vivi. Confesso, outrossim, que morri...

(Edmilson Borret)

7.1.07

Alteridades...



Olhar o defeito do outro


A mulher olhou através sua janela, apontou para o quintal da vizinha e disse ao marido:

- Há dias venho observando como é encardida a roupa da vizinha. Eu teria vergonha de pendurar no varal uma roupa tão mal lavada. Isso é relaxamento, um desleixo... Na verdade, acho que é preguiça.

O tempo passava... e, cada vez que ela voltava a observar, as roupas tinham um aspecto pior. Certo dia, uma surpresa! Ao reparar nas roupas da vizinha, ficou abismada. Estavam brancas, limpinhas, as cores vivas.

- Criou vergonha, disse ela. Perdeu a preguiça e esfregou mais, ou então trocou a marca do sabão.

- Nada disso, replicou o marido. Fui eu que lavei.

- Lavou a roupa da vizinha?

- Não, mulher, lavei o vidro da janela. Era ele que estava encardido.


(Desconheço o autor)




Não se vê aquilo que não está no olhar. Ver não é “fenômeno ótico” ou biológico. Faz parte da maneira como se codifica e decodifica o mundo que nos circunda. Ver é codificar e decodificar. É, antes de tudo, maneira de interpretar, de dar sentido, de criar e reconhecer conexões e mediações entre instâncias óticas. Olhar é “ouvir” mediações e instaurar paralelos, identidade/diferença; é identificar nosso “cheiro” e garantir territórios; é “apalpar” o conhecido e se espantar com o outro, podendo, assim, vê-lo como outro; é “degustar”, com horror ou prazer, alteridades; é vivenciar como a única realidade, ou a realidade privilegiada, o real criado pelo social.
O “espanto” ao ver o estranho, o não sociabilizado, o “fora do costume”, nos leva, labirinticamente, à idéia de “educação dos sentidos”. Nesse século visual, o olhar conquistou seu lugar e, ao mesmo tempo, foi desvendado. Não se vê como os animais: vê-se aquilo que determinada sociedade instaura como instância visível, seus possíveis, impossíveis e variantes, as formas, seu movimento esperado ou a dialética entre essas mesmas dinâmicas. Até mesmo ver além dos limites acontece nas virtualidades vivas das redes ficcionais da práxis. O encontro com o desconhecido, como a garrafa de coca-cola no filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, ou os encontros dos europeus com “outros povos” nos faz recodificar, dando ao “caos” os significados e as redes simbólicas de sentido e segurança, “esquecendo” seu nada-para-nós. O olhar não suporta o nada: sem reconhecimento não há o ver; sem um projetar profundo, que é uma maneira de não ver, não conseguimos ver.
Todo olhar é olhar histórico. Ele não é uma função, mas um desdobrar e um projetar interioridades sociais, sendo instaurado como algo a ser conhecido ou reconhecendo esse mesmo conhecido. Principalmente porque sua instauração se dá dentro de redes culturais e seu exercício é sempre “proposta” dessas mesmas redes: não vemos senão essas “grades” e suas projeções.A partir desse fundamento, ver é sempre ver um mundo codificado, logo, ver é processo contínuo e profundo de codificação, decodificação e recodificação. A “realidade” não é algo dado, mas estrutura simbólica instituída sócio-historicamente. Tanto a codificação quanto a decodificação são processos indispensáveis “à existência das práxis sociais que conhecemos”. Sem essas “operações” seria impossível manter a estabilidade da antroposfera que nos permite reconhecer o outro, se reconhecer e reconhecer um mundo que nos cerca com suas funções, necessidades e valores.
Vendo, podemos instaurar as mediações necessárias ao entendimento do social como um todo. Mas esse ver apresenta-se como um “ouvir”: as mediações não são vistas, mas feitas sem se ver, fora do mundo das formas. Os nexos são impalpáveis, pertencendo mais ao “universo auditivo” que ao escultural do visível. Não vemos a relação entre as coisas a não ser quando se tornam visíveis. O olho lê sem ver, reconhecendo a possibilidade entre as coisas e sua normalidade. Com isso coloca-se existencialmente a “identidade” e a “diferença" enquanto reconhecimento de si e do outro. O olho é o instrumento da alteridade cultural: aquilo que identifica o nós cultural separando essa identidade do existir do outro. O olhar carrega todo o arsenal ideológico disponível numa sociedade, não conseguindo, por vias não críticas, se libertar desse fundamento inescapável por sua própria atuação.
Sendo o olhar sempre o “olhar de um mundo”, a ocidentalidade é também uma grande maneira de ver e de impor esse ver como "a visão". O olhar ocidental é aquele que perdeu a certeza de ser o olhar de determinada sociedade e se disse o real do olhar. Vemos como nosso-deus “vê” o mundo e a cristandade vê aqueles que não são cristãos. A milenar prepotência do nosso olhar funda-se nesse mítico que sempre se considerou miticamente além do mítico. É olhar de determinado poder ordenador de instâncias sociais. Não é olhar descompromissado, mas olhar de certa moralidade: é olhar que julga e separa, aproximando ou distanciando o outro daquele deus que consideramos o único. É aquele que aponta o certo e o errado. Olhar que garante a vida ou a morte: aquilo que está próximo ao olhar, fraternalmente unido e certo, ou aquilo que está distante e é o outro a ser morto, devorado, escravizado, marginalizado, aprisionado ou esquecido.
O olhar no ocidente é o primeiro acesso ao monstruoso desvio ou o espelho-inverso do irmão. O criado e mantido por deus versus aquilo que se perdeu e outro criador o guiou à perdição. É olhar que “se criou” amando o outro para transformá-lo num igual: esse amor cessa na hora em que o outro recusa a deixar de ser ele mesmo ou se recusa a servir. O olhar ocidental não suporta a verdadeira igualdade. O olhar ocidental é olhar masculino, falus inescapável da Razão. Esse olhar duro é, na verdade, o nosso olhar. Essa dureza é a mesma do nosso real, tem todas as suas asperezas, todas as suas arestas finas e dolorosas. Toda a história do ocidente é a história desse olhar sobre si mesmo e sobre as outras sociedades e de como esse olhar de olho-gordo, olhar-secante, fixo e guloso, olhar da Medusa, formatou realidades completamente diferentes numa hegemonia duvidosa mas “sempre” mantida pelas armas do olhar e pelo olhar das armas. Noite e dia, olhar diuturno: olhar pornográfico fundando sua temporalidade. Olhar inescapável dentro dos sonhos, dentro do desejo, dentro de casa, dentro da carne e do lugar de trabalho, o olhar dentro da fala. O inferno está, no ocidente, sartrianamente, no olhar dos outros: olhar juiz, carcereiro e carrasco. Olhar que, no capitalismo, torna-se o olhar da coisa: reificado e reificador. Ele não vê mais senão coisas e relação entre coisas, como se os sujeitos fossem invisíveis. Relações sociais produtoras de mercadorias criando o olhar: o olhar do capital. E como a lógica do capital tornou-se a única fundamentação lógica do mundo, o olhar passa a ser o olhar dessa lógica. E somente esse olhar pode “passear”, como um grande olho metafísico carregando seu paraíso à tiracolo.
O turista só é possível no capital tornado fundamento vivo da sociedade. Antes do capitalismo não existiam turistas ou o olhar do turista. O viajante não é turista. Seu olhar é diferente. É ainda olhar tradicional. Julga mas não dissolve: acrescenta ao seu saber vivido os mundos fora do seu mundo.
O olhar do turista, olhar reificado por excelência, é sem profundidade: transparencializa sem se impor, olha sem se comprometer, olha sem olhar. Antes de olhar possui a certeza estabelecida por informações prévias. O olhar do turista não encontra o outro, mas estereótipos, modelos, esquemas. Seu olhar não é instrumento do vivido e da experiência, mas da confirmação. Ele não leva o mundo do outro para o campo vivo de um saber humano. Ele plasma, seja em fotos, filmes ou em narrativas esquemáticas, apenas o prefigurado e suas variáveis inesperadas. Vê as paredes do templo mas não sente, entende ou deseja naquela fé.
É o olhar das coisas sobre os homens. É o olhar permitido: o olhar do lazer, entretempo do tempo do trabalho. Não é o olhar da busca, mas o olhar do descanso da coisa sobre as coisas. Não é o olhar criador, mas o olhar da reprodução do capital descansando, em férias.

(Alberto Lins Caldas)



Geralmente, o defeito que notamos no outro são os nossos próprios defeitos projetados.

Ou, como disse Sarte no Huis clos: L'enfer, c'est les autres.

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